Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10901/17.1T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O senhorio que pretenda resolver o contrato de arrendamento urbano por falta de pagamento de rendas pode optar pela comunicação extrajudicial ou pela instauração de ação judicial.
II. Ainda que o senhorio opte pela cessação extrajudicial do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, poderá subsequentemente justificar-se a instauração de ação judicial para efetivação dos direitos do senhorio, em detrimento da instauração de procedimento especial de despejo.
III. Ocorre a situação descrita em II quando sucede a seguinte situação:
a) A primitiva senhoria, declarante da resolução extrajudicial do contrato, embora tivesse intentado o procedimento especial de despejo, não logrou o seu imediato prosseguimento, sendo confrontada com uma recusa pelo BNA a que não soube ou não pôde reagir;
b) Posteriormente a primitiva senhoria vendeu o imóvel arrendado e cedeu à compradora, ora autora e apelante, os seus créditos perante a arrendatária;
c) A nova senhoria tem dúvidas acerca da data da resolução do contrato, dá conta de outros fundamentos possíveis de resolução do contrato, como o não uso do arrendado pela inquilina e a cedência, não autorizada, do mesmo a terceiros, alega o desconhecimento do paradeiro da arrendatária (com quem não foi convencionado domicílio) e peticiona o pagamento de indemnização em dobro que não foi comunicada à arrendatária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
1. Em 09.5.2017 M.B.C.E.F – Construção, Lda, intentou, no Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, ação declarativa com processo comum (ação de despejo) contra Mariana, com paradeiro desconhecido, mas com última residência conhecida na Rua (…), n.º 17, rés-do-chão, Lisboa.
A A. alegou, em síntese, que por escritura pública celebrada em 27.7.2016 comprou a Maria Helena (…) um prédio urbano sito na Rua (…), n.º 17, em Lisboa. Na mesma data foi celebrado acordo de cessão de créditos entre a compradora e a vendedora, nos termos do qual a vendedora cedeu à ora A. os créditos que detinha sobre a ora R.. Com efeito, em 01.9.2014 Maria Helena havia dado de arrendamento à ora R., para habitação desta, pelo prazo de dois anos, renovável por períodos de um ano, o rés-do-chão do aludido prédio. Sucede que a R. não pagou as rendas (no valor, cada uma, de € 450,00) respeitantes aos meses de janeiro, julho, agosto e setembro de 2015, pelo que, tanto quanto é do conhecimento da ora A., a R. foi interpelada por escrito pela anterior proprietária, pelo menos em 08.9.2015 e em 21.9.2015, para proceder ao pagamento das quantia devidas, ou seja, o montante das quatro rendas em falta, acrescido de metade, no total de € 2 700,00. Nessas comunicações a senhoria concedeu à inquilina o prazo de 10 dias para o pagamento das quantias devidas e comunicou que na falta de pagamento no prazo fixado se consideraria o contrato resolvido, com efeitos a partir de 01.11.2015. A R. não respondeu nem pagou, o que levou a anterior proprietária a, em 27.11.2015, promover a notificação judicial avulsa da R. para a resolução do contrato de arrendamento, tendo essa notificação sido concretizada por agente de execução em 02.02.2016. O contrato deve considerar-se resolvido através da comunicação efetuada pela anterior proprietária em 21.9.2015, e recebida pela R. em 22.9.2015. A R. deve a quantia de € 1 350,00, correspondente às rendas vencidas entre julho e setembro de 2015, a quantia de € 16 200,00, nos termos do disposto nos artigos 1045.º n.º 1 e 1087.º do Código Civil, por mora na desocupação do locado, iniciada em 01.11.2015. Acresce que, sem que disso tenham sido avisadas as proprietárias, anterior e atual, a R. não reside no locado, aí se encontrando desconhecidos, presumidamente desde momento anterior ao da comunicação de 21.9.2015, uma vez que o aviso de receção foi assinado por um desconhecido - o que também constitui fundamento para a resolução do contrato, nos termos do art.º 1083.º, n.º 1 e nº 2, alíneas d) e e) do CC. Por outro lado, ainda colocando a hipótese de não existirem razões para a anterior proprietária resolver o contrato, a verdade é que a R. também não pagou qualquer renda após outubro de 2015, o que constitui fundamento de resolução nos termos do artigo 1083.º, n.º 2 do CC.
A A. terminou formulando o seguinte petitório:
Termos em que se requer seja proferida sentença que:
a) Reconheça a resolução do contrato de arrendamento celebrado em 01/09/2014, entre a anterior proprietária e a R., com fundamento no incumprimento da obrigação de pagar as rendas de Janeiro, Julho, Agosto e Setembro de 2015, resolução essa operada por comunicação datada de 21/09/2015; ou,
b) Subsidiariamente, decrete a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não uso do locado por mais de um ano, e a cedência do locado a terceiros, ilícita e ineficaz perante a anterior proprietária e a A., nos termos do disposto no artigo 1083.º, n.º 2, alíneas d) e e) do CC;
e, em qualquer caso:
c) Decrete o despejo imediato da R. do locado, condenando-a a restituir o locado à A., livre e desocupado de pessoas e bens;
d) Condene a R. a pagar à A. indemnização mensal de valor igual ao dobro da renda fixada, ou seja, uma indemnização mensal de € 900,00, conforme determina o artigo 1045.º do CC, por a R. ao não ter restituído o andar no prazo fixado no artigo 1087.º do CC após a resolução do contrato de arrendamento operada por virtude da comunicação referida no pedido formulado na alínea a) supra, e que na presente data de 09/05/2017 ascende já a € 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros);
e) Condene a R. a pagar os valores que forem devidos nos termos do preceito indicado no pedido da alínea anterior, até à data em que a A. entrar efectivamente na posse do andar em causa nos autos, na base dos € 900.00 (novecentos euros) por mês;
f) Condene a R. a pagar à A. uma sanção pecuniária compulsória, no valor que o Tribunal bem entender fixar, o qual não deverá ser inferior a € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que venha a ser proferida nos presentes autos, em conformidade com o disposto no artigo 829.º-A, n.º 1 do CC;
g) Condene a R. a pagar à A. juros de mora à taxa legal sobre as quantias supra referidas desde a data da citação até ao seu efectivo e integral pagamento;
h) Condene a R. nas custas do processo.”
2. Procedeu-se a citação postal, na pessoa de terceiro que assinou o aviso de receção.
3. Não foi apresentada contestação.
4. Em 07.9.2017 foi proferido despacho em que, após se ponderar que ocorreria a falta do pressuposto processual de interesse em agir, o que determinaria a absolvição da R. da instância, convidou-se a A. a pronunciar-se, querendo.
5. A A. respondeu ao convite, pugnando pela inexistência do aludido vício processual, por entender que o âmbito dos pedidos formulados extravasavam a competência do BNA e alegando ainda que a anterior proprietária havia deduzido procedimento especial de despejo contra a ora R., com base nas interpelações supra citadas, e o requerimento havia sido rejeitado pelo BNA.
6. Após ter sido pedida e obtida informação junto do BNA acerca do procedimento especial de despejo mencionado na resposta da A., em 21.12.2017 foi proferido despacho em que se julgou verificada a exceção dilatória de falta de interesse processual em agir da A. e, consequentemente, se absolveu a R. da instância.
A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 21/12/2017 que julgou improcedente, por motivo de falta de interesse em agir, a acção de despejo que a aqui Recorrente instaurou contra a Recorrida para reconhecimento da resolução do contrato de arrendamento celebrado em 01/09/2014 e, consequentemente, ordenar o despejo da Recorrida, assim como a condenação do pagamento das quantias devidas pela não entrega do locado após a resolução.
B) A Recorrida, devidamente citada pelo Tribunal, não apresentou qualquer contestação, pelo que todos os factos invocados na Petição Inicial foram dados como provados, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do CPC.
C) A Recorrente adquiriu em 27/07/2016, o prédio urbano sito na Rua (…), n.º 17, em Lisboa, sendo que em data anterior à referida aquisição da Recorrente, foi dado de arrendamento à Recorrida, para sua habitação, o Rés-do-chão do Prédio, conforme contrato de arrendamento celebrado em 01/09/2014, pelo prazo de dois anos, e com renda no valor de €450, com a anterior proprietária Maria Helena (…).
D) A partir de Janeiro de 2015, a Recorrida incumpriu as obrigações emergentes do referido contrato de arrendamento, não tendo pago as rendas devidas no respectivo prazo, nem em data posterior, o que levou a que fosse interpelada por escrito pela anterior proprietária, em 08/09/2015 e em 21/09/2015, com comunicação para pagamento das rendas e resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no disposto no artigo 1084.º, n.º 3 do Código Civil, com efeitos a partir de 01/11/2015, já que o artigo 1083.º, n.º 1 do CC dispõe que o incumprimento do contrato de arrendamento pela outra parte é motivo de resolução, e que ao senhorio é inexigível a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda.
E) Por virtude do incumprimento do contrato de arrendamento, a Recorrida deve os seguintes valores, num total de € 17.550,00 (dezassete mil e quinhentos e cinquenta euros): a título de rendas vencidas e não pagas, a quantia de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros), ou seja, as rendas vencidas entre Julho a Setembro de 2015; e a quantia de € 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros), nos termos do disposto no artigo 1045.º, n.º 1 do CC, correspondente ao valor devido pelo período fixado no artigo 1087.º do Código Civil, período esse que terminou em Outubro de 2015, até à data de interposição da presente acção (09/05/2017).
F) Por outro lado, a Recorrente nunca conseguiu contactar ou encontrar a Recorrida no locado, tendo apenas encontrado pessoas desconhecidas da relação contratual que existiu entre a Recorrida e a anterior proprietária, as quais ocupam o Rés-do-chão do Prédio sem para tal possuírem qualquer título legítimo, e que dizem ser familiares da Recorrida.
G) O que significa que a Recorrida não reside no locado, e o que se presume que não aconteça desde a interpelação de 21/09/2015 e o não uso do locado pela Recorrida, por mais de um ano, constitui fundamento de resolução nos termos do artigo 1083.º, n.º 2, alínea d) do CC, quando não se verifique nenhuma das situações do artigo 1072.º, n.º 2 do mesmo código.
H) Em face dos factos atrás expostos, todos provados, há que concluir que, ainda que não tivessem existido razões para a anterior proprietária resolver o contrato (por falta de pagamento de renda nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2015), a Recorrida há mais de um ano que não usa o locado para o fim que o arrendou (sua habitação), o que viola os termos do contrato de arrendamento.
I) A Recorrida ao não ter restituído o andar no prazo fixado no artigo 1087.º do CC após a resolução do contrato de arrendamento operada nos termos acima descritos, ficou constituída na obrigação legal de pagar uma indemnização mensal de valor igual ao dobro da renda fixada, ou seja, uma indemnização mensal de € 900,00, conforme determina o artigo 1045.º do CC.
J) A situação de facto existente no Prédio, e que foi dada como provada nos presentes autos, foi herdada pela Recorrente quando a mesma o adquiriu o Prédio em 27/07/2016, não tendo a mesma qualquer controlo sobre os actos de resolução do contrato de arrendamento, já que o incumprimento e a resolução tiveram lugar em data anterior à aquisição. A Recorrente não teve também qualquer acesso ou intervenção no procedimento especial de despejo, o qual foi apresentado pela anterior proprietária e consequentemente recusado, por motivo que a Recorrente sempre desconheceu visto que o BNA não fornece essa informação a quem não seja parte no processo, acabando a Recorrente por assumir que o requerimento de despejo teria sido recusado por, neste caso em concreto, a anterior proprietária não poder fazer uso deste procedimento.
K) Quando a Recorrente adquiriu o Prédio deparou-se com uma realidade factual bem diferente daquela que deveria ser a situação do rés-do-chão, o qual foi dado de arrendamento à Sr.ª Mariana (…) em 01/09/2014, mas que na em realidade se encontrava ocupado por pessoas estranhas e terceiras à relação de arrendamento aqui em apreço, que apenas falavam romeno e nunca souberam explicar como e quem lhes conferiu autorização para ocupar aquele espaço.
L) Razão pela qual, na presente acção, a Recorrente apresentou pedido principal de reconhecimento da resolução do contrato de arrendamento com a Recorrida, precisamente por não ter certeza sobre a validade da resolução feita pela anterior proprietária, já que os actos de resolução não foram controlados directamente por si.
M) Por outro lado, a Recorrente apresentou também o pedido subsidiário de resolução do contrato de arrendamento por não ocupação do locado por mais de um ano, o qual implica necessariamente a apreciação por tribunal judicial, visto que este facto não serve de fundamento para recorrer ao procedimento especial de despejo junto do BNA, conforme disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 1083.º e do n.º 1 do artigo 1084.º do CC, e ainda o n.º 2 do artigo 14.º do NRAU.
N) Se o tribunal entendeu não ser necessário reconhecer a resolução do arrendamento, por considerar ser suficiente a sua operação na esfera jurídica da inquilina com a notificação de 02/02/2016, tal nunca deveria prejudicar o conhecimento das restantes questões invocadas pela Recorrente. Em particular, os pedidos subsidiários de despejo e pagamento das quantias devidas, e tendo em conta que é a Recorrida a suposta arrendatária, e o pedido deva apresentado contra a mesma, ainda que se saiba que no andar residem terceiros desconhecidos que a Recorrente não pode de forma unilateral expulsar, nem mesmo com recurso à força pública, já que os órgãos de polícia criminal nada fazem sem que a Recorrente lhes apresente uma decisão que ordene o despejo.
O) Paralelamente à resolução, a Recorrente procurou obter a condenação no despejo para, de forma legítima e ordeira, poder exigir à Recorrida a entrega do imóvel livre de pessoas e bens e, para esse efeito, proceder à remoção dos terceiros desconhecidos que ocupam ilegalmente o andar.
P) Por fim, a Recorrente também pediu a condenação da Recorrida no pagamento das quantias devidas à título de indemnização mensal de valor igual ao dobro da renda fixada por a Recorrida não ter restituído o andar no prazo fixado no artigo 1087.º do CC após a resolução do contrato de arrendamento, pedido esse que implica obrigatoriamente a sua apreciação pelo tribunal, visto que o montante requerido é muito superior ao que foi comunicado à Recorrida por carta de 21/09/2015, pelo que a Recorrente nunca poderá usar aquela comunicação como título executivo para cobrar o valor ao qual tem direito nos termos da lei, caso contrário a Recorrente não receberia mais do que o limite do valor comunicado à Recorrida, ou seja, € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros).
Q) A única alternativa que a Recorrente teve foi precisamente fazer uso dos meios judiciais para obter a condenação da Recorrida no valor actualizado em dívida que incluiu rendas devidas e não pagas e indemnização pela não entrega do locado e ainda custas do processo.
R) O Tribunal a quo, na sentença da qual se recorre, limitou-se simplesmente a afirmar que existe falta de interesse em agir porquanto existe um meio alternativo extrajudicial, previsto por lei, que permite o despejo em caso de resolução do contrato de arrendamento, mas não fundamenta de que forma a Recorrente fez uso de meio dispensável, em excesso, e de forma desproporcional.
S) E sendo verdade que existe a possibilidade de recorrer ao procedimento especial de despejo, promovido junto do BNA, também é verdade que este é um meio alternativo e facultativo da resolução do litígio, como o próprio Tribunal a quo afirma na decisão de 21/12/2017. Não está, assim, a Recorrente obrigada a recorrer àquele procedimento em detrimento da acção judicial, resulta de jurisprudência assente nos tribunais portugueses (vide Acórdão da Relação de Coimbra proferido em 14/06/2016, no âmbito do processo n.º 596/15.2T8PBL.C1).
T) Tendo a Recorrente apresentado acção com um ou mais pedidos que apenas podem ser apreciados pelo tribunal judicial, não pode o mesmo entender que existe falta de interesse em agir, apenas porque um desses pedidos pode ser requerido também no âmbito de um procedimento extrajudicial.
U) A tutela jurisdicional da Recorrente passa não só pelo Tribunal a quo garantir a validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento da Recorrida, mas também pela apreciação do direito de crédito da Recorrente cuja condenação da Recorrida expressamente se requer, e ainda o despejo do andar em causa, o qual está ocupado porterceiros desconhecidos e a sua remoção apenas pode ser feita, de forma coerciva e definitiva, com decisão judicial.
V) Por tudo o exposto, e porque em questão está precisamente a necessidade uma tutela jurisdicional dos direitos da Recorrente, sabendo que a mesma usou o judicial meio próprio ao seu dispor, de forma não excessiva e proporcional, o Tribunal a quo ao entender que o pressuposto do interesse em agir não está verificado incorre em erro de julgamento, interpretando mal dos factos careados para o processo em face das normas aplicáveis e dos meios judiciais ao dispor da Recorrente, tomando a decisão de absolvição da instância sem fundamento, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.
A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e fosse proferida decisão que ordenasse a tramitação subsequente da ação.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão que se suscita neste recurso é se, conforme foi decidido na decisão ora impugnada, a A. não tem interesse processualmente relevante para a instauração da presente ação, devendo, consequentemente, a R. ser absolvida da instância.
Além do que consta no Relatório supra, considera-se o seguinte factualismo:
7. Em 04.02.2016 a primitiva proprietária do prédio supra referido nos autos deduziu, no Balcão Nacional do Arrendamento, contra a ora R., pedido de pagamento de rendas em atraso, encargos e despesas, solicitando que fosse declarada a cessação do contrato de arrendamento por resolução, com a condenação da requerida na entrega imediata do locado, livre e devoluto, e que a requerida fosse condenada no pagamento à requerente das rendas vencidas e não pagas, no valor de € 3 600,00.
8. Para o efeito referido em 7 a requerente alegou que em 21.9.2015 havia remetido à requerida carta registada com aviso de receção a comunicar que resolvia o contrato de arrendamento em apreço caso não fossem pagas as rendas em atraso, acrescidas da indemnização pelo atraso no pagamento, nos termos do n.º 1 do art.º 1041.º do CC, pagamento esse que a requerida não efetuou.
9. A requerente fez acompanhar o pedido referido em 7 e 8 pelo contrato de arrendamento, carta de interpelação da inquilina, com aviso de receção, datada de 21.9.2015, certidão de notificação judicial avulsa da inquilina, datada de 02.02.2016.
10. Em 17.02.2016 o BNA rejeitou o dito requerimento, por não vir acompanhado “dos documentos previstos no n.º 2 e 3 do art.º 15.º da Lei n.º 6/2006 (art. 15.º-C, n.º 1, al. b), 2.ª parte, do NRAU)” e “não se encontrar esgotado o prazo para operar a comunicação, da cessação do contrato de arrendamento por resolução, pelo senhorio (art. 1084.º, n.º 3, do CC)”, tendo concedido à requerida o prazo de 10 dias para apresentar, querendo, novo requerimento.
11. Por meio de notificação judicial avulsa concretizada em 02.02.2016, por agente de execução, na pessoa da ora ré, a esta foi comunicado que a senhoria considerava o contrato de arredamento em apreço resolvido e cessado, por falta de pagamento de rendas, e foi interpelada para entregar àquela o local arrendado, no prazo legalmente fixado, livre de pessoas e bens, e bem assim para pagar as rendas correspondentes aos meses de janeiro, julho a novembro de 2015, no valor total de € 2 700,00, e rendas vincendas até efetiva entrega do locado, acrescidas de juros legais, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento de cada uma das rendas vencidas e não pagas.
O Direito
O recurso aos tribunais pressupõe a existência de um direito que careça da intervenção daqueles, a fim de se evitar algum prejuízo relevante para o seu titular. Exige-se uma “necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág.171). Só assim se justificará o gravame e a perturbação que o recurso à tutela judiciária impõem ao demandado e bem assim a atuação de uma estrutura (os tribunais) que representa um elevado encargo para a coletividade (por todos, Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 82). Essa necessidade de não sobrecarregar os tribunais com ações inúteis é uma razão de ordem pública, que justifica o seu conhecimento oficioso, ao abrigo do art.º 578.º do CPC (vide Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 3.ª edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 35, nota 17; também, Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2.ª edição, Almedina, páginas 89 a 92).
No que concerne às ações de mera apreciação, onde o interesse processual ou interesse em agir mais se assume como verdadeiro pressuposto processual, o interesse em agir decorre de um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência do direito a apreciar, emergente de um qualquer facto ou situação objetiva, suscetível de prejudicar o seu titular (cfr, v.g., Manuel de Andrade, citado, pág. 81; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, 1981, pág. 117; na jurisprudência, v.g., acórdãos do STJ, de 16.9.2008, processo 08A2210, de 22.02.2007, processo 07B056 e de 8.3.2001, processo 00A3277, todos na internet, dgsi-itij). Nesta modalidade processual, a falta de interesse em agir é considerada uma exceção dilatória inominada, que implica a absolvição da instância do réu ou, se for apreciada na fase inicial dos autos (antes da citação), o indeferimento liminar da petição inicial (neste sentido, v.g., acórdão desta Relação, de 06.7.2017, 30464/16.4T8LSB.L1-2, relatado pelo ora relator e também subscrito pelo ora Exm.º 1.º adjunto).
No que concerne às ações de condenação e às ações constitutivas o legislador optou, em grande medida, por restringir os efeitos da falta de interesse processual à responsabilização do demandante pelas custas do processo e bem assim, em certos casos, pelos honorários que o demandado teve de suportar em razão da ação – artigos 535.º n.ºs 2 e 3 e 610.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil.
Na decisão recorrida entendeu-se que a A. recorreu inutilmente aos tribunais, uma vez que, tendo (a primitiva senhoria) optado por resolver o contrato de arrendamento por meio de comunicação extrajudicial, conforme o prevê o art.º 9.º n.º 7 do NRAU, cabia-lhe, quer para obter a restituição do locado, quer para receber as quantias a que se considerava ter direito, o recurso ao procedimento especial de despejo previsto no art.º 15.º e seguintes do NRAU. Assim, a presente ação enfermava do vício de falta de interesse processual, o que determinou a absolvição da R. da instância.
Vejamos.
Cremos que a apreciação da questão sub judice beneficiará com a abordagem da alteração introduzida, na parte pertinente, no regime da cessação do arrendamento urbano pela Lei n.º 6/2006, de 27.02 (Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU), e evolução subsequente.
Tarefa essa em que o ora relator se apoiará, parcialmente, no que expendeu no acórdão proferido em 30.9.2010, processo n.º 4051/09.1TBBRR.L1, por si relatado (e não publicado nas bases de dados).
É sabido que até à entrada em vigor do NRAU o contrato de locação só podia ser resolvido pelo locador judicialmente (art.º 1047.º do Código Civil: “a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada pelo tribunal”; art.º 63.º n.º 2 do RAU – Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10: “a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do arrendatário tem de ser decretada pelo tribunal”).
O NRAU alterou o art.º 1047.º do Código Civil, aí passando a figurar que “a resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente.”
No que concerne à resolução do contrato de arrendamento urbano, passou a prever-se uma cláusula geral, que inclui a resolução por iniciativa do senhorio, nos termos da qual “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…)” (art.º 1083.º n.º 2 do Código Civil). Porém, enunciam-se exemplificativamente situações que poderão fundamentar a resolução do contrato pelo senhorio, atinentes à utilização do locado ou à sua cessão ilícita (alíneas a) a e) do n.º 2 do art.º 1083.º do CC). No que concerne, em particular, àquela que constitui a principal obrigação do arrendatário, o pagamento da renda, no n.º 3 do art.º 1083.º do CC passou a estipular-se, na versão inicial do NRAU, que “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública (…)”.
No que respeita a este último fundamento de resolução do contrato de arrendamento, prescreve-se (na versão inicial do NRAU) no n.º 1 do art.º 1084.º do CC que a resolução pelo senhorio opera “por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.” Essa comunicação deverá ser efetuada mediante notificação judicial avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original (art.º 9.º n.º 7 do NRAU – versão inicial). Se o locado não for desocupado (e o arrendatário não se socorrer da faculdade de fazer abortar a resolução pondo fim à mora no prazo de três meses após a comunicação – n.º 3 do art.º 1084.º do CC – versão inicial do NRAU) o senhorio poderá instaurar execução para entrega de coisa certa, servindo de título executivo o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário da declaração de resolução (alínea e) do n.º 1 do art.º 15.º do NRAU – versão inicial).
Quanto aos restantes fundamentos de resolução do contrato de arrendamento urbano, a resolução pelo senhorio será, conforme se enuncia no n.º 2 do art.º 1084.º do CC, “decretada nos termos da lei de processo”, ou seja, através de ação que a lei continua a designar de “acção de despejo” (art.º 14.º do NRAU).
Face a este regime discutia-se se o senhorio poderia peticionar a resolução do contrato em ação judicial nos casos de mora do inquilino, no pagamento de renda, superior a três meses, ou seja, em situações em que, em princípio, poderia resolver o contrato pela via extra-judicial.
O texto dos citados n.ºs 1 e 2 do artigo 1084.º do CC, conjugado com o disposto no art.º 1080.º do Código Civil – versão original do NRAU (“o disposto nesta subsecção tem natureza imperativa, salvo disposição em contrário”), assim como a redação do n.º 1 do art.º 14.º do NRAU (“a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo”) podiam inculcar a ideia de que o senhorio não podia recorrer aos tribunais para obter a declaração judicial da resolução do contrato de arrendamento nos casos ora referidos.
Porém, tal interpretação da lei deixaria em sérias dificuldades os senhorios nas situações em que não fosse possível interpelar o arrendatário para lhe comunicar a resolução, nomeadamente por se desconhecer o seu paradeiro, assim como nos casos de contratos de arrendamento não reduzidos a escrito (seja contratos de arrendamento anteriores ao NRAU, seja contratos de arrendamento para fins não habitacionais a que fosse fixado prazo de duração não superior a 6 meses – artigos 1069.º, 1094.º, 1095.º e 1110.º n.º 1 do Código Civil). Por outro lado, o próprio legislador concebia a existência de ações em que o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda era exercido por meio de ação declarativa, conforme decorria desde logo, do disposto no n.º 1 do art.º 1048.º do Código Civil – redação original do NRAU (“o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para a oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º”.). Poderia dizer-se que esta norma, incluída na parte geral do regime da locação, era excluída pelo regime especial previsto pelo arrendamento urbano: ficaria, contudo, por explicar porque razão o senhorio do arrendamento urbano era tratado com desfavor em relação a outros locadores. De resto, mesmo no âmbito de normas atinentes ao arrendamento urbano, o legislador previa e sub-entendia como admissível a propositura de ações de resolução do contrato de arrendamento fundadas na falta de pagamento de renda. Assim, quando o arrendatário procede ao depósito de rendas, estipulava o n.º 2 do art.º 21.º do NRAU (redação original) que “quando o senhorio pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda, a impugnação [do depósito] deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito ou, estando a acção já pendente, na resposta à contestação ou em articulado específico, apresentado no prazo de 10 dias contados da comunicação em causa, sempre que esta ocorra depois da contestação.”
Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 34/X, que deu origem ao NRAU (D.A.R. II série-A, n.º 47, de 07.09.2005, pág. 57 e seguintes), escreve-se, a propósito de normas propostas de conteúdo idêntico às que foram aprovadas, que “o regime jurídico mantém a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. As partes devem pautar-se pelo princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações, dando um sinal ao mercado de que o arrendatário deve primar pelo pontual cumprimento das obrigações, prevendo-se expressamente que é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora no pagamento da renda superior a três meses, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública. (…) A almejada agilização da actual acção de despejo passa pela separação entre a fase declarativa e executiva, através da alteração de algumas normas do Código de Processo Civil (CPC). (…). Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, por exemplo, nos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por revogação das partes, por caducidade por decurso do prazo ou por oposição à renovação. De igual modo, nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a três meses, ou devido a oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, se o senhorio proceder à notificação judicial do arrendatário, ou à sua notificação através de contacto pessoal pelo advogado ou solicitador de execução, e o arrendatário mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial.”
Pese embora a almejada preocupação de agilização processual, não se surpreendia na exposição de motivos a intenção de retirar ao senhorio a possibilidade de, facultativamente, buscar junto dos tribunais a extinção do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas. Assim, caberia ao senhorio apreciar qual a via que melhor servia os seus interesses, sendo certo que, para além dos casos gritantes já supra enunciados, o recurso à via judicial seria desde logo mais aconselhável quando se antevisse controvérsia no que concerne à própria caraterização do contrato como sendo de arrendamento, à identificação das respetivas partes, ao montante das rendas devidas, ou quando se pretendesse demandar igualmente o fiador do contrato de arrendamento, prevenindo eventual controvérsia acerca da formação de título executivo contra este (no sentido da necessidade da ação declarativa, vide, v.g., acórdãos da Relação de Lisboa, de 23.10.2007, processo 6397/2007-7 e de 08.11.2007, processo 7685/2007-6; entendendo que o título executivo complexo definido no art.º 15.º n.º 2 do NRAU pode ser utilizado para reclamar rendas também do fiador, v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 12.12.2008, processo 10790/2008-7 e acórdão da Relação de Coimbra, de 21.4.2009, processo 7864/07.5TBLRA-B.C1, todos publicados na internet, dgsi-itij). Acresce ainda, entre outras vantagens do recurso aos tribunais, a possibilidade de por via da citação judicial o senhorio encurtar o prazo então previsto (na redação original do NRAU) no art.º 1084.º n.º 3 do CC para a purgação da mora (“a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”), uma vez que em sede de ação declarativa as somas devidas e a respetiva indemnização deveriam (e devem) ser prestadas até ao termo do prazo para a contestação (art.º 1048.º n.º 1). Mais relevante ainda, a faculdade da purgação da mora só poder ser exercida uma vez, em fase judicial (n.º 2 do art.º 1048.º), contrariamente ao que, à luz do regime original do NRAU, ocorria em sede extrajudicial.
Por outro lado, nos termos do art.º 930.º-B, n.º 1, al. a), do CPC de 1961, a oposição a execução para entrega de imóvel arrendado que se fundasse em título executivo extrajudicial suspenderia a execução.
O texto do n.º 1 do art.º 14.º do NRAU padeceria, ao fim e ao cabo, da circunstância de ser mera reprodução do texto do n.º 1 do art.º 55.º do RAU.
A imperatividade proclamada no art.º 1080.º do CC não colidiria com a facultatividade do recurso à via extrajudicial para o senhorio resolver o contrato de arrendamento com base na mora no pagamento da renda superior a três meses: a imperatividade nesta matéria, residiria, por exemplo, na impossibilidade de o senhorio renunciar antecipadamente, nomeadamente por meio de cláusula contratual, à possibilidade de resolver extrajudicialmente o contrato por mora no pagamento de rendas.
Assim, o senhorio poderia optar entre o meio extrajudicial e a “ação de despejo” para pôr fim ao contrato de arrendamento, por resolução, aquando de mora do inquilino, superior a três meses, no pagamento da renda.
Esta foi a posição defendida pelo ora relator no acórdão supracitado e correspondia à análise de parte da doutrina (cfr., v.g., Laurinda Gemas - Exm.ª 2.ª adjunta neste acórdão -, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição, 2009, Quid Juris, pp. 49, 50, 69, nota 4, 409 a 413; Fernando Gravato de Morais, Novo regime do arrendamento comercial, 3.ª edição, 2011, Almedina, pp. 249 a 258 e Cadernos de Direito Privado, n.º 22, Abril/Junho 2008, pág. 64 e seguintes) e da esmagadora maioria da jurisprudência (v.g., STJ, 06.05.2010, processo 438/08.5YXLSB.LS.S1; Relação de Lisboa, 23.10.2007, processo 6397/2007-7; Relação de Lisboa, 08.11.2007, processo 7685/2007-7; Relação de Lisboa, 25.02.2008, processo 469/2008-7; Relação de Lisboa, 13.03.2008, processo 1154/2008-6; Relação de Lisboa, 31.03.2009, processo 2150/08.6 TBBRR; Relação do Porto, 20.4.2009, processo 0837636; Relação de Lisboa, 28.5.2009, processo 3896/07-2; Relação de Lisboa, 15.12.2009, processo 8909/08.7MSNT.L1; Relação de Lisboa, 11.02.2010, processo 3630/08.9 TMSNT.L1-6; Relação do Porto, 02.03.2010, processo 552/08.7TBPRG.P1).
Com entendimento contrário, na doutrina, cfr. Maria Olinda Garcia, A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 31 e seguintes e Cadernos de Direito Privado, nº 24, Outubro/Dezembro 2008, pág. 72 e seguintes; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento urbano, 3.ª edição, 2007, Almedina, pág. 164, nota 168; Fernando Baptista de Oliveira, A resolução do contrato no novo regime do arrendamento urbano (NRAU), Almedina, 2007, pág. 129 e seguintes; na jurisprudência, acórdão da Relação de Coimbra, 15.4.2008, processo 937/07.6TBGRD.C1; Relação de Guimarães, 30.4.2009, processo 5967/08.8TBBRG.G1. Embora se ressalve a admissão, por defensores da tese restritiva, de situações em que o senhorio se poderia ver forçado a recorrer à ação de despejo, por exemplo, no caso de impossibilidade de notificação do arrendatário, ou de verificação simultânea de outro fundamento resolutivo, nos termos do n.º 2 do art.º 1084.º (cfr. Maria Olinda Garcia, in Cadernos de Direito Privado, n.º 24, cit., pp. 73 e 74).
Se o senhorio resolvesse extrajudicialmente o contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, e, em lugar de instaurar as competentes execuções para entrega de imóvel arrendado e pagamento das rendas e indemnização, instaurasse ação de despejo, ou, afinal, ação de apreciação da cessação do contrato de arrendamento por resolução justificada, eventualmente cumulada com o pedido de condenação do arrendatário no pagamento das rendas em dívida e indemnização e na entrega do locado, poderia, na falta de apresentação de justificação para tal por parte do autor e de contestação pelo arrendatário, ser condenado em custas, nos termos do art.º 449.º, n.º 2,al. c) do CPC de 1961 (neste sentido, Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1099; Laurinda Gemas e outros, ob. cit., p. 49, nota 3).
A Lei n.º 31/2012, de 14.8, que reviu o NRAU, não interferiu nesta polémica (como reconhecem os defensores da tese restritiva - cfr. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano anotado, regime substantivo e processual (alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, 2013, 2.ª edição, p. 188; Elizabeth Fernandez, “O procedimento especial de despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional)”, in Julgar, n.º 19, Jan.-Abril 2013, Coimbra Editora, p. 71).
Mas haverá que registar que, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012 ao NRAU, desapareceram algumas das diferenças -entre os meios de operar a resolução do contrato - que favoreciam o recurso à ação de despejo: com a nova redação do art.º 1084.º, foi encurtado para um mês o prazo de purga da mora no caso de comunicação de resolução do contrato por comunicação extrajudicial (n.º 3 do art.º 1084.º) e o arrendatário passou a poder utilizar essa faculdade uma única vez, também nos casos de resolução extrajudicial do arrendamento (n.º 4 do art.º 1084.º e n.º 4 do art.º 1048.º). Por outro lado, a natureza extrajudicial da resolução do arrendamento deixou de conferir efeito suspensivo à oposição à execução para entrega de imóvel arrendado (pois a al. a) do n.º 1 do art.º 930-B do CPC foi revogada). Acresce que, relativamente à comunicação extrajudicial da resolução do contrato de arrendamento, criaram-se novos mecanismos de notificação, que possibilitaram a sua concretização (ainda que presumida), mesmo nos casos de desconhecimento do paradeiro do arrendatário (vide nova redação dos artigos 9.º e 10.º do NRAU).
Porém, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 38/XII, que esteve na origem da Lei n.º 31/2012, não se anunciou nenhum propósito restritivo dos direitos do senhorio nesta matéria, nem se expressou especial motivação no sentido do interesse público de poupança de recursos e de retirada dos litígios de arrendamento para fora dos tribunais.
Veja-se o que ali se contém:
A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais: (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; (iii) agilização do procedimento de despejo; e (iv) melhoria do enquadramento fiscal.”
(…)
No que respeita ao regime processual, reconhece-se a necessidade e a premência de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, assim tornando o mercado de arrendamento e o investimento na reabilitação urbana para colocação no mercado de arrendamento uma verdadeira opção para os proprietários e, mais relevantemente ainda, uma opção segura. Esta medida, concretizada mediante a agilização do procedimento de despejo, é fundamental para recuperar a confiança dos proprietários.
Até à presente data, o senhorio tinha de recorrer a um processo de despejo apresentado junto de um tribunal. Mesmo dispondo de um título executivo nos termos previstos na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, verificou-se que o tempo médio de duração da correspondente acção executiva é ainda de dezasseis meses. Tal longa espera, muitas vezes acompanhada pelo não recebimento das rendas, revelou ser um motivo de desincentivo para a colocação de imóveis no mercado do arrendamento pelos proprietários, ou ainda para a elevação do valor da renda como forma de controlo do risco.
Para tornar o arrendamento num contrato mais seguro e com mecanismos que permitam reagir com eficácia ao incumprimento, é criado um novo procedimento extrajudicial que permite que a desocupação do imóvel seja realizada de forma célere e eficaz, num prazo médio estimado de três meses, no caso de incumprimento do contrato por parte do arrendatário.
Promove-se, por esta via, a confiança do senhorio no funcionamento ágil do mercado de arrendamento e o investimento neste sector da economia.
Concentrando-nos na resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, constata-se que na sequência da revisão do NRAU a lei deixou de atribuir à comunicação da resolução do contrato força de título executivo. A comunicação de resolução do contrato, que passou a admitir, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, a notificação por carta registada com aviso de receção (al. d) do n.º 7 do art. 9.º) passará a instruir o procedimento especial de despejo, instituído pelo NRAU (revisto) no art.º 15.º. Esse documento, acompanhado do contrato de arrentamento (alínea e) do art.º 15.º do NRAU revisto) será apresentado no Balcão Nacional do Arrendamento, juntamente com o requerimento de despejo (n.º 1 do art.º 15.º-B), no qual poderá incluir-se o pedido de pagamento das quantias em dívida (alínea g) do n.º 2 do art.º 15.º-B). O Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) é uma secretaria judicial com competência exclusiva para a tramitação do procedimento especial de despejo em todo o território nacional (art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 1/2013, de 07.01). O BNA procederá à notificação do arrendatário, para desocupar o locado, pagar a quantia que tiver sido pedida, deduzir oposição e ou requerer o diferimento da desocupação do locado (art.º 15.º-D n.º 1 do locado). No caso de não ser deduzida oposição nos termos legais ou de não serem pagas as rendas devidas, na pendência do procedimento especial de despejo, o BNA converterá o requerimento de despejo em título para desocupação do locado (art.º 15.º-E, n.º 1 do RNAU), o qual passará a fundar a realização imediata da diligência de desocupação do locado (n.º 3 do art.º 15.º-E e art.º 15.º-J), com eventual necessidade de prévia autorização judicial, nos casos previstos no art.º 15.º-L.
Se o arrendatário deduzir validamente oposição ao procedimento especial de despejo, os autos serão remetidos à distribuição pelo tribunal competente (n.º 1 do art.º 15.º-H).
Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem as peças processuais ou apresentarem novo articulado sempre que tal seja necessário para garantir o contraditório (n.º 2 do art.º 15.º-H). Se o juiz não julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decida logo do mérito da causa, ordenará a notificação das partes da audiência de julgamento (n.º 3 do art.º 15.º-H). Na audiência de julgamento, se se frustar a tentativa de conciliação das partes, produzir-se-ão as provas que ao caso couberem (n.º 4 do art.º 15.º-I), provas essas que serão oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas (n.º 6 do art.º 15.º-I), e devendo a prova pericial ser sempre realizada por um só perito (n.º 7 do art.º 15.º-I). A sentença, que deverá ser logo ditada para a ata (n.º 10 do art.º 15.º-I), no caso de julgar a oposição improcedente, constituirá determinação de desocupação do locado (n.º 1 do art.º 15.º-J).
O procedimento especial de despejo é pois, conforme o define o art.º 15.º n.º 1 do NRAU, um “meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Trata-se, seguindo a terminologia de Rui Pinto (obra citada, páginas 1160 e 1169), de um “processo especial sincrético”, isto é, declarativo e executivo, que se inicia com uma fase injuntória a que poderá seguir-se uma fase contenciosa, tendo em vista a formação de um título executivo, prosseguindo, se for o caso, com uma fase executiva, destinada à realização coativa do direito à entrega do locado.
Deduzida válida oposição ao requerimento de despejo, segue-se a fase contenciosa, que é “uma fase declarativa pura perante um juiz” (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191) e que constitui, pois, um processo declarativo especial, a que se aplicarão, nos termos do art.º 549.º n.º 1 do CPC, no que não estiver especialmente regulado, as regras gerais e comuns do Código do Processo Civil e, se for o caso, as regras do processo comum (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191).
Como se vê, o novo regime não acarreta ou visa, propriamente, poupança de recursos económicos, nem o afastamento dos tribunais: cria novas estruturas, que tenderão a servir com especial eficácia os legítimos interesses dos senhorios, mas sem se prescindir, se for necessário, da intervenção dos tribunais para dirimirem os litígios emergentes do legítimo acautelamento dos interesses dos arrendatários.
Note-se que, apesar de instalada a aludida polémica, o art.º 1048.º manteve a referência genérica à possibilidade de o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ser exercido judicialmente (n.º 1 do artigo), tendo inclusive sido aditado um n.º 4, que tem por objeto o exercício extrajudicial do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda e de aluguer (mencionando este aspeto, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões controversas do novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento”, in Revista do CEJ, 2013 – II, p. 32, e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento”, in Julgar, n.º 19, pp 59 e 60).
Permanece, pois, aberta a via para os senhorios, na livre e independente apreciação dos seus interesses, optarem pelo meio judicial de prossecução da defesa da sua situação jurídica, mesmo no caso de incumprimento da obrigação de pagamento de renda. Desde logo, quando se pretenda a apreciação de cumulativos fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente (neste sentido, cfr. Laurinda Gemas, “Algumas questões…”, cit., p. 35 e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A resolução do contrato de arrendamento…” cit., p. 61). Ou quando se desconheça o paradeiro do arrendatário, gerando-se a perspetiva de, se o inquilino for pessoa singular e não tiver havido, entre as partes, convenção de domicílio para o efeito das notificações respeitantes ao contrato, não se lograr, segundo um determinado entendimento, a notificação do arrendatário nos termos aparentemente previstos no seio do procedimento especial de despejo (cfr. art.º 15.º-D n.º 3 do NRAU; no sentido de, neste caso, ocorrer um “bloqueio” para o funcionamento do PED, que imporia o recurso ao meio comum da ação de despejo, cfr. Rui Pinto, ob. cit., p. 1182; defendendo que o texto legal contém uma remissão genérica para o regime da convenção de domicílio, pretendida pelo legislador, que determina que esse regime será aplicável mesmo nos casos em que não tenha havido convenção de domicílio – aligeiramento esse justificado pelo facto de que o inquilino já teria conhecimento da cessação do contrato por via da comunicação a que se referem as diferentes alíneas do n.º 2 do art.º 15.º - solução legal que, porém, segundo a autora, poderá suscitar dúvidas quanto à sua constitucionalidade, por eventual ofensa ao princípio da proibição da indefesa, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões…”, cit., p. 21).
Defendendo, atualmente, que o procedimento especial de despejo “é apenas um meio processual colocado à disposição do senhorio em alternativa à ação de despejo, pelo que nada o impede de recorrer a essa acção em lugar de instaurar esse procedimento”, não havendo até, nesse enquadramento, lugar à suportação das custas pelo senhorio, nos termos do art. 535.º, n.º 2 c) do CPC, uma vez que o senhorio não dispõe atualmente de qualquer título executivo prévio à ação, só o podendo formar por recurso ao BNA, vide Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª edição, Almedina, p. 206, nota 212.
Dando relevância e operatividade ao interesse processual nesta temática, mas reconhecendo a necessidade de se atender às especificidades de cada caso em concreto, e considerando que é sempre admissível uma ação de despejo fundamentada na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, devendo o demandante pagar as respetivas custas se já houver título executivo para esse pagamento e o arrendatário não deduzir oposição, vide Miguel Teixeira de Sousa, in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, coordenação de António Menezes Cordeiro, pp. 396 a 399.
No caso destes autos, como bem se refere na decisão recorrida e foi alegado pela A., a primitiva senhoria optou por resolver extrajudicialmente o contrato de arrendamento, com base na falta de pagamento das rendas. Dir-se-ia, assim, na tese defendida na decisão recorrida, que a senhoria deveria instaurar o procedimento especial de despejo, a fim de forçar a restituição do imóvel e, simultaneamente, o pagamento das rendas em dívida.
Porém, a primitiva senhoria, embora tivesse intentado o procedimento especial de despejo, a verdade é que não logrou o seu imediato prosseguimento, sendo confrontada com uma recusa pelo BNA a que não soube ou não pôde reagir.
A apelante, que não é a primitiva senhoria e não interveio nas mencionadas diligências resolutórias do contrato e de efetivação dos seus direitos pela primitiva senhoria, vê-se confrontada com a titularidade de um imóvel que não lhe dá rendimento e que não lhe foi entregue pela arrendatária. Mais, na petição inicial a A. invoca que houve várias datas de interpelação resolutória do contrato, “tanto quanto é do conhecimento da A.,” (cfr. art.º 11.º da petição inicial), manifestando alguma incerteza ou instabilidade quanto a esse aspeto. Por outro lado, dá conta de outros fundamentos possíveis de resolução do contrato, como são o não uso do arrendado pela inquilina e a cedência, não autorizada, do mesmo a terceiros. Acresce o alegado desconhecimento do paradeiro da arrendatária (com quem não foi, segundo transparece do conteúdo do contrato de arrendamento, convencionado domicílio – cfr. contrato de arrendamento a fls 27 a 30 – suscitando-se as dificuldades e controvérsia supra referidas quanto à viabilidade da notificação para o efeito do prosseguimento do PED). E, ainda, a pretensão do pagamento de indemnização em dobro que não foi comunicada à arrendatária (vide alegação contida na petição inicial, supra relatada, e, bem assim, n.º 11 da matéria de facto) e que, por conseguinte, de acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 5 do NRAU (que exige que o montante em dívida relativo ao pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas tenha sido previamente comunicado ao arrendatário), não seria acobertada, na sua totalidade, pelo PED.
Por estas razões, cremos que não se verifica, nestes autos, a apontada falta de interesse em agir, pelo que os autos devem prosseguir os seus termos, se outra razão a tal não obstar.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que os autos prossigam os seus termos, se outra razão a tal não obstar.
As custas da apelação são a cargo da apelada (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 11.12.2018

Jorge Leal

Pedro Martins

Laurinda Gemas