Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2887/2008-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: SOCIEDADE
DISSOLUÇÃO
LIQUIDAÇÃO
DÍVIDA
RESPONSABILIDADE
SÓCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2008
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- A condenação dos antigos sócios de responsabilidade limitada, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, nos termos do artigo 163.º/2 do Código das Sociedades Comerciais, no pagamento de dívida da sociedade extinta, tem por limite o montante que receberam na partilha.
II- Não estando provado que os antigos sócios recebessem bens na partilha da sociedade em consequência da sua dissolução e liquidação, a condenação dos RR no pagamento da aludida quantia não é exequível sem prévia liquidação compreensiva dos bens que os RR receberam na partilha da sociedade em consequência da sua dissolução e liquidação.
III- O artigo 2071.º do Código Civil não é aplicável à extinção das sociedades e à responsabilização dos sócios pois, se o fosse, levaria afinal a admitir-se, por presunção, a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas da sociedade extinta.
(SC)
Decisão Texto Integral: Decisão liminar nos termos do artigo 705.º do C.P.C.

1. C […] demandou F. […] Lda., E […] e F[…] pedindo a condenação dos RR no pagamento de € 7.022,67 sendo € 6.170,00 de capital com € 223,67 de juros de mora, valor de mensalidades e valor contratualmente estipulado.

2. A acção foi julgada procedente condenando-se os RR E […] e F […] a pagarem à A. a quantia de € 6.710,00 com juros de mora à taxa legal a contar da data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo pagamento.

3. A Ré sociedade foi absolvida da instância com fundamento na falta de personalidade jurídica por força de dissolução: ver decisão de fls. 106 transitada em julgado.

4. Os RR invocaram a sua ilegitimidade. No entanto, a excepção foi julgada improcedente visto que eram sócios-gerentes da ré sociedade e tiveram intervenção como liquidatários da mesma, advindo a sua legitimidade do disposto no artigo 163.º/1 do C.S.C., preceito expressamente referenciado na aludida decisão de fls. 106/107.

5. Os RR, pessoas singulares, foram citados para a acção enquanto liquidatários da sociedade (ver despacho de fls. 52).

6. No recurso interposto da decisão condenatória os RR concluem que a sentença desrespeitou o disposto nos artigos 163.º/1 e 2 e 197.º/3 do Código das Sociedades Comerciais porque os RR foram condenados em nome pessoal, não tendo sido tomado em consideração que estavam em juízo na qualidade de liquidatários da sociedade F. […] Lda. em representação da generalidade dos sócios da sociedade; a sentença condenou os RR a pagar, à custa do seu património pessoal, uma dívida da sociedade pela qual responde apenas o património social.

7. Os recorrentes consideram que a condenação dos RR devia expressamente referir que eram condenados enquanto liquidatários da referida sociedade F. […] , em representação de todos os demais sócios, na medida e até ao montante dos bens que eventualmente receberam na partilha da sociedade em consequência da dissolução e liquidação da mesma.

Apreciando:

8. O recurso em bom rigor não põe em causa a condenação proferida mas o seu alcance interpretativo.

9. Ora, como se verifica dos termos resultantes do despacho saneador que absolveu a sociedade da instância e considerou os RR parte legítima enquanto RR demandados nos termos do artigo 163.º do C.S.C., é bom de ver que a responsabilidade dos RR não pode deixar de ser considerada à luz do direito substantivo referenciado.

10. Refere Raúl Ventura, “ a intenção deste preceito [artigo 163.º/2 do C.S.C.] consiste em estabelecer um mecanismo que coloque os credores sociais na situação, relativamente a litígios judiciais, tanto quanto possível idêntica àquela que eles deparariam se a sociedade não se tivesse extinguido, mas sem, contudo, esquecer essa extinção. Enquanto a sociedade se manteve em liquidação, os credores sociais tinham um único devedor, representado pelos liquidatários e correlativamente proporiam uma única acção; depois de extinta a sociedade, têm uma pluralidade de devedores desprovidos, em princípio, de uma representação unitária[…](Dissolução e Liquidação das Sociedades, 1987, pág. 486).

11. No entanto, a lei, para evitar a sua demanda conjunta, encontrou a solução do artigo 163.º/2 que “ consiste em ‘despersonalizar’ os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a ‘generalidade’ […] e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários ( ou outras pessoas, na falta deles) a representação processual da ‘generalidade’” (Raúl Ventura, loc. cit., pág. 487).

12. Os RR, antigos sócios, são, portanto, demandados nessa qualidade de liquidatários e, por isso, a sua responsabilidade pessoal não existe, não respondendo pelas dívidas da sociedade com o seu património pessoal.

13. A sua responsabilidade só existe até ao montante que receberam em partilha (artigo 163.º/1 do C.S.C.).

14. No caso em apreço a sociedade foi dissolvida e liquidada; na escritura, os únicos sócios declararam que a sociedade “não possui nem activo nem passivo, não existindo, por isso, quaisquer bens a partilhar, tendo as respectivas contas sido encerradas e aprovadas nesta data”.

15. Os autos não encerram prova que afaste o que consta da escritura, não estando precludida, por força do caso julgado, a possibilidade de se provar a existência de bens que os antigos sócios eventualmente receberam na partilha da sociedade em consequência da dissolução e liquidação da mesma.

16. Por isso, a condenação dos RR no pagamento da aludida quantia não é exequível sem prévia liquidação compreensiva dos bens que os RR receberam na partilha da sociedade em consequência da sua dissolução e liquidação.

17. Não se invoque o disposto no artigo 2071.º do Código Civil para se justificar a penhora de bens do património dos RR, remetendo para os devedores o ónus de provar que não integram o seu património bens provindos da extinta sociedade, pois tal preceito não é aplicável à extinção das sociedades e à responsabilização dos sócios (Ac. do S.T.J. de 15-11-2007 (Salvador da Costa) (P. 3960/2007 in www.dgsi.pt) pois, se o fosse, levaria afinal a admitir-se, por presunção, a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas da sociedade extinta.

18. Afigura-se, assim, merecer procedência o recurso, alterando-se a sentença nos termos pretendidos, ou seja, condenando-se os RR E […] e F […], enquanto liquidatários da sociedade F. […] Lda. em representação de todos os demais sócios da referida sociedade, na medida e até ao montante dos bens que eventualmente receberam na partilha da sociedade em consequência da dissolução e liquidação da mesma, a pagar ao A. a quantia de € 6.710,00 euros acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo pagamento.

Concluindo:

I- A condenação dos antigos sócios de responsabilidade limitada, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, nos termos do artigo 163.º/2 do Código das Sociedades Comerciais, no pagamento de dívida da sociedade extinta, tem por limite o montante que receberam na partilha.

II- Não estando provado que os antigos sócios recebessem bens na partilha da sociedade em consequência da sua dissolução e liquidação, a condenação dos RR no pagamento da aludida quantia não é exequível sem prévia liquidação compreensiva dos bens que os RR receberam na partilha da sociedade em consequência da sua dissolução e liquidação.

III- O artigo 2071.º do Código Civil não é aplicável à extinção das sociedades e à responsabilização dos sócios pois, se o fosse, levaria afinal a admitir-se, por presunção, a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas da sociedade extinta.

Decisão: concede-se provimento ao recurso condenando-se os RR E […] e F […], enquanto liquidatários da sociedade F. […] Lda. em representação de todos os demais sócios da referida sociedade, na medida e até ao montante dos bens que eventualmente receberam na partilha da sociedade em consequência da dissolução e liquidação da mesma, a pagar ao A. a quantia de 6.710,00 euros acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo pagamento

Custas pelo recorrido

Lisboa, 7-4-2008

(Salazar Casanova)