Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
764/11.6TMLSB-A.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Sumário: I - Em caso de divórcio e/ou separação dos membros do casal, de nacionalidades distintas, com o regresso de um deles ao seu país natural, conciliar o exercício das responsabilidades parentais com a entrega da criança a um dos progenitores e a fixação da residência desse menor, não pode nem deve deixar de ser ponderado à luz do “superior interesse da criança”.
II –O “superior interesse da criança” é um conceito indeterminado, que tem vindo a ser determinado à luz dos instrumentos legislativos, quer de direito internacional quer nacional, radicando na ideia de procura da solução mais adequada para a criança, aquela que melhor a salvaguarde, melhor promova o seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a sua idade, o seu enraizamento ao meio sócio-cultural, mas também a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objectivos.
III – Assim, o “superior interesse da criança” deve ser valorado, desde logo, no âmbito da família a que a criança pertence, com os concretos progenitores em causa e com os contornos que cada situação familiar encerra, devendo ponderar-se que um pai ou uma mãe que estejam privados da sua liberdade de acção e realização pessoal, profissional ou outra, não constituem figura parental de referência para uma criança
IV - Sendo natural o regresso da mãe das menores a sua casa, à sua família e ao seu país, Espanha, após terminar o seu casamento em Portugal, onde vivia, não se mostrando tal opção como injustificada ou caprichosa, antes como adequada e necessária em termos profissionais e tendo o pai dupla nacionalidade, relações familiares e de trabalho em Espanha, onde mantém o seu domicílio fiscal, com facilidades de contacto regulares com as filhas que permitam o desejado e são convívio entre pai e filhas, não se verifica um condicionalismo que desaconselhe que as menores possam passar a ter a sua residência fixada em Espanha, com a mãe.

(A.M.)
Decisão Texto Parcial:Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
AC propôs acção de regulação das responsabilidades parentais contra PR relativamente às duas filhas menores de ambos, IB, nascida a 27 de Maio de 2002 e AS, nascida 9 de Agosto de 2004.
Na conferência de pais a que alude o artigo 175º da OTM, não foi possível obter o acordo dos progenitores sobre o regime das responsabilidades parentais.
Foram apresentadas alegações e foi requerida a produção de prova.
Procedeu-se a inquérito acerca da situação sócio-económica da Requerente e Requerido.
Após, teve lugar a Audiência de Discussão e Julgamento tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:
«Face a todo o exposto decido regular o exercício das responsabilidades parentais relativas às menores IB, nascida a 27 de Maio de 2002 e de AS nascida a 9 de Agosto de 2004 ambas filhas de PR e AC nos seguintes termos:
A A IB e a AS ficam entregues à guarda e cuidados da mãe junto de quem fixam residência em Portugal.
B) O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância caberá a ambos os progenitores.
C) O exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos de gestão da vida corrente caberá à progenitora com quem residem.
D) O progenitor poderá visitar e estar com as filhas sempre que o desejar a acordar previamente com a mãe das crianças e bem assim:
- A IB e a AS passarão os fins-de-semana de quinze em quinze dias com o pai, de sexta-feira a segunda desde o final das actividades escolares de sexta até ao início das actividades escolares de segunda.
- A IB e a AS ficarão com o pai às quartas feiras despois das actividades escolares até quinta-feira até ao início das actividades escolares.
- A IB e a AS passarão metade das férias escolares com cada um dos progenitores.
- As férias de Verão, que serão em períodos de 15 dias seguidos, deverão ser acordadas entre os pais até final de maio de cada ano.
- As férias de natal serão passadas alternadamente da seguinte forma: As crianças passarão a primeira semana de férias com o progenitor com quem passe a época de Natal (consoada e dia) e com a restante e última semana de farias com quem passar a festividade de Ano Novo (passagem de Ano e dia de Ano Novo), alternando nos anos seguintes.
- Nas férias da Páscoa a IB e Ana passarão a primeira de férias com quem tiver passado a primeira semana de férias de Natal e com o outro passa a segunda e última semana de férias da Páscoa com quem tiver passado a última semana de férias de Natal.
- As menores passarão o dia de Aniversário da mãe com esta, ainda que seja em dia de fim-de-semana ou férias do pai, o mesmo se aplicando ao dia de aniversário do pai.
- Passarão o dia da mãe com esta, ainda que seja em dia de fim-de-semana ou férias do pai, o mesmo se aplicando ao dia do pai;
- No dia do Aniversário de cada uma das menores estas tomarão uma refeição com cada um dos progenitores.
- Sempre que se verifiquem fins-de-semana prolongados a IB e a Ana passarão o dia que acresce ao fim de semana com o progenitor com quem estiverem no fim-de-semana;
C) A título de alimentos (…).
D) A prestação alimentar fixada será actualizada automaticamente (…)
E) O requerido pagará ainda (…)
Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso de Apelação, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

I – UMA VIOLAÇÃO GRAVE DO DIREITO FUNDAMENTAL DE DESLOCAÇÃO E DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO
1 (A). Na sentença recorrida – naquilo que é primordial, marginalizando agora o montante da pensão de alimentos –, foi decidido o seguinte:
E) A IB e a AS ficam entregues à guarda e cuidado da mãe, junto de quem fixam residência em Portugal;
F) O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância caberá a ambos os progenitores;
G) O exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos de gestão da vida corrente caberá à progenitora com quem residem;
H) O progenitor poderá visitar e estar com as filhas sempre que o desejar, e acordar previamente com a mãe das crianças [e, bem assim, no quadro do regime do direito de visitas estabelecido].
2 (B). O problema dos autos reside no inciso supra sublinhado: “junto de quem fixam residência em Portugal”.
3 (C). Ressalvado o devido respeito, a sentença recorrida viola – de forma grave, ostensiva e até desumana – o direito fundamental de deslocação e de emigração, consagrado no art. 44.º da CRP, de que são titulares os cidadãos portugueses, mas igualmente os estrangeiros que aqui residam, como é o caso da Recorrente.
4 (D). A sentença recorrida viola igualmente os arts. 21.º e 45.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e os arts. 15.º e 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que estabelecem que qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados Membros, bem como de exercer livremente a sua actividade profissional em qualquer um dos Estados Membros, respondendo às ofertas de emprego que efectivamente lhe sejam feitas e estabelecendo-se onde entender para trabalhar ou prestar serviços.
   5 (E). E viola também a liberdade de circulação, consagrada no art. 2.º do Protocolo n.º 4 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que só pode ser objecto de restrição em situações relevantes para a segurança nacional, a segurança pública, a manutenção da ordem pública, a prevenção de infracções penais, a protecção da saúde ou da moral ou a salvaguarda dos direitos e liberdades de terceiros.
II – O DIREITO DE MUDAR DE RESIDÊNCIA
  6 (F). O problema dos autos radica numa deficiente articulação – por banda da sentença recorrida – entre o direito fundamental a mudar de residência e aquilo que entende ser o interesse superior do menor no âmbito de um processo de regulação de responsabilidades parentais.
        7 (G). É um tema cada vez mais actual, que, entre nós, já foi tratado – com particular elevação e rigor – pela Juíza Conselheira MARIA CLARA SOTTOMAYOR, na obra “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio”, bem como nos arestos supra assinalados.
 8 (H). Em função dessa doutrina e jurisprudência, estabelecem-se os seguintes princípios fundamentais:
· O menor deve ser confiado à guarda e cuidado da pessoa que dele trata no seu dia-a-dia, a chamada figura primária de referência;
· Não deve ser limitado o direito de mudar de residência, incluindo para outro país, do progenitor e dos menores cuja guarda e cuidado lhe foram confiados, a não ser que exista uma grave razão de saúde, de segurança ou outra de relevância excepcional equivalente;
· Caberá ao progenitor sem a guarda o ónus de provar a ocorrência desse dano grave, diferente dos incidentes normais de uma mudança.
        9 (I). O entendimento normativo dos arts. 85.º, n.º 1, 1887.º, 1906.º e 1918.º do C. C., conjugadamente considerados, no sentido de que o Tribunal pode recusar ao progenitor a quem foi confiada a guarda e cuidado do menor o direito a mudar de residência - dele e do menor - para outro país da União Europeia – in casu para Espanha –, sem que seja demonstrada a existência de dano grave para a sua saúde, segurança ou outra razão de relevância excepcional equivalente, é inconstitucional, por violação do direito fundamental de deslocação e emigração, que o art. 44º da C.R.P. consagra, bem como as disposições supra citadas do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
IIII – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)
IV – APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
IV.A – Enquadramento
    23 (W). Como bem se diz na sentença recorrida, o problema dos autos resume-se a saber se, mudando a ora Recorrente de residência para Espanha, pode ou não fazer-se acompanhar nessa deslocação das menores, uma vez que não existe qualquer dúvida acerca da circunstância dela ser a figura primária de referência das crianças.
         
24 (X). Que a mãe é a figura primária de referência das crianças – daí que não haja desacordo quanto ao facto da guarda e cuidado das crianças lhes deverem ser confiados – é o que decorre dos factos provados sob as alíneas t), u), bb), cc) e dd).
25 (Y). Assim sendo, à luz da doutrina e jurisprudência perfilhadas, acima reportadas sob a parte II destas alegações, só se poderia colocar a questão de inviabilizar que as menores acompanhassem a mãe para Saragoça - uma vez que esta pretende mudar a sua residência para essa cidade - se tivesse sido demonstrado que existe uma grave razão de saúde, segurança ou outra de relevância excepcional equivalente que o justifique.
Porém, tal razão grave ou motivo excepcional não existe, não está demonstrada e nem sequer está configurada nesses termos pela sentença recorrida.
26 (Z). Isto é, a sentença recorrida não perfilhou o entendimento da jurisprudência e doutrina acima enunciadas, não considerando que a restrição ao direito da mudança de residência só se coloca quando exista uma grave razão ou motivo excepcional (de saúde, segurança ou outra de valor equivalente) que o justifique. Antes optou por apenas valorar aquilo que julga que melhor satisfaz o interesse das menores, desconsiderando em absoluto o direito da mãe a mudar de residência, o qual, na óptica da sentença, sempre terá de ceder perante o juízo de conveniência efectuado pelo tribunal.
27 (AA). Ora, colocado o problema nesses termos, a decisão recorrida violou o direito fundamental da Recorrente a mudar de residência – emanação do direito constitucional de deslocação e de emigração –, interpretando, ademais, o art. 1906.º do C.C., particularmente o seu n.º 7, de forma inconstitucional, como supra já se assinalou.
28 (BB). Dir-se-á que a mãe só muda de residência se quiser, o que é uma realidade.
Contudo, colocar à Recorrente, aqui mãe, o dilema em apreço – “ou voltas para Saragoça para refazer a tua vida pessoal, familiar e profissional como queres, mas então vais sem as tuas filhas, ou continuas aqui e renuncias a essas tuas opções e direitos” – consubstancia uma quase “chantagem judicial”, intolerável e perversa, que não podemos aceitar.
Só assim não seria, repete-se mais uma vez, se existisse uma grave razão, de saúde, de segurança ou outra de excepcional relevância equivalente, que justificasse a interferência do Tribunal no projecto de vida da mãe das menores, que é a sua figura primária de referência.
29 (CC). De qualquer forma, mesmo que se aceitasse que ao tribunal caberia valorar os interesses em causa fora do quadro de uma razão grave ou motivo excepcional, ainda assim, apreciando cada um dos argumentos utilizados, a conclusão só pode ser – à luz de um critério de equidade, razoabilidade e conveniência – a de que a mudança de residência das menores não afecta um interesse relevante destas, se tivermos em conta que, não autorizando essa mudança de residência das menores, a consequência será uma de duas: ou impedir de facto a mãe de mudar de residência ou expor as menores à situação de deixarem de viver com a sua figura primária de referência.
IV.B – A estabilidade da vida das menores
30 (DD). A sentença recorrida ancora-se, antes de mais, no argumento de que as menores têm a sua vida familiar, escolar e social centrada em Portugal, pelo que sobrelevaria o seu interesse em que essa estabilidade não fosse alterada.
31 (EE). Contudo, e sem obviamente negar que a mudança de residência para Saragoça implicará uma alteração de rotinas, não se pode aceitar que essa mera circunstância seja um factor determinante para a resolução do problema dos autos, como muito bem explica a Juíza Conselheira MARIA CLARA SOTTOMAYOR, no excerto da sua obra já acima transcrito: a ruptura na estabilidade social da vida do menor não constitui fundamento para a intervenção do Estado na família (cfr. MARIA CLARA SOTOMAYOR, cit. supra).
32 (FF). Nesta sede, aquilo que mais releva é que a alteração da residência das menores lhes permite acompanhar a opção de mudança de residência da figura primária de referência, que é a mãe, ao mesmo tempo que essa deslocação não impede nem prejudica que as menores mantenham um convívio regular com o pai, como, aliás, a sentença recorrida também admite: “no caso, o direito de visita do progenitor, caso as crianças fossem residir para Espanha, não estivesse particularmente dificultado quer pelas ligações do pai a Espanha, quer por não inexistirem razões de ordem económica”.
Igualmente, a ida para Espanha não afecta o convívio das menores com os avós paternos – estes, com uma casa em ... – e maternos, que sempre ocorreu (cfr. factos provados l), xx) e yy)), continuando aquele a exercer-se aos fins de semana e férias, no quadro do direito de visita do pai. Idem, com a irmã PB, que tem vivido em ... (cfr. facto provado r)).
33 (GG). Ademais, ficou provado que ambas as menores convivem habitualmente com amigos, tendo facilidade de relacionamento com pares e de construção de novas amizades, e dominando a língua espanhola, o que é particularmente importante na circunstância de irem viver para Saragoça – factos provados zz) e fff).
E, assim sendo, também não se pode presumir que a mudança de ambiente escolar afecte a estabilidade emocional das menores.
34 (HH). In casu, deve sublinhar-se que é perfeitamente possível estabelecer um regime de visitas que mantenha o convívio regular com o pai, como decorre das suas circunstâncias de vida apuradas em função da factualidade provada sob as alíneas a), b), c), j), k), l), m), n), o), p) q), r), oo), jjj) e kkk) (cfr. supra n.º 41 destas alegações).
35 (II). Neste contexto fáctico, é perfeitamente possível assegurar que as menores passem fins-de-semana alternados com o pai, seja em Espanha, seja em Portugal, estando a Recorrente perfeitamente disponível para, em colaboração com o Recorrido, providenciar pelo transporte das filhas à casa a que o pai tem acesso em ..., bem como ao aeroporto que assegura a ligação entre ... e Lisboa.
36 (JJ). Pelo exposto, não está demonstrado que a mudança de residência em presença cause dano relevante à estabilidade das referências afectivas das menores que importa proteger. Pelo contrário, a factualidade provada só permite a presunção contrária.
IV.C – A avaliação psicológica da IB
37 (KK). A sentença recorrida considera de forma particular que a avaliação psicológica da IB aconselha que não haja alterações sociais na sua vida, uma vez que se encontra no início da adolescência, fundando-se para o efeito nos relatórios psicológicos da psicóloga EN (os quais constam de fls. 34 e fls. 54 dos autos).
38 (LL). Não ignora a ora Recorrente que a filha IB padeceu de alguns momentos de descontrolo emocional após a separação dos pais – motivados por essa separação -, o que não é anormal num quadro de divórcio, mas daí não resulta que exista qualquer risco sério para a sua saúde e para a sua segurança emocional se acompanhar a mãe e a irmã numa mudança de residência para Saragoça.
39 (MM). Nem isso se retira de tais relatórios, onde se sublinha que a melhor solução para o problema dos autos é a que “permita uma maior presença, participação e acompanhamento na vida da filha, por parte de ambos os progenitores” (fls. 54),o que obviamente se aceita.
Só que, separado o casal após a saída de casa do pai e optando a mãe por ir viver para Saragoça, a solução proposta pela Recorrente é a que melhor atinge tal objectivo: por um lado, manutenção da guarda das menores à mãe (figura primária de referência), por outro lado, manutenção de um regime regular de visitas ao pai, que a alteração de residência não inviabiliza, atentas as circunstâncias de vida do Recorrido.
40 (NN). É, aliás, a própria psicóloga que realça que não é a mudança que em si é protectora ou desorganizadora, mas a forma como a decisão venha a ser posta em prática e de como se organize o tempo e a relação com o progenitor que vai estar fisicamente mais distante (a fls. 34).
41 (OO). Pelo exposto, não há qualquer motivo sério de saúde, incluindo de “saúde psicológica”, que permita a conclusão de que existe um risco para a saúde da IB, se for viver para Saragoça. Nem, aliás, em bom rigor, a sentença recorrida o invoca.
IV.D – O argumento da vontade das crianças
42 (PP). Há ainda que apreciar o argumento da suposta vontade das crianças, que a sentença recorrida também utiliza abusivamente.
43 (QQ). É certo que as menores foram ouvidas quando tinham 9 (a IB) e 7 (a AS) anos de idade, sem a presença dos progenitores e dos mandatários, nos termos constantes da acta de 2 de Maio de 2012, a fls. 162 dos autos de divórcio.
E aí terão declarado – já no final da tomada de declarações – que não querem ir viver para Espanha, só tendo sabido dessa intenção da mãe na véspera do dia em que foram ouvidas – como consta expressamente dessa acta (“só lhes disse ontem”) –, tendo verbalizado o seguinte: “se a mãe for viver para Espanha preferiam ficar a viver cá em Portugal”.
44 (RR). Porém, essa verbalização tem de ser vista no contexto daquilo que consta da acta, onde têm um discurso de crianças absolutamente normais, apenas naturalmente “magoado” com a separação dos pais que gostariam que não tivesse ocorrido, a que se soma a circunstância de, na véspera, a mãe – que, até então, evitara qualquer comunicação às filhas acerca da matéria sem que a questão estivesse acordada entre os pais – ter sentido necessidade de lhes explicar a razão de ser da sua ida a tribunal.
45 (SS). De qualquer forma, essa verbalização não passa disso – não constituindo vontade livre, amadurecida e conscientemente formada, não havendo quaisquer elementos que permitam atribuir-lhe um significado relevante.
46 (TT). Acresce que tal verbalização não ocorreu neste apenso e perante o juiz destes autos, mas sim nos autos de divórcio, perante outro juiz e há mais de dois anos (e no contexto já descrito), pelo que nunca poderia ter sido considerada.
Subsistindo ao tribunal a dúvida sobre o real significado dessa verbalização anterior (ocorrida dois anos antes), caber-lhe-ia adoptar os meios processuais adequados a esclarecer a matéria, designadamente com recurso a uma perícia psicológica, o que não foi feito.
47 (UU). Pelo exposto, não se pode nem deve valorar aquela episódica verbalização, que múltiplos factores de ordem psicológica podem explicar, mas que, em qualquer caso, não integra nem prefigura o risco de um qualquer dano para as crianças se elas forem viver com a mãe para Saragoça, num contexto em que, para além de tudo o mais, está perfeitamente assegurado que mantenham um contacto regular com o pai.
48 (VV). Assim sendo, o acto de fundar a recusa de autorização de mudança de residência no pretexto daquela episódica verbalização - num contexto em que obviamente elas, com 9 e 7 anos de idade, não podiam ter amadurecido a escolha da mãe - não é aceitável e, ressalvado o devido respeito, é mesmo inadmissível.
IV.E – O juízo sobre a opção da mãe
49 (WW). Por último, a sentença recorrida argumenta que não seria vital para a Recorrente ir viver para Saragoça, uma vez que tem aqui a sua vida organizada, tendo cá amigos e trabalho, não existindo imperiosas razões profissionais ou pessoais que justifiquem a mudança, pelo que “os anseios da mãe devem ceder perante o interesse das suas filhas em permanecer em Portugal”.
50 (XX). É absolutamente extraordinário que um qualquer tribunal se permita opinar ou decidir acerca daquilo que seja o interesse pessoal e profissional da Recorrente, sendo por isso abusiva tal intromissão na esfera da sua vida pessoal.
51 (YY). Admite-se, contudo, que tal matéria pudesse ser relevante se tivesse sido demonstrado que se estaria perante um puro capricho ou acto de motivação fútil, circunstâncias que poderiam ser relevantes, designadamente por poderem prefigurar uma situação de abuso de direito. Contudo, como é óbvio, nada disso ocorre, nem se demonstrou que ocorra, nem sequer se invoca que ocorra.
52 (ZZ). Tenha-se ainda presente que a Recorrente (hoje com 45 anos de idade) quer ir viver para Saragoça porque é lá que tem a opção profissional que quer aceitar – na direcção financeira de uma empresa familiar que lhe garante casa e um salário bruto anual de € 75.000,00 (cfr. factos provados sob as alíneas f) e y)) -, porque foi nessa região que nasceu e onde vivem os seus pais, o seu irmão e outros familiares (cfr. factos provados sob as alíneas e), f), g), e i)) e porque é aí que quer reorganizar a sua vida e proporcionar a estabilidade necessária às suas filhas.
53 (AAA). Deste modo, é óbvio que a Recorrente não quer ir viver para Saragoça por um motivo gratuito, fútil ou caprichoso. Quer ir porque essa é sua opção livre, consciente, ponderada, racional e amplamente justificada, sendo inaceitável que o Tribunal se arrogue no direito de pretender ajuizar acerca da pertinência da sua opção.
54 (BBB). Mais: essa escolha é, para a Recorrente, aquela que melhor pode contribuir para o equilíbrio das filhas, porque obviamente a estabilidade da mãe também se reflecte no equilíbrio das filhas.
Mais, ainda: não é só a Recorrente que acha que não tem alternativa profissional viável – no seu caso concreto – à hipótese que lhe é oferecida em Espanha, já que também o Recorrido trabalha para uma sociedade de direito espanhol e fixou a sua residência fiscal em Espanha, onde permanece mais de metade de cada ano civil (aliás, se assim não fosse, seria em Portugal que teria de apresentar o seu IRS, nos termos dos arts. 15.º e 16.º, n.º 1, a) do CIRS).
55 (CCC). Nesta sede, cumpre também destacar que o raciocínio da sentença recorrida assenta ainda num pressuposto de facto falso, que só por lapso pode ter sido invocado.
É que, em 2013, o rendimento global da Recorrente foi de € 19.354,85, e não de € 88.000,00, como se refere na sentença recorrida (cfr. supra impugnação do segmento de facto iii)).
IV.F – Síntese
56 (DDD). A sentença recorrida coloca o dilema da Recorrente em termos de que não se trata “de abdicar dos seus direitos mas, primordialmente, de cumprir os seus deveres”.
Refuta-se a proposição, que encerra em si o grave erro – cultural, moral e jurídico – da sentença.
Não há antinomia entre o superior interesse das crianças e a ida com a mãe para Saragoça.
57 (EEE). Não deixa, aliás, de ser curioso que a sentença nunca valore como seria trágico para estas crianças deixarem de viver com a mãe, que é a pessoa que lhes dá assistência quotidiana em tudo aquilo de que elas carecem: nas refeições, na higiene, no lazer, no apoio à actividade escolar e extra-escolar, na saúde, nas suas amizades, no contacto com os professores e nos actos médicos a que têm de se submeter – factos provados bb), cc) e dd).
E não o faz, porque bem sabe que esta mãe muito dificilmente deixará de ficar com as filhas, nem que tenha de se anular como pessoa – como a mãe verdadeira da história do Rei Salomão -, o que lhe está a ser imposto.
Mas não tem de ser assim. Não é justo que seja assim. Nem para a mãe, nem para as filhas.
E a Recorrente confia que o Tribunal da Relação fará justiça.
58 (FFF). Em conformidade com o que vai exposto, a sentença deve ser alterada no inciso em apreço constante da alínea A) da sua parte decisória - “junto de quem fixam residência em Portugal”–, que deve ser eliminado, dando-se liberdade à Recorrente para fixar a residência das filhas com ela em Espanha, mais precisamente em Saragoça.
Daí decorre a necessidade de alterar o regime de visitas, estabelecendo-se, quanto aos vários itens já previstos na alínea D) da parte decisória da sentença, o seguinte:
· A IB e a AS poderão passar fins-de-semana alternados com o pai, de sexta ao final da tarde a domingo à tarde, em ... ou em Portugal, providenciando a mãe, com a colaboração do pai, pelo respectivo transporte;
· Mantém-se o que já está regulado quanto a férias, dias de aniversário e fins-de-semana prolongados;
· É assegurado o direito do pai a comunicar diariamente com as filhas, por telefone, internet ou via skype (ou outra tecnologia), com respeito pelo horário escolar e pelo tempo de descanso.
V – A PENSÃO DE ALIMENTOS
(…)
Conclui, assim, pelo provimento do recurso com a alteração da sentença recorrida nos termos constantes das conclusões FFF., OOO. e PPP
Também o Réu interpôs recurso subordinado no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
As partes contra alegaram em relação a cada um destes recursos mantendo, cada uma delas, as suas posições iniciais.
