Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11651/15.9T8ALM.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO À HONRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Sumário: 1. No Direito Civil, enquanto direito de personalidade, a honra concretiza-se na projeção da consciência social dos valores, inatos e adquiridos, inerentes a cada pessoa. Assim sendo, a tutela juscivilística da honra reflete também o valor essencial da dignidade da pessoa humana.
2. Em sentido amplo, o direito à honra comporta quatro vertentes:
- a honra propriamente dita, que se conexiona intrinsecamente com a dignidade humana, sendo inerente a cada pessoa humana;
- o bom nome e consideração, que se reporta ao prestígio social da pessoa, resultantes das suas características individuais, de natureza intelectual, profissional, política, familiar, etc.;
- o decoro, que se refere às características comportamentais de carácter social da pessoa;
- o crédito, que tem que ver com o prestígio sócio-económico da pessoa, relativo às suas qualidades e capacidades económico-financeiras.
3. A tutela juscivilística engloba todas as ofensas à honra, quer aquelas que ocorrem publicamente ou em privado, quer as verbais, escritas, gestuais ou por imagens, quer as imputações de factos, de juízos de valor e as meras suspeitas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
CAB, advogado em causa própria, intentou a presente ação declarativa de condenação, contra SCC e NFC, alegando, em suma, e com interesse, que no dia 31 de janeiro de 2012, JG, apresentou queixa-crime contra os aqui réus, a qual deu origem ao Proc. n.º _____/__ da Secção Criminal, Comarca de Almada.
A partir de 5 de setembro de 2015, o autor passou ser o advogado constituído de JG naquele processo.
«Em 09 de Abril de 2015, cinco dias antes da nova data da audiência de julgamento, a Secretaria Judicial de Almada deu entrada de um documento assinado pela Ré para ser “Entregue em mão”, Ao c/ do Exmo. Senhor Juiz, Proc. Nº _____/__, que tem como proveniência Almada, de 2015, escrito à máquina e depois preenchido a punho 9 Abril.
2. O documento acabado de referir começa e acaba da forma como segue:
a) - “Assunto: Requerimento para o Tribunal investigar os presumíveis autores da violação informática ao email e Facebook da arguida SCC e os autores dos anúncios no OLX, que poderão ser os presumíveis autores das ditas cartas, já que os fatos estão ligados temporalmente, ou seja vêm na sequência um do outro.
Exmo Senhor Juiz,
Eu, SCC, arguida no processo _____/__, venho pelo presente comunicar a V. Exa que, Em junho de 2010 apareceu o primeiro processo _____/__ com o Dr. CAB, assistente do ofendido sr. JG.
Processo esse que o Dr. CAB me acusava de ter invadido a sua residência, e que ficou provado em julgamento a minha inocência. Nesse mesmo processo em que Dr. CAB foi multado pelo tribunal.
Em Outubro desse ano surge o anúncio no OLX de conotação sexual com o meu telefone. (doc. n.º 1 em anexo)
No início do mês de Janeiro de 2012 surgem as referidas cartas que constam do processo do processo _____/__, das quais menciona a minha pessoa como tendo tido relações sexuais com o queixoso.
Durante o mês de Janeiro de 2012 aparece o mesmo tipo de anúncio de carácter sexual no OLX (doc2 em anexo) com o meu nº de telemóvel e do meu filho V.
Uns dias depois o meu e-mail é invadido e destroem tudo o que lá existia, bem como no Facebook alterando a minha foto de perfil, apagando todas as fotografias que dispunha no meu Facebook e escrevendo insultos sobre minha pessoa.
A 31 de Janeiro de 2012 o senhor JG coloca a mim e ao meu Marido o presente processo.
De acordo com estes factos venho requerer a V.exa. Para que o tribunal investigue quais os autores destes actos, já que poderão ser os mesmos autores das cartas.”
Como facilmente se verifica, no documento acabado de referir, a Ré, sob a forma de suspeita, imputa ao Autor a autoria da publicação (...) das cartas anónimas que deram origem ao processo que lhe foi movido pelo assistente JF,
a) - tendo para o efeito lançado mão de factos que, na sua versão, ocorreram ente ambos, enfatizando-os pela ordem cronológica.
Na mesma data, ou seja, em 09 de Abril de 2015, a Secretaria Judicial de Almada deu entrada de um documento assinado pelo Réu para ser Entregue em mão”, Ao c/ do Exmo. Senhor Juiz, Proc. Nº _____/__, que, igualmente, tem como proveniência Almada, de 2015, escrito à máquina e depois preenchido a punho 9 Abril.
a) - Neste documento o Réu, depois de comunicar que ele e o Autor são condóminos de um prédio sito no Seixal, afirma o seguinte:
“Conheço o Dr CAB há nove anos, e desde 2010 foram construídos vários processos entre o condómino Dr. CAB com as várias administrações do condomínio e os restantes condóminos da qual eu faço parte. Processo dos quais passo a citar: _____/__;_____/__ e _____/__, dos quais constam danos e dívidas do condomínio o Dr. CAB. Mais acrescento que os únicos processos que tenho em tribunal são unicamente com o Dr. CAB ora como assistente ora como parte litigante.
Pelo presente, gostaria de ser esclarecida sobre a legalidade do Dr CAB neste processo como assistente, ou se existe violação ao código Deontológico».
A comunicação acabada de referir revela per se que o Réu procura atingir a consideração e o bom nome do Autor com base em factos que, tal como a comunicação da Ré, assentam e meias verdades e puras mentiras» -sic!
O descrito comportamento dos réus causou danos patrimoniais e não patrimoniais ao autor, pelos quais pretende ser ressarcido.
Conclui pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 29.904,00, sendo € 28.000,00 a título de danos não patrimoniais, e € 1.904,00 a título de danos patrimoniais.
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Os réus contestaram, começando por arguir:
- a nulidade da citação;
- a exceção dilatória consistente na nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta de causa de pedir;
- a exceção dilatória de caso julgado.
No mais, defendem-se por impugnação.
Os réus concluem assim a contestação:
«Nestes termos,
Deve ser julgada procedente a nulidade da citação invocada, com as legais consequências.
Devem ser julgadas procedentes por provadas as excepções de ineptidão da PI e Caso Julgado, absolvendo-se os RR da instância ou do pedido, conforme os casos.
Sem prescindir, deverá a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os RR do pedido contra eles formulado.
E, POR ÚLTIMO, ser o autor condenado, a título de litigante de má-fé, no pagamento aos RR de uma indemnização no valor de € 5.000,00, bem como de multa a favor do Tribunal, em quantia a fixar do livre arbítrio do julgador».
*
O autor respondeu à matéria da exceção, pugnando pela sua improcedência.
Contestou ainda o pedido formulado pelos autores no sentido da sua condenação em multa e indemnização por litigância de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
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Após os articulados e a junção aos autos de vária documentação, em grande parte sem qualquer interesse para a decisão da causa, com a simples invocação de que «o estado dos autos permite, desde já conhecer do mérito da causa, sem necessidade de mais diligências (art. 591º n.º 1 al. b) do CPC)», o juiz a quo proferiu o despacho saneador-sentença de fls. 264-269, que:
1 – Indeferiu a arguição de nulidade da citação;
2 – Julgou improcedentes, por não provadas, as exceções dilatórias:
2.1 – De nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial com fundamento na falta de causa de pedir;
2.2 – De caso julgado;
3 – Julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido.
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Nesta parte, impõe-se uma nota para referir o seguinte:
i) a audiência prévia é de realização necessária quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir não tiverem sido debatidas nos articulados;
ii) a audiência pode ser dispensada quando o juiz tencione conhecer de todo o mérito da causa e as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir já se mostrem debatidas nos articulados;
iii) nada obsta a que, com vista à dispensa da audiência prévia, tencionando o juiz conhecer de todo o mérito da causa, e não se encontrando as razões de facto e de direito atinentes a todas as questões a decidir suficientemente debatidas nos articulados, o juiz notifique as partes para, por escrito, se pronunciarem sobre aquelas razões;
iv) tanto no caso referido em ii), como no caso referido em iii), deve o juiz:
a) consultar as partes, nos termos do art. 3.º, n.º 3, no sentido de indagar se se opõem à dispensa da audiência prévia, de forma a garantir o contraditório quanto à gestão processual;
b) prevenir as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implica a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes;
v) no caso de alguma das partes não concordar com a dispensa de realização da audiência prévia, esta deve obrigatoriamente realizar-se.
No caso concreto, o juiz a quo nada disse quanto ao seu propósito de dispensar a audiência prévia, ou seja, não consultou sequer as partes, nos termos que lhe eram impostos pelo art. 3.º, n.º 3, de forma a garantir o contraditório quanto à gestão processual, a fim de indagar se ambas, ou alguma delas, se opunha à dispensa da audiência prévia.
Não existindo, desde logo, audição prévia das partes em litígio quanto à dispensa da audiência prévia, estamos perante uma situação de violação pelo tribunal a quo, daquele dever de consulta.
O juiz a quo ao decidir do mérito da causa, nos termos em que o fez:
- sem auscultar as partes quanto à dispensa da realização da audiência prévia; e
- sem convocar a audiência prévia,
omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, o que significa a ocorrência de uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do C.P.C..
Trata-se de uma nulidade que:
- não é de conhecimento oficioso (art. 196.º, do C.P.C.);
- apenas pode ser arguida pelas partes (art. 197.º, do C.P.C.);
- é secundária, porque não prevista no art. 198.º do C.P.C.; log,
- é invocável nos termos do art. 199.º, n.º 1, do C.P.C.,
o que significa que não pode ser objeto de apreciação no presente recurso.
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O autor não se conformou com a decisão proferida no saneador-sentença, que julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido, pelo que dela interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«1.ª - Em 15 de novembro de 2015, o ora apelante intentou contra os réus SCC e NFC, uma acção declarativa condenação, acção sob a forma de processo comum no Juiz_, Local Cível da Comarca de Almada, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa por terem levado, ambos, uma conduta que configura crimes de difamação e calúnia, p. e p. nos artigos 180.° e 183.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, pedindo para que fossem condenados [a pagar] ao autor a quantia global de € 29,904,00.
2.ª - Na sua contestação os réus
a) - invocaram:
aa) - a nulidade da citação;
ab) - ineptidão da petição inicial;
ac) - excepção do caso julgado;
b) - Impugnaram os factos alegados na acção e requereram a condenação do autor como litigante de má fe;
3.ª - Requerimento este que provocou a resposta do recorrente que, por sua vez, requereu:
a) - a condenação dos réus como litigantes má fé por terem procurado alterar a verdade dos relevantes para a decisão da causa e de fazer do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de impedir a descoberta da verdade, através de excepções suscitadas ao longo do processo.
b) - vistas ao digno Ministério Público com a finalidade de instauração do competente procedimento criminal contra os réus e contra o seu advogado ainda,
c) - que fosse dado a à Ordem Advogados a conduta do senhor Advogado do réus, para efeitos de procedimento disciplinar.
4.ª - Depois de uma série de incidentes que se prendem com o facto dos réus não se deixarem ser notificados da renúncia do seu mandatário, foi proferida o despacho saneador, o objecto do presente recurso, que, “in limine”, os absolve do pedido depois de ter indeferido as excepções por eles sucitadas na sua contestação, atrás referidas.
5.ª - Em 16 de Maio de 2018 o MMº juiz do tribunal "a quo", proferiu o seguinte despacho:
A fim de tomar posição sobre as excepções invocadas nos autos, notifique o autor para, no prazo de dez dias, vir ao autos informar:
1.º se a sentença proferida no âmbito do proc. _____/__ já transitou em julgado;
2° se os factos objecto desta acção, designadamente os que constam dos arts, 7° a 9° da p.i., foram objecto de queixa crime por parte do autor e, em caso afirmativo, qual o estado de tais processos.
6.ª - Em 25 de Junho de 2018, o recorrente deu satisfação ao solicitado dizendo que "Em 20 de Abril de 2015, requereu efectivamente procedimento criminal contra os réus com base nos factos alegados nos artigos 7° a 9° da petição inicial, desconhecendo o autor o caminhamento que lhe foi dado."
7.ª - Para prova da afirmação acabada de referir fez juntar um documento que enumerou como n.º 1, que se dá aqui como inteiramente reproduzido.
8.ª - Através deste documento, subscrito pelo recorrente como advogado de JG, verifica-se que as insinuações feitas pelos réus, mereceram, sem mais nem menos, credibilidade da parte do digno magistrado Ministério Público, facto que o levou a promover:
a) - a remessa da cópia do referido requerimento à Ordem dos Advogados;
b) - a extração de certidão e remessa aos serviços do Ministério Público para eventual instauração de inquérito.
9.ª - Através do documento acabado referir, verifica-se facilmente que por causa das insinuações dos réus alegadas nos artigos 7° a 9° da petição inicial o Digno Ministério Público promoveu a instauração do processo disciplinar e criminal contra o recorrente que foi deferido pelo MMº Juiz de Direito, titular do processo, tudo na presença de inúmeras pessoas que se encontravam na sala da audiência para assistir o julgamento.
10.ª - Aliás, os réus foram absolvidos da acusação contra eles movidos no referido processo por força da dúvida que instalaram durante o seu julgamento que era o de saber se foram eles ou o assistente o autor das cartas anónimas.
11.ª - Não se pode deixar reconhecer, ao contrário do MMº Juiz do tribunal "a quo", que a conduta dos réus que suportam os factos alegados nos artigos 7° a 9°, tem efectivamente dignidade criminal e por esta razão devem os mesmos responder pelos danos causados, atento ao comando jurídico previsto no artigo 484.° do Código Civil.
12.ª - Quando se afirma no despacho recorrido "Entendemos que o regime previsto no art. 484.º do CC não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes são dirigidas", o MMº Juiz, objectiva e subjectivamente, acaba por igualmente ofender o recorrente.
13.ª - Quem sentiu a ofensa foi o recorrente e não o MMº Juiz que, em principio, não deixaria de se sentir igualmente ofendido caso a mesma lhe fosse dirigida em pleno uso das suas funções não mais nobres e dignas das do advogado, recorrente.
14.ª - O recorrente além de ter alegado factos que considera ofensivos à sua honra e o bom nome, ofereceu testemunhas para os provar, ou não, na audiência de julgamento que deve ser mandado realizar.
15.ª - Para o efeito, deve a decisão constante do despacho saneador ser revogada e ordenada a realização do julgamento nos autos, com todas as legais consequências.
16.ª - O recorrente, em suma pede e espera,
Justiça».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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III – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, isto é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, importa referir que:
- o vertido pelo apelante nos pontos 1.º a 10.º das conclusões acima transcritas em nada releva para a decisão do presente recurso;
- face ao exarado nos pontos 11.º, 14.º e 15.º daquelas conclusões, os únicos com relevo para a decisão do recurso, nesta apelação importa decidir se o saneador-sentença deve ser revogado e ordenado o prosseguimento do processo para que se apure se o vertido nos arts. 7.º e 8.º da petição inicial, a provar-se, causou ao autor danos de natureza patrimonial e não patrimonial pelos quais deve ser ressarcido pelos réus.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
Os factos relevantes para decisão do recurso são os que constam do relatório supra.
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3.2 – Enquadramento jurídico:
Nos termos do art. 483º, nº 1, do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
No desenvolvimento de um aspeto particular daquele preceito, estatui o art. 484º que «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados».
No art. 484º tem-se em vista a honra, bem jurídico que se encontra abrangido pela tutela geral da personalidade consagrada no art. 70º, nº 1, segundo o qual «a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral».
Trata-se da tutela geral dos direitos de personalidade, dos chamados direitos essenciais - direitos subjetivos absolutos cuja função é constituir o mínimo necessário e imprescindível ao conteúdo da personalidade e sem os quais os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo.
Conforme escreveu Rodrigues Bastos, «os direitos de personalidade têm por fim impor a todos os componentes da sociedade o dever negativo de se absterem de praticar actos que ofendam a personalidade alheia, sendo à doutrina e à jurisprudência que competirá definir os limites da sua defesa».
Para Carvalho Fernandes, «é nesta disposição consagrada uma cláusula geral de tutela da personalidade».
No mesmo sentido aponta Rabindranath Capelo de Sousa: «O vigente Código Civil português incorpora no art. 70º uma cláusula de tutela geral da personalidade, pela qual a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, tutela civil esta que se consubstancia (…) no direito de exigir do infractor responsabilidade civil nos termos dos arts. 483º e segs. do Código Civil (…)».
Segundo o mesmo Autor, «o nº 1 do art. 70º do Código Civil toma como bem jurídico, objeto de uma tutela geral, a “personalidade física ou moral”, dos “indivíduos”, isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem» .
Menezes Cordeiro, «o artigo 70º reconhece uma proteção geral à personalidade, isto é, ao conjunto dos bens de personalidade. Tecnicamente não podemos, daí, extrapolar um “direito geral”: teria um objeto indefinido, não se enquadrando na natureza específica que sempre acompanha qualquer direito subjetivo. Além disso e, sobretudo: é evidente que, perante esse teor geral e indefinido, não há lugar para uma aplicação pura e simples e comum do regime próprio dos direitos subjectivos.
O artigo 70º, enquanto regra geral de proteção, dá azo aos direitos de personalidade que correspondem aos bens necessariamente existentes. Temos, como exemplo, o direito à vida e o direito à honra: sempre presentes e capazes, pelo seu perfil, de abrangerem as mais diversas situações. Trata-se, porém, de figuras subsequentes ao artigo 70º.
(…).
Em suma: o artigo 70º dispensa uma tutela geral, podendo dar azo a diversos direitos subjectivos de personalidade, em sentido próprio: não há, neste domínio, qualquer tipicidade. Além disso, poderá haver uma proteção independente de quaisquer direitos subjectivos: através da norma de protecção, no sentido do art. 483º/1. Reduzir esse preceito a um simples direito subjectivo (ainda que “geral”, admitindo que isso conduza a uma fórmula dogmaticamente aproveitável) seria retirar-lhe eficácia no domínio da tutela da personalidade».
Estão em causa, como é bom de ver, os direitos do homem, os quais, ainda segundo Menezes Cordeiro, «traduzem prerrogativas próprias da cada ser humano e que o Direito não pode deixar de consignar».
Segundo o mesmo Autor, «os direitos fundamentais correspondem à justaposição, nas ordens internas do tipo continental, dos direitos do homem.
(…)
A Constituição portuguesa de 1976, aproveitando toda uma série de experiências anteriores e assente no nível elevado do constitucionalismo português, acolheu e desenvolveu a matéria da melhor forma.
(…)
A contraposição básica distingue, nos direitos fundamentais, os direitos subjectivos “proprio sensu” dos restantes. Apenas os primeiros são “direitos subjectivos”: os demais traduzem posições favoráveis que, por falta de especificidade do bem a que se reportem, se traduzem, no essencial, em permissões genéricas ou liberdades.
(…)
Segue-se a distinção entre direitos (fundamentais) privados e os públicos: os primeiros correspondem a regras materialmente civis ou privadas, isto é: a regras que, embora constitucionalizadas, se podem considerar como de direito privado, através dos critérios histórico-sistemáticos acima referenciados.
(…) os direitos fundamentais privados correspondem a direitos de personalidade quando se reportem a bens de personalidade. São eles:
- o direito à vida – 24º/1;
- o direito à integridade física e moral – 25º/1;
- os “direitos pessoais” referidos no artigo 26º/1;
- o direito à identidade pessoal;
- o direito ao desenvolvimento da personalidade;
- o direito à capacidade civil;
- o direito à cidadania;
- o direito ao bom nome e reputação;
- o direito à palavra;
- o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar;
- o direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação».
Pires de Lima e Antunes Varela destacam de entre os direitos de personalidade, além de outros, o direitos à vida, à integridade física, à honra, à saúde, ao bom nome, à intimidade, à inviolabilidade do domicilio e da correspondência, ao repouso essencial à existência.
Conforme refere Rabindranath Capelo de Sousa, «entre os bens mais preciosos da personalidade moral tutelada no art. 70º C.C. figura também a honra, enquanto projecção na consciência social do conjunto de valores pessoais de cada indivíduo, desde os emergentes da sua mera pertença ao género humano até aqueloutros que cada indivíduo vai adquirindo através do seu esforço pessoal», projeção essa que, «partindo do ser e do comportamento do indivíduo, alcança uma intelecção e uma atitude comportamental sociais de respeito, de apreço, por vezes objectivada».
Segundo o mesmo Autor, «a honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela Natureza igualmente a todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância e atributiva a todo o homem, para além das expressões essenciais, de uma honorabilidade média em todos os outros domínios, a não ser que os seus actos demonstrem o contrário. A honra em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses de apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político. Engloba ainda o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que prende ao trato social. (…).
Estes bens são tutelados juscivilisticamente impondo às demais pessoas, não fundamentalmente específicos deveres de acção, mas um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas, ou mesmo de ameaças de ofensas, à honra alheias, sob cominação das sanções previstas nos arts. 70º, nº 2 e 483º do Código Civil. Assim, a tutela civil da honra não se limita às áreas específicas da honra cuja ofensa é mais gritante, como acontece no direito penal, mas abrange a globalidade desse bem. Por outro lado, a protecção juscivilística da honra não se restringe, como no direito penal, ao sancionamento das condutas dolosas mas também alcança a defesa face a condutas meramente negligentes. Por último, no direito civil não há uma taxividade de modos típicos de violação do bem da honra, relevando todas as ofensas à honra não só em público mas também em privado, quer verbais quer por escrito, gestos, imagens ou outro meio de expressão, tanto as que envolvam a formulação de difamações ou outros juízos ofensivos como as que levantem meras suspeitas ou interrogações de per si lesivas e mesmo quaisquer outras manifestações de desprezo sobre a honra alheia. Tudo isto, porém, sem prejuízo de uma graduação da ofensa em função da particular importância da área violada do bem honra, do grau de intensidade do dolo ou da negligência e da especial expressividade do modo da violação. (…).
Dada a extensão geral da protecção juscivilística da honra, que em muito ultrapassa os circunscritos topos criminais, carece tal bem de uma adequada delimitação, no âmbito da unidade do sistema jurídico.
Desde logo e ao nível da explicitação da própria ilicitude juscivilística dos comportamentos ofensivos da honra, importa ter aqui presente, por um lado, a particular natureza de tal bem (não só em função do conteúdo e do sentido dos atrás referidos valores jurídicos pessoais reflectidos mas também face ao trânsito na sua projecção social de outros valores sociais, emergentes das necessidades da vida em comum e que delimitam a própria juridicidade civil do bem honra) e, por outro lado, a bem relevante distinção entre a imputação de factos e a manifestação de juízos referentes à personalidade alheia. Assim, sendo a honra, como vimos, uma projecção na consciência social de certos valores pessoais de cada indivíduo, compreende-se que não haja ofensa da mesma quando se afirmem ou divulguem factos verdadeiros e notórios, desde que tais manifestações não representem pela sua forma ou suas circunstâncias um autónomo desrespeito da honra alheia. Já porém a manifestação de juízos sobre acções e comportamentos de outrem, ou, sobretudo, sobre a sua personalidade, mesmo que assentem em factos verdadeiros e notórios, só será lícita no seu próprio conteúdo quando também não brigue com as regras correntes de adequação social, face à particular necessidade de aqui se defender a dignidade da pessoa humana, quaisquer que sejam os acidentes de percurso. Por outro lado, os actos atentatórios da honra, para além de terem de ser aferidos de um ponto de vista objectivo face a padrões de sensibilidade média de um “bonis pater familias” só revestirão o cunho de ofensa ou ameaça ilícita quando atinjam um mínimo de censura juscivlística. pelo que, não constituirão ofensas à honra, as manifestações de simples desavença pessoal, de antipatia e de descortesia, quando socialmente sejam tidas como produto de contradições normais nas relações humanas».
No dizer de Iolanda de Brito, a honra conhece diversas aceções que lhe são juridicamente reconhecidas. Assim:
· a Constituição tutela o «bom nome e reputação» (nº 1 do art. 26º);
· o Código Civil acolhe:
          - a «personalidade moral» (nº 1 do art. 70º);
          - a «honra, reputação ou simples decoro» (nº 3 do art. 79º), e
          - o «crédito ou o bom nome» (art. 484º);
· o Código Penal protege a «honra ou consideração» (arts. 180º e ss.).
A diferente terminologia não impede a apologia da valência jurídica geral da designação honra, amplamente considerada. Por isso, a expressão honra será aqui usada na sua conceção ampla, de forma a englobar as suas diversas compreensões jurídicas, na medida em que ela se nos antolha mais consentânea com a definição de um conceito jurídico geral e pretende demonstrar a existência de uma unidade de sentido de vários ramos do direito (tais como constitucional, civil e penal) na proteção de um mesmo bem jurídico, ainda que divirjam quanto ao âmbito, fim e intensidade dessa proteção.
O bem jurídico honra é, assim, tutelado constitucional, civil e penalmente.
A proteção constitucional encontra-se prevista no nº 1 do art. 26º da Lei Fundamental, sob a epígrafe «[o]utros direitos pessoais»: «[a] todos são reconhecidos os direitos (...) ao bom nome e reputação (...)».
O Código Civil consagra a sua tutela nos arts. 70º (tutela geral da personalidade) e 483º e seguintes, protegendo os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral, assegurando-lhe a possibilidade de requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, para evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida, e garantindo-lhe o recurso aos mecanismos da responsabilidade civil.
No Direito Civil, enquanto direito de personalidade, a honra concretiza-se na projeção da consciência social dos valores, inatos e adquiridos, inerentes a cada pessoa. Assim sendo, a tutela juscivilística da honra reflete também o valor essencial da dignidade da pessoa humana.
Em sentido amplo, o direito à honra comporta quatro vertentes:
- a honra propriamente dita, que se conexiona intrinsecamente com a dignidade humana, sendo inerente a cada pessoa humana;
- o bom nome e consideração, que se reporta ao prestígio social da pessoa, resultantes das suas características individuais, de natureza intelectual, profissional, política, familiar, etc.;
- o decoro, que se refere às características comportamentais de carácter social da pessoa;
- o crédito, que tem que ver com o prestígio sócio-económico da pessoa, relativo às suas qualidades e capacidades económico-financeiras.
A tutela juscivilística engloba todas as ofensas à honra, quer aquelas que ocorrem publicamente ou em privado, quer as verbais, escritas, gestuais ou por imagens, quer as imputações de factos, de juízos de valor e as meras suspeitas.
No que ao caso concreto diz respeito, à luz destes considerandos, parece evidente, salvo o devido respeito, que os dizeres transcritos:
- no art. 7.º da petição inicial – requerimento dirigido pela ré ao juiz titular do processo ali identificado:
a) - “Assunto: Requerimento para o Tribunal investigar os presumíveis autores da violação informática ao email e Facebook da arguida SCC e os autores dos anúncios no OLX, que poderão ser os presumíveis autores das ditas cartas, já que os fatos estão ligados temporalmente, ou seja vêm na sequência um do outro.
Exmo Senhor Juiz,
Eu, SCC, arguida no processo _____/__, venho pelo presente comunicar a V. Exa que, Em junho de 2010 apareceu o primeiro processo _____/__ com o Dr. CAB, assistente do ofendido sr. JG.
Processo esse que o Dr. CAB me acusava de ter invadido a sua residência, e que ficou provado em julgamento a minha inocência. Nesse mesmo processo em que Dr. CAB foi multado pelo tribunal.
Em Outubro desse ano surge o anúncio no OLX de conotação sexual com o meu telefone. (doc. n.º 1 em anexo)
No início do mês de Janeiro de 2012 surgem as referidas cartas que constam do processo do processo _____/__, das quais menciona a minha pessoa como tendo tido relações sexuais com o queixoso.
Durante o mês de Janeiro de 2012 aparece o mesmo tipo de anúncio de carácter sexual no OLX (doc2 em anexo) com o meu nº de telemóvel e do meu filho V.
Uns dias depois o meu e-mail é invadido e destroem tudo o que lá existia, bem como no Facebook alterando a minha foto de perfil, apagando todas as fotografias que dispunha no meu Facebook e escrevendo insultos sobre minha pessoa.
A 31 de Janeiro de 2012 o senhor JG coloca a mim e ao meu Marido o presente processo.
De acordo com estes factos venho requerer a V.exa. Para que o tribunal investigue quais os autores destes actos, já que poderão ser os mesmos autores das cartas.»
- no art. 9.º da petição inicial – requerimento dirigido pelo réu ao juiz titular do processo ali identificado:
 “Conheço o Dr CAB há nove anos, e desde 2010 foram construídos vários processos entre o condómino Dr. CAB com as várias administrações do condomínio e os restantes condóminos da qual eu faço parte. Processo dos quais passo a citar: _____/__;_____/__ e _____/__, dos quais constam danos e dívidas do condomínio o Dr. CAB. Mais acrescento que os únicos processos que tenho em tribunal são unicamente com o Dr. CAB ora como assistente ora como parte litigante.
Pelo presente, gostaria de ser esclarecida sobre a legalidade do Dr CAB neste processo como assistente, ou se existe violação ao código Deontológico»,
a provarem-se terem sido produzidos pelos réus nos termos ali referidos, não ofendem a honra ou a consideração do autor, quer enquanto advogado, quer enquanto cidadão.
Ainda que assim não fosse, e quanto aos alegados danos não patrimoniais, sempre haveria a considerar o seguinte:
Dispõe o art. 496º, nº 1, que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Antunes Varela identifica os danos não patrimoniais com os «prejuízos (como as dores físicas, os desgosto morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária».
O art. 496º, nº 1, do Cód. Civil, erigiu a gravidade do dano como única condição de ressarcibilidade.
A gravidade do dano não patrimonial mede-se, conforme é hoje unanimemente entendido, por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando-se fatores suscetíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada e aprecia-se em função da tutela do direito.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)» .
Antunes Varela afirma ainda que a gravidade do dano «apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado».
Assim, não relevam para efeitos de indemnização por danos de natureza não patrimonial os simples incómodos ou contrariedades.
Segundo Maria Manuel Veloso, «o recurso à gravidade do dano como critério delimitador franqueia a porta a uma ponderação baseada na dignidade, no valor intrínseco, do bem ou interesse jurídicos.
(...)
Cabe também indagar se existe uma componente subjectiva no apuramento da gravidade dos danos. A jurisprudência cita amiúde, como se de um refrão se tratasse, as seguintes palavras de Antunes Varela: "a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)". O critério é (e, na nossa opinião, não pode deixar de ser), no entanto, alvo de certa contemporização. A casuística relativa a danos causados por lesão dos direitos de personalidade e no âmbito das relações de vizinhança revela, pelo menos aqui, uma forte tendência para valorar o dano não patrimonial à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado. A doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais são tidas em conta, sem que paralelamente se forneça qualquer explicação para um tratamento de favor destes lesados. Poder-se-ia ser tentado a pensar que tal tratamento decorreria da "centralidade" do dano decorrente de lesões corporais e de lesões de direitos da personalidade. A prioridade concedida aos direitos de personalidade parece, no entanto deixar à margem, alguns desses direitos, precisamente o direito à integridade física. Ainda que, a título exemplificativo, exista um quadro subjectivo de dor mais intensa do que se poderia esperar face às lesões verificados, factor que é geralmente sublinhado na elaboração de um relatório pericial, onde é indicado qual o grau de dor a que corresponderiam grosso modo essas lesões, não é descabido pensar que o julgador se aterá a este último, preterindo o estado subjectivo relatado.
Inclinamo-nos a pensar que a mencionada diferença reflecte apenas o facto de ao existir uma maior margem de apreciação, por impossibilidade de recurso a factores objectivos (por exemplo, critérios médico-legais), o julgador sentir de uma forma mais premente a necessidade de chamar à colação todos os factores que compõem a imagem da lesão. Ora, nestes casos, não choca atender a especiais características do lesado. Parece-nos, aliás, que elas devem ser tidas em consideração, como regra geral. O que se pretende é afastar pretensões que converteriam meros incómodos, pequenas contrariedades, em danos juridicamente relevantes. Não pode a mera perspectiva do lesado, que compreensivelmente em muitos casos sobrevalorizará a sua lesão, prevalecer face a uma dose de objectividade (quiçá, mero bom senso), ainda que ao julgador se exija uma análise sobre as razões que podem ter levado o lesado a afastar-se do “attegiamento” tido como o sócio-culturalmente aceitável, em dado circunstancialismo sócio-temporal.
O dano não patrimonial grave “et pour cause” ressarcível mostra, cotejando com a outra categoria de dano, uma maior permeabilidade a factores subjectivos (perspectiva do lesado). Permeabilidade também, e mais visível, aos factores tempo e espaço, que interferem na definição da gravidade do dano.
É incontestável que o elemento tradicional do dano é um elemento em transformação podendo dar origem a um direito da responsabilidade muito diferente do direito com a configuração tradicional. Em Portugal, três factores relacionados com os danos não patrimoniais contribuíram para uma das vertentes dessa transformação que se traduziu na extensão progressiva da responsabilidade civil. Menezes Cordeiro refere a este propósito expressamente o afastamento da reparação simbólica e o aumento progressivo dos montantes de indemnização. (…).
O fenómeno da extensão não pode ser evocado para justificar o reconhecimento de qualquer dano, nem para manter, “ad perpetuam”, a ressarcibilidade de danos não patrimoniais que de acordo com a evolução sócio-cultural se apresentam desajustados. (…).
(…) não pode o reconhecimento da gravidade de um dano escudar-se na ideia de que a expansão da área dos danos não patrimoniais determina um aligeiramento dos critérios e, por conseguinte, um quase imediato reconhecimento. A tentação da ligeireza na apreciação desses pressupostos deve, outrossim, ser contrariada. Esta tarefa encontra-se, de todo o modo, hoje amplamente facilitada. O julgador, atendendo ao caso concreto, não deixará de recorrer a tipologias (mais ou menos consolidadas em termos doutrinais e jurisprudenciais) de danos não patrimoniais.
(…).
De entre os tipos mais salientes, destaque-se o dano moral em sentido próprio ou subjectivo, ou seja, a humilhação, a angústia, a vergonha, a ansiedade. Nele se inclui a própria dor, dor essa que no direito português abrange as duas componentes insertas no termo anglo-saxónico “pain anrl sufféring”. A dor física e o sofrimento moral são meras componentes do dano da dor e apesar de não existir regime diferente correspondente a essas duas componentes, propendemos para considerar que deve o julgador descrever a causa (dor, mera ansiedade, etc.) ou as formas de manifestação do dano moral».
Ora, ainda que os escritos contidos nos arts. 7.º e 9.º da petição inicial se afigurassem ofensivos da sua honra e consideração, e não afiguram, a verdade é que o autor não enunciou um único facto concreto suscetível de, uma vez provado, permitir concluir que, em consequência daqueles dizeres, apresentados sob a forma de requerimento num processo judicial, sofreu danos não patrimoniais, merecedores, pela sua gravidade, da tutela do direito.
Na verdade, limita-se a alegar o seguinte:
«Com vista à apreciação da extensão dos danos causados pelos Réus, refira-se que durante as sessões, a sala onde se realizaram as audiências de julgamento esteve prenhada de pessoas, homens mulheres e jovens muito novos, quase todas elas vítimas da carta anónima, para se inteirarem da verdade dos factos.
As tais cartas anónimas tiveram como efeito,
a) - a instalação da mais terrível das duvidas, senão a maior, entre os casais que, por razões meramente ligadas aos desportos praticados pelos filhos, se associaram uns aos outros,
ab) - que por sua vez deram origem a divórcio e separações de facto.
Os Réus serviram-se da audiência de julgamento como palco para desviar a culpa que lhes estava a ser averiguada e transferi-la para o Autor, com o maior sentimento de imunidade e de impunidade que sempre lhes assistiu.
Os Réus dão-se a conhecer como pessoas influentes, portadoras de um estatuto económico e social considerável, com réditos que lhes advém de imóveis dados de arrendamento e outros negócios.
Os Réus, durante anos, deram a conhecer a pessoas amigas que pertenciam ao seu círculo de amizades os factos atrás descritos e outros ofensivos a honra, consideração e o bom nome do Autor, como sendo verdadeiros e que este era portador de mau carácter, uma pessoa perigosa e que que se gaba sempre de ter uma arma de fogo consigo, por ser militar.
Ora,
O Autor é:
a) - um cidadão honrado, respeitado e respeitador;
b)- um advogado conceituado no desempenho da sua actividade;
c) - um militar muito sensível a questões de honra e dignidade e um acérrimo defensor dos valores que informam as nossas instituições que suportam a Nação.
ca) - como militar, foi merecedor de louvores tanto em teatros operacionais de combate, como em momentos de paz.
cb) - foi agraciado com a Cruz de Guerra e por Serviços Relevantes e Excepcionais Prestados à Pátria.
O Autor sofreu efetivamente danos morais, cujo ressarcimento, simbólico, não deve ser inferior a importância de 28.000,00 € (vinte e oito mil euros)».
Ora, nada disto configura sequer a alegação de danos não patrimoniais, quanto mais graves, merecedores da tutela do direito.
*
III – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pelo apelante – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.
Lisboa, 11 de julho de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara