Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
837/17.1YLPRT-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
REFORMA DA DECISÃO
CUSTAS
CONVOLAÇÃO
RENÚNCIA AO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Um requerimento de rectificação de erro material da sentença (art. 614/1 do CPC), na parte referente à condenação nas custas, pode ser convolado (art. 193/3 do CPC) em requerimento de reforma da sentença quanto a custas (art. 616/1 do CPC).

II.– Uma parte pode requerer apenas a reforma da sentença quanto a custas, mesmo quando podia recorrer da sentença, desde que seja possível ver naquele requerimento uma renúncia ou aceitação da sentença quanto ao resto (arts. 616, n.ºs 1 e 3, e 632, n.ºs 2 e 3, ambos do CPC).

III.– Se uma acção ou um recurso foram julgados, com trânsito, extintos por inutilidade superveniente da lide, as custas deles só podem ficar a cargo do réu se essa inutilidade lhe puder ser imputada em exclusivo (art. 536/3 do CPC).

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.


Relatório:


1.– S-Lda, requereu, no Balcão Nacional de Arrendamento, um procedimento especial de despejo contra R, com fundamento na resolução [do contrato de arrendamento] pelo senhorio nos termos do art. 1083/3 do Código Civil, por carta de 10/01/2017, por falta de pagamento da renda mensal de 2300€, dos meses de Outubro de 2016 a Janeiro de 2017.

2.– Este requerimento foi recusado por não vir acompanhado dos documentos previstos no artigo 15. n.º 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano.

3.– Entregue novo requerimento, foi determinada a notificação da requerida conforme notificação de 26/04/217 à requerente.

4.– A requerida apresentou oposição, na qual, além do mais, alegou que as rendas se encontravam pagas até 31/07/2017.

5.– Depois de o PED ter sido distribuído no tribunal judicial, este, depois de dar oportunidade à requerente para se pronunciar sobre a questão, declarou o requerimento inepto por falta de causa de pedir, anulou todo o processado e absolveu a requerida da instância, por despacho de 23/06/2017.

6.– A requerente recorreu deste despacho a 10/07/2017.

7.– Não há notícia de a requerida ter contra-alegado.

8.– A 02/08/2017, a requerente veio requerer que, por inutilidade superveniente da lide imputável à requerida, se determinasse a extinção da instância nos termos do art. 277-e do CPC. A inutilidade decorreria do facto de a requerida ter procedido, voluntariamente, à devolução e entrega do imóvel objecto do PED, sendo que este tinha visado precisamente essa devolução (juntou um auto/documento particular dito de vistoria e entrega do qual consta, no proémio, que no dia 31/07/2017, na sequência da resolução do contrato de arrendamento de 31/07/2014, a requerida procedeu à devolução e entrega do imóvel – desse documento resulta que os presentes eram alegados representantes da requerente e da requerida).

9.– Nesse mesmo dia, a requerida veio dizer aos autos que: ao contrário do que a requerente pretende, a requerida não procedeu à entrega da casa por força deste procedimento, mas por o contrato de arrendamento ter chegado ao seu termo. Consequentemente, não se trata de um caso de inutilidade superveniente da lide, mas da consequência natural do termo do contrato. Ou, por outras palavras, o PED nunca se justificou, pelo que a inutilidade – congénita – da lide não pode ser assacada à requerida, designadamente para efeitos de custas: a requerente agiu temerariamente ao requerer um despejo que não tinha qualquer fundamento e obteve a entrega da casa arrendada sem qualquer obstáculo, levantado pela requerida, no termo do contrato. O que era expectável. Termos em que, deve ser mantido o despacho que declarou a ineptidão do requerimento inicial de despejo, sendo essa a causa – também natural – da extinção da lide.

10.– A 23/08/2017, foi proferida a seguinte sentença: Veio a requerente requerer a extinção da instância informando que a requerida procedeu à entrega do locado, o que configura uma situação de inutilidade superveniente da lide. Termos em que, declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277-e do CPC. Custas a cargo da requerida por ter dado causa à acção, nos termos do disposto no art. 535, a contrario sensu, CPC.

11.– A 01/09/2017, a requerida, dando-se por notificada desta sentença, requereu a sua rectificação, ao abrigo do disposto no art. 614/1 do CPC, dizendo, para além do que antecede, que: o recurso da requerente não chegou a ser apreciado pela Relação de Lisboa. O que quer dizer que, quando, em 02/08/2017, a requerente impetrou a extinção da lide, o que havia era um requerimento inicial declarado inepto. Consequentemente, só por manifesto lapso a Srª juíza de turno pode ter consignado na sentença rectificanda que foi a requerida a dar causa à acção, cabendo-lhe por isso suportar as custas da lide. Efectivamente, sendo o requerimento inicial inepto, não foi apreciada a sua fundamentação, não podendo por isso formular-se o juízo de valor de que foi a requerida a dar causa à acção, o que implicaria uma apreciação de mérito. O que se passou foi que a casa foi entregue não em consequência deste processo, mas por o contrato de arrendamento ter caducado pelo decurso do tempo. Nestas circunstâncias, a responsabilidade pelas custas impende sobre a requerente – que apresentou um requerimento inicial julgado inepto – e não sobre a requerida, cujo alegado incumprimento do contrato não chegou a ser apreciado, o que impede a conclusão de que foi ela a dar causa ao processo. Tratando-se de uma inexactidão devida a lapso manifesto da Sr.ª juíza de turno, deverá a mesma ser corrigida, ao abrigo do preceituado no art. 614/1 do CPC.
12.– A 08/09/2017, a requerente respondeu, a este requerimento, dizendo que: carece de cabimento jurídico, porquanto o art. 614 do CPC respeita estritamente a erros mecânicos, materiais ou lapsos manifestos, o que não abrange, em momento algum, o juízo de valor sobre a responsabilidade pelas custas, que concerne ao próprio teor e substância do julgamento efectuado (cfr. art. 607/6 do CPC e acs. do STJ de 07/02/2002, rec. n.º 4314/01, sumários de 2012 dos acórdãos do STJ, e de 09/06/2009, proc. 154/09, in dgsi.pt). Verdadeiramente, o que a requerida almeja com o seu requerimento é a alteração da sentença, proferida com base em erro de julgamento, o que, porém, nunca poderia ser efectuado com o requerimento a que agora se responde, porquanto é bem sabido que, por força do princípio da intangibilidade da decisão judicial, consagrado no art. 613/1 do CPC, “[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. É, pois, perfeitamente manifesto, em face das previsões legais aplicáveis, a improcedência do requerimento de rectificação da sentença. Mas essa improcedência ainda se manifesta pela total falsidade das alegações de facto em que a requerida pretende sustentar o erro de julgamento quanto à responsabilidade pelas custas: a requerente intentou o PED, como é próprio da respectiva natureza (art. 15/1 do NRAU), porquanto a requerida não desocupou o locado na data legalmente prevista após a resolução do contrato de arrendamento por comunicação, prevista no art. 1084/2 do CC e 15/2-e do NRAU, resolução esta que, ela sim, foi determinada pela falta de pagamento de rendas; o contrato de arrendamento não caducou por decurso do tempo, por ter chegado ao termo da sua duração, até porque o arrendamento estava sujeito a renovações automáticas (cláusula 2.ª do contrato de arrendamento junto ao requerimento inicial), mas sim porque a requerente procedeu à sua resolução por incumprimento nos termos acima indicados, o que, aliás, se encontra expressamente reconhecido e confessado pela requerida no documento subscrito pelo seu procurador ([…] na sequência da resolução do contrato […] procedeu à devolução e entrega da casa até então por si ocupada”); a decisão de ineptidão do requerimento inicial, justamente pelo recurso interposto pela requerente, não transitou em julgado antes da devolução e entrega da casa pela requerida. Por isso, ao proceder, na sequência da resolução do arrendamento, à desocupação do imóvel, a requerida deu satisfação voluntária à pretensão da requerente, pelo que cabe à requerida a responsabilidade pela totalidade das custas.

13.– A 11/09/2017, foi proferido o seguinte despacho, pela titular do processo: Entendemos que assiste inteira razão à ré. De facto, compulsados os autos, constata-se que, por sentença proferida a 23/06/2017 (cfr. fl. 39), foi declarado inepto o requerimento inicial de despejo e determinada a anulação de todo o processo, absolvendo-se a requerida da instância e condenando-se a requerente nas custas do processo. Já na pendência da instância de recurso de tal decisão a requerente veio informar que o imóvel tinha sido entretanto entregue pela requerida e que não mantinha interesse no prosseguimento da presente acção, pelo que tal requerimento mais não consubstancia do que uma desistência da instância de recurso. Ora, encontrando-se já extinta a instância por ineptidão do requerimento inicial com custas a cargo da requerente, também as custas da desistência da instância de recurso terão de ficar a cargo da requerente, o que se determina, devendo rectificar-se o segmento referente à condenação em custas da decisão constante de fl. 62, nos seguintes termos: “Custas a cargo da requerente”.

14.– A requerente vem recorrer deste despacho – para que seja revoga ou declarado inexistente - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I.– A rectificação da sentença permitida pelos arts. 613/2 e 614/1 do CPC reporta-se, estrita e exclusivamente, aos erros de cálculo ou de escrita e às inexactidões resultantes de lapsos manifestos e ostensivos que resultem evidentes do contexto da sentença e que tenham na sua base a expressão na sentença de uma vontade (declarada) não correspondente à vontade (real) do juiz prolator, o que não se confunde com os erros de julgamento, os quais apenas podem ser corrigidos por via de recurso em impugnação em instância superior.
II.– O que não é o caso da sentença rectificada porquanto tendo declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, concluiu, lógica e fundadamente, que as custas eram a cargo da requerida por ter dado causa à acção.
III.– A decisão recorrida de “rectificação” violou, assim, o disposto no art. 614/2 do CPC, porquanto o tribunal a quo corrigiu uma decisão que não evidenciava qualquer erro material ou lapso manifesto, pelo que só poderia ser impugnada por via de recurso.
IV.– Isto demonstra-se ainda pelo próprio teor da decisão de rectificação recorrida, dado que a justificação apresentada para a rectificação, a saber, que a instância já se encontrava extinta por ineptidão do requerimento inicial do PED e que a requerente desistiu da instância de recurso, nada tem a ver com o sentido do dispositivo objecto daquela sentença que se prende com a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide por a requerida ter procedido à entrega do locado.
V.– Em qualquer caso, não tem qualquer correspondência com as realidades processuais essas alegações de (i) extinção da instância por ineptidão do requerimento inicial do PED, porquanto essa decisão nunca transitou em julgado dada a interposição da apelação pela requerente; e de (ii) desistência da instância do recurso, porquanto o que a requerente peticionou pelo seu requerimento foi expressa e especificamente “que, por inutilidade superveniente da lide imputável à requerida se digne determinar a extinção da presente instância nos termos do art. 277-e do CPC.
VI.– Consequentemente, por não consubstanciar qualquer rectificação, a decisão recorrida, ao modificar a sentença de fl. 62, implica a violação do princípio da intangibilidade da decisão judicial, consagrado no art. 613/1 do CPC, o que determina a sua inexistência jurídica, dado envolver falta de poder jurisdicional por parte do autor da decisão modificativa.
VII.– A decisão recorrida envolve ainda a ofensa de caso julgado dado que a sentença de fl. 62 não foi objecto de qualquer recurso ou reclamação (arts. 620 e 628 do CPC).

15.– A requerida não apresentou contra-alegações.

16.– De seguida foi proferido o seguinte despacho: Pese embora se entenda não ser admissível o recurso, atento o disposto no art. 629/1 do CPC e na medida em que o mesmo se restringe à decisão que procedeu à reforma das custas a cargo do autor, face ao teor das respectivas alegações de recurso e porque o mesmo assenta em alegada ofensa do caso julgado, admito o recurso interposto pela requerente […]
(todas as peças e decisões foram sintetizadas por este acórdão, com algumas adaptações para o efeito)
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Questões a decidir: se o recurso é admissível; se se verifica algum erro material e, no caso negativo, qual a consequência; e se as custas da acção e do recurso deviam ter ficado a cargo da requerida.
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Os factos que interessam à decisão destas questões são os que constam dos pontos 1 a 16 do relatório que antecede.
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Da admissibilidade do recurso.
O art. 629/1 do CPC diz que o recurso ordinário “só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal […].”
O valor do procedimento especial de despejo corresponde ao valor da renda de 2 anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida (art. 26 do DL1/2013, de 07/01.
A renda mensal, no caso dos autos, é de 2300€, logo o valor do PED é de, pelo menos (diz-se pelo menos, porque deste apenso em separado não consta o requerimento de despejo, não se sabendo o que foi nele pedido), 69.000€, ou seja, superior à alçada do tribunal.
Por sua vez, a decisão recorrida é desfavorável à requerente no valor máximo das custas que possa ter que pagar, pelo PED e pelo 1.º recurso que interpôs.
No PED ela teve que pagar uma taxa de justiça de 0,5UC = 51€ (art. 22/1 do Dl 1/2013 e tabela II do RCP para as execuções em que as diligências de execução não sejam realizadas por oficial de justiça; o valor da UC é de 102€: art. 5 do RCP e art. 22 do D/L 34/2008, de 26/02, alterado pelo art. 1 do DL 181/2008 de 28/08; Lei do Orçamento do Estado, 2017, art. 266).
A requerida teve que pagar uma taxa de justiça de 6 UC = 612€ pela oposição ao PED (art. 22/2 do DL 1/2013 e tabela II do RCP para a oposição à execução ou à penhora).
A compensação por honorários, a título de custas de parte, é de 50% da soma destes dois valores, ou seja, 663€ : 2 = 331,5€ (art. 26/3-c do RCP).
No recurso a requerente teve que pagar 4UC= 408€ (arts. 6/2, 7/2 do RCP e tabela II-B/8 do RCP).
A soma disto tudo é de 51€ + 612€ + 331,5€ + 408€ = 1.402,05€.
Como o valor da alçada do tribunal recorrido é de 5000€ (art. 44/1 da Lei 62/2013, de 26/08), tal valor é, em muito, inferior a metade da alçada do tribunal (2500€).
Logo, o recurso não seria admissível.
No entanto, como excepção à regra do art. 629/1 do CPC, prevê-se no art. 629/3-a do CPC, invocado pela requerente, que nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação do contrato de arrendamento (com excepção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios – o que não está indiciado nos autos ser o caso) é sempre admissível recurso para a relação.
Pelo que, o recurso é admissível.
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Do erro material
A requerente tem razão em dizer que não existe um erro material a rectificar nos termos do art. 614 do CPC. Este é, para além da omissão de elementos essenciais, o erro de cálculo ou de escrita (art. 249 do CC) revelado no próprio contexto da sentença ou em peças do processo para que ela remeta (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, pág. 732), e não um erro de julgamento ou de aplicação de normas de custas (neste sentido, também, os dois acórdãos invocados pela requerente na peça sintetizada no ponto 12 do relatório deste acórdão).
Mas o facto de se ter invocado um erro material e a pretensão de rectificação, trata-se de um simples erro de qualificação do meio processual usado, em que incorreu quer a requerida quer a decisão recorrida.
Pois que aquilo que a requerida queria era a correcção de um erro de julgamento, de aplicação das normas quanto a custas, ocorrido na sentença de que pediu a rectificação.
E a requerente entendeu isto perfeitamente e respondeu à argumentação da requerida, tendo em conta a substância dela, discutindo o mérito da sua pretensão.
Pelo que o tribunal podia ter aproveitado o requerimento da requerida como pedido de reforma e não de correcção de erro material, ao abrigo do art. 193/3 do CCP, por se tratar de um mero erro de qualificação do meio processual utilizado, e sem necessidade, sequer, de qualquer adaptação processual, pois que o pedido de reforma tinha seguido os trâmites processuais adequados, com resposta da requerente.
Ora, tendo sido observados os termos processuais adequados, não importa que a decisão recorrida tenha rectificado um erro material inexistente, quando devia ter, em vez disso, procedido à reforma da decisão quanto a custas. Trata-se de simples nomes dados às coisas, sendo, no entanto, claro o sentido material do decidido, que é de reforma da sentença quanto a custas e não de rectificação de erro material.
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Da reforma quanto a custas
Perante uma decisão quanto a custas com erro de julgamento, ou seja, com aplicação errada de normas de direito, a parte prejudicada pode requerer a reforma da sentença quanto a custas, no caso de aceitar o resto da decisão, ou recorrer da sentença, para o caso de querer pôr em causa outra parte da decisão. Ou seja, se a parte apenas quiser impugnar a decisão quanto a custas, não é obrigada a recorrer, podendo apenas requerer a reforma da decisão quanto a custas.
É o que decorre dos arts. 616, n.ºs 1 e 3, e 632, n.ºs 2 e 3, ambos do CPC, tendo em conta que o conteúdo do requerimento de reforma transcrito acima [ou seja, perante as circunstâncias do caso, diferentes das que estavam em causa no caso do ac. do TRL de 12/04/2011, proc. 6942/09, referido por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 738] significa uma aceitação tácita da outra parte da decisão e que, por isso, deixa de caber recurso dessa decisão para o requerente da reforma.

É o que decorre do que dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 741:
“A decisão sobre custas pode não ter respeitado alguma das normas dos arts. 527 a 541 ou de legislação avulsa […]. Pode, por isso, qualquer das partes pedir a sua modificação, de modo a observarem-se as normas aplicáveis na matéria.
Este pedido, quando não há lugar a recurso ordinário (ou a ele se renuncie, dele se desista ou se aceite a decisão […] é feito no prazo geral de 10 dias do art. 149-1, contado da notificação da sentença. […]”
Não tem pois, razão, a requerente, ao sugerir que a sentença de 23/08/2017, por não ter sido alvo de recurso, não podia ser modificada. Não há, assim, violação do princípio da intangibilidade da decisão, nem violação do caso julgado.
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Da responsabilidade pelas custas da declarada inutilidade

Assim, trata-se, agora, de saber se a decisão de reforma quanto a custas está correcta.
A sentença de 23/08/2017 põe termo, por inutilidade superveniente, à acção e ao recurso.
Na acção - que no início era um simples procedimento de injunção desencadeado pela requerente, para obtenção de um título executivo (arts. 15 a 15-E do NRAU), convolado em acção declarativa especial (arts. 15-F, 15-H e 15-I do NRAU) por força da oposição da requerida - estava-se a discutir se se tinha ou não verificado o fundamento resolutivo invocado no requerimento do PED, isto é, se tinha ou não ocorrido a falta de pagamento de rendas de Nov2016 a Janeiro de 2017.
(neste sentido, o acórdão invocado pela própria requerente, no 1º recurso interposto – do TRL de 06/03/2014, proc. 2389/13.2YPRT.L1-2 -, e Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, Agosto de 2013, págs. 1166 a 1193, que foram seguidas noutros pontos deste acórdão)
Assim sendo, a desocupação do locado, pela requerida, em 31/07/2017 não tornava inútil o prosseguimento da acção, pois que só ele permitiria apurar se as rendas (de Nov2016 a Julho ou Agosto 2017) estavam ou não pagas e só a decisão que confirmasse que as rendas estavam em dívida é que permitiria condenar a requerida nas custas da acção.
Nem se invoque, como faz a requerente, o conteúdo do auto de desocupação do imóvel, porque nele a requerida (a aceitar-se que estava devidamente representada) não admite que as rendas estavam em dívida. A ter aceite que tinha havido uma resolução, tal não equivale a reconhecer que o fundamento resolutivo se tinha de facto verificado.
Pelo que, a desocupação do imóvel não era um facto que devesse levar à extinção da instância, a não ser que a requerente não se importasse de ficar com o encargo das custas ou se tivesse havido acordo das partes quanto à repartição das custas.
Assim, não é a desocupação do imóvel que levou à extinção da instância, mas sim um requerimento feito pela requerente, por engano ou não, não interessa, o qual não pode ser imputado à requerida.
Ora, só havendo algum fundamento que pudesse ser imputável à requerida, é que as custas da inutilidade lhe podiam ser imputadas (art. 536/3 do CPC).
Dir-se-á que, assim, está errada a decisão da extinção da instância. Mas, esteja ou não, não é isso que está em discussão, pois que essa parte da decisão não foi objecto de recurso.
O que está em discussão no recurso, nesta parte, é se a extinção da instância, por inutilidade superveniente, é imputável à requerida. Ora, não o é, claramente, pelo que a decisão quanto a custas, quanto à acção, tinha de as pôr a cargo da requerente e não da requerida.
Assim a 1.ª decisão quanto a custas estava de facto errada e devia ter sido corrigida, no sentido de as pôr a cargo da requerente.
Como foi isso que a decisão recorrida fez, com uma formulação genérica que abrange as custas de tudo, a decisão está certa, isto muito embora não se acompanhe a fundamentação desta decisão: pois que ela parte do princípio que até já havia uma decisão transitada, quanto às custas do PED, o que não é certo por ter sido interposto recurso da sentença de absolvição da instância.
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Quanto ao 1.º recurso interposto, a decisão recorrida coloca-as também a cargo da requerente.
E como, também aqui, não se pode dizer que a requerida deu causa à inutilidade superveniente declarada como causa de extinção de instância do recurso, as custas também tinham que ficar a cargo da requerente – art. 536/3 do CPC – pelo que a decisão também está certa.
Isto embora, também aqui, não se concorde com a fundamentação da decisão, pois que, não se considera que o requerimento da requerente, ao pedir a extinção por inutilidade superveniente, corresponda a uma desistência do recurso.
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Em suma, a decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente, sem fazer distinção entre o PED e o recurso pendente, está transitada em julgado. O recurso interposto diz só respeito à decisão que reformou a decisão quanto a custas.
Quanto a esta, a decisão rectificadora, que colocou as custas – sem distinção de PED e 1.º recurso – a cargo da requerente, está correcta, por não se poder dizer que a inutilidade superveniente foi provocada pela requerida (art. 536/3, a contrario, do CPC).
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
A taxa de justiça já paga pela requerente pela interposição deste 2.º recurso, deve ficar a seu cargo, por ter ficado vencida. Não há outras custas por este 2.º recurso.


Lisboa, 11/01/2018


Pedro Martins
Arlindo Crua
António Moreira