Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2290/05.3TBVFX.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: COMPENSAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1- Opera-se a sub-rogação quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia ou que para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível, adquire os direitos do credor originário em relação ao respectivo devedor.
2- Admitem-se duas espécies de sub-rogação: a sub-rogação convencional e a sub-rogação legal.
3- A convencional ou voluntária resulta de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor primitivo, a quem é feito o pagamento, ou entre o terceiro e o devedor, prevendo a lei três modalidades, uma delas efectuada pelo credor e as duas restantes pelo devedor.
4- A sub-rogação legal é a que se produz directamente por força da lei, só existindo, na medida em que esta a permita.
5- Nos termos do art. 848º do C. Civil, a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra e é, pelo próprio teor, uma declaração receptícia, que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicial, bastando que chegue ao poder do destinatário, nos termos do art. 224º do C. Civil.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1-Relatório:
O autor, L, intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra a ré, M C.R.L., alegando para tanto que, em virtude de sinistro agrícola no ano de 2002 nas explorações do autor, veio a ser beneficiário de uma indemnização paga por uma seguradora, em montante que foi creditado à ré, por se tratar de um seguro de grupo, mas que esta teria de o entregar ao autor na totalidade, tendo a ré operado a compensação de um crédito abusivamente.
Concluiu pedindo, a condenação da R. a reconhecer que o A. nada lhe devia na data em que declarou a compensação e, em consequência, a reconhecer que a importância de € 12.060,08, por si retida, a título de compensação de créditos é ilegal, por não beneficiar de qualquer crédito sobre o autor, devendo, como corolário, ser a ré condenada na devolução ao autor da importância, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde 23/06/2003 e até efectivo e integral pagamento.

Regularmente citada apresentou a ré a sua contestação, alegando que, o autor solicitou os seus préstimos, por se encontrar descapitalizado e que a ré pagou a uma empresa, por serviços de transporte efectuados ao autor entre as suas searas e a indústria transformadora, a quantia de € 12.060,08, tendo operado a compensação, por declaração escrita que lhe enviou em 23 de Junho de 2003.

Prosseguiram os autos a sua normal tramitação, vindo a ser proferida sentença, a julgar a acção improcedente e a absolver a ré do pedido.

Inconformado recorreu o autor, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- O A., em virtude do sinistro agrícola ocorrido no ano de 2002, veio a ser indemnizado da quantia de € 40.320,00, a qual foi creditada na conta da R.
- A R., não entregou a totalidade da quantia de 40.320,00 € ao A., mas apenas a quantia de 28.259,92 €, tendo retido a quantia peticionada de 12.060,08 €, para compensar crédito que supostamente o A. devia à R.
- Tal crédito advinha de pagamento que a R. teria efectuado à firma "TLda.", a quem supostamente o A. deveria aquela quantia.
- Ao efectuar tal pagamento, na sentença recorrida, o Tribunal, ainda que não o diga expressamente, terá considerado que a R. tinha um crédito em virtude de sub-rogação voluntária, a qual pode ser efectuada de dois modos: resultante de um contrato realizado entre o credor e um terceiro ou entre o devedor e o terceiro, conforme art°s 589° e 591° do C. Civ.: e outra legal, resultante do pagamento feito por um terceiro interessado na satisfação do crédito, conforme art. 592°.
- Como resulta da resposta ao quesito 2°, não ficou provado que a R. efectuou o pagamento à firma "T, Lda." por solicitação do A., isto é na modalidade de sub-rogação pelo devedor, pelo que ao efectuar tal pagamento, o mesmo não produz efeitos quanto ao A. enquanto devedor à "T, Lda.", ou seja, não fica a R. sub-rogada, nos termos do art. 590° do Cód. Civil.
- Na modalidade resultante de um contrato realizado entre o credor e um terceiro, também a mesma é inoperante quanto ao aqui A., pois o mesmo teria de ser notificado nos termos do art. 583° n°1 por remissão do art. 594°, ambos do Cód. Civil, o que não foi efectuado.
- Na sub-rogação voluntária, seja qual for a sua modalidade, a mesma não opera quanto ao aqui A., por não estarem verificados os requisitos exigidos pelos art°s 590 e 583° n°1, este último por remissão do art. 594°, todos do Cód. Civil, pelo que a douta sentença a aceitar tal pagamento efectuado pela R., por sub-rogação, viola os referidos artigos.
- Deste modo, nunca a R. foi credora do A. pela quantia de 12.060,08 €. - Se a R. pagou a quantia de 12.060,08 € à firma "T, Lda", pagou mal, não tendo o A. qualquer responsabilidade neste pagamento que a R efectuou.
- Ao não sendo a R. credor do A. pela quantia dos autos, ou outra quantia, não poderia ter lugar à invocada compensação, por não estarem preenchidos os requisitos do art. 847° do Cód. Civil, mais concretamente o seu n°1, sendo necessário que duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, o que não se verifica.- De facto o A: era credor da R. e a R não era credora do A.
- Decidindo de outro modo, a decisão recorrida viola o art. 847° do Cód. Civil.
- Pelo exposto, a decisão recorrida viola, entre outros, os arts. 583°, 589°, 590°, 591, 593°, 594° e 847° do C. Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 684º, 664º e 690º, todos do CPC.

A questão a dirimir consiste em aquilatar sobre a verificação ou não, dos requisitos necessários para se operar a compensação de créditos.

A matéria de facto delineada na 1ª. instância foi a seguinte:
1. O autor dedicou-se à actividade de exploração agrícola, no âmbito da qual produziu tomate.
2. A ré é uma cooperativa de produtores de tomate que presta serviços aos produtores de tomate seus associados, comercializando o tomate produzido por estes, nos termos acordados entre eles e a primeira.
3. O autor é o associado da ré nº.4.
4. O autor pagava à ré as quantias acordadas entre ambos, como contrapartida dos serviços e despesas administrativas inerentes à comercialização do tomate, por parte da segunda.
5. A ré lançava em conta corrente contabilística todos os movimentos respeitantes ao tomate transaccionado, todas as facturas referentes aos serviços, despesas administrativas daquela e todos os montantes recebidos do autor.6. Por carta datada de 25 de Março de 2003, a ré comunicou ao autor que o seu saldo devedor era de € 0,00 e que tinha a seu favor um saldo credor de €7.838.63 (sete mil oitocentos e trinta e oito euros e sessenta e três cêntimos).
7. Em virtude do sinistro agrícola ocorrido no ano de 2002, nas explorações agrícolas do autor, veio este a ser indemnizado na quantia de € 40.320,00 (quarenta mil trezentos e vinte euros), a qual foi creditada na conta da ré, por se tratar de seguro de grupo.
8. A ré enviou ao autor uma carta datada de 23 de Junho de 2003, na qual lhe comunicava ter recebido da Companhia de Seguros a quantia de € 40.320,00 (quarenta mil trezentos e vinte ouros), referente ao acordo efectuado com aquela seguradora e tendo por objecto a indemnização por prejuízos sofridos na campanha do tomate do ano de 2002. Mais lhe comunicava ser credora da quantia d.e € 12.060,08 (doze mil sessenta euros e oito cêntimos) e que compensaria tal crédito com parte da quantia recebida da referida seguradora.
9. Nesta sequência, da quantia relativa à indemnização supra referida, a ré apenas entregou ao autor € 28.259,92 (vinte e oito mil duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e dois cêntimos), ficando com o remanescente para si.
10. Durante a campanha agrícola do tomate de 2001, a "T, Lda. efectuou os serviços de transporte a que se referem as facturas n°s 494, 495, 539, 567, 584, 620, 634, 651, 664, 683 e 684, datadas de Agosto, Setembro e Outubro de 2001, no montante total de € 12.060,08 (doze mil sessenta euros e oito cêntimos), a pedido do autor.
11. A ré liquidou à "T, Lda.," as facturas n.°s 494, 495, 539, 567, 584, 620, 634, 651, 664. 683 e 684, referidas em 10).
12. A ré contratou com a "T, Lda." os serviços de transporte referidos em 10), a solicitação do autor, tendo a ré assumido perante a "Templocarga, Lda." o compromisso de proceder ao pagamento de tais serviços, caso o autor o não fizesse.

Vejamos:
Insurge-se o recorrente sobre a compensação dos créditos levada a efeito na sentença, por duas ordens de razões.
A primeira, porque, o Tribunal, ainda que não o tenha dito expressamente, terá considerado que a ré tinha um crédito em virtude de sub-rogação voluntária e a segunda, porque, não sendo a ré credora do autor, não poderia ter lugar a invocada compensação.
Assim, convém antes de mais clarificar os conceitos, para se aferir da justeza ou não do descontentamento do recorrente.
Ora, a sub-rogação trata-se de uma transmissão singular de créditos que é legalmente reconhecida.
Como refere o Professor, Almeida Costa, in, Direito das Obrigações, 9ª. ed., pág. 762 e seg., «Opera-se a sub-rogação quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia ou que para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível, adquire os direitos do credor originário em relação ao respectivo devedor.
Admitem-se duas espécies de sub-rogação: a sub-rogação convencional e a sub-rogação legal.
A convencional ou voluntária resulta de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor primitivo, a quem é feito o pagamento, ou entre o terceiro e o devedor, prevendo a lei três modalidades, uma delas efectuada pelo credor e as duas restantes pelo devedor (cfr. arts. 589º, 590º e 591º, todos do C. Civil).
A sub-rogação legal é a que se produz directamente por força da lei, só existindo, na medida em que esta a permita».
Assim, tal como se encontram configuradas as conclusões do recurso, o que importa analisar é se houve ou não a sub-rogação voluntária, quer pelo credor quer pelo devedor.
Ora, de acordo com a materialidade fáctica apurada, que não foi impugnada, temos com relevo nesta parte, a seguinte:
- Durante a campanha agrícola do tomate de 2001, a "T, Lda. efectuou os serviços de transporte a que se referem as facturas n°s 494, 495, 539, 567, 584, 620, 634, 651, 664, 683 e 684, datadas de Agosto, Setembro e Outubro de 2001, no montante total de € 12.060,08 (doze mil sessenta euros e oito cêntimos), a pedido do autor.
- A ré liquidou à "Templocarga, Lda.", as facturas n.°s 494, 495, 539, 567, 584, 620, 634, 651, 664. 683 e 684.
- A ré contratou com a "T, Lda." os serviços de transporte referidos, a solicitação do autor, tendo a ré assumido perante a "Templocarga, Lda." o compromisso de proceder ao pagamento de tais serviços, caso o autor o não fizesse.
Perante tal, temos que o autor solicitou a realização dos serviços de transporte, que a ré contratou tais serviços e que assumiu o pagamento dos mesmos, pelo autor.
A ré passou a deter um crédito sobre o autor, no exacto montante do que pagou, ou seja, na quantia de € 12.060,08.
Nos termos constantes do art. 590º do C. Civil, há uma sub-rogação pelo devedor, ou seja, o terceiro que cumpre a obrigação pode ser igualmente sub-rogado pelo devedor até ao montante do cumprimento, sem necessidade do consentimento do credor.
São requisitos da sub-rogação voluntária directa pelo devedor, como alude Menezes Cordeiro, in Obrigações, 1980, 2º.Vol., pág.103 :
- O cumprimento de uma obrigação por terceiro.
- A vontade de sub-rogar, expressamente manifestada pelo devedor e até ao momento do cumprimento da obrigação.
A sub-rogação considera-se aceite pelo devedor nos casos em que ele próprio declara sub-rogar o terceiro nos direitos do credor (cfr. Galvão Telles, Obrigações, 3ª.ed., pág. 233).
Efectivamente, todos estes requisitos encontram apoio nos factos apurados e na base dos artigos 589º, 590º e 594º ex vi do art. 583º, todos do Código Civil.
Assim, nenhuma violação de tais preceitos foi cometida, não merecendo acolhimento o descontentamento do recorrente nesta parte, pois, só uma interpretação desvirtuada da prova poderia alcançar diferente cobertura legal.
Ficando a ré detentora de um crédito sobre o autor, resta aquilatar da possibilidade de proceder ou não à sua compensação.
A compensação é uma causa de extinção das obrigações e, como alude Antunes Varela, in, Das Obrigações Em Geral, 2ª.ed., vol.II, pág. 161 «o meio do devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o credor».
Nos termos consagrados no art. 847º do C. Civil, para que a compensação se verifique é necessário: a existência de dois créditos recíprocos; a validade e exigibilidade do crédito do autor da compensação; a fungibilidade das obrigações; a não exclusão por lei da compensação e a declaração de vontade de compensar.
Ora, de acordo com os factos assentes, a ré lançava em conta corrente contabilística todos os movimentos respeitantes ao tomate transaccionado, todas as facturas referentes aos serviços, despesas administrativas e montantes recebidos do autor.
-Em virtude do sinistro agrícola ocorrido no ano de 2002, nas explorações agrícolas do autor, veio este a ser indemnizado na quantia de € 40.320,00 (quarenta mil trezentos e vinte euros), a qual foi creditada na conta da ré, por se tratar de seguro de grupo.
-A ré enviou ao autor uma carta datada de 23 de Junho de 2003, na qual lhe comunicava ter recebido da Companhia de Seguros a quantia de € 40.320,00 (quarenta mil trezentos e vinte ouros), referente ao acordo efectuado com aquela seguradora e tendo por objecto a indemnização por prejuízos sofridos na campanha do tomate do ano de 2002. Mais lhe comunicava ser credora da quantia de € 12.060,08 (doze mil sessenta euros e oito cêntimos) e que compensaria tal crédito com parte da quantia recebida da referida seguradora.
-Nesta sequência, da quantia relativa à indemnização supra referida, a ré apenas entregou ao autor € 28.259,92 (vinte e oito mil duzentos e cinquenta e nove euros e noventa e dois cêntimos), ficando com o remanescente para si.
Com efeito, na situação em apreço, encontram-se preenchidos todos os requisitos legais para tanto, pois, existe um crédito do autor e um crédito da ré derivado da sub-rogação, o crédito da ré é válido e já exigível, os objectos das respectivas prestações são fungíveis, a lei ao abrigo do art. 853º do C. Civil não exclui a compensação no caso em apreço e, finalmente, o direito potestativo à compensação foi exercitado através da declaração constante da carta enviada em 23 de Junho de 2003.
Nos termos do art. 848º do C. Civil, a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Com efeito, de acordo com o Prof. Antunes Varela, na obra já indicada, a declaração de compensação é, pelo próprio teor, uma declaração receptícia, que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicial, bastando que chegue ao poder do destinatário, nos termos do art. 224º do C. Civil.
Destarte, não foi violado qualquer normativo legal, tendo sido feita uma correcta subsunção jurídica dos factos, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.
Custas a cargo do apelante.
Lisboa, 30-6-2009
Maria do Rosário Gonçalves
Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos