Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3747/09.2TTLSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CONTESTAÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
REFORMA
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – Se o Tribunal suspende a instancia até determinada data, por acordo das partes com vista a negociarem transação, e fica logo decidido que “caso as partes não juntem transação até esta data iniciar-se-á o prazo para a R. contestar, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados”, é certo que, chegada essa data começa a correr o prazo, e, omitindo a R., sem justo impedimento, a contestação, a revelia é operante e há lugar à imediata prolação da sentença.
II – Não omite a indicação dos factos provados a sentença que, na sequencia de revelia operante da R. empregadora, sociedade comercial, os indica por remissão para o articulado do A..
III. O regime previsto para a falta de contestação não é a simples presunção de que os factos alegados são verdadeiros mas a confissão dos mesmos, ainda que com algumas especificidades.
IV. O art.º 348 do Código do Trabalho não determina a caducidade do contrato laboral por efeito de reforma por velhice do trabalhador, mas, pelo contrário, a subsistência do vínculo.
V. O mesmo preceito disciplina, na sequencia das normas dos art.º 392º, 1 do Código do Trabalho2003 e 5º da LCCT, a situação dos trabalhadores que à data da reforma já laboravam para o empregador e não as estabelecidas ab initio após a reforma.
VI. Celebrado contrato com trabalhador alheio à empresa, a qual sabia que era reformado, impunha-se a sua redução a escrito e a aposição de um termo, sob pena de o convénio ser, nos termos gerais, por tempo indeterminado.
VII. Incorre em despedimento ilícito a empregadora que, nessas circunstancias, faz cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa.
VIII É totalmente irrelevante o facto de o trabalhador, entretanto despedido, ir perfazer a breve trecho 70 anos.
IX. A lei determina que para a fixação da indemnização de antiguidade se deverá atentar para o valor da retribuição e o grau de ilicitude decorrente da conduta do empregador, sendo irrelevantes outros considerandos, nomeadamente relativos à conjuntura macro-económica.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autor (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.) e recorrido: AA.
Ré (adiante designada por R.) e recorrente: BB, Lda.
O A. demandou a R. nos seguintes termos:
1, 2. O A., que tem, presentemente, 69 anos de idade, reformou-se, por velhice, em 12 de Setembro de 2000.
3. A partir dessa data passou a auferir uma pensão de reforma da Caixa Nacional de Pensões, tendo o n.º de beneficiário da Segurança Social ....
4. O A. manteve-se nessa situação até 1 de Maio de 2001.
5, 6. Em Maio de 2001 foi admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho verbal sem termo, para trabalhar “em tempo inteiro” e desempenhar funções no Departamento Financeiro, tendo-lhe sido atribuída a categoria de “cobrador”.
8. O A. nunca havia trabalhado anteriormente ao serviço da empresa BB, Lda, nem conhecia a sua existência.
9, 10. Ao admitir o A. como seu trabalhador efectivo a entidade patronal, ora Ré, foi devidamente informada acerca da sua situação de reforma, situação que a Ré aceitou, sem quaisquer objecções.
11. O A. trabalhou ao serviço da Ré desde Maio de 2001 até 31 de Agosto de 2009.
12. O seu vencimento mensal ilíquido, em 31 de Agosto de 2009, era de € 981,
assim discriminado:

- Retribuição-base € 834
- Subsídio de alimentação € 147
13. Em 15 de Junho de 2009 a Ré enviou ao A. uma carta registada com aviso de recepção, comunicando a intenção de pôr termo ao contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 31 de Agosto de 2009.
14. Essa carta tem o seguinte teor:
“Comunicamos a nossa vontade de caducar o contrato de trabalho a termo certo celebrado com V.Exa. desde a sua reforma, pelo que deverá considerar o mesmo caducado a partir de 31/O 8/2009.
Uma vez caducado o seu contrato, ficará desvinculado desta Empresa.”

15. No dia 6 de Julho de 2009 o A. enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção, alertando a entidade patronal para o facto de a lei não permitir a caducidade do seu contrato de trabalho, por ser um contrato sem termo.
16. No dia 10 de Agosto de 2009 o advogado do A. enviou uma carta à Ré, comunicando que, salvo melhor opinião, a cessação do contrato de trabalho do A., nos moldes em que foi efectuada consubstancia um despedimento ilícito, por não se reunirem os requisitos necessários para que possa ser aplicado o disposto no art.º 34 8°, n.º 1, do Código do Trabalho.
17. Nos primeiros dias de Setembro de 2009 a Ré depositou na conta bancária do A. a quantia de € 2.619,55, presumindo este que tal quantia se refere ao ordenado do mês de Agosto/2009, acrescido de algumas quantias remuneratórias proporcionais a que o trabalhador tem direito em virtude da cessação do contrato de trabalho.
20. Tendo decorrido o período experimental sem que nenhuma das partes manifestasse a intenção de pôr termo ao contrato, o mesmo converteu-se em definitivo, ou seja, num contrato sem termo.
22, 23, 24, 25. O regime do art° 348° do CT pressupõe que o trabalhador, na data em que passa à situação de reforma, continua ao serviço da mesma entidade patronal. Ora, o A. não se encontrava ao serviço da Ré e esteve na situação de reformado, sem prestar serviço a nenhuma empresa, entre 12 de Setembro de 2000 e 1 de Maio de 2001 (data em que foi admitido ao serviço da Ré).
27. Sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos do trabalho nada impede que um trabalhador reformado seja contratado, ficando o respectivo vínculo sujeito aos princípios gerais da contratação, designadamente a contratação sem termo.
30. A cessação do contrato de trabalho operada pela Ré consubstancia despedimento ilícito, por não ser precedido de procedimento disciplinar e não se fundamentar em quaisquer factos susceptíveis de integrar o conceito de “justa causa”.
 31, 32, 33. Como consequência do despedimento o A. tem direito de ser reintegrado, ou, em alternativa, de ser indemnizado, e ainda de receber todas as retribuições que deixar de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença final, optando já, pela indemnização em substituição da reintegração.
33, 34. Tem, direito a receber os valores correspondentes às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionalmente ao tempo de trabalho prestado durante o ano de 2009 e ainda não pagos, a saber:
a) Férias relativas ao trabalho prestado durante o ano de 2009 (parte
proporcional - 8/12) € 654

b) Subsídio de férias correspondente (8/12) € 654
c) Subsídio de Natal relativo ao ano de 2009 (8/12) € 654
d) Férias não gozadas, vencidas em 1/1/2009, reportadas ao trabalho prestado em 2008 (22 dias x € 38,48) € 846,56, tudo no total de € 2.808,56.
Pede:
- a declaração de ilicitude do despedimento e, consequentemente,
- condenação da Ré a pagar-lhe € 11.448,01, desta sorte:
a) Indemnização em substituição da reintegração, à razão de 45 dias por cada ano ou fracção de antiguidade € 11.259
b) Prestações de carácter retributivo resultantes da cessação do contrato de trabalho, € 2.808,56
c) Quantia colocada pela Ré à disposição do A. (a deduzir) - € 2.619,55.
Deve, ainda, a Ré ser condenada a pagar ao A. todas as remunerações que este deixou de auferir, desde a data da cessação do contrato até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, acrescida dos competentes juros de mora, à taxa legal.
*
Tentada a conciliação em audiência de partes, foi requerida pelas partes “a suspensão da instância até ao próximo dia 2 de Dezembro de 2009, para ponderarem a obtenção de uma solução consensual entre as partes”, na sequencia do que o Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho “Notifique o A. para juntar aos autos assento de nascimento. Suspendo a instância até 2 de Dezembro de 2009. Caso as partes não juntem transacção até esta data, iniciar-se-á o prazo para a R. contestar, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados que forem pessoais da R.”.
Decorrido o prazo sem apresentação de contestação nem de eventual transação as partes foram notificadas para juntarem o acordo, com advertência de que seria proferida sentença se não o juntassem, na sequencia do que a R. pediu a prorrogação do prazo para contestar, alegando designadamente que esperava ser notificada para contestar, e o A. opôs-se.
O Tribunal julgou precludido o prazo para contestar (fls. 63) e proferiu sentença (fls. 73-75) julgando procedente a ação e condenando a R. no pedido.
Inconformada a R. apelou formulando as seguintes conclusões:
(…)
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O A. contra-alegou e formulou estas conclusões:
(…)
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O MºPº teve vista.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil – :
a) a existência de nulidades da sentença;
b) se é válida a conclusão de que a R. não contestou oportunamente;
c) se o art.º 57 do Código de Processo do Trabalho consagra uma mera presunção de veracidade dos factos alegados, sendo que existiu um contrato escrito a termo certo;
d) se é aplicável por analogia o disposto no art.º 348 do Código do Trabalho, de modo a que necessariamente fiquem abrangidos contratos celebrados ab initio com trabalhadores reformados ou que hajam atingido 70 anos;
e) se operou ipso iure a caducidade quando o trabalhador atingiu 70 anos;
f) se a indemnização de antiguidade à razão de 45 dias / ano não atendeu ao facto do trabalhador auferir pensão de velhice e à conjuntura económica devendo ser de 15 dias / ano;
g) se a indemnização só é devida até perfazer 70 anos.
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a), b), c) das nulidades da sentença, da falta de contestação e alegada presunção de aí resultante.
Estas três questões são próximas e por comodidade expositiva irão ser conhecidas em bloco.
A R. desdobra a alegada nulidade em duas: por um lado a sentença não indicou os factos e por outro não conheceu as provas existentes.
Quanto à primeira há que distinguir os erros do julgamento das causas de nulidade propriamente ditas da sentença.
A dita omissão de indicação dos factos é uma destas nulidades.
Ora, a arguição de nulidades da sentença em processo laboral apresenta especificidades em relação aos erros de julgamento, sendo que outrossim está sujeita a um regime especial.
Dispõe o artigo 668º do CPC (causas da nulidade da sentença), na redacção conferida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 – Quando a assinatura seja aposta por meios electrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1º só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
O artigo 77º do Código de Processo do Trabalho (alterado pelo DL nº 259/2009, de 13 de Outubro) estatui:
1 - A arguição da nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2 - Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3 - A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”.
Portanto a arguição de nulidades da sentença em processo laboral deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, não devendo sequer o tribunal superior conhecer nulidade que não tenha sido arguida dessa sorte, mas apenas nas respectivas alegações – cfr. ac. do STJ de 25-10-1995,CJ,T III, pág. 281, supra citado aresto da Relação de Lisboa de 25-1-2006, acórdão. da Relação de Lisboa , de 15-12-2005 , proferido no processo 8765/2005-4 in www.dgsi.pt.
Ora, a R. não alegou tal nulidade expressa e separada no requerimento de interposição de recurso, mas apenas em sede alegatória.
Pelo que é intempestiva.
Sempre se dirá, de todo o modo, que mesmo que houvesse procedido correctamente inexistiria nulidade na indicação dos factos por remissão em caso de falta de contestação: a lei não impõe que o juiz descrimine na sentença os factos confessados em virtude da revelia operante e que, portanto, não pode dizer-se que há absoluta falta de matéria de facto. O art.º 57, n.º 1, dispõe na 2ª parte que “consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito; e no n.º 2 que “se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”. Esta norma é paralela à do art.º 784 do Código de Processo Civil, que estipula que “quando os factos reconhecidos por falta de contestação determinem a procedência da acção, pode o juiz limitar-se a condenar o réu no pedido, mediante simples adesão aos fundamentos alegados pelo autor na petição inicial”.
E isso tem sido aceite comummente na jurisprudência[1] e na doutrina[2].
*
O que nos remete logo para as questões seguintes.
Houve falta de contestação?
A R. esgrime que o seu mandatário ficou com a errada percepção de que seria notificado após 2.12.2010 caso não houvesse acordo (e houve contactos para negociar acordo), e a ata não foi entregue às partes.
O A. diz que a R. e o seu mandatário foram advertidos do prazo para a apresentação da contestação.
Apreciando dir-se-á que a R. manifestamente não tem razão: foram as partes quem pediu a suspensão da instância até 2.12.2009; o Mmº Juiz deferiu o requerido e decidiu logo que “caso as partes não juntem transação até esta data iniciar-se-á o prazo para a R. contestar, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados que forem pessoais da R.”, despacho de que todos os presentes, incluindo a R. e o seu mandatário, foram devidamente notificados (fls. 32).
O que resulta deste acervo é simplesmente que a R. olvidou o despacho (aliás, também é certo que, ao contrário do que ora diz, o tempo da suspensão não foi aproveitado para negociações, a fazer fé no seu requerimento de 4.3.2010, quando afirma que “decorridos estes meses não houve qualquer contacto entre os mandatários” – fls. 37 n.º 4).
Isso não constitui motivo atendível ou justo impedimento (art.º 146, CPC).
E a dita não entrega da ata é irrelevante: não foi através dela que as partes foram notificadas do despacho, proferido oral e presencialmente, destinando-se a ata a registar as ocorrências (art.º 53/3, CPT).
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Da alegada presunção resultante da falta de contestação.
A R. defende que a falta de contestação acarreta uma mera presunção e que as partes devem merecer igual tratamento no processo.
Não se vislumbra pertinência alguma no último segmento: a igualdade das partes não impede que o legislador ordinário fixe efeitos cominatórios para a revelia operante. E aplicando o disposto no art.º 57 o Tribunal limitou-se a cumprir a lei.
Dispondo, como vimos já, o n.º 1 do art.º 57 que não contestando o R. consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, é evidentemente que não se trata aqui de presunção alguma.
As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349, Código Civil), podem ser legais, invertendo o ónus da prova[3] (e aqui distinguir-se-ão as júris tantum se admitem prova em contrário e as juris et de jure se não), e naturais ou judiciais, simples meio de convicção, estribadas nas regras da experiencia, em juízos de probabilidade, de lógica ou até em dados intuitivos[4].
Já a confissão é um meio de prova (art.º 341 e ss., 352 e ss. do Código Civil e 552 e ss. do CPC) que consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352 CC).
Ora, a lei refere-se à falta de contestação como uma confissão dos factos, ainda que com algumas peculiaridades[5].
Destarte, não tendo contestado, os factos alegados pelo A. ficaram confessados.
É irrelevante a pretensão da R. de que quis juntar um documento que provava a existência de contrato escrito.
Por um lado a existência do contrato de trabalho não é susceptível de ser provada apenas por documento, admitindo outra prova ou contra-prova, a valorar pelo Tribunal (art.º 646/4, Código de Processo Civil). Ora, o A. impugnou tal documento.
E depois, decorrido o prazo para contestar, e confessados os factos, nada podia a R. demonstrar com o aludido documento.
Em suma: nem ficou qualquer questão pertinente por conhecer na sentença em sede probatória, nem cabe censurá-la por erro na apreciação da prova.
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Dilucidadas as questões passíveis de se projectarem na matéria de facto é tempo de referir os factos provados.
São eles os que o Tribunal recorrido indicou e que se mencionam no relatório.
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Vejamos agora as questões substanciais suscitadas.
d) É aplicável por analogia o disposto no art.º 348 do Código do Trabalho, de modo a que necessariamente fiquem abrangidos contratos celebrados ab initio com trabalhadores reformados ou que hajam atingido 70 anos?
Conexas com esta encontram-se as questões relativas a saber e) se operou ipso iure a caducidade quando o trabalhador atingiu 70 anos; e g) se a indemnização só é devida até perfazer 70 anos.
Dispõe este art.º, sob a epigrafe “conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos” que:
1 – Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
2 – No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 – O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.
De aqui resulta, como a recorrente admite, que a situação que o preceito visa regular não é a dos contratos estabelecidos ab initio após a reforma, mas a daqueles que já laboravam à data para o empregador.
E já era assim nos termos dos art.º 392º, 1 do Código do Trabalho2003 e 5º da LCCT.
Na verdade, o que resulta – e resultava – destes preceitos é que a reforma por velhice não faz caducar o contrato de trabalho; “antes pelo contrário, a reforma do trabalhador determina a subsistência do anterior vinculo”[6].
E que nesse caso – apenas - o contrato por tempo indeterminado convolava-se em contrato de trabalho a termo.
Assim, a jurisprudência tem entendido que “a disciplina do art. 5.º, do DL n.º 64-A/89 apenas cobra aplicação quando o trabalhador, nessa mesmíssima qualidade e nos precisos termos em que o vinha fazendo até à reforma, continua a prestar a sua actividade laboral ao mesmo empregador” - Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 15-09-2010[7]; que “I - O disposto no art. 5.º, n.º 1, da LCCT (Reforma por velhice) apenas se aplica aos trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa. II - Por isso, sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos do trabalho, nada impede a eventual contratação, por terceiros, de trabalhadores já reformados, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo. III - Porém, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o contrato caduque, o mesmo converte-se em contrato de trabalho a termo de seis meses” – STJ, ac de 07-02-2007[8]; o acórdão do mesmo Tribunal de 17-01-2007 declara que “II - O facto de o trabalhador ter atingido os 70 anos de idade não constitui motivo de caducidade do contrato e apenas determina a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato a termo resolutivo pelo prazo renovável de seis meses (artigo 392º, n.º 3, do Código do Trabalho); III - A norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 392° Código do Trabalho, que exclui o direito de indemnização pela caducidade do contrato a termo resolutivo, em que se transforma o contrato por tempo indeterminado quando o trabalhador atinge a reforma por velhice ou os 70 anos de idade, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio geral de indemnização, ínsito no artigo 62°, n.º 1, da Constituição; IV - Na situação prevista no 392º, n.º 3, do Código do Trabalho, não há qualquer obstáculo à cumulação da pensão de reforma com os rendimentos de trabalho resultantes do contrato a termo resolutivo, não tendo aplicação ao caso o disposto no artigo 437º, n.ºs 2 e 3, desse Código[9]; e esta Relação de Lisboa já decidiu que “I - O regime estabelecido no art. 392.º, nºs 1 e 2, do Cód. Trab. apenas tem aplicação para as situações em que o trabalhador se mantém vinculado à entidade patronal quando atinge a idade da reforma por velhice. II – Já o regime estabelecido no nº 3 do mesmo preceito é aplicável tanto àquele trabalhador como ao que for admitido ex novo após a reforma (ac. de  20-10-2010).
A R. pretende a aplicação analógica do art.º 348 tendo em conta a Directiva 1999/70.
Mas não se vê qual a sua pertinência: a Directiva aplica-se aos trabalhadores contratados a termo (art.º 2º, n.º 1), o que é logo a primeira coisa que se discute nos autos (e que, face à matéria de facto provada, não existe, já que não pertencendo o trabalhador aos quadros da empresa, continuava a impor-se a celebração do contrato escrito para afastar a regra da contratação por tempo indeterminado, aliás corolário do principio da segurança no emprego, consagrado no art.º 53 da Constituição).
É no mínimo tautológico invocar uma directiva que se aplica a contratos a termo para defender a interpretação de o contrato em causa só pode ser a termo. E nem a conclusão de que o art.º 348 se aplica “necessariamente a contratos celebrados ab initio com trabalhadores reformados”, tem qualquer apoio nem letra da lei, nem na jurisprudência (como vimos) e nem na doutrina (defendendo Romano Martinez, op. cit., 928, nota III ao art.º 348, na posição mais próxima, que “deve entender-se que se pode aplicar o disposto no n.º 2 aos contratos celebrados ab initio”, o que em todo o caso é claramente uma posição mais cautelosa do que a “aplicação necessária” pugnada pela recorrente). 
Não é, pois aplicável o disposto no art.º 348 ao A..
Do exposto resulta, claramente, que nenhuma das três questões colhe: nem é aplicável, directamente ou por analogia o disposto no art.º 348 do Código do Trabalho, de modo a que necessariamente fiquem abrangidos contratos celebrados ab initio com trabalhadores reformados ou que hajam atingido 70 anos; nem se operou ipso iure a caducidade quando o trabalhador atingiu 70 anos; e, consequentemente, nem a indemnização só é devida até perfazer 70 anos.
É que, celebrado contrato com trabalhador alheio à empresa, que sabia da sua reforma, impunha-se a redução a escrito do contrato para que o mesmo pudesse ser a termo, de harmonia com as regras gerais.
O que não aconteceu.
De aqui decorre que, ao fazer cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, a R. incorreu num despedimento ilícito.
A R. argumenta ainda que, de todo o modo, o A. ia fazer 70 anos; logo caducaria nessa data; portanto a sua manifestação de vontade teria de relevar nessa altura.
Trata-se de um vício de raciocínio.
É indiferente que perfaça ou não 70 anos, dado que tal não acarreta a caducidade do contrato; importa primeiro a sua convolação em contrato a termo, que no caso não teve lugar.
Subjacente à posição da R. parece estar a ideia da equiparação da situação dos autos à de um vulgar contrato de trabalho a termo, o qual, cessado sem observância do prazo de denuncia, se renova, ficando o empregador obrigado a pagar-lhe indemnização não inferior ao que o trabalhador auferiria até ao fim da renovação (art.º 393/2/a).
A verdade, porém, é que a situação é diversa: despedindo o A. naquelas circunstâncias, a R. fez cessar o contrato; logo é irrelevante o que pudesse acontecer a seguir, porquanto o contrato dos autos era por tempo indeterminado e não a termo. E não há denuncia alguma, mas sim despedimento (revogação sem justa causa).
*
Vejamos por fim saber se a indemnização só poderia ser fixada pelo montante mínimo.
A R. revolta-se porque não foram tidos em conta:
i) o contexto em que o alegado despedimento ocorre;
ii) o facto do trabalhador auferir uma pensão de velhice (desde 12.09.2000);
iii) as conhecidas dificuldades económicas e financeiras que as pequenas e médias empresas, o que é o caso da Ré, enfrentam por força da actual conjuntura recessiva que se vive em Portugal e na Europa, colocando em causa a sobrevivência da maioria do tecido empresarial;
iv) a discussão que existe, neste momento, entre os parceiros sociais (Sindicatos, Entidades Patronais e Governo) no sentido da revisão da legislação laboral, designadamente dos montantes a serem pagos aos trabalhadores em caso de despedimento, tendo, recentemente sido aprovada a indemnização de 20 dias com limite máximo de indemnização de doze meses de salários.
Conclui por isso que a indemnização “nunca poderia ser superior a 15 dias/mês”.
Os elementos indicados pela recorrente não foram tidos em conta, não tinham de ser e nem deviam ser, porque o que cumpre apreciar não é o que as partes entendem ser relevante[10] mas o que a lei determina (art.º 391/1 in fine), a saber:
- o valor da retribuição; e
- o grau de ilicitude decorrente da conduta do empregador.
A argumentação é, pois, totalmente irrelevante e a pretensão improcedente.
A sentença fixou aquele montante argumentando que o trabalhador laborou para a R. 8 anos.
Não a acompanhamos nesta parte, porquanto em nosso entender não fundamentou a aplicação do valor máximo, não se vislumbrando razões para isso: a conduta da R., no que toca à ilicitude, é vulgar (despediu advertida – pelo A. - de que o seu argumento não colhe, como frequentemente acontece, mas sem que se vejam outros elementos censuráveis); o trabalhador auferia € 834,00, o que está bem acima dos valores mínimos de retribuição (que podem justificar a atribuição de um quantitativo maior).
Pelo que se altera nesta parte a indemnização para o valor anual de 30 dias.
O que perfaz (834 x 9) € 7.506,00.
Na sentença somaram-se os créditos laborais por férias, subsidio de férias e subsidio de natal, e deduziram-se € 2.619,55, entretanto pagos pela R.
Procedendo do mesmo modo a quantia devida pela R. e aludida na alínea a) da parte decisória da sentença (sem prejuízo, portanto dos valores resultantes das al. b) e c)) é de € 7.695,01
*
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso parcialmente procedente e consequentemente revoga parcialmente a sentença, substituindo a alínea a) por esta:
Condena a R. a pagar ao A.:
a) sete mil seiscentos e noventa e cinco euros (€ 7.695,01), relativos aos pedidos do A. deduzidos de a) a e) e correspondentes a créditos laborais vencidos e não pagos e a indemnização de antiguidade;
No mais confirma-se a sentença.
Custas da ação e da apelação pelas partes, na proporção do vencido.

Lisboa, 21 de novembro de 2012

Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
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[1] Veja-se os acórdãos da secção social da Relação de Lisboa 11-02-2009 (disponível, como todos citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt, que obiter dicta refere que “a sentença recorrida não discriminou os factos assentes, tendo remetido para o articulado do Autor, mas é mais curial fazer a respectiva discriminação”; de 22-06-2011, que escreve “não tendo sido apresentada contestação, foi proferida a sentença de fls. 30, que considerou confessados os factos articulados pelos autores, os quais deu por integralmente reproduzidos. E, considerando-os suficientes para determinar a procedência da acção, por adesão aos fundamentos invocados na petição inicial, condenou a ré nos pedidos”; e de 02-11-2011, cujo sumário reza que “se os factos confessados conduzirem à procedência da acção, a fundamentação da sentença pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”.
Na área cível o acórdão de 04-05-2010 menciona que “os factos relevantes (…) são – além dos supra descritos no Relatório - os constantes da petição inicial e que o tribunal de 1ª instância reconheceu como assentes nos termos sobreditos (ex vi do disposto no artigo 2º do regime anexo ao D.L. nº269/98, e nos art. 784º, 484º nº1 e 463º nº1, todos do Cód. Proc. Civil)”; e o de 10-05-2007 (que se debruça sobre uma acção ordinária), “não foi julgada válida a contestação apresentada e, dados como confessados os factos articulados pela Autora nos termos do artigo 484º do CPCivil (…). A sentença sob recurso, embora não os tenha expressamente especificado, teria dado por confessados os seguintes factos alegados em sede de Petição Inicial”.
A excepção parece ser o acórdão da Relação de Coimbra de 20-05-2004, que adoptando entendimento similar ao vencedor proclamou: “O actual CPT instituiu uma única forma de processo declarativo, com tramitação simplificada, consagrando o efeito cominatório semi-pleno. O artº 659º, nº 2, do CPC tem aplicação em tais situações, pelo que é necessário discriminar os factos que o juiz considera como provados. Caso a sentença proferida não acate tal regra sobre a fundamentação da decisão de facto, sofre do vício de nulidade , nos termos do artº 668º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil”.
[2] Cfr por todos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, que em anotação ao art.º 784 do Código de Processo Civil escreve que “permite-se que o juiz profira, logo de seguida, decisão sumária em que, após especificar (por mera remissão para o conteúdo da petição), qual a matéria de facto reconhecida em consequência da revelia operante, se limita a condenar o réu no pedido, aderindo inteiramente aos fundamentos jurídicos (e à causa de pedir) alegados pelo autor” (sublinhado meu).
[3] Cfr. art.º 344/1, Código Civil.
[4] Cfr por todos Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, nota 2 art.º 349.
[5] Sobre os efeitos da revelia operante escrevem Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Cb Edit. 2001, 266-267, que “trata-se, portanto, de prova (os factos ficam provados em consequência do silêncio do réu) e aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os arts. 352 CC e ss.); de facto, fala-se tradicionalmente, de confissão ficta (ficta confessio) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária (por todos, mas preferindo a denominação confissão presumida: Antunes Varela, Manual de Processo Civil, ps. 543-545), seja mediante a pura omissão de contestar, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado (em inobservância do ónus da impugnação). Mas este meio de prova (que em outros sistemas jurídicos é antes tido como uma dispensa de prova) tem um regime que não coincide inteiramente com o da confissão, que é uma declaração expressa de reconhecimento da realidade dum facto desfavorável ao declarante, pelo que, constituindo figura autónoma, é mais adequado distingui-lo, reservando para ele o termo admissão (Castro Mendes, Do conceito de Prova cit., p. 547; ver também a anterior dúvida de Manuel de Andrade, Noções, p. 152, à equiparação das duas figuras). Contrariamente à confissão, a admissao não exige que o facto admitido seja desfavorável ao admitente (cf. art.º 352 Código Civil); não joga quanto a factos para cuja prova a lei exija documento escrito (art.º 485-d e 490-2), relativamente aos quais a confissão é admitida (art. 364-2 CC) não se produz, quanto aos factos que outro réu conteste, contra o réu não contestante, nos casos de litisconsórcio voluntário e de coligação (art. 485-a), em que o efeito de prova plena da confissão se produz, ainda que no primeiro caso restringido ao interesse do confitente (art. 353-2 CC); não é impugnável como a confissão, nos termos do art. 359 CC, nem retractável enquanto a parte contrária a não tiver aceitado especificamente, como acontece com a confissão feita em articulado, pelo menos quando por mandatário judicial (art.º 38 e 567-2; ver o n.º 3 da anotação ao art. 567); só é eficaz no processo em que é produzida não tendo a eficácia extraprocessual da confissão judicial (art.º 522-1 e 355-3 CC). Esta prova, desconhecida nos sistemas ditos de ficta litis contestatio, ou contestação ficta, em que a omissão de contestar não tem o valor de prova legal e mantém incólumes as normas sobre a distribuição do ónus da prova, fica, entre nós, definitivamente adquirida no processo, não podendo o réu vir posteriormente negar os factos sobre os quais se manteve silencioso, em solução contrária à de sistemas em que o efeito de ficta confessio pode, sob certas condições, cessar, por apresentação tardia da contestação ou por oposição à sentença entretanto proferida. Tem assim o tratamento duma presunção inilidível baseada na experiência colhida na generalidade dos casos. Como já apontava Manuel de Andrade, Noções cit., ps. 151-152, a apresentação da contestação, como, aliás, de qualquer outro articulado, fora de prazo só é possível nos casos - raros - de justo impedimento”.
[6] Cfr. Romano Martinez e outros, Código do Trabalho anotado, 8ª ed., 2009
[7] E na fundamentação acrescenta: é que a disciplina do invocado artigo 5.º apenas cobra aplicação quando o trabalhador, nessa mesmíssima qualidade e nos precisos termos em que o vinha fazendo até à reforma, continua a prestar a sua actividade laboral ao mesmo empregador: só nesse caso o contrato de trabalho intemporal passa a contrato de trabalho a termo, nas condições, pelo prazo e com as renovações enunciadas nas diversas alíneas daquele preceito.
[8] Na fundamentação, interpretando o art.º 5º da LCCT sistematiza:
- se o trabalhador se mantiver ao serviço da sua entidade patronal, decorridos que sejam 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice, o respectivo contrato de trabalho transforma-se automaticamente em contrato a prazo de seis (6) meses, mas sem os constrangimentos plasmados no art.º 44º n.º 2;
- se o contrato não caducar entretanto pela obtenção da reforma (por velhice ou invalidez), tal contrato transforma-se também, nos mesmíssimos moldes, em contrato a prazo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade.
O regime do transcrito art.º 5º foi pensado, em qualquer das suas vertentes, para os trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa aquando dos eventos que condicionam a disciplina vertida nos seus n.ºs 1 e 2.
Mas, como “As pensões de velhice são acumuláveis com rendimentos do trabalho” – art.º 5º do D.L. n.º 41/89, de 2 de Fevereiro – nada impede a eventual contratação, por terceiros, de trabalhadores já reformados: nesse caso, o respectivo vínculo ficará sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo, que constitui a regra basilar.
E não faria qualquer sentido – de acordo com a opção do legislador, afirmada naquele art.º 5º - que um trabalhador, contratado nessas condições, permanecesse indefinidamente ao serviço da nova entidade patronal, sem que a esta fossem concedidos mecanismos para também fazer cessar sumariamente o contrato.
Por isso, estamos em crer que:
- a aplicabilidade do preceito, nos termos restritos acima enunciados, só é inteiramente válida para as situações que integram a previsão do n.º 1;
- em contrapartida, o n.º 2 enuncia um princípio geral, que é necessariamente aplicável a todos os trabalhadores – com natural excepção daqueles a quem seja imposta a reforma por limite de idade – independentemente de terem ou não, obtido já a reforma e de se acharem, ou não, ao serviço da mesma entidade patronal.
[9] Também aqui o mais alto Tribunal tece considerações que, pela sua pertinência, se transcrevem com a devida vénia: “a reforma por idade (designada como reforma por velhice) não opera automaticamente. Por um lado, a situação de reforma depende de um requerimento do trabalhador; em segundo lugar, a extinção do vínculo só se verifica quando ambas as partes tomem conhecimento da situação e não no momento em que o traba­lhador se reforma (assim, o acórdão do STJ de 30 de Abril de 1997, Colectânea de Jurisprudência (STJ) 1997, Tomo II, pág. 270); em terceiro lugar, por força do que dispõe o artigo 392º, n.º 1, do Código do Trabalho, mesmo depois do conhecimento bilateral, o contrato pode cessar nos trinta dias seguintes e não imediatamente; por último, estando o trabalhador na situação de reforma, a relação laboral não se extingue ipso iure, pois se este permanecer ao serviço, o contrato converte­-se em contrato a termo resolutivo. Ou seja, o trabalhador pode requerer a reforma a partir dos sessenta e cinco anos de idade (art. 22.° Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro), mas o facto de se encontrar re­formado não obsta a que continue a trabalhar; impõe-se, em tal caso, que o vínculo laboral com a empresa, depois de o empregador saber que o trabalhador se encontra reformado, se converta num contrato a termo resolutivo pelo prazo de seis meses, renovável sem limite (artigo 392º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho). Por outro lado, e diferentemente do que sucede no funcionalismo público, não há um limite de idade, a partir do qual não se pode continuar a prestar a actividade; enquanto as partes desejarem a prossecução da relação laboral esta manter-se-á. Todavia, independentemente de o trabalhador se reformar, quando atinja 70 anos de idade, o vínculo laboral fica sujeito a um termo resolutivo, por um prazo de seis meses renovável sem limite (artigo 392º, n.º 3, do Código do Trabalho). Sendo assim, o facto de o autor ter atingido os 70 anos de idade não constituía motivo de caducidade do contrato e apenas determinava, ao abrigo desta última disposição legal, a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato a termo resolutivo pelo prazo renovável de seis meses.
E sobre a compensação pela caducidade: “a norma (que dispõe que "a caducidade do contrato a termo resolutivo não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador") refere-se ao contrato a termo resolutivo em que se tenha convertido o contrato de trabalho por tempo indeterminado, por virtude de o trabalhador ter permanecido ao serviço da entidade patronal após o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice; mas, por força do também citado n.º 3 desse artigo 392º, é igualmente aplicável ao contrato a termo resolutivo em que necessariamente se converte o vínculo laboral quando o trabalhador atinge os 70 anos de idade. É, no entanto, evidente que a situação prevista em qualquer dessas hipóteses - que tem pressuposta a ideia de que trabalhador se manteve ligado à entidade patronal a através de um contrato de trabalho indeterminado, que só se transforma em contrato a termo resolutivo quando o trabalhador atinge a reforma por velhice ou os 70 anos de idade - não tem qualquer analogia ou identidade com a do artigo 388º, n.º 2, que prevê uma compensação monetária a favor do trabalhador no caso em que o contrato a termo caduca por declaração da entidade patronal no termo do seu prazo. Num caso, estamos perante uma relação de trabalho estabilizada que poderá ter durado toda a vida activa do trabalhador - como é, aliás, o caso do autor, que permaneceu ao serviço da ré mais de 40 anos -, em que a conversão do contrato por tempo indeterminado em contrato a termo ocorre por razões de política legislativa que têm a ver com a circunstância de o trabalhador se encontrar numa situação de reforma ou em idade para requerer a reforma que lhe confere, desde logo, uma sustentação económica autónoma; noutro, estamos perante uma situação de precariedade de emprego que resulta de o trabalhador se encontrar vinculado por mero contrato de trabalho a termo, o que justifica, do ponto de vista do legislador, a atribuição de uma compensação pecuniária que se destinará a constituir um suporte financeiro para a situação de desemprego em que possa encontrar-se por efeito da caducidade do contrato”.
E quanto à retribuição: “acresce que, como se deixou explanado, a passagem à reforma não é impeditiva da continuação do trabalhador reformado ao serviço da sua entidade patronal, como resulta inequivocamente do artigo 392º, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que, encontrando-se o autor vinculado, do ponto de vista jurídico, por um contrato de trabalho a termo resolutivo a partir do momento em que perfez 70 anos de idade, nada obstava à percepção das respectivas remunerações cumulativamente com a pensão de reforma. As deduções a que os n.ºs 2 e 3 do artigo 437º do Código do Trabalho se referem nada têm a ver, por outro lado, com a cumulação da pensão de reforma e da retribuição. O que está aí em causa são os rendimentos do trabalho ou as prestações da previdência que o trabalhador tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento. Só essas importâncias é que constituem um locupletamento indevido, já que se o trabalhador continuasse ao serviço da sua entidade patronal não teria tido oportunidade de auferir outros proventos do trabalho ou receber as prestações substitutivas dos rendimentos de trabalho perdidos em consequência do despedimento.
Não é esse o caso da pensão de reforma, já que é a própria lei que permite que o trabalhador continue a prestar serviço ao seu anterior empregador, embora nesse caso através de contrato de trabalho a termo resolutivo”
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[10] Diga-se, em todo o caso, que a ideia de considerandos conjunturais relevarem nesta sede é duplamente absurda: por um lado significaria que os princípios e normas do Direito estariam afinal submetidos ao império da economia, em lugar de regularem a sua actividade; por outro, que a conjuntura, que afecta as duas partes (a empresa e o trabalhador) levaria à proteção de uma delas em prejuízo da outra.
Decisão Texto Integral: