Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
431/13.6TTFUN.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DIFAMAÇÃO
FACEBOOK
CONFIDENCIALIDADE DE MENSAGENS
ACESSO À INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. No conceito de “amigos” do Facebook cabem não só os amigos mais próximos, como também outros amigos, simples conhecidos ou até pessoas que não se conhece pessoalmente, apenas se estabelecendo alguma afinidade de interesses no âmbito da comunicação na rede social que leva a aceitá-los como “amigos”.

II. Através de um amigo  a publicação de um conteúdo pode tornar-se acessível aos amigos deste, além de poder ser copiado para papel e exportado para outros sítios na internet ou para correios electrónicos privados e de se manter online por um período indeterminado de tempo.

III. O  recorrente não podia deixar de levar em conta todos estes factores e, logo, não poderia, nem é credível que o tenha suposto, ter uma expectativa minimamente razoável de reserva na divulgação do conteúdo. Daí não surpreender, antes sendo o desfecho normal e previsível da conduta do A., que o resultado tenha sido o que se provou, sendo forçoso concluir que a divulgação do conteúdo em causa, apesar de disponibilizada a “amigos”, deve ser considerada como pública.

IV. Se alguma dúvida houvesse, bastaria atentar na parte final do mesmo, de onde resulta claro que o A. deixou  um verdadeiro apelo à divulgação (partilha) do comunicado para além dos seus amigos, ao rematar o texto escrevendo “PARTILHEM AMIGOS”, expressão tem um sentido equivalente ao que num outro contexto teria dizer-se “divulguem amigos”.

V. É entendimento pacífico da jurisprudência que a tutela legal e constitucional da confidencialidade da mensagem pessoal veda ao empregador a possibilidade de procurar obter provas para instruir processo disciplinar através do acesso às mensagens pessoais. As provas obtidas em violação daquele direito do trabalhador são nulas e, logo, insusceptíveis de serem atendidas.

VI. Mas como se concluiu, o trabalhador, por sua livre iniciativa, ao proceder aquela publicação, não só quis deixar ao livre arbítrio dos seus “amigos” de Facebook procederem conforme lhes aprouvesse na divulgação do conteúdo que publicou, como inclusive tinha em vista que através deles houvesse uma divulgação mais ampla, nomeadamente, aos “amigos” dos seus “amigos”. Por conseguinte, não podia ter qualquer expectativa de privacidade, já que deliberadamente nem a procurou preservar, antes apelando a que os seus amigos partilhassem o conteúdo (post) que publicou.

VII. Nesse quadro, tanto mais que o conteúdo publicado é expressivo na ofensiva e difamação da sua entidade empregadora e do presidente do conselho de administração, o trabalhador não podia ignorar a possibilidade séria e previsível de que o conteúdo publicado (post), chegasse ao conhecimento de um leque alargado de trabalhadores, ou mesmo de superiores hierárquicos, ou até à sua entidade empregadora. E, assim aconteceu: a publicação do conteúdo foi efectuada a 1 de Maio de 2013 e no dia imediatamente seguinte, a 2 de Maio, já tinha extravasado os “amigos” do Facebook e chegado ao conhecimento de outros trabalhadores e da entidade empregadora.

VIII. Assim, está claramente afastado o carácter privado do grupo e a natureza “privada” ou “pessoal” das publicações e, logo, aquele conteúdo (post) e o seu autor não beneficiam da tutela da confidencialidade prevista no artigo 22.º do Código do Trabalho.

IX. O exercício do direito à liberdade de expressão e de opinião, consagrado no art.º 14.º do CT/09, deve conter-se dentro de determinados limites, nomeadamente, respeitando os “direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa”.

X. O A. podia livremente exerce-lo, inclusive no Facebook e  reportando-se à situação e  manifestando o seu desagrado, ainda que com uma linguagem “mais vigorosa”, como refere. Porém, esse maior vigor na linguagem, ou mesmo o estilo “panfletário” a que também alude, não podem dar cobertura à violação dos direitos da entidade empregadora e dos seus representantes. O exercício do direito de opinião não fica diminuído por isso. Dito por outras palavras, não é necessário recorrer à ofensa grosseira e pessoal, bem como à difamação para afirmar e reclamar um direito.

(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal do Trabalho do FUNCHAL, AA, deu início à presente acção através da apresentação do formulário previsto no art.º 98º D do Código de Processo do Trabalho, vindo impugnar a regularidade e licitude do despedimento contra si promovido por BB, SA.

Juntou decisão disciplinar de despedimento.

Após a Ré ser devidamente citada e o A. notificado, teve lugar audiência de partes onde não foi possível obter a conciliação das partes.

Notificada para o efeito, a R. empregadora veio motivar o despedimento sustentando, no essencial, que (…)

O trabalhador veio contestar, (…).

Concluiu, pedindo que a presente acção seja julgada procedente, e consequentemente, declarada a ilicitude do despedimento, sendo a Empregadora condenada a pagar-lhe:

a) Seja declarada a ilicitude do despedimento;

b) Seja a R. condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;

c) Seja a R. condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, se  não optar pela indemnização;

d) Sendo tudo acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento.

Findos os articulados foi proferido despacho saneador, tendo o  Tribunal a quo,  ao abrigo do disposto no art.º 49º, nº 3 do CPT e na consideração da matéria de facto controvertida se revestir de simplicidade,  dispensado a selecção de factos assentes e a fixação da base instrutória.

I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto e aplicando o direito aos factos, julgando a causa nos termos seguintes:

Com fundamento no atrás exposto, e por entender que o despedimento do A. foi efetuado com justa causa, julgo improcedente por não provada a presente ação, e, em consequência, absolvo a R. do pedido.

(..)».

I.3 Inconformado com a sentença o A.  apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:

(…)

I.4 A Recorrida apresentou contra alegações finalizadas com as conclusões seguintes:

(…)

 I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

I.6 Foram colhidos os vistos legais.

II. Questão prévia: conhecimento do recurso

Nas conclusões 1 e 2, defende a recorrida “que as conclusões do Recorrente são manifestamente deficientes, dificultando à Recorrida uma correcta análise e contra-alegação das mesmas, além de que são uma cópia praticamente integral das suas alegações, em nada sintetizada, tendo inclusive o Recorrente na Conclusão S) feito referência a um Acórdão que terá alegadamente sido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 13/12/2000; porém, nem sequer indica o respectivo número de processo e local de publicação para aferir do sentido indicado nessa conclusão” e, ainda, que “não deu assim cumprimento ao disposto no artigo 639.º, n.º 2 do novo CPC, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do CPT porque não fez constar das suas conclusões (nem tão pouco das suas alegações) i) as normas jurídicas violadas, ii) o sentido com que, no seu entender, as normas jurídicas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas;”, para defender que deve ser feito convite ao Recorrente para, no prazo legal, completar, esclarecer e/ou sintetizar as suas conclusões, sob pena do recurso ser inadmissível.

Como flui do art.º 639.º do CPC, a lei exige que o recorrente condense em conclusões, de forma sintética, os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão (n.º1). Versando o recurso sobre matéria de direito, essas conclusões devem indicar (n.º 2), no que aqui interessa, as normas jurídicas violadas [al. a)] e o  sentido com que, no entender do recorrente, as  normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas [al.b)] .

Mas como do n.º 3, do mesmo artigo, o tribunal ad quem só não tomará conhecimento do recurso com fundamento na deficiência, obscuridade, complexidade das conclusões ou quando não contenham as especificações referidas no n.º2, desde que previamente tenha convidado o recorrente o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias - sob pena de se não conhecer do recurso - e este não acate o convite.

Note-se, que como elucida o Senhor Conselheiro Abrantes Geraldes, “[A] prolação de despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior  ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos gerais. Para isso pode ser conveniente tomar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reacção do recorrido manifestada nas contra-alegações, de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório (…).” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 119].

No caso vertente a recorrida invoca ter sentido dificuldade na “correcta análise e contra-alegação” das alegações. Porém, se bem atentarmos nas suas extensas contra-alegações somos forçados a concluir que, em rigor, tal não se verifica. De resto, salvo o devido respeito, as conclusões do recorrente podem não ser exemplares, mas seguramente não podem qualificar-se de obscuras ou complexas.

Mesmo no que respeita à síntese, se bem que poderia ser mais condensada, não é irrelevante ter em conta que as alegações estão longe de ser extensas. E, para além disso, não deixa de haver uma procura de sintetização.

Também não assume particular relevância o facto de ser feita menção a um aresto, sem identificação completa que o permita localizar. A conclusão onde consta é elucidativa quanto ao entendimento do recorrente, não assumindo aquela falta a relevância que a recorrente lhe pretende atribuir. Aliás, basta atentar nas conclusões XVII a XXIII da recorrida.

Por conseguinte, quanto a estes aspectos, não havia justificação para fazer uso do disposto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC, convidando o recorrente a reformular as conclusões.

 É certo, também, que o recorrente não indica as normas jurídicas que tenham sido violadas. Contudo, também aqui entendeu-se não se justificar esse convite, na consideração de que essa falta não comprometia que se apreendesse, sem margem para dúvida, qual o objecto do recurso e as normas jurídicas em causa. Com efeito, se bem atentarmos nas conclusões, cremos não suscitar dúvida saber quais fundamentos em que o recorrente se sustenta para se insurgir contra a sentença e qual o sentido em que, na sua leitura, devem ser interpretadas as normas em que se sustentou o Tribunal a quo.

De resto, como já se assinalou, não se vê que a recorrida tenha ficado minimamente  prejudicada no exercício do contraditório.

Concluindo, nada obsta ao conhecimento do recurso.

II.1 Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável, dado que a sentença foi proferida a 3-04-2014, já na sua vigência (art.º 7.º 1)] as questões colocadas para a apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão de ter considerado que a publicação colocada no Facebook pelo A. “foi pública e que a mesma era ofensiva, não restando qualquer hipótese de manter a relação laboral, estando dessa forma verificada as condições para o despedimento com justa causa” [conclusão 3].

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1    MOTIVAÇÃO DE FACTO

A. Os factos considerados provados pelo tribunal a quo, são os seguintes:

(…)

B. E, foi  considerado não provado o seguinte:

(…)

III.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO

Como entendeu o Tribunal a quo, sem que tal mereça a discordância das partes, estando em causa a licitude ou ilicitude de um despedimento efectuado em 29-08-2013, na apreciação da causa é aplicável o regime legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador contido no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor a partir de 17 de Fevereiro de 2009.

III.2.1   O Tribunal a quo delimitou o objecto do litígio, identificado como questões a decidir, as seguintes:

i) Se o conteúdo do post colocado na página pessoal do A. no Facebook se insere na esfera privada ou se antes assumiu natureza pública.

ii) Se o post tem conteúdo ofensivo da honra e consideração do Presidente do Conselho de Administração da R.

iii)  Se o comportamento do A. tornou impossível a manutenção da relação laboral que o vinculava à R.

Insurge-se o recorrente contra a sentença, em razão do julgador ter concluído “que tal publicação foi pública e que a mesma era ofensiva, não restando qualquer hipótese de manter a relação laboral, estando dessa forma verificada as condições para o despedimento com justa causa” [Conclusão C].

Em suma, o recorrente põe em causa as conclusões retiradas pelo tribunal a quo sobre cada uma de todas aquelas questões, para concluir pela ilicitude do despedimento.

III.2.2 Após considerações teóricas apoiadas em jurisprudência de tribunais estrangeiros e citação de doutrina, sobre a primeira questão que identificou, conclui o Tribunal a quo o seguinte:

- «Ora, no caso presente, suscita-se a questão de se saber se o post que o A. publicou no mural da sua página pessoal do Facebook se insere na chamada esfera pessoal, ou se, por outro lado, o seu conteúdo assumiu natureza pública.

Estaria inclinado a dizer que o post estava no âmbito da esfera privada, porquanto só através da página pessoal de um amigo do A. é que a entidade patronal veio a ter conhecimento posterior do post. Porém, o facto de esse post ter no seu final “PARTILHEM AMIGOS” significa que este post saiu claramente da esfera privada do A. e entrou na chamada esfera pública.

Convém ainda referir que tendo em conta que o A. quis que a seu post fosse partilhado e que como tal saísse da sua esfera privada nem se pode suscitar uma eventual ilicitude no acesso à página pessoal de facebook do A. através da utilização de um password de um amigo».

Discorda o recorrente em razão do tribunal a quo ter entendido  «(..) que pela expressão “partilhem amigos”, que o recorrente colocou  no final do seu post, estaria a tornar o mesmo público». Defende não se ter demonstrado que o post tenha saído da esfera dos amigos do recorrente, não havendo, então, qualquer publicação fora da esfera dos seus amigos do Facebook. Sustenta que vedou ao máximo essa utilização restringindo-a ao seu grupo de amigos [conclusões D a H].

Delimitados os contornos da questão, avancemos, pois, para a apreciação.

Cremos indiscutível ser uma ideia consensual a ampla divulgação e utilização do “Facebook”, quer a nível mundial quer em Portugal. Mas para que não subsistam dúvidas, elucida-o um artigo do Diário de Notícias Economia, de 04 de Fevereiro de 2014, com o título “Facebook com 4,7 milhões de utilizadores em Portugal”, que se inicia como uma síntese onde se lê: “No dia em que comemora dez anos, o Facebook, aquela que é considerada a rede social mais importante do mundo, contabiliza em Portugal cerca de 4,7 milhões de utilizadores, entre os 1,2 mil milhões a nível mundial”.

[disponível em http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=3667289]

Para qualquer um desse largo número de utilizadores não serão certamente desconhecidas as funcionalidades do Facebook, designadamente, em que consiste colocar ou  publicar um comentário pessoal, o que são os “amigos”  e quais os níveis de divulgação e consequente acessibilidade por terceiros aos conteúdos publicados. Certo é, também, que muitas outras pessoas, mesmo não sendo membros do Facebook, terão essas ou, pelo menos algumas, noções teóricas sobre as suas funcionalidades.

Mas para outros, também muitos, o “Facebook” é-lhes apenas familiar pelas múltiplas  referências que lhe é feita no dia-a-dia, desde logo, na comunicação social, por exemplo, noticiando que determinada figura pública, onde incluem titulares de cargos políticos, desportistas e outros, publicaram um determinado conteúdo sobre uma dada questão.

O recorrente e a recorrida encontram-se entre os conhecedores do Facebook, mas uma decisão judicial destina-se a ser apreensível em geral, pela normalidade das pessoas, devendo a sua fundamentação ser convincente. Daí que uma apreciação cuidada da questão aqui colocada não dispense que se deixem algumas notas, ainda que breves, sobre o Facebook, para que minimamente se possam compreender e as funcionalidades em causa.

O Facebook é uma rede social, cuja definição é dada como o [i]“conjunto de relações entre pessoas ou organizações que partilham interesses, conhecimentos e valores comuns, por meio da internet” ou [ii]“site ou página da internet onde se estabelece esse tipo de relações, através da publicação de comentários, fotos, links, etc.”[In Infopédia (Em linha) Porto Editora, 2003-2014, disponível em http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa].

Sobre o que é uma rede social, com mais detalhe, elucida-nos o texto que segue:

-«A primeira rede social na Internet surgiu em 1995, com o lançamento do site "Classmates" (em português, "Colegas"), nos Estados Unidos da América. Este pretendia ser um veículo de ligação entre amigos e conhecidos através do estabelecimento de ligações comuns em função dos locais ou instituições onde tivessem estudado, trabalhado ou cumprido serviço militar.

Hoje com mais de 40 milhões de membros registados só nos Estados Unidos e Canadá, o "Classmates" continua a reunir velhos conhecidos, crescendo também para outros países graças às versões desenvolvidas para França, Alemanha e Suécia.

O "Friendster", surgido em 2002, ou o "MySpace", três anos mais tarde, foram exemplos de sucesso que se seguiu, e até hoje mantêm milhões de utilizadores fiéis: recorrendo a um modelo de "círculo de amigos", o utilizador pode interagir diretamente com todos aqueles que reúne no seu grupo de amigos, mas também com o círculo de amigos de cada um deles.

Desde então, multiplicaram-se as comunidades disponíveis online, em proporção com os objetivos ou fins a que se destinam; nelas desenvolvem-se redes sociais onde é possível não só recuperar amizades antigas, como estabelecer e manter contacto com familiares afastados, fazer novas amizades, reunir profissionais de uma mesma área para troca de conhecimentos ou vítimas de determinada doença para partilha de experiências e apoio mútuo, isto para referir apenas algumas das aplicações de uma infindável lista de possibilidades.

O conceito de "rede social" neste tipo de comunidades virtuais pode ainda ser facilmente compreendido ao atentarmos no mecanismo por detrás do crescimento (em número de membros) de cada uma: cada utilizador a quem a comunidade agrada convida outros, seus conhecidos, para fazer parte; seguidamente cada um destes convida outros e por aí fora, sucessivamente, formando redes cada vez maiores de pessoas que estão de alguma forma ligadas entre si». [In Infopédia (Em linha), Porto Editora, 2003-2014, disponível em www.infopedia.pt/$rede-social].

Recorrendo ao Centro de Ajuda (online) do próprio facebook, retira-se que para se ser membro desta rede social é necessário o registo prévio, sendo o acesso posterior e a possibilidade de utilização facultados através de uma palavra-chave que lhe é atribuída. Os membros desta rede social têm o seu perfil pessoal, criado pelo próprio mediante a possibilidade de inserirem vários conteúdos: informações pessoais, listas de interesses pessoais, fotografias, etc.. E, podem interagir entre si, visitando os perfis de outros membros, fazendo amigos, estabelecendo contactos, deixando comentários ou trocando mensagens privadas e públicas entre si e participantes de grupos de amigos.

Segundo as explicações disponíveis naquele mesmo local online, os “amigos” »(..) são as pessoas com quem estabeleces ligações e com quem partilhas conteúdo no Facebook”, ali constando ainda que «A opção Amigos no teu seletor de público permite-te partilhar conteúdos com os teus amigos no Facebook. Se mais alguém for identificado numa publicação, a opção passa a Amigos (+) porque o público expande-se de modo a incluir a pessoa identificada e os seus amigos”. E, no que respeita à delimitação daqueles que passam a ter acesso a um conteúdo publicado, entre outras, com relevância para o caso, encontram-se estas: [i] “As tuas definições de privacidade permitem-te gerir as preferências básicas de privacidade. Para outras coisas partilhadas no Facebook, podes escolher o teu público no momento em que publicas”; [ii) Encontras uma ferramenta de seletor de público na maioria dos locais onde publicas atualizações de estado, fotos e outros conteúdos. Clica na ferramenta e seleciona com quem pretendes partilhar algo” [https://pt-pt.facebook.com/help].

Como numa síntese elucidativa escreve Maria Regina Redinha «(..) as redes sociais são um meio de comunicação em contínua expansão: depois do adro da igreja, do café da praça e do centro comercial, o ponto de encontro parece agora ser na rede social, que há muito deixou de ser um prolongamento do recreio da escola, para ser um local de convívio, de trabalho, de comércio, de propaganda política e até da prática de actos ilícitos.

A controvérsia em torno deste fenómeno de proporções crescentes tem-se centrado, sobretudo, nas questões de privacidade, ou melhor, no grau de reserva de dados fornecidos pelos utilizadores e na segurança da rede face a intrusões ilícitas” [Redes Sociais: incidência Laboral, Prontuário de Direito do Trabalho n.º 87, Centro de estudos Judiciários, Coimbra Editora, p. 34].

Revertendo ao caso, um dos argumentos do recorrente assenta na alegação de que vedou ao máximo a utilização do conteúdo que publicou no Facebook, por o ter restringindo ao seu grupo de amigos.

No sentido tradicional do termo, amigo significa “Que ou quem sente amizade por ou está ligado por uma afeição recíproca" [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (em linha), 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/amigo].

Em regra todos temos um grupo de amigos, no sentido acima descrito, entre os quais uns são mais próximos e outros não tanto. Normalmente o primeiro subgrupo é mais restrito e engloba aqueles em relação aos quais temos uma maior intimidade e depositamos uma maior confiança, permitindo-nos, por isso, confidenciar-lhes determinados factos ou pensamentos que não cremos nem achamos conveniente que saiam daquela esfera, e que não revelaríamos a outras pessoas, incluindo amigos menos chegados. Fazemo-lo por termos uma expectativa de que a conversa será privada e que eles terão a noção desse pressuposto e o respeitarão, mantendo esse conhecimento reservado.

Mas esse conceito de amigos não é de todo coincidente com o do Facebook.  Como se refere num estudo de Joana Veríssimo, Maria Macias e Sofia Rodrigues, citado pelo tribunal a quo:

«Ao abrir-se uma conta numa rede social aceita-se “a priori” que parte da vida privada vai ser exposta, pelo menos aos nossos supostos “amigos”. No entanto, por mais íntimos que alguns desses “amigos” sejam, há sempre alguns que nunca o serão verdadeiramente.

Na concepção clássica da teoria das três esferas, a esfera privada cinge-se às informações que o indivíduo partilha com a sua família e amigos mais próximos; já a esfera pública é definida como sendo os factos susceptíveis de serem conhecidos por todos. Consequentemente, um perfil privado de uma rede social, não se enquadra nem totalmente na esfera da vida privada, nem na esfera pública.

O que temos é um novo conceito de amigos que engloba: amigos mais próximos, conhecidos e, por vezes, para quem não faz uma verificação das identidades de quem está a adicionar na sua rede ou para quem a popularidade se define pelo número de amigos adicionado na rede, e que aceita praticamente todos os pedidos de amizade que lhe são feitos, desconhecidos.

 (…)» [Estudo (Mestrado em Direito 2011/2012 - FDUNL) Implicações Jurídicas das Redes Sociais Na Internet: Um Novo Conceito De Privacidade?, disponível em  www.fd.unl.pt]

Convém precisar não resultar dos factos provados, concreta e precisamente, em que termos o recorrente quis partilhar o conteúdo que publicou, isto é, quais as preferências básicas de privacidade que tinha definidas e quem selecionou para o partilhar. Não é, pois, seguro que só estivesse disponível para “amigos”.

Mas já é seguro concluir que o A. não restringiu o acesso apenas a um leque restrito  dos “amigos” do Facebook mais chegados, deduzindo-se tal da posição assumida pelo A. na acção. Com efeito, na contestação ao articulado motivador do despedimento o A. não fez qualquer alegação a propósito de quem facultou o conteúdo, isto é, não esclareceu se o tornou público, ou se apenas o facultou a amigos e, entre estes, a determinado grupo. Só agora nas alegações de recurso é que vem defender não se ter demonstrado que o post tenha saído da esfera dos seus amigos e que a restringiu ao seu grupo de amigos [conclusões D a H], de onde resulta referir-se a todos os amigos e não apenas a alguns mais próximos.

Esta alegação tocando um ponto sobre o qual o A. nada alegara não surge por acaso. Se bem atentarmos na fundamentação da sentença, resulta implícito ter-se considerado que a publicação do post foi definida para ser acedida pelos amigos. É o que cremos resultar deste extracto da sentença: “Estaria inclinado a dizer que o post estava no âmbito da esfera privada, porquanto só através da página pessoal de um amigo do A. é que a entidade patronal veio a ter conhecimento posterior do post”.

Admitindo que assim seja, é preciso ter presente que neste conceito cabem não só os amigos mais próximos, como também outros amigos, simples conhecidos ou até pessoas que não se conhece pessoalmente, apenas se estabelecendo alguma afinidade de interesses no âmbito da comunicação na rede social que leva a aceitá-los como “amigos”.

Para além disso, importa também não esquecer que através de um amigo  a publicação pode tornar-se acessível aos amigos deste. Como explica a nota do Centro de Apoio do Facebook que acima deixámos: “Se mais alguém for identificado numa publicação, a opção passa a Amigos (+) porque o público expande-se de modo a incluir a pessoa identificada e os seus amigos”.

Por outro lado, como na apreciação dum caso idêntico se escreve no acórdão de  08-09-2014, da Relação do Porto, “Na análise a efectuar, não pode também perder-se de vista que o conteúdo dos posts publicados nas redes sociais, além de poder ser copiado para papel e exportado para outros sítios na internet ou para correios electrónicos privados, se mantém online por um período indeterminado de tempo” [proc.º n.º 101/13.5TTMTS.P1, MARIA JOSÉ COSTA PINTO, disponível em www.dgsi.pt].

E, na verdade, os factos aqui provados confirmam esta afirmação:

[36] A testemunha TV, nesse mesmo dia, e dadas as declarações ofensivas relativas à pessoa do Dr. FM, presidente do Conselho de Administração da sua Entidade Patronal, logo fez um print screen da referida publicação, imprimiu a mesma, bem como procedeu à respetiva gravação no seu computador, tendo da mesma dado conhecimento à Administração.

[37] A testemunha TV fez chegar à administração da empresa e entidade patronal BB S.A., no mesmo dia 2/5/2013, por e-mail, cópia da impressão que havia feito da publicação efetuada pelo trabalhador AA, na sua página na rede social Facebook.

Por conseguinte, o recorrente não podia deixar de levar em conta todos estes factores e, logo, não poderia, nem é credível que o tenha suposto, ter uma expectativa minimamente razoável de reserva na divulgação do conteúdo. Daí não surpreender, antes sendo o desfecho normal e previsível da conduta do A., que o resultado tenha sido o que se provou, nomeadamente, através dos factos seguintes:

 [32] O referido comentário publicado pelo A. foi visualizado por vários trabalhadores da R., facto que levou a comentários no seio das respetivas unidades hoteleiras, o Hotel AL e o Hotel BA, que empregam um total de 250 trabalhadores.

[33] No dia 2/5/2013 a testemunha AFBPF presenciou o acesso, por parte da trabalhadora TV, à página de Internet do Trabalhador AA, página essa da rede social Facebook.

[34] Esse acesso foi feito por sua vez através da página nesse site, do Trabalhador CB, o qual havia dado à trabalhadora TV a respetiva password.

[35] Tal acesso foi feito atento o facto de a trabalhadora TV ter sido alertada para a publicação por parte trabalhador AA.

[36] A testemunha TV, nesse mesmo dia, e dadas as declarações ofensivas relativas à pessoa do Dr. FM, presidente do Conselho de Administração da sua Entidade Patronal, logo fez um print screen da referida publicação, imprimiu a mesma, bem como procedeu à respetiva gravação no seu computador, tendo da mesma dado conhecimento à Administração.

[37] A testemunha TV fez chegar à administração da empresa e entidade patronal BB S.A., no mesmo dia 2/5/2013, por e-mail, cópia da impressão que havia feito da publicação efetuada pelo trabalhador AA, na sua página na rede social Facebook.

[38] O comentário feito pelo A. gerou comentários fora da empresa.

[42] O Técnico de informática do Hotel AL, PDSG visualizou o post do A. no Facebook no Feed Noticias de um perfil que criou associado a um site de vendas.

Portanto, logo por este encadeamento de razões, sustentadas em factos concretos, cremos ser forçoso concluir que a divulgação do conteúdo em causa, apesar de disponibilizada a “amigos”, deve ser considerada como pública.

De resto, a ideia que o A. agora pretende defender, isto é, que procurou manter a máxima privacidade no acesso ao conteúdo que publicou, é manifestamente contraditada pelo texto daquele mesmo conteúdo. Por outras palavras, se alguma dúvida houvesse, bastaria atentar na parte final do mesmo, de onde resulta claro que o A. deixou  um verdadeiro apelo à divulgação (partilha) do comunicado para além dos seus amigos, ao rematar o texto escrevendo “PARTILHEM AMIGOS”.

Ora, esta expressão tem um sentido equivalente ao que num outro contexto teria dizer-se “divulguem amigos”. Recorrendo mais uma vez ao Centro de Ajuda do Facebook (online), sobre como pode ser feita a partilha de conteúdos por “amigos”, encontram-se as explicações seguintes:

-«Como é que as pessoas podem partilhar a minha Página com os amigos delas?

As pessoas podem partilhar uma Página com os amigos delas ao clicar em Partilhar, no canto inferior direito da foto de capa da Página».

Como posso partilhar uma Página com amigos?»;

  - «Existem várias formas de partilhar uma Página, dependendo dos amigos com os quais o pretendes fazer. Na Página:

Clica em , sob a foto de capa da Página.

Seleciona Partilhar... no menu pendente.

Na janela pop-up, seleciona de que forma e com quem pretendes partilhar:

Na tua própria cronologia: Esta opção cria uma publicação na tua cronologia. Podes escolher o teu público com a ferramenta "seletor de público".

Na cronologia de um amigo: Esta opção permite-te partilhar a Página na cronologia de um amigo. Escreve o nome de um amigo.

Num grupo: Esta opção permite-te partilhar a Página num grupo do qual sejas membro. Escreve o nome do grupo.

Numa mensagem privada: Esta opção permite-te partilhar a Página em privado com um amigo ou um pequeno grupo de amigos. Escreve os nomes dos teus amigos.

Numa Página que geres: Se és administrador de uma Página, esta opção permite-te partilhá-la na cronologia da tua Página. Escreve o nome da tua Página».

Cremos, pois, não suscitar qualquer dúvida que o A., por sua livre iniciativa, não só quis deixar ao livre arbítrio dos seus “amigos” de Facebook procederem conforme lhes aprouvesse na divulgação do conteúdo que publicou, como inclusive tinha em vista que através deles houvesse uma divulgação mais ampla, nomeadamente, aos “amigos” dos seus “amigos”. De outro modo não faria qualquer sentido este apelo final bem claro e assertivo.

Aliás, esse apelo final compagina-se com o teor do próprio texto publicado, pois uma leitura cuidada evidencia que o A. não se estava a dirigir apenas a um grupo restrito de destinatários, isto é, apenas “amigos” mais próximos do Facebook. Basta atentar na parte a partir de “(..) ACORDEM, ABRAM OS SEUS OLHOS”. Para maior comodidade de consulta, aqui fica de novo transcrito:

 - “O GRANDE MENTIROSO, PINÓQUIO E ALDRABÃO DO DR. FM, MENTIU PARA TODA A POPULAÇÃO MADEIRENSE, DISSE A COMUNICAÇÃO SOCIAL QUE ATÉ TERÇAFEIRA PASSADA TERIA OS SALÁRIOS TANTO DE MARÇO COMO OS DE ABRIL REGULARIZADOS, POIS É MENTIRA, SÓ PAGOU OS SALÁRIOS DE MARÇO E SÓ A ALGUNS FUNCIONÁRIOS. É AGORA QUE OS SEUS FUNCIONÁRIOS DEVEM DE VER EM QUEM ACREDITAR SE NO SINDICATO DE HOTELARIA, QUE TUDO TEM FEITO PARA SOLUCIONAR ESTA SITUAÇÃO, SE NAS PALAVRAS DESTE TRAPACEIRO QUE DESDE DEZEMBRO PASSADO TEM PASSADO A PERNA AOS SEUS FUNCIONÁRIOS VEZES SEM CONTA E ESTES ESTAO SEMPRE PRONTOS A DAR O BENEFICIO DA DUVIDA A ESTE SR. ALDRABÃO... ACORDEM, ABRAM OS SEUS OLHOS, OS MEMBROS DESTA ADMINISTRAÇÃO NAO SE PREOCUPAM SE NÃO COM O SEU PROPRIO UMBIGO, E AINDA TIVERAM A LATA DE CULPAR O SINDICATO E A COMUNICAÇÃO SOCIAL POR PREJUDICAR A EMPRESA, POIS A CULPA É SIM DO VOSSO DESGOVERNO E DA VOSSA MÁ GESTÃO, NÃO SABEM GERIR UM HOTEL VÃO GERIR UMA TASCA, CAMBADA DE INCOMPETENTES. VIVA AO 1º DE MAIO, VIVA AO DIA DO TRABALHADOR, LUTAREMOS ATÉ AO FIM PELOS NOSSOS DIREITOS, POR NÓS, POR NOSSOS FILHOS E PELAS GERAÇÕES VINDOURAS, RUA COM ESTES CORRUPTOS... A LUTA CONTINUA SEMPRE E ENQUANTO HAVER INJUSTIÇAS... A LUTA CONTINUA...PARTILHEM AMIGOS”.

Por conseguinte, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não merece censura o a sentença, ao ter concluído «(..) que pela expressão “partilhem amigos”, que o recorrente colocou  no final do seu post, estaria a tornar o mesmo público».

Uma última nota a propósito da conclusão F), onde o A. vem dizer que era “(..) relevante atender e sindicar, o facto do seu acesso ter sido eventualmente ilícito, ou seja, ter sido efetuado pela superior hierárquica do recorrente, que não era sua amiga nesta rede social, que só conseguiu chegar à publicação através da utilização de “password” alheia”.

Convém começar por assinalar dois aspectos. Em primeiro lugar, o Autor não suscitou esta questão na contestação; em segundo, não afirma aqui claramente que o acesso tenha sido ilegítimo, apenas coloca a dúvida,  e muito menos aduziu qualquer fundamento legal para sustentar a alegação.

Para além disso, importa também assinalar que o Tribunal a quo  tomou posição sobre a questão – que permite o conhecimento oficioso -  tendo concluído “(..) que tendo em conta que o A. quis que a seu post fosse partilhado e que como tal saísse da sua esfera privada nem se pode suscitar uma eventual ilicitude no acesso à página pessoal de facebook do A. através da utilização de um password de um amigo”.

O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (CT/03), dedicou, pela primeira vez na legislação laboral portuguesa, um conjunto de normas aos direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente: “Liberdade de expressão e de opinião” [art. 14.º]; “Reserva da intimidade da vida provada” [art. 16.º]; “Protecção de dados pessoais” [art. 17.º]; “Integridade Física e Moral” [art. 18.º]; “Testes e exames médicos” [art. 19.º]; “Meios de Vigilância a distância” [art. 20.º] e “Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação” [21.º].

Com as alterações operadas no Código do Trabalho pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (CT/09), tais direitos passaram a constar essencialmente dos artigos 14.º a 22.º, que estatuem respectivamente sobre “Liberdade de expressão e de opinião”, “Integridade física e moral”, “Reserva da intimidade da vida privada”, “Protecção de dados pessoais”, “Dados biométricos”, “Testes e exames médicos”, “Meios de vigilância a distância”, “Utilização de meios de vigilância a distância” e “Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação”.

O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26º da Constituição.

A caracterização deste direito, à falta de uma definição legal do conceito de "vida privada", foi feita no Acórdão n.º 355/97 [Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37º vol., págs. 7 e segs.], seguindo o que esse tribunal afirmara já nos Acórdãos n.ºs 128/92 e 319/95 [Diários da República, II Série, de 24 de Junho de 1992 e de 2 de Novembro de 1995, respectivamente], nos seguintes termos: "o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular".

O artigo 12.º da Declaração Universal do Direitos do Homem proclama que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência […]. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.”.

A Constituição da República Portuguesa dita que a “todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” (art. 26.º n.º 1) e que “[s]ão nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” (art. 32.º n.º 8). E, no art. 34.º estabelece o princípio da inviolabilidade do domicílio e da correspondência e de outros meios de comunicação privada, onde se incluem as mensagens trocadas por e-mail e as comunicações telefónicas, dispondo: [1] O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.

Releva, ainda, mencionar que a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, refere, no artigo 6.º, que o tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para os fins previstos nas suas alíneas a) a e), mediante notificação e prévia autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (artigos 27.º a 31.º da lei citada).

E, tratando especificamente a questão da confidencialidade das mensagens, cabe aludir ao artigo 22.º do CT/09, com a epígrafe “Confidencialidade de mensagens e de acesso a informação”, dispondo o seguinte:

«1 - O trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de carácter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio electrónico.

2 - O disposto no número anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio electrónico».

Sobre esta temática, na jurisprudência dos superiores encontram-se arestos tratando, essencialmente, os temas seguintes:

i)             Utilização da internet no local de trabalho;

ii)   Destrinça entre mensagens de conteúdo pessoal e mensagens que se inserem no exercício da actividade pelo trabalhador;

iii) Possibilidade de regulamentação pelo empregador da utilização da internet pelos seus trabalhadores no local de trabalho e com os meios da empresa;

iv) Efeitos do direito à reserva e à confidencialidade de mensagens pessoais e à informação não profissional que o trabalhador receba, consulte ou envie através de correio electrónico.

Em regra, todas essas questões surgem sempre ligadas à apreciação sobre a existência de justa causa de despedimento.

No que aqui releva, pode afirmar-se ser entendimento pacífico que a tutela legal e constitucional da confidencialidade da mensagem pessoal veda ao empregador a possibilidade de procurar obter provas para instruir processo disciplinar através do acesso às mensagens pessoais. As provas obtidas em violação daquele direito do trabalhador são nulas e, logo, insusceptíveis de serem atendidas.

Como se afirma no recente acórdão da Relação do Porto de 08-09-2014, acima citado “Em face da proibição constitucional da ingerência na reserva da vida privada (art. 26.º), perante a própria tutela que agora lhe é expressamente conferida pela lei laboral (especificamente os artigos 16.º e 22.º), e tendo ainda em consideração a similitude do procedimento disciplinar com o criminal, é de considerar que o assinalado artigo 32.º, n.º 8 da lei fundamental impede que no procedimento disciplinar instaurado com vista ao despedimento do trabalhador e, ulteriormente, na acção instaurada pelo trabalhador com vista à impugnação da regularidade e licitude de tal despedimento, se lance mão de provas obtidas mediante uma intromissão abusiva na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Importa ter presente que as funcionalidades do Facebook não se esgotam na possibilidade dos seus membros trocarem entre si mensagens. Justamente por isso, embora se aceite que os princípios mencionados têm aqui aplicação, tal implicará necessariamente que se proceda aos devidos ajustamentos a uma realidade diversa e bem mais complexa.

A questão é, pois, a de saber se a colocação no Facebook do conteúdo aqui em causa (post) constitui, ou não, um acto da esfera privada do trabalhador ou, para usar a palavra da lei (artigos 16.º, n.º 2 e 22.º, n.º 1 do Código do Trabalho), se o mesmo tem natureza “íntima”, “pessoal” ou “não profissional”.

Como é bom de ver, valem aqui todas as considerações anteriormente deixadas, quer a propósito das funcionalidades do Facebook, quer quanto ao modo de actuação do recorrente, bem como as conclusões retiradas.

Ora, como se concluiu, o trabalhador, por sua livre iniciativa, ao proceder aquela publicação, não só quis deixar ao livre arbítrio dos seus “amigos” de Facebook procederem conforme lhes aprouvesse na divulgação do conteúdo que publicou, como inclusive tinha em vista que através deles houvesse uma divulgação mais ampla, nomeadamente, aos “amigos” dos seus “amigos”. Por conseguinte, não podia ter qualquer expectativa de privacidade, já que deliberadamente nem a procurou preservar, antes apelando a que os seus amigos partilhassem o conteúdo (post) que publicou.

 Nesse quadro, tanto mais que o conteúdo publicado é expressivo na ofensiva e difamação da sua entidade empregadora e do presidente do conselho de administração, o trabalhador não podia ignorar a possibilidade séria e previsível de que o conteúdo publicado (post), chegasse ao conhecimento de um leque alargado de trabalhadores, ou mesmo de superiores hierárquicos, ou até à sua entidade empregadora. E, assim aconteceu. De resto, note-se que a publicação do conteúdo foi efectuada a 1 de Maio de 2013 (facto 30) e no dia imediatamente seguinte, a 2 de Maio, já tinha extravasado os “amigos” do Facebook e chegado ao conhecimento de outros trabalhadores e da entidade empregadora (cfr. factos 2 e 32 a 37).

Por conseguinte, neste quadro, reafirma-se, está claramente afastado o carácter privado do grupo e a natureza “privada” ou “pessoal” das publicações e, logo, aquele conteúdo (post) e o seu autor não beneficiam da tutela da confidencialidade prevista no artigo 22.º do Código do Trabalho.

Neste sentido e por razões idênticas, decidiu igualmente a Relação do Porto no citado aresto de  08-09-2014, ai se afirmando “Não havendo essa expectativa de privacidade, e estando o trabalhador ciente de que publicações com eventuais implicações de natureza profissional, designadamente porque difamatórias para o empregador, colegas de trabalho ou superiores hierárquicos, chegariam ao universo de pessoas que constituem o grupo e poderiam extravasar as suas fronteiras, cremos que não lhe assiste o direito de invocar o carácter privado do grupo e a natureza “pessoal” das publicações, não beneficiando da tutela da confidencialidade prevista no artigo 22.º do Código do Trabalho”.

Concluindo, também quanto a este ponto não merece censura a sentença recorrida.

III.2.3  Numa segunda linha de argumentação, defende o recorrente que o tribunal a quo  “(.. ) fez tábua rasa de todo o contexto em que se gerou esta situação (..)”, nomeadamente, as seguintes:

- o “(..) recorrente era delegado e dirigente sindical (…)”;

- que “(..) toda esta situação se gerou pela razão da recorrida estar numa situação de retribuições em mora, há vários meses”;

- que “era já uma situação reiterada, que originou diversas ações e reações pelo sindicato do qual o recorrente faz parte e é dirigente”, surgindo o “post (..) na sequência dessa luta sindical” ;

- o “ tom mais vigoroso”, não deixa de ser normal, dentro de um estilo “panfletário”, e “adequado (..) [à] mobilização dos trabalhadores”;

- as expressões não têm “(..) qualquer cunho calunioso, uma vez não ter ficado provado que os factos neles referidos tenham sido falsos, antes pelo contrário”.

- Nem tendo ficado provado que o A. não  “teve qualquer intenção ou propósito ofender a confiança, prestigio e credibilidade, quer da R., quer do Presidente do Conselho de Administração”,  também nada se provou ao contrário, recaindo o ónus da prova sobre a recorrida.

Na fundamentação do tribunal, para além do tratamento teórico da questão, designadamente sobre o direito à liberdade de opinião, na aplicação do direito aos factos, veio a concluir-se o seguinte:

- «Considero assim expressões utilizadas no post são ofensivas e graves, o que é percetível por qualquer pessoa média colocada no lugar da R.

Convém sublinhar que não obstante ter existido atrasos nos pagamentos das retribuições do A. e dos restantes trabalhadores desde o subsídio de Natal de 2012 até maio de 2013, altura em que a situação foi regularizada, isso não pode por si só justificar as expressões objetiva e subjetivamente injuriosas e ofensivas da honra, consideração e do bom nome do Presidente do Conselho de Administração da R. que foram empregues pelo A. no seu post, como por exemplo “Grande mentiroso, Pinóquio e aldrabão do Dr. FM”, “não sabem gerir um hotel vão gerir uma tasca, cambada de incompetentes” e “rua com estes corruptos”.

O A. praticou assim com culpa, infração disciplinar por violação do dever de urbanidade e respeito, expressamente previsto como justificativo para despedimento na alínea i) do nº 2 do art.º 351º do Código do Trabalho (cf. art. 128º, nº 1, al. a) do CT)».

Vejamos se os argumentos do recorrente merecem o desejado atendimento.

É certo que o recorrente era delegado sindical no Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Alimentação, Serviços e Similares da RAM (facto 5). Porém, desde logo, não o é menos que publicou o conteúdo na sua página pessoal, e não numa eventual página do sindicato (se porventura existe), bem assim que o disponibilizou aos seus “amigos” do Facebook, sem que em qualquer ponto invoque essa qualidade, ou que os destinatários sejam os associados do sindicato ou, ainda, referenciando o post como um comunicado sindical.

Como se sabe, a actividade sindical dispõe dos seus próprios meios de comunicação. E, para além disso, mesmo no âmbito da actividade sindical há limites ao conteúdo dos comunicados, panfletos ou outros instrumentos de divulgação, isto é, pelo facto de se inserir no âmbito da actividade sindical não fica permitido todo e qualquer tipo de linguagem, havendo sempre que salvaguardar os direitos essenciais de outrem, nomeadamente, não cedendo o dever de respeito à honra e ao bom nome dos alvejados.

Consta igualmente provado que a R. começou a atrasar o pagamento de retribuições com o subsídio de Natal de 2012, isto é, imediatamente anterior aos factos (facto 39), só a vindo a regularizar em Maio de 2013, bem assim que o presidente do conselho de administração da R. (facto 2) fez promessas de pagamento que não concretizou nas datas que indicou (facto 40).

É certo e seguro que o direito à retribuição se assume como fundamental. Basta dizer que é a obrigação principal do empregador, enquanto contrapartida da disponibilidade do trabalhador para prestar a sua actividade. Por outro lado, não se ignora também o impacto negativo que o pagamento da retribuição em atraso ou apenas parcial importa para os trabalhadores e seus familiares. De resto, por isso mesmo a lei consagra o direito à suspensão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, “fundada em falta de pagamento pontual da retribuição” [n.º3, art.º 294.º CT/09], bem como à resolução do contrato de trabalho, quer no caso “[F]alta culposa de pagamento pontual de retribuição”, quer no caso de “[F]alta não culposa de pagamento pontual da retribuição” [art.º 394.º n.ºs 1 e 2 al. a) e n.º 3, al. c)], ainda que com efeitos diversos no que respeita ao direito a indemnização.

Porém, note-se, dos factos provados não pode sequer extrair-se quais os montantes em concreto, embora tudo indicie que se tratavam de partes da retribuição. De outro modo, isto é, se estivessem em causa as retribuições integrais desses meses, certamente não deixaria o A. de o ter alegado e provado. Para além disso, também nada autoriza a concluir que tenha havido um comportamento intencional da R, isto é, culposo, não querendo pagar quando o podia fazer e procurando iludi-los, designadamente, mentindo-lhes  deliberadamente para retardar o pagamento devido. Significa isto, portanto, que não poderá excluir-se a hipótese da entidade empregadora estar efectivamente numa situação financeira qua a impossibilitava de cumprir integralmente as suas obrigações para com os trabalhadores.

De todo o modo, não poderá também esquecer-se que o A. – tal como os outros trabalhadores – tinham ao seu dispor os meios legais já apontados e, para além disso, se a tanto não quisessem chegar, sempre poderiam recorrer às vias judiciais para procurar obter o pagamento coercivo das retribuições.

Não significa tudo isto que se esteja pôr em causa a liberdade de expressão e o direito de opinião do A., consagrado no art.º 14.º do CT/09. Contudo, como o próprio artigo esclarece inequivocamente, o seu exercício deve conter-se dentro de determinados limites, nomeadamente, respeitando os “direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa”.

O A. podia livremente exerce-lo, inclusive no Facebook e  reportando-se à situação e  manifestando o seu desagrado, ainda que com uma linguagem “mais vigorosa”, como refere. Porém, esse maior vigor na linguagem, ou mesmo o estilo “panfletário” a que também alude, não podem dar cobertura à violação dos direitos da entidade empregadora e dos seus representantes. O exercício do direito de opinião não fica diminuído por isso. Dito por outras palavras, não é necessário recorrer à ofensa grosseira e pessoal, bem como à difamação para afirmar e reclamar um direito.

Como se escreve no Acórdão desta Relação e secção, de 17/12/2008, “ O trabalhador tem o direito de exprimir livremente as suas ideias e pontos de vista, inclusivamente sobre a actuação dos seus superiores hierárquicos. A crítica ou a afirmação de uma discordância não podem ser vistas como um defeito, mas sim como uma qualidade, desde que sejam feitas em termos construtivos, revelem preocupação pelo sucesso da empresa e não atinjam nem ponham em causa a dignidade e os direitos dos interlocutores [processo n.º 8235/2008-4, Ferreira Marques, disponível em www.dgsi.pt].

Não sendo despiciendo assinalar, para que ao autor não restem dúvidas, que estamos no domínio de direitos recíprocos, isto é, não são apenas os trabalhadores que estão obrigados a respeitar os direitos de personalidade do empregador. Como resulta da parte acima transcrita do art.º 14.º CT/09, também o empregador está vinculado a respeitar os direitos de personalidade do empregador.

Partindo da mesma base de igualdade, logo o artigo imediatamente a seguir (15.º), estabelece o seguinte: “O empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador, gozam do direito à respectiva integridade física e moral”.

O mesmo tratamento igual é consagrado, ainda, nos artigos 127.º [Deveres do Empregador] e 128.º [Deveres do trabalhador], dispondo, respectivamente:

- [n.º 1] O empregador deve, nomeadamente:

a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade:

- [n.º1] Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.

Justamente por isso, a lei reconhece expressamente o direito à resolução do contrato de trabalho, com direito a indemnização, ao trabalhador que veja esses seus direitos violados pela entidade empregadora [art.º 394.º n.ºs 1 e 2, al. f), CT/09].

Neste quadro é manifestamente descabido vir o autor procurar defender que as expressões a que recorreu não têm “qualquer cunho calunioso” e que não ficou provado que  teve qualquer intenção ou propósito ofender a confiança, prestigio e credibilidade, quer da R., quer do Presidente do Conselho de Administração”,  recaindo o ónus de prova sobre a R.

Com efeito, a R. provou o que tinha a provar, nomeadamente, que o A. publicou o livremente o post em causa, qual o seu conteúdo e, também, que agiu intencionalmente de modo  a que fosse divulgado perante terceiros, como efectivamente veio acontecer.

 Para além disso, salvo o devido respeito, como bem refere o Tribunal a quo, qualquer cidadão de normal diligência, confrontado com o conteúdo do post, não  deixará de concluir que o mesmo é claramente ofensivo e violador da honra, consideração e bom nome do presidente do conselho da administração da R. e, também da administração em geral e da empresa. Basta atentar nas expressões: “O GRANDE MENTIROSO, PINÓQUIO E ALDRABÃO DO DR. FM, MENTIU PARA TODA A POPULAÇÃO MADEIRENSE (…)”; “TRAPACEIRO”; “SR. ALDRABÃO...”; “OS MEMBROS DESTA ADMINISTRAÇÃO NAO SE PREOCUPAM SE NÃO COM O SEU PROPRIO UMBIGO”; “NÃO SABEM GERIR UM HOTEL VÃO GERIR UMA TASCA, CAMBADA DE INCOMPETENTES”; “RUA COM ESTES CORRUPTOS...”.

Dito de outro modo, qualquer cidadão comum ou qualquer entidade que fosse alvo destas acusações não deixaria de se sentir ofendido na sua honra, bom nome e consideração.

Precisamente por isso, sendo o A. uma pessoa de normal diligência, não podia ignorar o sentido e alcance dessas expressões, bem assim que, para além de constituírem violação dos seus deveres de trabalhador subordinado, integram também ilícitos previstos e punidos na lei penal, nomeadamente os crime de difamação  e injúria (respectivamente, artigos.º 180.º n.º1 e 181.º n.º 1, do Código Penal).

 Concluindo, também quanto a estre ponto, não se acolhe a fundamentação do recorrente.

III.2.4 Prosseguindo, mostra-se pertinente começar por deixar algumas breves considerações sobre os deveres dos trabalhadores.

Com a celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume como obrigação principal prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele, a quem compete o poder de direcção, ou seja, o de «(..) estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem» [art.º 97.º do CT 09].  Mas para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outras obrigações «(..) conexas à sua  integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador” [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, 2009, pag. 236].

Entre esses deveres acessórios, cujo elenco consta do art.º 128.º do CT 09,  conta-se o dever do trabalhador “Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade” [n.º 1 al. a)]

A violação deste dever é susceptível de constituir justa causa de despedimento, dispondo o n.º 2, do art.º 351.º, CT/09 que constitui justa causa de despedimento a “Prática, no âmbito de empresa, de (..) injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre (..) elementos dos corpos sociais (..) seus delegados ou representantes”.

Como é sabido, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no  Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT)  o art.º 9º n.º1  e  no Código do Trabalho de 2003 o art.º 396.º n.º1,  continua a entender-se quer na doutrina quer na jurisprudência, que a noção de justa causa de despedimento, segundo o disposto no art.º 351.º n.º1, do CT/09,  exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes:

i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa);

ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa);

iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave  e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.

Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, verifica-se quando perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros e na jurisprudência mais recente, os Acórdãos do STJ de 29.04.2009, Proc. nº 08S3081; de 17.06. 2009, Proc.º 08S3698; de 03.6.2009, Proc.º n.º 08S3085; de 15.09.2010, Proc.º 254/07.1TTVLG.P1.S1; de 7.10.2010, Proc.º 439/07.0TTFAR.E1.S1; e, de 13.10.2010, Proc.º n.º 142/06.9//LRS.L1.S1 [todos eles disponíveis em www.dgsi.pt/jstj].

Revertendo ao caso, para além das conclusões já apontadas - que foram postas em causa pelo recorrente, mas que como decorre da nossa apreciação nos pontos anteriores, não merecer censura a decisão – o Tribunal a quo concluiu, ainda o seguinte:,

- O A. praticou assim com culpa, infração disciplinar por violação do dever de urbanidade e respeito, expressamente previsto como justificativo para despedimento na alínea i) do nº 2 do art.º 351º do Código do Trabalho (cf. art. 128º, nº 1, al. a) do CT).

Mas a violação de um dever laboral não dá lugar necessariamente à sanção máxima do despedimento, por aplicação do princípio da proporcionalidade da sanção à gravidade da conduta (art.º 330º, nº 1).

Torna-se necessário, assim, avaliar o grau de ilicitude e de culpa do trabalhador e da proporcionalidade entre a sanção e a gravidade do facto.

No domínio laboral há que atender a interesses específicos, nomeadamente, à tranquilidade do ambiente laboral e ao equilíbrio da organização, tendo em conta que a empresa, enquanto pessoa coletiva é uma pessoa jurídica autónoma das pessoas físicas que em cada momento a representam.

Relativamente ao Autor, entendo que as afirmações colocadas em post no Facebook são claramente ofensivas da honra, da consideração e dom nome do Presidente do Conselho de Administração da sua entidade patronal e, constituem factos graves, de um posto de vista objetivo e subjetivo, bem como produtores de consequências que perturbam o ambiente laboral normal e o equilíbrio da empresa.

Tudo ponderado, entendo não ser exigível à R. a manutenção do A. ao seu serviço,  em virtude de dúvidas sérias e legítimas quanto à conformidade do comportamento do A. no futuro, tornando-se prática e imediatamente impossível a manutenção da relação laboral, pelo que preenche a justa causa de despedimento”.

Cremos que esta conclusão é adequada ao caso, contendo-se nos princípios que acabámos de enunciar sobre a noção de justa causa. Por isso mesmo, mas também porque não há qualquer outro argumento do recorrente que cumpra apreciar, não vimos que se justifiquem outras considerações, restando concluir pela total improcedência do recurso, não merecendo censura a sentença recorrida.

***

            Considerando o disposto no art.º 527.º n.º1 e 2, do NCPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre o recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.

IV. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a sentença recorrida.

                Custas pelo recorrente.

 Lisboa, 24 de Setembro de 2014

Jerónimo Freitas

Francisca Mendes

Maria Celina de J. Nóbrega

           

Decisão Texto Integral: