Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
425/16.0T8TVD.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: SERVIÇOS DE LIMPEZA
SUCESSÃO DE EMPRESAS
LOCAL DE TRABALHO
RECUSA
TRABALHADOR
DIMINUIÇÃO DE SALÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1-Por força dos nºs 2 e 3 da cláusula 15ª do CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de ….e a … - Federação dos Sindicatos e outros, publicado no BTE nº 15 de 22 de Abril de 2008 extrai-se que sucedendo uma empresa a outra na prestação de serviços de limpeza relativamente a um determinado local, os trabalhadores que aí exerciam as suas funções passam a ficar vinculados, sem perda de quaisquer direitos, regalias ou antiguidade, à nova empresa adjudicatária dos serviços de limpeza.
2- Mas o trabalhador pode recusar a integração na nova empresa adjudicatária dos serviços de limpeza desde que essa recusa seja justificada.
3- É de considerar justificada a recusa baseada na diminuição das horas de trabalho semanais correspondentes a mais de metade do salário mínimo nacional.

(Elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório

AAA residente na avenida …Torres Vedras, com o patrocínio do Ministério Público, veio propor acção emergente de contrato de trabalho com processo declarativo comum contra:

1 - BBB, Lda., com sede na rua …;

e

2 - CCC, SA., com sede na avenida … Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência:

I - seja a 1.ª ré, ou, subsidiariamente, a 2.ª ré condenada a pagar à autora as seguintes quantias:

a - a retribuição de férias e respectivo subsídio, vencidos em 01 de Janeiro de 2015, no montante global de €631,24 (€315,62 + €315,62);

b - os proporcionais de férias e respectivo subsídio referentes a Janeiro, Fevereiro e Março de 2015 – no montante global de €157,80 (€78,904999 + €78,904999);

c - o proporcional de subsídio de Natal referente aos mesmos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, no montante de €78,90.

II - Seja declarada a ilicitude do despedimento e, consequentemente, a 1.ª ré, ou, subsidiariamente, a 2.ª ré condenada ainda:

a - a reintegrar a autora sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (Artigo 389.º n.º1, al. b), do Código do Trabalho);

b – a pagar a remuneração mensal e sucessiva de €315,62 desde os trinta dias anteriores à propositura da presente acção e até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento (Artigo 390.º n.ºs1 e 2 al. b), do Código do Trabalho).

III – para o caso da autora vir a optar, em substituição da reintegração, por uma indemnização, terá ainda direito a tal título, da 1.ª ré, ou, subsidiariamente, da 2.ª ré, a uma indemnização cujo montante caberá ao tribunal determinar entre 15 e 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sendo para esse efeito também atendível o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, no caso concreto, no mínimo correspondente a três meses de retribuição.

IV – Seja a 1.ª ré, ou, subsidiariamente, a 2.ª ré, condenada a pagar juros de mora relativamente às quantias acima peticionadas à taxa e nos termos legais.

Invocou para tanto, em resumo, que:

- foi admitida na 1ª Ré, BBB em 1 de Julho de 2012, com a categoria profissional de trabalhadora de limpeza, tendo como local de trabalho as Conservatórias do Registo Civil e Predial de …, e cumprindo um horário semanal de 25 horas;

- além desta relação de trabalho, trabalhava, ainda, como trabalhadora de limpeza para a 2ª Ré, CCC, S.A., desempenhando as suas funções na Escola Secundária … e com um horário semanal de 40 horas;

- sucede que, a partir de 1 de Abril de 2015, a 2ª ré passou a assegurar a prestação de serviços de limpeza nas mencionadas conservatórias;

- como a Autora já tinha um contrato de trabalho com a 2ª Ré, com um horário completo, esta não aceitou para si a transmissão do contrato de trabalho de 25 horas semanais que a Autora cumpria naquelas conservatórias, facto que a 2ª Ré comunicou à Autora, com fundamento em impossibilidade legal, bem como que podia exigir novo posto de trabalho à 1ª Ré, o que fez;

- a 1ª Ré não só não aceitou o alegado motivo de impossibilidade legal de transmissão, como não lhe arranjou outro posto de trabalho nem lhe pagou as férias e respectivo subsídio vencidos em 1.1.2015 e proporcionais e férias e subsídios de férias e de Natal referentes a Janeiro, Fevereiro e Março de 2015;

- a actuação da 1ª Ré configura um despedimento ilícito por não ter sido precedido do respectivo procedimento disciplinar e por ser destituído de justa causa; e

- subsidiariamente, caso se entenda que a 2ª Ré não estava impossibilitada legalmente de manter, em simultâneo, dois contratos de trabalho autónomos com a Autora, com 65 horas de trabalho semanais e que, por isso, deveria ter aceitado a Autora ao seu serviço, então, o comportamento da 2ª Ré de não aceitação da Autora traduz um despedimento ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar e ser destituído de justa causa.

Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a sua conciliação.

A 1ª Ré, BBB, Lda, contestou invocando, em síntese, que:

-a prestação de serviços de limpeza e higiene nas instalações da … foi definitivamente adjudicada à 2.ª Ré, com efeitos a partir de 1 de Abril de 2015, data a partir da qual esta passou a ser a entidade empregadora das trabalhadoras que estavam afectas às funções de limpeza nessas instalações, incluindo a Autora, pelo que nessa data cessou toda e qualquer relação laboral entre a 1.ª Ré e a Autora, atento o disposto na Cláusula 15.ª do CCT entre a Associação Portuguesa de …, aplicável à relação entre as partes;

- a 2.ª Ré aceitou a Autora ao seu serviço e jamais comunicou à 1.ª R. qualquer divergência ou problema quanto a esta transferência, pelo que não ocorreu qualquer cessação do contrato de trabalho com a 1.ª Ré, nem qualquer despedimento ilícito por parte da 1ª Ré, sendo a 2ª Ré a exclusiva responsável pelos créditos reclamados pela Autora;

- tem entendido a jurisprudência que é de considerar que estamos perante uma dualidade superveniente de contratos de trabalho motivada, única e exclusivamente, pelo facto de, à data em que foi adjudicada à 2.ª R. a empreitada de serviços de limpeza na …, a Autora aí trabalhar;

- assim, inevitável e temporariamente, o somatório dos horários de trabalho dos dois contratos de trabalho com a 2.ª R. ultrapassou o limite das 40 horas semanais previsto na lei apenas para os casos de um único contrato de trabalho ao serviço da mesma entidade empregadora, sendo que não se operou qualquer união de contratos de trabalho figura que, aliás, inexiste no nosso ordenamento jurídico - laboral;

- além disso, não existe norma legal que proíba a coexistência de mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador, pelo que, onde o legislador não teve a intenção de criar obstáculos ou qualquer tipo de impedimento, não cabe ao intérprete fazê-lo.

- a recusa da 2.ªRé. em aceitar a Autora foi ilícita; e

- na presente data, a Autora voltou a exercer funções na 1.ª Ré e esta tem conhecimento que a Autora já não desempenha qualquer tarefa para a 2.ª Ré, pelo que, se tivesse que valer a posição sustentada pela Autora na sua PI, nunca poderia a 1.ª Ré, por maioria de razão, ser considerada entidade empregadora da Autora.

Concluiu no sentido da acção ser julgada improcedente e a Ré absolvida de todos os pedidos.

A 2ª Ré CCC, S.A. também contestou invocando, em resumo, que:

- não é responsável nem pode ser condenada, nem subsidiariamente, porque não despediu a Autora;

- face aos limites constantes do artigo 203º do CT e da cláusula do CCT aplicável, considerou que não podia receber a prestação de trabalho da Autora nas instalações das Conservatória de Registo Civil e de Registo Predial e Comercial de …, com a carga horária/horário de trabalho que lhe foi comunicado pela ré … (25 horas semanais), uma vez que o horário de trabalho que lhe tinha determinado no local correspondente à Escola Secundária … já era coincidente com os limites máximos do período normal de trabalho diário e semanal;

- também informou a Autora que não podia receber a sua actividade nas instalações das Conservatórias acima referidas pelas razões mencionadas e informou-a de que poderia recusar ingressar nos seus quadros, desde que, justificadamente, o declarasse à ré … sendo que, neste caso, esta última ficava obrigada a assegurar-lhe novo posto de trabalho, tendo a Autora exercido esse direito junto da 1ª Ré;

- os factos que a Autora imputa à Ré contestante não configuram qualquer despedimento porque a Ré não estava obrigada a receber essa quantidade de trabalho por parte da Autora (65horas semanais) pois até podia incorrer em contra-ordenação, nem a Ré estava obrigada a manter a prática de trabalho suplementar;

- era sobre a Autora que recaía o ónus de evitar a redução desta parte do seu horário de trabalho e da retribuição correspondente, exercendo, em relação à ré …, o direito previsto no n.º 5 da cláusula 15ª do CCT aplicável; e

- as normas legais em vigor impedem que com a mesma empregadora vigorem dois contratos de trabalho distintos com o mesmo trabalhador e para a mesma actividade atenta, designadamente a necessidade de observar um único regime.

Conclui nada dever à Autora e no sentido de ser absolvida dos pedidos.

Por considerar que já estava em condições de conhecer do pedido, o Tribunal a quo designou uma audiência prévia, tendo nela a Autora optado pela indemnização em substituição da reintegração.

Foi proferido despacho saneador/ sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:

“Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito supra exposta, se decide:

I - Declarar a ilicitude do despedimento da autora pela ré … Lda. e em consequência condenar esta a pagar-lhe:

a) As retribuições e subsídios de férias e natal que a mesma deixou de auferir desde 7-2-2016 e até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento, deduzidas das importâncias que o mesmo, comprovadamente, tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e dos valores suportados pela segurança social a título de subsídio de desemprego ou retribuições que deverão ser entregues a esta entidade.

b) Indemnização em substituição da reintegração no montante de 1 420,29€ (mil quatrocentos e vinte euros e vinte e nove cêntimos).

c) Juros de mora, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa anual de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações referidas em a) e desde o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento sobre o valor referido em b).

II – Absolver a ré … SA do pedido subsidiário contra si formulado nos autos.

III – Condenar a ré …, Lda. nas custas da acção – art. 527º do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1º nº 2 al a) do Código de Processo de Trabalho.

Nos termos do disposto no art. 306º do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1º nº 2 al a) do Código de Processo de Trabalho, fixo em 5 000,01€ o valor da acção.”

Inconformada, a Ré …, Lda, recorreu e no requerimento de interposição do recurso, que dirigiu ao Exmº. Sr. Juiz do Tribunal de 1ª instância, arguiu a nulidade da sentença e nele ainda formulou as seguintes conclusões:

(…)

.”

A 1ª Ré … sintetizou as alegações do recurso nas seguintes conclusões:

(…)

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que declare que a Autora não se recusou a ser transferida para a Ré …, que efectivamente transitou para esta empresa e que foi a … quem despediu ilicitamente a Autora, com todas as consequência legais.

A Autora contra alegou sem formular conclusões, pugnando pela manutenção da sentença.

A Ré …, S.A. contra alegou e requereu a ampliação do âmbito do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

(…)

O recurso foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.

A Mmª Juiz a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença no sentido de que não se verifica.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso importa conhecer as seguintes questões:

1- Se deve ser conhecida a arguida nulidade da sentença (questão prévia).

2-Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, se a sentença é nula.

3-Se ocorreu a transmissão do contrato de trabalho que a Autora mantinha com a 1ª Ré, …, Lda, para a 2ª Ré, …, S.A.

Da ampliação do âmbito do recurso:

1-Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.

2-Se, por força do disposto no artigo 203º do CT e da cláusula 16ª do CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de … (Federação dos Sindicatos … e outros), publicado no BTE, 1ª série, nº 15, de 22 de Abril de 2008 e posteriores revisões, a 2ª Ré, … estava impedida de receber a prestação da Autora de 65 horas de trabalho semanais.

Fundamentação de facto

A sentença considerou provados os seguintes factos:

1. …, S.A. tem por objecto a prestação de serviços integrados de higiene e limpeza de edifícios, incluindo trabalhos em altura, limpezas industriais, hospitalares, meios de transporte e fabris, manutenção técnica, desinfecção e desinfecção e desentupimentos. Jardinagem, comercialização de produtos, equipamentos e acessórios relacionados com as suas actividades, gestão e execução de contratos em regime de outsourcing em edifícios, instalações técnicas e clientes.

2. …, Lda. tem por objecto: importação, exportação e comercialização de viaturas, componentes, metalomecânica, limpeza, segurança, compra e venda de propriedades, distribuição de mão-de-obra e compra e venda de produtos de higiene e limpeza.

3. Ambas desenvolvem actividade na área dos serviços de limpeza.

4. Foi adjudicada à …, SA a prestação de serviços de limpeza do Instituto de Registos e Notariado – Região de Lisboa e Vale do Tejo, incluindo as instalações da Conservatória de Registo Civil e Conservatória de Registo Predial e Comercial de …, com efeitos a partir de 1 de Abril de 2015.

5. Serviço que até então se encontrava adjudicado à …, Lda. desde Julho de 2012.

6. Esta ré enviou à ré …, SA uma relação dos trabalhadores que realizavam a sua actividade nesses locais, à data de 31 Março de 2015, onde incluiu a autora.

7. Referindo que a mesma prestava desde 1-7-2012 serviço de segunda a sexta-feira, entre as 15h e as 18h, na Conservatória de Registo Predial e Comercial de ….

8. E também de segunda a sexta-feira, entre as 18h e as 20h, na Conservatória de Registo Civil de ….

9. Prestação da autora que era contrapartida de uma retribuição mensal de 315,62€ acrescida de subsídio de alimentação no montante mensal de 24,75€.

10. Em Março de 2015 a autora prestava a sua actividade de trabalhadora de limpeza para a ré …, SA no Agrupamento de Escolas … de terça a sexta entre as 5h e as 7h30m, aos sábados entre as 5h e as 10h e de segunda a sexta-feira entre as 9h e as 12h e entre as 13h30 e as 15h30m.

11. Por fax de 31-3-2015 a autora comunicou à …, Lda. que “Eu …, a prestar serviço pela vossa empresa na Conservatória do Registo Civil e Conservatória do Registo Predial em …, fui hoje informada pessoalmente pela …, SA que não aceitaram a minha passagem para a empresa deles que “ganharam” os dois serviços, uma vez que eu pela empresa deles já faço as 40h semanais estipuladas na lei. Após me deslocar hoje ao ACT, informado que a responsabilidade será da empresa … em assegurar as horas que fazia nos 2 serviços e no mesmo horário e que a responsabilidade seria da vossa empresa em me pagar também.”.

12. Ao qual a ré …, Lda. respondeu em 1-4-2015 referindo que aqueles serviços eram agora da ré …, SA e que se autora já fazia 40 horas semanais para esta agora, com a transferência do contrato, iria fazer mais 25horas, situação que considera ser uma inevitabilidade do CCT aplicável ao sector geradora de dualidade de contratos, situação que melhor acautela os direitos e garantias da autora, pelo que considerava o contrato transferido para a ré …, SA.

13. Em carta remetida pela …, SA à autora em 7-4-2015 esta ré comunicou-lhe que lhe havia sido adjudicada a prestação de serviços de limpeza no Instituto de Registos e Notariado, mais precisamente nas instalações das Conservatória de Registo Civil e Conservatória de Registo Predial e Comercial de …. e nas quais constava o nome da autora com uma carga horária semanal total de 25 horas, mas como a autora já lhe prestava 40 horas semanais “encontra-se legalmente impossibilitada de aceitar a sua passagem nas instalações das (…) sob pena de violação do supra referido limite máximo previsto na cláusula 16ª do CCT aplicável (...) e do art. 203º do Código do Trabalho”.

14. Em 31-3-2015 a autora não havia gozado férias ao serviço da ré …, SA.

15. Ambas as rés aplicam nas suas relações com os trabalhadores o CCT outorgado entre … e …

Fundamentação de direito

Comecemos, então, por apreciar a questão prévia suscitada pela Recorrente nas contra alegações se deve ser conhecida a arguida nulidade da sentença.

A este propósito invoca a Recorrida que nas alegações e nas conclusões de recurso dirigidas ao Tribunal Superior a Recorrente não faz qualquer referência à nulidade que arguiu, expressa e separadamente, apenas no requerimento de interposição de recurso e que, atendendo a que as conclusões de recurso determinam, com precisão, o objecto do mesmo, o Tribunal ad quem não pode conhecer e pronunciar-se sobre a pretensa nulidade da sentença suscitada no requerimento de interposição de recurso.

Vejamos:

No requerimento de interposição do recurso dirigido ao “ Exmº. Senhor Juiz de Direito do Tribunal do Trabalho de …” a Recorrente, expressa e separadamente, arguiu a nulidade da sentença, com fundamento na violação do princípio do contraditório previsto no nº 3 do artigo 3º do CPC, embora também invoque que a violação de tal princípio inclui-se na cláusula geral sobre nulidades processuais constante do artigo 201º do nº 1 do CPC- a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade de acto que a lei prescreve.

Ou seja, a Recorrente, salvo o devido respeito, confunde nulidades da sentença com nulidades processuais, realidades distintas e sujeitas a regimes legais também diversos.

Sucede que, no requerimento de interposição do recurso, a Recorrente formulou conclusões quanto à invocada nulidade e cujo teor acima transcrevemos.

Porém, percorridas as alegações e conclusões do recurso endereçadas ao Tribunal da Relação, constata-se que, nem numas nem noutras, a Recorrente suscita a questão da nulidade da sentença.

Ora, como já acima referimos e é pacífico, o objecto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões das alegações, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, com excepção da causa de nulidade da sentença a que se refere a al.a) do nº 1 do artigo 615º do CPC (falta de assinatura do juiz), as restantes causas de nulidade aí previstas não são de conhecimento oficioso, pelo que não pode este Tribunal dela conhecer.

Acresce que, mesmo que se considerasse que o que a Recorrente pretendeu fazer foi invocar uma nulidade processual, a verdade é que esta, atento o disposto na 2ª parte do nº 1 do artigo 195º do CPC, sempre configuraria uma nulidade secundária dependente de arguição pelas partes, do que resulta que também não poderia ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal.

Em consequência, não é de conhecer a invocada nulidade da sentença ficando, desde logo, prejudicada a análise da 2ª questão suscitada no recurso.

*

Debrucemo-nos, agora, sobre a 3ª questão suscitada no recurso e que consiste em saber se ocorreu a transmissão do contrato de trabalho que a Autora mantinha com a 1ª Ré, …, Lda, para a 2ª Ré, …, S.A..

Sobre a questão, após considerar aplicável ao caso o CCT entre a Associação Portuguesa de … e outros por via da Portaria de Extensão nº 1519/2008, considerar que nos casos de perda de local de trabalho a regra é a da transmissão e que os nºs 4 e 5 da cláusula 15ª prevêem as excepções a essa regra e dissertar sobre o sentido da declaração negocial, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:

“Ora, no caso dos autos e salvo melhor opinião a missiva da autora enviada à ré não tem nem pode ter outra leitura que não a de recusa de ingresso nos quadros da ré … Lda. com referência aos serviços que prestava nas Conservatórias de Registo Civil, Comercial e Predial de ….

É certo que a autora não utilizava a expressão “recusa “ e se limita, essencialmente, a referir que não vai poder fazer aquelas horas na ré …, SA por já efectuar quarenta horas de trabalho para esta ré.

É igualmente certo que a autora fala em “não-aceitação da passagem” pela ré …, SA ainda que utilize um tempo pretérito antes ainda da data de efectivação da passagem.

Porém, sendo a carta enviada em 31-3-2015, ou seja antes de consumada a perda do local pela ré …, Lda. e antes de consumada a transmissão para a …, SA, o sentido da mesma não pode deixar de ser, à luz do art. 236º do Código Civil e da doutrina no mesmo expressa, a não-aceitação pela autora do ingresso na nova empresa.

Na leitura que a autora faz do que lhe foi dito ou informado pela …, SA, ainda antes de esta iniciar a sua nova empreitada – só em 7-4-2015 esta ré emite declaração –, o que se afigura relevante é a impossibilidade de prestação por a autora já efectuar 40 horas semanais para aquela ré.

Este facto que a autora, na sua perspectiva prática de trabalhadora que subscreve a carta dirigida à ré …, Lda., vê como uma não-aceitação de transmissão – e que a …, SA em 4-7-2015 parece igualmente ver como tal – é fundada nos limites horários da Cláusula 16ª do CCT e do art. 203º do Código do Trabalho e tem como efeito prático a impossibilidade da autora efectuar uma prestação de trabalho de 25 horas semanais e a consequente privação de uma fonte de rendimento (315,62€).

É claro que tal situação nunca seria, à luz da já mencionada cláusula 15ª, fundamento legal para a ré …, SA não aceitar a autora mas sim e tão-somente para reduzir o horário desta de modo a conformá-lo com os limites legais referidos – cfr. Ac RL de 10-4-2013 in www.dgsi.pt/jtrl com o nº de processo 1422/11.7TTLSB.L1-4.

Só que tal, na prática para a autora, era exactamente a mesma coisa: ficava sem efectuar aquelas horas de trabalho e de auferir o valor de retribuição respectivo.

Por isso se afirmou que o relevante é o motivo de facto – a já anterior afectação em 40 horas semanais para a …, SA – e não a configuração/verbalização que a autora refere (não aceitação da …, SA da passagem) ou a leitura que a ré adquirente do serviço lhe transmite (impossibilidade legal de aceitação).

Por outro lado, ao facto de na data de envio da carta da autora à ré …, Lda. a passagem ainda não ter tido lugar e da …, SA ainda não ter emitida declaração de “impossibilidade de aceitação”, acresce, nos termos do nº 2 do art. 236º do Código Civil, que a ré …, Lda. se apercebeu perfeitamente da vontade da autora com a carta que lhe enviava.

Tal conhecimento e percepção resultam desde logo da forma e termos em que, prontamente, lhe responde referindo que não mais é sua entidade patronal e que esta é a ré …, SA.

A cláusula 15ª não concretiza, nem mesmo exemplificativamente, o que seja uma recusa justificada de ingresso na nova empresa pelo trabalhador.

O sentido da justificação terá, salvo melhor opinião, de ser visto por referência aos objectivos subjacentes à consagração de tal cláusula, ponderando que enquanto para a empresa que obtém a empreitada as possibilidades de não passagem de trabalhadores que normalmente prestavam serviço no local se mostra devidamente concretizada com a definição do nº 4, no caso da recusa do trabalhador basta que este justifique a recusa e que tal justificação se mostre fundada em motivação relevante – como tal se entendendo a expressão “justificadamente”.

Não ignorando que a cláusula em causa se encontra estruturada à volta do local de trabalho tal como definido nas cláusulas 13ª e 14ª não se pode ignorar que o seu escopo “não é apenas o de assegurar aos trabalhadores a prestação de trabalho em determinado local ou serviço, mas também o de lhes garantir a estabilidade de emprego e a manutenção dos direitos adquiridos” – Ac RP de 14-2-2011 acima referido. O local de trabalho é um elemento relevante do contrato de trabalho mas não é o único, não será necessariamente o mais relevante, e não tem relevo se não tiver lugar qualquer prestação que configure uma relação de trabalho.

Ora, nesta perspectiva, se ponderarmos que a retribuição é para um trabalhador um elemento com relevo ponderoso nos seus interesses – é a sua subsistência que está em causa --, se considerarmos os valores estabelecidos para uma trabalhadora de limpeza como a autora – pouco acima do valor da retribuição mínima, como resulta da consulta do anexo de remunerações mínimas do CCT – a perda da possibilidade de continuar a efectuar as horas que efectuava para a ré …, Lda. configura um motivo justificado e relevante para a autora não pretender a passagem para a nova empresa que obtivera a empreitada.

Não recusar o ingresso na …, SA significava para a autora uma perda de cerca de 315,62 € por mês, correspondente a mais de metade do valor de retribuição mínima, já que não se vislumbra como poderia esta ré manter uma trabalhadora a efectuar 40+25 horas semanais, atento o disposto no art. 228º do Código do Trabalho, isto para além da verificação dos pressupostos do art. 227º do mesmo diploma.

Concede-se que o limite de 40 horas semanais é um limite para um contrato de trabalho.

Não se ignora que, nas mais das vezes por necessidade puramente económica (maior retribuição global), o trabalhador tem mais de uma relação laboral e que todas elas juntas ultrapassam as 40 horas semanais.

Porem, daí até à consideração que a …, SA passaria a ter duas relações laborais autónomas com a autora vai um passo que não se acompanha.

Tal ficção – que nem as medidas recentes de diminuição do valor trabalho suplementar ousaram – permitiria, no limite, que nunca tivesse lugar prestação de trabalho suplementar, bastando que em situações de acréscimo de produção fossem celebrados, como os trabalhadores da empregadora, outros contratos, a tempo parcial e/ou de duração limitada.

Não se ignora que o sector de actividade em que as rés se encontram inseridas potencia, por via da duração das empreitadas ou na possibilidade de não manutenção das mesmas, situações como a dos autos.

Porém não se afigura, nem se encontra fundamento para que tal signifique uma derrogação dos normativos legais sobe os limites de duração da prestação semanal, ou diária, de trabalho ou de justificação de admissão de múltiplas relações laborais em simultâneo entre as mesmas partes.

De todo o exposto resulta que a autora recusou justificadamente o ingresso na nova empresa (a …, SA) com referência à prestação laboral que executava nas Conservatórias de Torres Vedras e correspondente a um horário semanal de 25 horas.

Consequentemente a autora terá, relativamente às 25 horas semanais em causa, de ser considerada trabalhadora da ré … Lda.

Assim, a reacção desta em 1-4-2015 – recusando ser sua empregadora – é clara e inequívoca quanto ao seu propósito de não manutenção da relação laboral com a autora configurando, na sequência da recusa expressa pela autora em 31-3-2015, uma declaração de despedimento conforme acima referido.”

Discordando do entendimento explanado na decisão recorrida, defende a Recorrente que este não pode ser aceite, estribando-se em duas ordens de razões:

Na primeira invoca que os factos mencionados pela Autora na carta enviada à Recorrente não consubstanciaram qualquer recusa em ser transferida para a …, mas sim a mera transmissão de uma informação com um pedido de esclarecimento subjacente e uma ilícita violação pela … do dever de aceitar a actividade da autora nas conservatórias do Registo Civil e Predial de …, a partir de 1 de Abril de 2015, que, atenta a teoria da impressão do destinatário, a Recorrente concluiu que a Autora estaria, apenas, a expor uma situação com a qual tinha sido confrontada e a solicitar um esclarecimento que a Recorrente prestou mediante a sua resposta datada de 1 de Abril, o que também resulta da prova documental junta aos autos, sendo certo que a Autora jamais respondeu a esta carta da Recorrente, nem a … alguma vez comunicou à Recorrente a sua intenção / decisão de não aceitar a transferência da Autora.

Na segunda, invoca a Recorrente que, mesmo que a carta da Autora consubstanciasse uma recusa em ser transferida, não se poderia considerar como sendo uma recusa justificada, sendo certo que o motivo invocado pela … não é motivo suficiente e relevante para a Autora lhe impor a recusa da passagem para a … tendo a própria sentença considerado que o motivo invocado pela 2ª Ré não seria suficiente para esta não aceitar a Autora, que a situação da Autora não cabe nos nºs 4 e 5 da cláusula 15º do CCT, que, caso a … pretendesse não assumir a transferência da Autora, teria sempre que comunicar este facto à Recorrente e nunca o fez, que os fundamentos transmitidos pela … à Autora nem sequer eram válidos, pois nada na lei impede que esta, temporariamente, cumulasse dois contratos de trabalho distintos com a …, desde que estivessem devidamente identificados, tendo in casu, ocorrido uma dualidade superveniente de contratos de trabalho motivada, única e exclusivamente, pelo facto de, à data em que foi adjudicada à … a empreitada de serviços de limpeza na …, a autora já aí trabalhar, que não existe norma legal que proíba a coexistência de mais de um contrato de trabalho com o mesmo empregador, que o limite das 40 horas semanais imposto pelo artigo 203º do Código do Trabalho está pensado para cada contrato de trabalho concreto e individual, que não se operou qualquer união ou confusão de contratos de trabalho, que a … ficou obrigada a manter os direitos emergentes do contrato de trabalho da Autora, tanto no local de trabalho na …, como no anterior local de trabalho, pelo que a alegada informação prestada pela … à Autora é que foi ilícita e que, caso um trabalhador não possa manter, em simultâneo, com a mesma entidade empregadora dois contratos de trabalho, então a outorga do 2º fez cessar a vigência do 1º, pelo que, neste caso, o que se impunha é que a …reduzisse o horário de trabalho da Autor para os limites legais.

Vejamos:

Sob a epígrafe “ Perda de um local de trabalho” dispõe a cláusula 15ª do CCT aplicável:

“1 A perda de um local de trabalho por parte da empregadora não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento.

2- Em caso de perda de um local de trabalho, o empregador que tiver obtido a nova empreitada obriga -se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.

3- No caso previsto no número anterior, o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo -se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior directamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de empregador, salvo créditos que, nos termos deste CCT e das leis em geral, já deveriam ter sido pagos.

4 -Para os efeitos do disposto no n.º 2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho:

a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há 120 ou menos dias;

b) Todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 120 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado directamente da aplicação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Os 120 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.

5-Quando justificadamente o trabalhador se recusar a ingressar nos quadros da nova empresa, a empregadora obriga -se a assegurar -lhe novo posto de trabalho.

6- Sem prejuízo da aplicação dos números anteriores, a empregadora que perder o local de trabalho é obrigada a fornecer, no prazo de cinco dias úteis a contar da recepção do pedido, à empresa que obteve a nova empreitada e ao sindicato representativo dos respectivos trabalhadores os seguintes elementos referentes aos trabalhadores que transitam para os seus quadros:

a) Nome e morada dos trabalhadores;

b) Categoria profissional;

c) Horário de trabalho;

d) Situação sindical de cada trabalhador:

e) Data da admissão na empresa e, se possível, no sector;

f) Início da actividade no local de trabalho;

g) Situação contratual: a prazo ou permanente;

h) Se a prazo, cópia de contrato;

i) Mapa de férias do local de trabalho;

j) Extracto de remuneração dos últimos 120 dias, caso sejam concedidos a algum trabalhador acréscimos de remuneração por trabalho aos domingos, trabalho nocturno ou quaisquer prémios ou regalias com carácter regular e permanente;

k) Situação perante a medicina no trabalho, com indicação do último exame;

l) Qualquer outra obrigação cujo cumprimento decorra da lei.

7- No caso dos trabalhadores na situação de baixa que transitaram para outra empresa, nos termos desta cláusula, cujo contrato de trabalho tenha cessado por reforma coincidente com o termo de suspensão, compete à empresa adquirente da empreitada o pagamento dos créditos daí resultantes.

8- O disposto na presente cláusula aplica -se, com as necessárias adaptações, às reduções de empreitadas.”

Dos nºs 2 e 3 da citada cláusula extrai-se que sucedendo uma empresa a outra na prestação de serviços de limpeza relativamente a um determinado local, os trabalhadores que aí exerciam as suas funções passam a ficar vinculados, sem perda de quaisquer direitos, regalias ou antiguidade, à nova empresa adjudicatária dos serviços de limpeza.

E só não é assim nas situações contempladas nos nºs 4 e 5 da citada cláusula.

Ora, face aos factos provados, impõe-se, desde logo, concluir que a situação da Autora não se enquadra na excepção a que alude o nº 4 da referida cláusula.

E será que, como entendeu o Tribunal a quo, estamos perante uma situação de recusa justificada por parte da Autora, enquadrável no nº 5?

A resposta a tal questão passa, necessariamente, pela interpretação do fax que a Autora enviou à Recorrente.

Contudo, previamente, importa relembrar a seguinte factualidade provada: Foi adjudicada à …, SA a prestação de serviços de limpeza do Instituto de Registos e Notariado – Região de Lisboa e Vale do Tejo, incluindo as instalações da Conservatória de Registo Civil e Conservatória de Registo Predial e Comercial de …, com efeitos a partir de 1 de Abril de 2015 (facto 4); Serviço que até então se encontrava adjudicado à …, Lda. desde Julho de 2012 (facto 5); Esta ré enviou à ré …, SA uma relação dos trabalhadores que realizavam a sua actividade nesses locais, à data de 31 Março de 2015, onde incluiu a autora (facto 6); Referindo que a mesma prestava desde 1-7-2012 serviço de segunda a sexta-feira, entre as 15h e as 18h, na Conservatória de Registo Predial e Comercial de … e também de segunda a sexta-feira, entre as 18h e as 20h, na Conservatória de Registo Civil de … (factos 7 e 8); Em Março de 2015 a autora prestava a sua actividade de trabalhadora de limpeza para a ré …, SA no Agrupamento de Escolas … de terça a sexta entre as 5h e as 7h30m, aos sábados entre as 5h e as 10h e de segunda a sexta-feira entre as 9h e as 12h e entre as 13h30 e as 15h30m (facto 10).

E provou-se, ainda, que por fax de 31-3-2015 a autora comunicou à …, Lda. que “Eu AAA, a prestar serviço pela vossa empresa na Conservatória do Registo Civil e Conservatória do Registo Predial em …, fui hoje informada pessoalmente pela …, SA que não aceitaram a minha passagem para a empresa deles que “ganharam” os dois serviços, uma vez que eu pela empresa deles já faço as 40h semanais estipuladas na lei. Após me desfocar hoje ao ACT, informado que a responsabilidade será da empresa … em assegurar as horas que fazia nos 2 serviços e no mesmo horário e que a responsabilidade seria da vossa empresa em me pagar também.”.

Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 236º do CC “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”

E nos termos do nº 2 do mesmo artigo “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”

Em anotação a este artigo escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela no “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª edição, pag. 222 “A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

E na pag. 223 da mesma obra lemos: “ A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”

Aqui chegados importa, então, apurar, se um declaratário mediamente instruído e diligente colocado na posição da Recorrente, extrairia do fax enviado pela Autora que esta estava a recusar-se a ingressar nos quadros da ….

É certo que, conforme refere a sentença recorrida, a Autora, no dito fax não utiliza a expressão “recusa”.

Contudo, da mesma mensagem resulta que a Autora comunicou à Ré … que foi informada, no dia 31.3.2015, que a … não aceitou a sua “passagem” para a dita empresa, uma vez que já trabalhava ao serviço desta empresa as 40horas semanais estipuladas pela lei.

Da mesma missiva ainda se retira que a Autora deslocou-se à ACT e que aí foi informada que a responsabilidade em assegurar as 25horas horas que fazia nas conservatórias e o respectivo pagamento é da …

Assim, contrariamente ao que refere a Recorrente, a Autora no fax que lhe endereçou não está a pedir esclarecimentos; o que a Autora diz é que não a aceitaram na … porque já cumpria nessa empresa o horário de 40 horas semanais e que foi informada que é a …, a quem se dirige, que é a responsável por lhe assegurar novo posto de trabalho, daí resultando que, implicitamente, está a exigir que a … lhe garanta novo posto de trabalho, o que pressupõe, inevitavelmente, que não aceitou integrar os quadros da ….

Na verdade, a Autora não se dirigiu à … exigindo que esta a integrasse nos quadros para efeitos de manter as 25horas semanais que prestava nas Conservatórias de …, mas sim à …, o que só pode significar que recusou ser integrada na …, tanto mais que se aceitasse a transmissão, face à informação que lhe fora dada pela …, deixaria de fazer as restantes 25 horas, com as consequentes repercussões negativas em termos salariais.

E conhecendo a Recorrente, na qualidade de empregadora, a situação económica da Autora e o peso que as 25 horas semanais de trabalho representavam na sua economia doméstica é impossível não concluir que o fax da Autora exprime uma vontade clara e inequívoca de não aceitar a sua integração na …, e que a … apreendeu o verdadeiro sentido da comunicação que lhe foi endereçada pela Autora-recusa de integração da …-, pelo que não merece censura o entendimento do tribunal a quo quando considera que a carta evidencia essa intenção.

Aliás, se não fosse essa a sua intenção, obviamente que a Autora não se tinha dirigido à Ré … afirmando a responsabilidade desta empresa em lhe assegurar as 25 horas de trabalho e o respectivo pagamento.

Mas ainda pugna a Recorrente no sentido de que, a entender-se que há recusa, esta não se pode considerar justificada e que o motivo invocado pela … não é válido, sendo possível a existência dos dois contratos com a 2ª Ré.

Vejamos:

De acordo com o artigo 59º da Constituição Portuguesa:

“1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a)(…)

b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;

c)(…)

d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;

(…).

2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:

a) (…)

b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;

(…)”.

Como corolário da norma constitucional, determina o nº 1 do artigo 203º do Código do Trabalho que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.

Igual estatuição prevê a cláusula 16ª do CCT aplicável ao caso.

Conforme escreve Francisco Liberal Fernandes na obra “ O Tempo de Trabalho Comentário aos artigos 197 a 236º do Código do Trabalho (revisto pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho)”, pags.62 e 63 “ A limitação do tempo de trabalho visa de uma forma geral salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador, prevenindo assim a sinistralidade laboral; associado àqueles valores pode ainda invocar-se o interesse da produtividade do empregador, bem como a tutela da dignidade do trabalhador (art.59º, nº 1 al.d) da CRP) e a garantia de uma vida pessoal e familiar condigna.

(…)

Os limites legais relativos à duração normal de trabalho constituem garantias individuais, o que significa que, com ressalva para os desvios contemplados na lei, não é possível a nível de instrumentos de regulamentação colectiva ou de contratos de trabalho estabelecer derrogações in pejus; por isso, as cláusulas dos contratos de trabalho ou das convenções colectivas de trabalho que consagrem períodos normais de trabalho superiores aos limites legais devem considerar-se nulas, por contrárias à lei e substituídas pela correspondente norma legal ou disposição de convenção colectiva (na hipótese de esta estabelecer um período de trabalho inferior ao limite máximo permitido por lei), nos termos do art.121, n.º 2. O mesmo regime é extensível aos contratos cuja duração normal seja inferior a quarenta horas semanais.”

(…)”

O limite das quarenta horas por semana ou das oito horas de trabalho é aplicável apenas em relação a cada contrato de trabalho, se bem que a garantia dos interesses relacionados com a saúde e segurança no trabalho aponte para que, especialmente em relação aos trabalhadores com mais de um contrato de trabalho, os limites médios da duração de trabalho e os períodos mínimos de descanso diário e semanal devessem ser respeitados pelo próprio interessado; cf. Maria de Fátima Ribeiro, 2006, 224; Júlio Gomes, 2007, 667.”

E na página 64 da mesma obra ainda escreve o citado autor:” Já a possibilidade de um trabalhador estabelecer com o mesmo empregador dois (ou mais contratos) formalmente autónomos, cuja duração total ultrapasse os limites (diário ou semanal) deve ter-se por excluída, sempre que as circunstâncias permitam concluir que tal prática constitui um expediente para defraudar as normas relativas à duração do trabalho e ao trabalho suplementar. Neste caso, o tempo de trabalho dos diferentes contratos deve ser tratado como único ou contínuo e, se for caso disso, ser reduzido (art.121.º, n.º 2), de modo a que o trabalhador não fique normalmente obrigado a permanecer ao serviço da mesma entidade patronal mais do que o máximo diário e semanal permitidos por lei. O trabalho prestado que exceda estes limites deve ser considerado suplementar, relativamente ao qual a entidade patronal pode pôr-lhe termo a qualquer momento e o trabalhador recusar a respectiva prestação, quando atingidos os limites admitidos para a respectiva duração (art.228).

Todavia, a existência de mais do que um contrato de trabalho entre as mesmas partes, cuja soma exceda os limites legais da duração do trabalho, poderá não ser contrária à lei quando tal meio constitua a única forma de permitir ao trabalhador colocar ao serviço de outrem a sua capacidade laboral; é o que poderá acontecer, por exemplo, quando o objecto de cada um dos contratos consista no exercício de actividades enquadráveis em categorias profissionais sem qualquer afinidade entre si.”

Regressando ao caso, podemos afirmar que da conjugação do disposto nas citadas normas legais e convencionais decorre que, conforme refere a sentença recorrida, a Ré … não podia rejeitar a integração da Autora nos seus quadros com o fundamento de que esta já cumpria 40 horas semanais ao seu serviço. O que se lhe impunha era a integração da Autora na empresa e redução do seu horário de trabalho aos limites legais (40horas semanais).

Com efeito, sendo idênticos o objecto do contrato que a Autora mantinha com a … e do contrato que também mantinha com a …, a que também correspondia idêntica categoria profissional, não vislumbramos que, no caso, fosse legalmente admissível a coexistência de dois contratos a que corresponderiam 65 horas de trabalho semanais.

Na verdade, admitir essa possibilidade seria “deixar entrar pela janela aquilo que o legislador não quis que entrasse pela porta”.

E se é certo que a Ré … não podia recusar a integração da Autora com o dito fundamento mas, tão só, reduzir o horário da Autora aos limites legais (neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 10.4.2013, in www.dgsi.pt, citado por ambas as partes), não é menos certo que a Autora podia recusar essa redução e consequente integração, como, efectivamente, recusou através do fax de 31.3.2015, ou seja, em data anterior àquela em que verificaria a transmissão.

Também acompanhamos a sentença recorrida quando refere que a recusa é justificada e relevante.

Na verdade, aceitar a integração na Ré … significava para a Autora uma redução no seu salário superior a metade do salário mínimo nacional o que, na economia doméstica de uma trabalhadora de limpeza, não pode deixar de ser considerado de relevo e motivo legítimo de recusa nos termos do nº 5 da cláusula 15ª do CCT aplicável.

Por fim, refira-se que os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 8.4.2013 e 23.3.2015 invocados pela Recorrente, não são aplicáveis ao caso na medida em que tendo a Autora recusado a sua integração na Ré …, não chegou a haver transmissão e consequentemente, subsistência simultânea de dois contratos.

Assim, tal como decidiu a sentença recorrida, a actuação da Ré consubstanciada na carta que enviou à Autora em 1.4.2015 e na qual refere que aqueles serviços eram agora da Ré …, SA e que se Autora já fazia 40 horas semanais para esta, agora, com a transferência do contrato, iria fazer mais 25horas, situação que considera ser uma inevitabilidade do CCT aplicável ao sector geradora de dualidade de contratos, situação que melhor acautela os direitos e garantias da autora, pelo que considerava o contrato transferido para a ré … S.A., não pode deixar de ser considerada como uma declaração unilateral de cessação do contrato que mantinha com a Autora, ou seja, um despedimento ilícito por não ter sido precedido do respectivo procedimento disciplinar e destituído de justa causa (als.b) e c) do artigo 381º do CT), com as consequências ilustradas na sentença e que não são postas em causa pela Recorrente.

Por conseguinte, o recurso terá de ser julgado improcedente ficando, assim, prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela Recorrida na ampliação do âmbito do recurso.

Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.

Decisão

Em face do exposto acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso improcedente e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Junho de 2017

Maria Celina de Jesus de Nóbrega

Paula de Jesus Jorge dos Santos

Maria João Romba