O Ministério Público respondeu às alegações da Apelante, concordando com a posição proferida muito embora  entenda que se trate de uma decisão de fronteira, concluído nos seguintes termos: “V. Exas, terão a árdua tarefa de dirimir o diferendo. No Vosso alto e ponderado citério decidirão na salvaguarda do interesse superior destas menores, conforme for de lei e de Justiça”.
(…)
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FACTOS PROVADOS
1 (a).  A Requerente e o Requerido casaram um com o outro em …/…/2001, em Zaragoza, Espanha, sob o regime de separação geral de bens.
2 (b). A Requerente nasceu em ..., Espanha, tendo nacionalidade espanhola;
3 (c). O Requerido nasceu em …,Portugal, tendo dupla nacionalidade portuguesa e espanhola.
4 (d). Em 27 de maio de 2002, fruto da união referida em a) nasceu IB e em 9 de agosto de 2004, nasceu AS Bastos Mendes Vidal Rezende, ambas na freguesia de ..., Lisboa, Portugal.
5 (e).  Os pais da requerente, de nacionalidade Espanhola, habitam em ....
6 (f).  Os pais da requerente têm uma empresa de construção civil situada em ..., com escritório em Saragoça, a qual é proprietária de um apartamento localizado em Saragoça, o qual disponibilizam à progenitora caso esta optasse por viver em Saragoça.
7 (g). A progenitora pretende alterar a sua residência para Saragoça para desenvolver a sua actividade profissional nas empresas do seu pai.
8 (h). A progenitora pretende inscrever as menores num colégio em Saragoça, perto do escritório onde iria desenvolver a sua actividade profissional e do apartamento que iria ocupar.
9 (i).  O irmão e pelo menos uma prima da requerente habitam na mesma região.
10 (j).     Os pais do Requerido, portugueses, viveram em Espanha com os quatro filhos.
11 (k).         O requerido e irmãos viveram parte da sua juventude em Espanha, sendo que um dos irmãos do requerido continua a residir em ....
12 (l).          Os pais do requerido dispõem de uma casa em ....
13 (m). Tal casa também é utilizada frequentemente pelo requerido.
14 (n).    O requerido iniciou a sua vida profissional em ... para onde se desloca frequentemente.
15 (o).  O Requerido está vinculado por contrato de trabalho à sociedade ..., sociedade de direito espanhol, com morada em ..., e actualmente exerce as funções de gerente de uma associada daquela sociedade de direito espanhol, a ...., com morada em Lisboa, na Rua .... O requerido em residência fiscal em Espanha, aí tendo permanecido, em 2011, um total de 185 dias, e em 2012, até 31 de Outubro, um total de 148 dias, no âmbito quer de tarefas profissionais específicas ao serviço de ..., quer de <tarefas profissionais gerais e em gozo de curtos períodos de férias> (o último § corresponde a aditamento ordenado no âmbito de decisão desse recurso).
16 (p).      O Requerido já teve um casamento anterior, sendo a mulher de nacionalidade espanhola, de quem tem uma filha (PB).
17 (q).    Quer a sua ex-mulher, quer a filha desse primeiro casamento foram viver para ..., após a separação com o Requerido.
18 (r).   O Requerido visita regularmente a filha PB em ..., a qual, por seu turno, vem também frequentemente a Lisboa, mantendo uma relação de proximidade com a família do Requerido que vive em Lisboa, incluindo as suas filhas.
19 (s).        Requerente e requerida estão separados de facto desde Setembro de 2010, data em que o Requerido saiu da casa de morada de família, onde vivia com a Requerente e as filhas.
20 (t).   O casal e as menores sempre viveram em Portugal, sendo a sua residência habitual na Rua ..., Lisboa, onde fixaram a casa de morada de família e onde permanecem a viver as menores conjuntamente com a mãe.
21 (u).   Após a separação do casal, as menores ficaram a residir com a Requerente, mantendo contactos regulares com o pai e familiares paternos, sendo habitual, pelo menos, passarem fins-de-semana alternados com o pai, de sexta a domingo e ficarem na residência do pai sempre que a mãe tem necessidade de sair de Portugal por motivos profissionais.
22 (v).         A Requerente trabalhou desde 1994 na empresa ..., em ..., tendo realizado alguns projectos em 1997 em Lisboa onde conheceu o Requerido com quem estabeleceu relacionamento amoroso, razão pela qual, em 1998 pediu a transferência para Lisboa, o que foi concretizado em Julho de 1998, passando desde então a desenvolver actividade profissional como consultora e até 31 de Dezembro de 2009, data em que cessou o vínculo contratual.
23 (w). Em data não concretamente determinada, mas após o nascimento da primeira filha, a requerente passou a trabalhar a tempo parcial.
24 (x).         A partir do momento em que o Requerido saiu de casa, a Requerente recomeçou a estabelecer contactos profissionais mais intensos para recuperar a sua actividade profissional.
25 (y).  A requerida tem desenvolvido alguma actividade profissional para a empresa do pai, na área da construção civil, a qual lhe oferece a possibilidade de estabelecer um vínculo contratual, caso esta opte por ir viver para Saragoça, desempenhando funções de directora financeira e de serviços e tendo como local de trabalho Saragoça, com um salário bruto anual de 75.000,00 euros.
26 (z).        A IB e a AS falam português e espanhol, tendo ambas a dupla nacionalidade, portuguesa e espanhola.
27 (aa). A IB e a AS passam habitualmente parte das férias em Saragoça e ... onde convivem com a família da mãe.
28 (bb). Habitualmente é a mãe quem assegura o acompanhamento quotidiano da vida das filhas, quer nas refeições, quer na higiene, quer no lazer, quer no apoio à actividade escolar e extra-escolar, quer na saúde, quer nas suas amizades.
29 (cc). É a requerente quem assegura o contacto regular com as professoras das menores.
30 (dd). É a requerente que habitualmente acompanha as filhas nos actos médicos a que elas têm sido submetidas.
31 (ee). O requerido após a separação de casal estabeleceu nova residência na Rua ..., próximo da anterior residência do casal.
32 (ff). A requerente após a cessação do vínculo laboral que mantinha com a ... para além da actividade referida em v) tem exercido actividade de consultoria por conta própria.
33 (gg). No exercício da actividade que tem vindo a exercer a requerente trabalha em Portugal e em Espanha, deslocando-se a este ultimo pais frequentemente.
34 (hh). A requerente reside em Portugal de forma habitual desde há cerca de 16 anos.
35 (ii). Em Portugal mantém inúmeras relações de amizade, incluindo com familiares do requerido.
36 (jj). É com esses amigos residentes em Portugal que a requerente e as filhas continuam a passar períodos de férias e a efectuar outros programas de lazer.
37 (kk). Em várias ocasiões em que a requerente necessitou de se ausentar para o estrangeiro solicitou ao requerido que este ficasse com as filhas ao que este acedeu.
38 (ll). Quer o pai, quer a mãe, sempre trabalharam muitas horas, delegando na empregada doméstica algumas das tarefas de prestação de cuidados diários às menores, como o dar banho, vestir, dar as refeições.
39 (mm). A Ana e a IB frequentam o Colégio ... desde o 12 ano de 12 ciclo escolar.
40 (nn). No mesmo colégio estudam os primos paternos com quem as menores convivem habitualmente nos fins-de-semana que passam com o pai.
41 (oo). O pai vive com uma companheira com quem as crianças desenvolveram uma boa relação.
42 (pp). O pai nos fins-de-semana ou dias de semana em que lhe cabe estar com as filhas está sempre presente.
43 (qq) A progenitora apenas viveu em Saragoça por um período de um ano, em 1996/1997, tendo crescido em ... e frequentado a faculdade em Barcelona.
44 (rr) Em Saragoça a progenitora apenas tem alguns primos afastados, com quem não convive habitualmente e não tendo ainda estabelecido relações de amizade.
45 (ss). Após a separação, ambos os progenitores levam as menores à escola, nos períodos em que estas estão à sua guarda.
46 (tt). O progenitor sempre foi adequado na prestação de cuidados às menores.
47 (uu). O progenitor já recusou ofertas de emprego no Brasil e em Paris de forma a estar mais presente na vida das filhas.
48 (vv). O progenitor acordou com a sua entidade empregadora diminuir o número de deslocações para o exterior, designadamente para Espanha de forma a estar sempre presente nos períodos em que as suas filhas estão consigo.
49 (ww). As menores encontram-se bem adaptadas ao colégio, desenvolveram amizades com colegas do colégio e vizinhos do bairro e, nas declarações que prestaram em Tribunal, verbalizam que gostam de viver em Portugal e que não querem acompanhar a progenitora, caso esta decida ir viver para Saragoça, Espanha. Tal verbalização ocorreu nos termos constantes da acta de 02/05/2012, quando a IB tinha 9 anos de idade e a AS 7 anos de idade (o último § corresponde a aditamento ordenado no âmbito de decisão desse recurso).
50 (xx). As menores convivem regular e habitualmente com os avós paternos, tios e primos direitos paternos, sendo habitual passarem pelo menos 15 dias de férias de Verão no Algarve com os avós paternos e verem-nos pelo menos uma vez por semana.
51 (yy). Os avós maternos deslocam-se habitualmente a Portugal, actualmente, desde a separação dos progenitores, quatro a seis vezes por ano, para estarem juntos da filha e das netas e estas costumam passar cerca de 15/20 dias das férias do Verão em ..., onde os avós maternos vivem habitualmente.
52 (zz). As menores falam habitualmente em português mas dominam a língua espanhola que usam quando estão de férias em Espanha e sempre que convivem com os familiares maternos.
53 (aaa). A menor IB tem alguns episódios de descontrolo emocional, mais frequentes na presença da progenitora, caracterizando-se por gritar, chorar, insultar o adulto, num comportamento regredido tipo birra, tendo os pais, por esse motivo, optado por levá-la a uma psicóloga, Drª EN, em 20.04.2012, a qual procedeu à avaliação do seu funcionamento psicológico e a vem acompanhando em consultas funcionamento psicológico e a vem acompanhando em consultas.
54 (bbb). A psicóloga aconselhou acompanhamento psicoterapêutico para a menor, avaliando que a IB tem bons recursos internos mas dificuldade em gerir as emoções, tendo revelado, no início das consultas, dificuldade em lidar com o divórcio dos pais, questão na qual estava muito centrada e que vivia com sofrimento mas que gradualmente tem vindo a ultrapassar.
55 (ccc). É também parecer desta psicóloga clínica, a 22 de Junho de 2012, que: “tendo em conta a fase de desenvolvimento em que a IB se encontra seria extremamente importante e benéfico para a mesma que a decisão a tomada revista um carácter estável e definitivo, pois, quer do ponto de vista académico – com a entrada para o 5º ano no próximo ano lectivo- quer do ponto de vista da fase do ciclo da vida em que se encontra, numa fase de charneira entre a infância e a pré-adolescência, momento extremamente importante do desenvolvimento psico-afetivo, teria ganhos poder organizar-se de uma forma estruturada e estruturante. Apesar de do ponto de vista do bem-estar interno da jovem, não se poder afirmar que uma das decisões – IB e irmã irem residir para Espanha com a mãe ou ficarem em Portugal com o pai – consista por si só numa opção mais protectora ou mais desorganizadora da IB, é possível afirmar que a melhor solução destas duas situações extremas será a que permita uma maior presença, participação e acompanhamento na vida da filha, por parte de ambos os progenitores, da mesma forma que caso fosse exequível não haver mudanças e manter a situação actual seria sem dúvida uma opção protectora do seu bem-estar.”
56 (ddd). Acrescenta que: “pensa ser da maior importância poder trabalhar no registo psicoterapêutico a decisão que venha a ser tomada, por forma a ajudar a IB a lidar com a mesma de uma forma adequada, ventilando e elaborando os sentimentos de tonalidade mais negativa que possam surgir”.
57 (eee). Ambas as menores revelam ter uma boa relação, quer com a mãe, quer com o pai, necessitando de igual forma da presença de ambos no acompanhamento do seu quotidiano.
58 (fff). Ambas as menores convivem habitualmente com amigos, tendo facilidade de relacionamento com pares e de construção de novas amizades.
(…)
Encontram-se ainda provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
84. A 20 de Janeiro de 2015, foi prestada informação pela 1.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em que se deu conta que, a 31 de Dezembro de 2014, tinha sido proferida decisão singular que revogou o despacho proferido pelo senhor Juiz de 1.ª Instância no Apenso E) e determinou que se averiguasse, liminarmente, “da superveniência e da relevância dos mesmos (factos) para a decisão da causa” – fls. 995 a 1001 dos autos.
85. No dia 21 de Setembro de 2013 o Requerido casou civilmente com AA– fls. 445 dos autos.
86. No dia 12 de Agosto de 1992 nasceu PB, filha do Requerido e de MP – fls. 583 e 584 dos autos.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO
O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso.
O conteúdo de tais conclusões deve ainda obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas que devem ser objecto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas tão só aqueles que fazem parte do respectivo enquadramento legal, como linearmente decorre do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil (artigo 5.º do Código de Processo Civil na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
Sendo inquestionável que o julgador é livre na interpretação e aplicação do Direito, é também inquestionável que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos e/ou fundamentos invocados pelas partes, mas tão só, aqueles que importem para a decisão a proferir, nos termos do disposto no artigo 5.º do Código de Processo Civil Revisto, aplicável ex vie do artigo 161.º da OTM.
Nesta linha de entendimento é imperioso ter-se presente, mormente quando estamos perante um litígio que envolve menores, o poder/dever conferido ao juiz para que, de forma célere e “adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”, profira uma decisão que acautele os interesses dos menores - artigo 6.º do Código de Processo Civil Revisto e artigo 1906.º, n.º 7 do Código Civil.
 É desta conjugação entre o interesse dos menores e a celeridade das decisões a proferir pelo Tribunal, que se devem nortear os processos, mormente os de regulação das responsabilidades parentais.
No presente caso, como podemos observar, a acção deu entrada em Tribunal no dia 14 de Junho de 2012 e, neste momento, passados mais de dois anos e meio, continuamos a discutir uma questão que deveria ter tido prioridade imediata: a fixação da residência das menores, então, como agora, em idade escolar.
Da leitura do processo não se descortinam razões para o sucedido. Cumpre, agora, proferir decisão que, no âmbito dos parâmetros acima mencionados, cumpra esse desiderato.
(…)
*
Esclarecido este ponto, vejamos o objeto de cada um dos recursos apresentados, principal e subordinado, que, no essencial, se resumem a decidir sobre os seguintes pontos:
- alteração da matéria de facto (…)
- saber se as menores IB e AS devem permanecer com a sua residência fixada em Portugal ou, pelo contrário, devem acompanhar a sua progenitora e estabelecer residência em Espanha?
- saber se a pensão alimentar (…)?
*
Por uma questão de lógica, este Tribunal irá iniciar a apreciação das questões colocadas pela apreciação da matéria de facto e, decidida a mesma, irá proceder-se a análise das questões jurídicas sendo que, quanto a estas, por uma questão de economia processual e melhor enquadramento dos factos, procederá à análise conjunta dos argumentos apresentados por cada um dos recorrentes.
Ora, o questionar da matéria de facto (…)
*
Em relação à apreciação das questões de Direito colocadas, cumpre ter presente algumas considerações e análises jurídicas, para se compreender o conteúdo da decisão a proferir.
Pensamos que constitui um dado adquirido que, nos dias que correm, é um fenómeno comum o facto de muitas famílias serem constituídas por membros que têm nacionalidades distintas.
Sendo embora situações comuns, a verdade é que sempre que ocorre o divórcio e/ou separação dos membros do casal - com o regresso de cada um deles ao seu país natural e/ou a um outro país –, e sempre que haja filhos comuns e os seus progenitores não permaneçam no mesmo espaço territorial, coloca-se a questão de saber como conciliar o exercício das responsabilidades parentais com a entrega da criança a um dos progenitores e a fixação da residência desse menor.
Com o Novo Mundo com fronteiras esbatidas e com a globalização operada, nos dias de hoje a primeira das questões colocadas tornou-se de uma actualidade constante não constituindo a situação em análise um “caso especial” a apreciar.
Mas a verdade é que este tipo de problemas pode também ser colocado no próprio território nacional. Basta termos presentes progenitores que, após a separação, passem a viver um no Algarve e outro em Trás-os-Montes, na Madeira, numa ilha dos Açores, ou em locais em que as distâncias a ultrapassar sejam mais penosas e demorem mais tempo a serem “ultrapassadas” do que aqueles que estão delineadas neste processo.
Acreditamos ser uma afirmação incontestável o facto de considerarmos que o estabelecimento das regras a observar neste tipo de situações deve ser ponderado tendo em atenção o “superior interesse do menor”.
Este conceito, porém, é um conceito indeterminado e a determinar, não só no âmbito dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º, 1886.º e 1906.º do Código Civil, como também de acordo com regras que nem sempre são as estritamente legais mas que partem do bom senso que deve ser aferido pelo homem comum. Todos nós, juristas ou não, podemos opinar sobre o que é melhor para cada criança, num determinado contexto. Mas aos Tribunais pede-se que julguem tendo por paradigma alcançar o bem-estar da criança ou, numa linguagem mais jurídica, encontrar qual é o “superior interesse da criança” que se deve defender.
A incontestável importância do tema justifica que se tenha em atenção o seu acompanhamento e sinalização em termos mundiais, nomeadamente na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, publicada no Diário da República n.º 211/90, Iª. Série, 1.º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, e onde se estabelece no seu artigo 3.º, n.º 1, que:
“(…) todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, pro tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” – sublinhado nosso.
Estabelecendo-se no artigo 9.º desta mesma Convenção, que:
“1. Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo (…) no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada”.
(…)
3. Os Estados partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança”.
Também da conjugação dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º, 1886.º e 1906.º do Código Civil e do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2 da Convenção acima mencionada, resulta claro que a procura da solução mais adequada para a criança deve ser aquela que melhor salvaguarde o “superior interesse do menor” sendo o mesmo entendido como aquele que promova o seu harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a estabilidade emocional, tendo em conta a idade, o seu enraizamento ao meio sócio-cultural e a disponibilidade e capacidade dos progenitores em assegurar tais objectivos.
Consagra também a Constituição da República Portuguesa - nos seus artigos 13.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 36.º, n.ºs 5 e 6, 68.º, n.º 2, 69.º e 70.º -, os princípios jurídico-constitucionais estruturantes da Família e dos Menores protegendo os direitos fundamentais da Criança e estabelecendo que a restrição de tais direitos, a ocorrer, terá sempre de obedecer às exigências de proporcionalidade e da adequação.
Mas, para a prolação de uma decisão neste tipo de conflitos, devemos ter presente que não há direitos absolutos a observar. Todos os direitos, sejam da criança, sejam dos pais, devem convergir para alcançar a decisão adequada a cada menor e aquela que melhor se lhe aplica em cada momento da sua vida.
É assim que, sendo certo que o “superior interesse da criança” é um dos objectivos a preservar, é também certo que o mesmo deve, naturalmente, ser apreciado em conjunto com outros direitos, nomeadamente, o direito dos seus progenitores. Um pai ou uma mãe que esteja privado da sua liberdade de acção e realização pessoal, profissional ou outra, não pode ser uma figura parental de referência para uma criança. Dito de outra forma, não podemos esperar que pais infelizes e diminuídos possam ser a figura parental de referência para uma criança. Assim como não podemos afirmar, em termos absolutos, que um progenitor é “bom” para a criança se viver num determinado espaço geográfico e já não o será, se alterarmos esse espaço.
Para nós é indiscutível que o bem-estar da criança é o fim primordial a alcançar na acção e na vida. Mas esse fim tem de ser encontrado na família a que a criança pertence, com os concretos progenitores em causa e com os contornos de cada situação familiar encerra.
Na situação em apreciação temos duas crianças, a IB e a AS, actualmente com 12 e 10 anos de idade, que ao longo destes últimos dois anos e meio têm suportado a “guerra” travada nos tribunais, e não só, para a fixação da sua residência e, consequentemente, para a definição de qual o progenitor com quem devem ficar a viver, o que no caso se traduz, em saber em que país vão residir.
Desde já se salienta que ambos os progenitores têm capacidades próprias e de qualidade para cuidar e educar as crianças, sendo que estas desenvolveram um relacionamento próximo e gratificante com ambos – Ponto 57 dos Factos Provados.
Esta não é, porém, uma questão em discussão. Constitui, antes, um ponto a favor de cada um dos progenitores destas menores e uma mais-valia para a decisão a proferir, seja a mesma qual for, uma vez que protege os interesses mais básicos das menores.
No entanto, sendo um ponto incontornável que a mãe, de nacionalidade espanhola, pretende regressar ao seu País [que é também o País das menores, uma vez que ambas têm dupla nacionalidade], e pretende fazê-lo na companhia das suas filhas menores, cumpre aferir da razoabilidade da sua pretensão.
Da matéria de facto dada como provada – e definitivamente fixada uma vez que não há registo de prova gravada -, devemos ter como mais presente aquela que consta dos seus Pontos 28, 29 e 30, que se passam a transcrever:
“Habitualmente é a mãe quem assegura o acompanhamento quotidiano da vida das filhas, quer nas refeições, quer na higiene, quer no lazer, quer no apoio à actividade escolar e extra-escolar, quer na saúde, quer nas suas amizades.
É a requerente quem assegura o contacto regular com as professoras das menores.
É a requerente que habitualmente acompanha as filhas nos actos médicos a que elas têm sido submetidas”.
Tendo ficado assente que é a progenitora quem acompanha as menores de forma mais assídua, prestando-lhes a atenção e os cuidados necessários ao seu desenvolvimento, surge como natural que as mesmas tenham ficado à guarda e cuidados da mesma.
A Mãe das menores, de nacionalidade espanhola, após o nascimento da primeira filha, passou a trabalhar a tempo parcial e após a saída do Pai das menores de casa, passou a estabelecer contactos profissionais mais intensos para recuperar a sua actividade profissional – Pontos 22 e 23 dos Factos Provados.
Actualmente, o horizonte profissional prosseguido pela Apelante situa-se junto da sua família de origem, mais concretamente, do seu pai (avó materno das menores), que lhe pode proporcionar o desempenho de funções de Directora Financeira e de Serviços, em Saragoça, na empresa da família, assim como a disponibilização de um apartamento naquela mesma cidade – Pontos 6, 7 e 25 dos Factos Provados.
Com a satisfação destas pretensões básicas – trabalho e habitação – é natural que a Apelante pretenda alterar o centro geográfico da sua vida, suprindo as carências de trabalho e de apoio familiar de que carece, num país que não é o seu e que, como é do conhecimento comum, atravessa uma grave crise laboral, com escassez de oferta de trabalho. Neste enquadramento surge-nos como natural que a Apelante, ao sair de Portugal, se queira fazer acompanhar das suas filhas, com quem sempre conviveu e a quem sempre prestou os cuidados necessários, pretendendo inscrevê-las num colégio em Saragoça, perto do escritório onde irá desenvolver a sua actividade profissional e do apartamento que ira ocupar – Ponto 8 dos Factos Provados.
Em que medida esta sua opção pode afectar as menores, descurando o “superior interesse” das mesmas, princípio a ser preservado? Pensamos que se trata de uma hipótese que não se verifica.
Com efeito, a Apelante tem nacionalidade espanhola, casou em Espanha, os seus pais são espanhóis e vivem em ....Tem um irmão e pelo menos uma prima, a viverem na região da Saragoça - Pontos 1, 2, 5, 6 e 9, dos Factos Provados.
As menores IB e AS, falam português e espanhol, tendo ambas a dupla nacionalidade: portuguesa e espanhola. Passam habitualmente parte das férias em Saragoça e ..., onde convivem com a família da mãe. Os avós maternos deslocam-se habitualmente a Portugal. Actualmente, desde a separação dos progenitores, deslocam-se quatro a seis vezes por ano, para estarem juntos da filha e das netas, sendo que estas costumam passar cerca de 15/20 dias das férias do Verão em ..., onde os avós maternos vivem habitualmente. As menores falam habitualmente em português mas dominam a língua espanhola que usam quando estão de férias em Espanha e sempre que convivem com os familiares maternos - Pontos 26, 27, 51 e 52 dos Factos Provados.
Como podemos verificar, não se verifica qualquer condicionalismo que desaconselhe que as menores possam passar a ter a sua residência fixada em Espanha, com a mãe, local em que a mesma pode desenvolver a sua actividade profissional e onde tem os seus laços familiares. Desfeito o seu casamento em Portugal, onde vivia, é natural que regresse a casa, à sua família e ao seu país, não se mostrando tal opção como injustificada ou caprichosa.
Vejamos agora se há algum inconveniente para o Apelado no que se refere às visitas às menores, em Espanha, e que impeça o seu convívio com as mesmas.
Antes de mais, tenha-se presente que o Apelado, embora tenha nascido em Portugal, tem dupla nacionalidade: portuguesa e espanhola. Os seus pais (avós paternos das menores), viveram em Espanha com os quatro filhos, que ali passaram parte da sua juventude, sendo que um dos irmãos do Apelado continua a viver em .... Os pais do Apelado têm uma casa em ... que é também utilizada frequentemente por este último. O Apelado iniciou a sua vida profissional em ..., para onde se desloca frequentemente – Pontos 3, 10, 11, 12, 13 e 14 dos Factos Provados.
O Apelado está vinculado por contrato de trabalho à sociedade ..., sociedade de direito espanhol, com morada em ..., e actualmente exerce as funções de gerente de uma associada daquela sociedade de direito espanhol, a ...., com morada em Lisboa, na Rua ... – Ponto 15 dos Factos Provados.
Assim sendo, podemos constatar que o Apelado continua a manter boas relações de trabalho com Espanha, mantém ali o seu domicílio fiscal, sendo certo que o seu actual casamento é já o terceiro, sempre com senhoras espanholas, o que desde logo revela a sua grande afinidade com este País e a ausência de dificuldades de interacção com os respectivos nacionais de quem, aliás, é também compatriota. 
Assinale-se ainda que, do primeiro casamento do Apelado, nasceu uma criança, de nome PB, actualmente com 22 anos de idade. Após o divórcio, a sua ex-mulher e a filha, PB, ficaram a viver em ..., sendo que o Apelado ficou a visitar regularmente a filha nesta cidade. Também a PB ficou a visitar frequentemente Lisboa, “mantendo uma relação de proximidade com a família do Requerido que vive em Lisboa, incluindo as suas filhas” – Pontos 16, 17, 18 e 86 dos Factos Provados.
Da análise deste conjunto de factos resulta claro que, a circunstância de o Apelado e da sua filha PB se encontrarem em países distintos, não obstou ao desejado e são convívio entre pai e filha. A ser verdade que a sua filha PB quer viver em casa do Apelado, em Portugal, teremos por concluído que os laços familiares não se diluíram. Aliás, a qualidade de convívio entre pais e filhos não se mede pelo tempo de relógio, como tem vindo a ser salientado pelos psicólogos, mas sim, pela qualidade do tempo passado em comum, o que bem o comprova este relacionamento entre o Apelado e a sua filha mais velha, PB.
Atenta a qualidade de relacionamento entre as menores e cada um dos seus progenitores e face à ausência de impedimentos, por parte de qualquer deles, no convívio das menores com cada um deles, sempre teríamos de concluir pela ausência de qualquer impedimento que obstasse à saída das menores e à fixação da sua residência em Espanha, com a respetiva progenitora.
Relativamente aos “descontroles emocionais” da IB, não tem este Tribunal formação específica para os avaliar, sendo temerário, neste contexto, a sua contabilização para a decisão a proferir.
Com efeito, os relatórios apresentados são demasiados sucintos, escassos quanto ao tempo de acompanhamento da menor e temporalmente distantes, factores que sempre impediriam que dos mesmos se pudesse retirar qualquer ilação séria a ser tida em conta para fundar a presente decisão. Trata-se de um assunto delicado que não pode ser olhado com a leviandade de uma apreciação apressada. Caso venha a ser necessário optar por acompanhamento específico a esta menor, ele será prestado, quer em Portugal, quer em Espanha, sob a supervisão dos progenitores, sendo certo que não há no processo qualquer indicação específica que imponha um acompanhamento da IB por um determinado especialista português.
De qualquer forma, cumpre assinalar que não se pode extrair dos relatórios em causa que a decisão de as menores mudarem de País constitua, por si, um desvalor que afecte o superior interesse de cada uma destas crianças.
Contrariamente ao afirmado, as menores não foram ouvidas no âmbito deste processo, mas sim, no âmbito da acção de divórcio, mas isso ocorreu já há muito tempo – 02 de Maio de 2012 -, tendo em atenção que o tempo para as crianças não tem a mesma contagem dos adultos. De qualquer forma, a verdade é que o terão sido há já muito tempo e num contexto de divórcio dos pais, o que constitui um ambiente contaminado para apreciação dos seus comportamentos.
Do relatório social apresentado o que surge como inequívoco é que é a própria menor IB que não quer tomar partido nesta decisão com o sentido de “não colocar qualquer um dos pais como preterido na sua escolha”, comportamento que é perfeitamente normal e, curiosamente, até mostra maturidade desta menor – fls. 415 dos autos. E, na verdade, não é à criança que se impõe a escolha, é aos adultos e/ou ao Tribunal. A audição de um menor não pode constituir mais do que essa realidade: a sua audição. A decisão a proferir deve ponderar todos estes elementos, nomeadamente essa audição, mas entre outros.
Por fim, diga-se, que a idade actual das menores também não constitui qualquer obstáculo para o reinício da vida pessoal e escolar num outro País, que é também o delas, e em que dominam a respectiva língua. Trata-se de um desafio salutar e que será sempre benéfico uma vez que podem continuar a usufruir da presença da mãe, com quem se podem identificar em termos de crescimento, e que lhes tem prestado todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento.
Uma última nota para esclarecer que, na ponderação dos superiores interessas das menores, muito se falou nas alegações de recurso apresentadas pelo Apelado sobre a saída da mãe de território nacional para trabalhar em Espanha, como um comportamento que denegava os interesses das menores a favor da própria, concluindo-se pelo sacrifício que esta deveria fazer em prol das suas filhas. Salvo o devido respeito, trata-se de afirmações destituídas de rigor.
Se um progenitor vai á procura de trabalho e de melhores condições de vida, para o seu próprio País, levando as filhas, com quem sempre esteve, porque há-de tal acto constituir, por si só, uma violação dos interesses das menores? Ao pai, aqui Apelado, também com nacionalidade espanhola, com residência fiscal em Espanha, com trabalho que o obriga a circular entre estes dois países, é-lhe pedido que deixe Portugal e passe a viver, em definitivo, em Espanha, para assim acompanhar as suas filhas, sob pena de não o fazendo estar a prejudicar o interesse das menores? E se o fizéssemos, essa conclusão seria justa? Acreditamos que a resposta sempre teria de ser negativa, como negativa também tem de ser a resposta a dar para a situação da mãe das menores.
Os progenitores devem cuidar e promover o bem-estar dos seus filhos, mas não podem ficar reféns de uma opção de vida que os anule, nem essa procura do melhor para os seus filhos pode assentar na anulação das suas pessoas, sob pena de, como já acima deixamos expresso, termos progenitores “diminuídos” a educar para a vida crianças que devem aprender, em caleidoscópio, o sentido do respeito e da liberdade de todos e de cada.
Querer lutar pelo melhor para os sues filhos é também ensiná-los a respeitar a vida dos seus progenitores, sempre que tal escolha não implique danos aos menores. O superior interesse do menor é também um valor que encerra ensinamentos para a vida e para a liberdade. E só pode ensinar quem consegue ter coragem para dar o exemplo.
No mais, as considerações que já acima se deixaram expressas, quer em relação à Apelante, quer em relação ao Apelado, completam a fundamentação desta posição. Em sentido paralelo àquele que aqui se deixa expresso, podemos consultar as decisões proferidas na 7.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Proc. 556/10.0TMLSB.L1, relatado pela Sra. Desembargadora Cristina Coelho, por acórdão de 21 de Maio de 2013 [progenitores de Lisboa e Inglaterra] e no Proc. 59/10.2TBSCF.L1, relatado pelo Sr. Desembargador Manuel Tomé Soares Gomes, por acórdão de 24 de Maio de 2011[progenitores da Ilha do Corvo e França]. 
A decisão aqui firmada deve, porém, ser conciliada com o dia-a-dia das crianças, mormente em termos de actividades escolares devendo, assim, ser exequível apenas a partir do próximo ano lectivo de 2015/2016 permitindo que a IB e a AS possam concluir o actual ano escolar de 2014/2015 em Lisboa.
A dilação temporal quanto à exequibilidade desta decisão permitirá, tendo em conta a actual altura do ano lectivo, que a Apelante possa atempadamente providenciar pela transferência escolar das menores e pela conclusão de todas as demais diligências decorrentes dessa transferência.
Concluímos, assim, pela revogação da decisão proferida quanto à fixação da residência das menores IB e AS, determinando que a alínea A) do acordo das responsabilidades parentais fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância passe a ter a seguinte redacção:
“As menores IB e AS ficam à guarda e cuidado da mãe, fixando-se a sua residência em Saragoça, Espanha, devendo a mãe providenciar pela transferência escolar das menores que deve ter lugar até ao início do próximo período lectivo de 2015/2016”.
Como decorrência lógica desta alteração quanto à fixação da residência das menores, importa determinar também a alteração da alínea D) da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, no que se reporta à regulação do direito de visitas e proceder à indicação de quem suporta as despesas decorrentes dos transportes.
Reconduzindo-se essencialmente ao pai a determinação da frequência das viagens das menores, durante o período de final de semana – tanto mais que muitas vezes as visitará em Espanha, local para onde também se desloca em trabalho -, deverão os respectivos custos serem suportados pelo mesmo. Com efeito, não faz sentido que um progenitor escolha a quantidade de viagens a realizar e que seja o outro progenitor a suportar os custos de tal opção.
De qualquer forma, o pai das menores não pode ser inserido no grupo de pessoas pertencentes a um estrato sócio-económico que não tem possibilidades de suportar estes custos e/ou que não tenha capacidade para planear e organizar com tempo e previsão de custos, mormente, em épocas de voo com custos mais baixos ou beneficiando de programação a longo prazo com a inerente redução de custos. É, pois, razoável, que os respectivos custos de viagem das menores sejam da sua responsabilidade, ficando tal realidade plasmada na decisão de regulação.
O custo respeitante às demais viagens das menores deverão ser suportados por ambos os progenitores, nos termos já definidos na alínea E) da regulamentação fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, ali devendo ser inscrita esta despesas, a fim de evitar outro tipo de interpretações.  
Sendo um dado adquirido para o processo que há largo consenso entre os progenitores no que se reporta ao direito de visitas, ressalvados que devem ser os períodos de descanso e de horário escolar, há que acautelar a sua regulamentação relativamente aos demais períodos.
Assim sendo, a alínea D) em causa deve ser alterada, em alguns dos seus pontos, passando a ter a seguinte redacção:
D) O progenitor poderá visitar e estar com as filhas sempre que o desejar, mediante prévio acordo com a mãe das crianças, e bem assim (redacção inicial):
- A IB e a AS passarão os fins-de-semana de quinze em quinze dias com o pai, de Sexta-Feira até Domingo, desde o final das actividades escolares de sexta até às 20.00 horas de Domingo, em Espanha ou em Portugal, providenciando a mãe, com a colaboração do pai, pelo respectivo transporte, sendo os custos desse transporte assegurados pelo pai (alterado).
- Sempre que o Requerido se encontrar em Saragoça, a IB e a AS poderão ficar com o mesmo às Quartas-Feiras, despois das actividades escolares, até Quinta-Feira, ao início das actividades escolares (alterado).
- A IB e a AS passarão metade das férias escolares com cada um dos progenitores (redacção inicial).
- As férias de Verão, que serão em períodos de 15 dias seguidos, deverão ser acordadas entre os pais até final de maio de cada ano (redacção inicial).
- As férias de natal serão passadas alternadamente da seguinte forma: As crianças passarão a primeira semana de férias com o progenitor com quem passe a época de Natal (consoada e dia) e com a restante e última semana de férias com quem passar a festividade de Ano Novo (passagem de Ano e dia de Ano Novo), alternando nos anos seguintes (redacção inicial).
- Nas férias da Páscoa a IB e Ana passarão a primeira de férias com quem tiver passado a primeira semana de férias de Natal e com o outro passa a segunda e última semana de férias da Páscoa com quem tiver passado a última semana de férias de Natal (redacção inicial).
- As menores passarão o dia de Aniversário da mãe com esta, ainda que seja em dia de fim-de-semana ou férias do pai, o mesmo se aplicando ao dia de aniversário do pai (redacção inicial).
- Passarão o dia da mãe com esta, ainda que seja em dia de fim-de-semana ou férias do pai, o mesmo se aplicando ao dia do pai (redacção inicial).
- No dia do Aniversário de cada uma das menores estas tomarão uma refeição com cada um dos progenitores, caso o pai se encontre em Espanha (alterado).
- Sempre que se verifiquem fins-de-semana prolongados a IB e a Ana passarão o dia que acresce ao fim de semana com o progenitor com quem estiverem no fim-de-semana (redacção inicial).
- É assegurado o direito do pai comunicar diariamente com as filhas, por telefone, internet, skipe ou através de qualquer outra tecnologia, ressalvado o período de descanso e horário escolar das menores (novo).
(…)
Todas as demais questões suscitadas pelo Apelante, pai das menores, no recurso subordinado apresentado, foram já objeto de decisão no tratamento dado às questões apresentadas pela Apelante mãe, conforme se deixou já expresso no início da apreciação das questões.
Cumpre, assim, proceder às alterações da regulação das responsabilidades parentais respeitantes às menores IB e AS, nos termos que acima se deixaram expressas.
*
IV. DECISÃO
Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente a Apelação principal, determinando-se a alteração da redacção das alíneas jjj) e kkk) e o aditamento indicado às alíneas o) e ww). Revoga-se a alínea A), alguns segmentos da alínea D) e adita-se nova redacção à alínea E), da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que passam a ter a seguinte redacção:
“A) As menores IB e AS ficam à guarda e cuidado da mãe, fixando-se a sua residência em Saragoça, Espanha, devendo a mãe providenciar pela transferência escolar das menores que deve ter lugar até ao início do próximo período lectivo de 2015/2016”.
“D) O progenitor poderá visitar e estar com as filhas sempre que o desejar, mediante prévio acordo com a mãe das crianças, e bem assim (redacção inicial):
- A IB e a AS passarão os fins-de-semana de quinze em quinze dias com o pai, de Sexta-Feira até Domingo, desde o final das actividades escolares de sexta até às 20.00 horas de Domingo, em Espanha ou em Portugal, providenciando a mãe, com a colaboração do pai, pelo respectivo transporte, sendo os custos desse transporte assegurados pelo pai (alterado).
- Sempre que o Requerido se encontrar em Saragoça, a IB e a AS poderão ficar com o mesmo às Quartas-Feiras, despois das actividades escolares, até Quinta-Feira, ao início das actividades escolares (alterado).
- A IB e a AS passarão metade das férias escolares com cada um dos progenitores (redacção inicial).
- As férias de Verão, que serão em períodos de 15 dias seguidos, deverão ser acordadas entre os pais até final de maio de cada ano (redacção inicial).
- As férias de natal serão passadas alternadamente da seguinte forma: As crianças passarão a primeira semana de férias com o progenitor com quem passe a época de Natal (consoada e dia) e com a restante e última semana de férias com quem passar a festividade de Ano Novo (passagem de Ano e dia de Ano Novo), alternando nos anos seguintes (redacção inicial).
- Nas férias da Páscoa a IB e Ana passarão a primeira de férias com quem tiver passado a primeira semana de férias de Natal e com o outro passa a segunda e última semana de férias da Páscoa com quem tiver passado a última semana de férias de Natal (redacção inicial).
- As menores passarão o dia de Aniversário da mãe com esta, ainda que seja em dia de fim-de-semana ou férias do pai, o mesmo se aplicando ao dia de aniversário do pai (redacção inicial).
- Passarão o dia da mãe com esta, ainda que seja em dia de fim-de-semana ou férias do pai, o mesmo se aplicando ao dia do pai (redacção inicial).
- No dia do Aniversário de cada uma das menores estas tomarão uma refeição com cada um dos progenitores, caso o pai se encontre em Espanha (alterado).
- Sempre que se verifiquem fins-de-semana prolongados a IB e a Ana passarão o dia que acresce ao fim de semana com o progenitor com quem estiverem no fim-de-semana (redacção inicial).
- É assegurado o direito do pai comunicar diariamente com as filhas, por telefone, internet, skipe ou através de qualquer outra tecnologia, ressalvado o período de descanso e horário escolar das menores (novo).
E) O requerido pagará ainda 75% de todas as despesas de transporte das menores (com excepção das indicadas na alínea D) respeitantes aos fins-de- semana alternados, que são da sua total responsabilidade), (…).
No mais, mantém-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Julga-se ainda como improcedente o recurso subordinado apresentado pelo Apelante.
Custas pelos Apelantes, fixando-se em 1/3 a responsabilidade da Apelante principal e em 2/3 a responsabilidade do Apelante subordinado.
Notifique e dê-se conhecimento à Conservatória de Registo Civil de Lisboa, para efeitos de registo da presente decisão.

Lisboa, 03 de Fevereiro de 2015

                                                           Dina Maria Monteiro
                                                           Luís Espírito Santo
                                                           José Gouveia Barros
Decisão Texto Integral: