Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4661/2006-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
CLÁUSULA
CONTRATO DE AGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- De acordo com o disposto no artigo 23º do Regulamento (CE) do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial o pacto atributivo de jurisdição abrange “ os litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica”
II- Foi estipulada entre a empresa portuguesa e a empresa italiana, no contrato de agência entre ambas firmado, cláusula atributiva de jurisdição segundo a qual “para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato será exclusivamente competente o foro de Verbania (Itália)”
III- Tal cláusula não é aplicável ao presente litígio, pois não está em causa qualquer controvérsia relativa ao contrato em questão, que se encontra findo, apenas subsistindo efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual como é o caso dos pedidos de indemnização fundados no facto de a ré ter feito cessar o contrato sem respeitar o prazo de pré-aviso e na perda de clientela
IV- Vale, assim, a regra constante do artigo 5.º,n.º1, alíneas a) e b) do Regulamento uma vez que se trata de matéria contratual e os serviços inerentes ao contrato de agência foram prestados, nos termos daquele contrato, em Portugal sendo que tal critério é sempre aplicável seja qual for a obrigação em litígio e ainda que o pedido incida sobre várias obrigações

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

Na […] Vara Cível da Comarca de Lisboa, L. […] S.A., propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A.[…] SPA, alegando que celebrou com a ré, em 2/12/97, um contrato de agência, que vigorou até 31/12/98, mas que se renovou anualmente, na falta de rescisão, que, no entanto, veio a ocorrer em 22/9/04, sem que a ré tenha respeitado a antecedência de três meses relativamente à renovação do contrato.
Mais alega que, com tal conduta, a ré causou grande prejuízo à autora, tanto a nível de danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, como a nível de danos não patrimoniais de imagem, devendo-lhe, deste modo, € 17.934,28 (construção de um corner), € 50.000,00 (produto modelo, inútil para venda), € 77.000,00 (publicidade autorizada e não recebida), € 125.158,19 (indemnização de clientela), € 130.000,00 (lucros cessantes) e € 100.000,00 (danos de imagem), o que perfaz o total de € 500.092,47.
Alega, ainda, que, devendo à ré o valor de € 200.127,23 de encomendas de produtos recebidos, fazendo-se a devida compensação, resulta um saldo favorável à autora de € 299.965,24.
Conclui, assim, que deve a acção ser julgada procedente e, em consequência, ser:
a) reconhecida a ilegalidade da denúncia contratual da ré;
b) a ré condenada a receber, a título de devolução, os produtos que a autora não conseguir vender por efeito da ilegal denúncia contratual;
c) condenada a ré a indemnizar a autora pelos prejuízos causados por via da denúncia da agência, sem observância de pré-aviso e perca de quota de mercado (lucros cessantes);
d) condenada a ré a indemnizar a autora por danos emergentes (corner ou «espaço dedicado», produto modelo, inútil para venda) e danos de imagem, que lhe foram provocados com a denúncia inadvertida do contrato;
e) condenada a ré a indemnizar a autora pela clientela angariada por esta no âmbito da agência;
f) condenada a ré a pagar à autora as despesas de publicidade por esta efectuada no âmbito da vigência do contrato de agência;
g) admitida a compensação de créditos da ré sobre a autora, cujo saldo será a liquidar em execução de sentença, com a liquidação efectiva de todos os valores em referência nas alíneas anteriores, a saber b) a g).
A ré contestou, por excepção, alegando que o Tribunal de Lisboa é, manifestamente, incompetente para julgar a presente questão, já que as partes decidiram, livre e conscientemente, na cláusula 28ª do contrato invocado, reservar exclusivamente à jurisdição italiana a competência para a dirimir, com atribuição exclusiva ao Tribunal da Comarca de Verbania, inserindo-se o caso no âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas, conforme o seu art.1º, pelo que, deve a ré ser absolvida da instância.
Contestou, ainda, por impugnação, alegando que a denúncia do contrato, com pré-aviso e justa causa, resulta dos graves incumprimentos do contrato pela autora, pelo que, carecem de fundamento os pedidos de indemnização de clientela e de ressarcimento dos prejuízos feitos pela autora.
Em sede de reconvenção, alega que aqueles incumprimentos lhe causaram prejuízos, que deverão ser reparados pela autora.
Conclui, deste modo, que deve ser absolvida dos pedidos formulados pela autora, devendo esta ser condenada a reconhecer que a denúncia do contrato de agência é legítima e eficaz, porque feita três meses antes da data do seu termo (31/12/2004) e por justa causa, ou, se assim não for entendido, a reconhecer que a resolução do referido contrato foi por justa causa imputável à autora, e, de todo o modo, a pagar à ré a dívida já reconhecida de € 200.127,23 e a indemnização para ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes, cuja liquidação remete para execução de sentença.
A autora replicou, alegando que a causa de pedir se prende com o incumprimento de um contrato totalmente executado em território português e que, encontrando-se a autora domiciliada em território nacional, é manifesta a dificuldade da sua deslocação ao estrangeiro para propositura e acompanhamento desta acção, o que confere competência ao presente Tribunal para o julgamento da causa, nos termos do disposto no art.65º, nº1, als.c) e d), do C.P.C..
Contestou, ainda, a autora o pedido reconvencional, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.
A ré treplicou, concluindo como já havia pedido na reconvenção.
Seguidamente, conheceu-se da excepção da incompetência do tribunal, tendo-se julgado procedente a excepção dilatória de incompetência relativa por preterição de pacto privativo de jurisdição, declarando-se a […] Vara incompetente para o presente pleito e absolvendo-se a ré da instância.
Inconformada, a autora interpôs recurso de agravo daquele despacho.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) A decisão recorrida não se debruçou sobre a questão colocada, nem conheceu dos óbices levantados pela Recorrente à procedência da excepção alegada pela Recorrida, como era seu dever, pois escudou-se no argumento literal do artigo do contrato que entendeu encerrar um pacto atributivo de competência, não sendo o mesmo elemento suficiente de facto para a decisão proferida.
B) Do ponto de vista do direito, foi pela decisão recorrida, em suma invocado o principio da autonomia da vontade das partes, no entanto, não foram convenientemente apreciadas todas as normas aplicáveis ao caso, bem como, não foram efectivamente especificados os fundamentos de facto que justificassem a decisão proferida, termos em que se verifica a nulidade da mesma prevista no artigo 668°, n.° l, alínea b).
C) A recorrente apresentou no caso concreto, manifesta impossibilidade de efectivar o seu direito, caso a acção tivesse de ser proposta fora de Portugal, uma vez que é em território nacional que o contrato devia ter sido cumprido, e efectivamente foi durante vários anos executado, ou seja, existe intima ligação dos factos à ordem jurídica portuguesa, o que tudo ponderado implicaria pelo menos uma enorme dificuldade quer à recorrente quer à recorrida, quer de alegação e prova dos factos, quer ao Tribunal Italiano capacidade para os decidir.
D) O próprio Tribunal Italiano não aceitaria julgar este caso, em função de ser confrontado com a necessidade de apreciar um contrato celebrado para vigorar noutro pais e onde se praticaram os factos que constituem causa de pedir na acção.
E) Não existe interesse sério de nenhuma das partes em que atribuir a competência aos Tribunais Italianos, o que existe de facto é, por um lado um capricho da Recorrida, ou seja uma vaidoso exercício do poder dominante que tem na relação jurídica com a Recorrente e que claramente se adivinha pela circunstância que cada uma tem na mesma, a saber, agente e agenciado, ou seja vendedor versus produtor e criador dos produtos.
F) Por outro, o que existe é uma inaceitável obstrução ao exercício dos direitos de defesa dos interesses legítimos da recorrente, na medida em que sabe a recorrida que à primeira é muito mais oneroso colocá-la em tribunal se o tiver de fazer em Itália, ou seja, muito provavelmente não o fará, o que justifica a colocação do pacto atributivo de competência no contrato, sendo compreensível a assinatura do mesmo, pois para a recorrente será uma oportunidade de trabalho ou nada.
G) Ou seja, não existe verdadeira autonomia de vontade das partes, na contratação do teor do artigo 28 do contrato em causa.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado
procedente por provado, na medida em que existiu clara
insuficiência da matéria de facto alegada, bem como claro
erro na interpretação e aplicação das normas ao caso concreto,
pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída
por outra que ordene a não verificação da excepção de
incompetência territorial do Tribunal a quo e ordene o
prosseguimento dos autos para conhecimento da questão de
mérito invocada.
2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1-Não existe no caso “sub judice” qualquer dúvida que nos encontramos perante um litígio privado internacional.
2-A ora agravante e agravada, decidiram livre e conscientemente no artigo 28 do contrato invocado reservar exclusivamente à jurisdição italiana a competência para dirimir a presente questão, com atribuição exclusiva, dentro da jurisdição italiana, ao Tribunal da Comarca de Verbania.
3-O pacto atributivo de jurisdição que está expresso no artigo 28 do contrato mostra-se celebrado com confirmação escrita por ambas as partes, de boa-fé e livremente, aliás, com aceitação expressa desse artigo 28.
4-O pacto atributivo de jurisdição estipulado pelas partes tem, pois, de considerar-se válido.
5-O nº 1 do artigo 23º do Regulamento 44/2001, a que corresponde o § 1º do artigo 17º da Convenção de Bruxelas, prevê que os pactos atributivos conferem competência exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.
6-Convencionada a competência pelas partes, é irrelevante que uma delas, contra a vontade da outra, venha, posteriormente, denunciar unilateralmente o estipulado.
7-É exclusiva, a competência resultante de pactos atributivos de jurisdição, previstos pelo artigo 23º, nº1, com as limitações do nº 3 e do nº 5, do Regulamento comunitário nº 44/01 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, a que corresponde o artigo 17º, 1º§, com as limitações do § 2º e do §4º, da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões, em matéria civil e comercial;
8- Ora sendo matéria contratual, como é, e como muito bem o qualificou o Mm Juiz da 1ª instância, ter-se-á de aplicar o estipulado pelas partes relativo ao pacto de jurisdição, constante do artigo 28 do contrato, em aplicação do artigo 1º (matéria civil e comercial) e artigo 23º (competência) do regulamento 44/2001.
9- A Directiva Comunitária 86/653 transposta obrigatoriamente para a nossa ordem jurídica pelo Decreto-Lei 118/93, de 13/04 e para a ordem jurídica Italiana tem por vista harmonizar o contrato de agência na União Europeia relativamente às relações – Direitos e Deveres - de agente e comitente, em pleno pé de igualdade, clarificando e uniformizando essas relações em toda a U.E.
10-Tal transposição implica igual tratamento em todos os Estados-Membros. E estes não tratam de forma mais ou menos vantajosa o agente, mas todos o tratam de igual forma, por imposição da Directiva (nos termos do artigo 249º do Tratado de Roma).
11-A Directiva e o Decreto-Lei que a transpõe não impõem qualquer norma relativa à escolha do foro, deixando à liberdade das partes tal escolha. E foi o que aconteceu no caso “sub judice”. As partes estipularam no artigo 28 do contrato que o Tribunal de Verbania-Itália seria o competente.
12-As Convenções Internacionais subscritas por Portugal, caso da Convenção de Bruxelas de 1968, têm valor superior ao das próprias leis nacionais.
13- O Regulamento Comunitário 44/2001, como todos os Regulamentos Comunitários, têm primazia sobre as Leis Nacionais.
14-O Regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, nos termos do artigo 249º do Tratado de Roma.
15-Ao decidir como decidiu a douta sentença de 1ª instância ora recorrida não violou nenhuma norma nem de índole adjectiva, nem substantiva, nem nacional, nem comunitária, ou internacional, não merecendo por isso qualquer tipo de censura, devendo manter-se inalterada aquela decisão.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V.Ex.as doutamente suprirão, deverá negar-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida, reconhecendo a incompetência absoluta do Tribunal da […] vara cível de Lisboa – 1ª secção em razão da nacionalidade para conhecer da presente acção, absolvendo a Ré da instância.
2.3. São as seguintes as questões que importa apreciar no presente recurso:
1ª - saber se a sentença recorrida é nula, nos termos da al.b), do nº1, do art.668º, do C.P.C., por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão;
2ª - saber se, no caso sub judice, o tribunal português é internacionalmente competente para conhecer da presente acção.
2.3.1. Na sentença recorrida considerou-se que se mostrava assente, porque admitido por ambas as partes, que estas celebraram o acordo escrito junto aos autos, e que o art.28º desse acordo tinha a seguinte redacção: «Para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato será exclusivamente competente o Foro de Verbania (Itália)». E foi com base na referida cláusula que, depois, se raciocinou e se concluiu, naquela sentença, pela incompetência do tribunal, por violação de pacto privativo de jurisdição, e, consequentemente, pela absolvição da ré da instância.
Conforme refere Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.V, pág.140, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade». Sendo que, falta absoluta de motivação implica ausência total de fundamentos de direito e de facto.
Ora, no caso dos autos, a sentença recorrida indicou o facto que o tribunal teve como provado e sobre o qual assentou a sua decisão. O que vale por dizer que especificou o respectivo fundamento de facto.
Haverá, deste modo, que concluir que a sentença recorrida não é nula, nos termos da al.b), do nº1, do art.668º, do C.P.C..
2.3.2. Quanto à 2ª questão, uma vez que já tivemos oportunidade de apreciar questão idêntica no âmbito da apelação nº3 929/05, nos termos constantes do acórdão de 8/11/05, entretanto publicado na CJ, Ano XXX, tomo V, págs.84 e segs., reproduziremos grande parte do que aí foi expendido, embora devidamente adaptado ao caso sub judice.
Assim, como é sabido, são vários os elementos determinativos da competência, em geral, dos tribunais, os quais são também chamados índices de competência e constam das várias normas que provêem a tal respeito. Conforme escreve Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, págs.90 e 91, para se decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção, seja quanto aos seus elementos objectivos, seja quanto aos seus elementos subjectivos. Que o mesmo é dizer, a competência determina-se pelo pedido do autor, sendo ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão daquele, compreendidos aí os respectivos fundamentos.
Competência internacional é a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. É no art.65º, do C.P.C., que se fixam os critérios legais da competência internacional dos tribunais portugueses, isto é, as circunstâncias de que depende o poder jurisdicional do Estado português em confronto com o dos Estados estrangeiros. Por seu turno, o art.65º-A define os casos em que a competência dos tribunais portugueses é exclusiva.
Note-se que, a partir de 1/7/92, data em que entrou em vigor na nossa ordem jurídica a Convenção de Bruxelas, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, de 27/9/68, cujo campo de aplicação espacial foi posteriormente alargado pela Convenção de Lugano, de 18/9/88, a qual vigora entre nós na versão que lhe é dada pela Convenção de San Sebastian, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa àquela Convenção, as normas do direito convencional recebidas no nosso ordenamento jurídico passaram a coexistir com as regras de direito processual civil internacional comum, passando o nosso sistema a revestir uma natureza dual (cfr. Moura Ramos, RLJ, Ano 130º, págs.162, 165 e 237).
Aliás, conforme refere este autor, loc.cit., págs.162 e 163, a entrada em vigor, em 1/1/97, da revisão do C.P.C., nomeadamente, em sede de competência internacional dos tribunais portugueses, deu ao legislador a oportunidade de introduzir um conjunto de alterações com o objectivo essencial de alinhar, tanto quanto possível, o nosso sistema de direito comum com o consagrado nas citadas Convenções de Bruxelas e de Lugano.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, in Comentário à Convenção de Bruxelas, Lisboa, 1994, pág.18, no seu específico âmbito de aplicação, aquela Convenção prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nos arts.65º, 65º-A, 99º e 1094º a 1102º, do C.P.C., pelo que, sempre que o caso concreto caiba no âmbito de aplicação da referida Convenção, as normas desta prevalecem sobre aquela regulamentação geral. Acrescentando aqueles autores que a vinculação do Estado português a essa Convenção decorre do regime definido no art.8º, nº2, da Constituição, a qual, no entender de Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 5ª ed., pág.913, parece ter aderido à tese da recepção automática do direito convencional constante de tratados ou acordos em que participe o Estado Português.
Entretanto, entrou em vigor, em 1/3/02, o Regulamento (CE) nº44/2001, do Conselho, de 22/12/2000, relativo, além do mais, à competência judiciária, substituindo, entre os Estados Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968, aplicando-se às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor, sendo obrigatório em todos os seus elementos e sendo directamente aplicável em todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia (arts.1º, 68º e 76º). Por conseguinte, o referido Regulamento é aplicável para aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalecendo as normas dele constantes sobre as normas de Direito Processual consagradas no Código de Processo Civil, não sendo aplicável a Convenção de Bruxelas, por ter sido substituída pelo Regulamento, nem tão pouco a Convenção de Lugano (cfr. o Acórdão do STJ, de 3/3/05, CJ, Ano XIII, tomo I, 114).
Daí que o DL nº38/2003, de 8/3, tenha dado nova redacção aos citados arts.65º e 65º-A, do C.P.C., acrescentando-lhes, logo no início de ambas as disposições, a expressão: «Sem prejuízo do que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais ... ».
Considerou-se, na decisão recorrida, que se está perante um pacto privativo de jurisdição, previsto no art.99º, do C.P.C., convencionado pelas partes na citada cláusula 28ª do contrato de agência, em que assenta a causa de pedir nos presentes autos, retirando desse modo a competência que aos tribunais portugueses adviria do art.65º, do C.P.C.. E porque se entendeu, naquela decisão, que se verificam todos os requisitos cumulativos previstos no nº3, daquele art.99º, concluiu-se que nada invalida aquele pacto e que, por isso, os tribunais portugueses são incompetentes para conhecer do pleito.
Vejamos.
A recorrente é uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal, e a recorrida é uma sociedade italiana, com sede em Itália.
Estamos perante um contrato de agência, celebrado em 02/12/97, sendo-lhe, pois, aplicável o regime jurídico daquele contrato, consagrado pelo DL nº178/86, de 3/7, com as modificações introduzidas pelo DL nº118/93, de 13/4, o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº86/653/CEE do Conselho, de 18/12/86, relativa à coordenação do direito dos Estados Membros sobre os agentes comerciais (cfr. o art.2º, do citado DL nº118/93). Isto é, perante um contrato em que uma das partes (o agente, no caso, a recorrente) se obriga a promover por conta de outra (o principal, no caso, a recorrida) a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes (cfr. o art.1º, do DL nº178/86, na redacção que lhe foi dada pelo art.1º, do DL nº118/93).
A recorrente invocou, na petição inicial, que, a parir de 02/12/97, colocou a sua especializada equipa de vendas em campo, fazendo irromper pelo mercado nacional os produtos da ré, auferindo actualmente uma comissão de 11% sobre todas as vendas. Alegou, também, que a recorrida denunciou o contrato sem respeitar o prazo de três meses de antecedência, pelo que, entende ter direito, por esse motivo, ao pagamento de determinadas quantias, e, ainda, a uma indemnização de clientela, que quantifica.
Assim, o litígio a que se reporta a acção em causa tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa e italiana, sendo que, estão ambas hierarquizadas ao ordenamento jurídico da União Europeia, de que Portugal e Itália fazem parte.
Para se determinar se o Regulamento nº44/2001 é aplicável na presente acção há que ter em consideração três aspectos (cfr. Dário Moura Vicente, no estudo «Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) nº44/2001», publicado na revista «Scientia Iuridica», nº293, págs.347 e segs., e, ainda, o citado Acórdão do STJ):
- o seu âmbito material de aplicação, que compreende, nos termos do seu art.1º, a «matéria civil e comercial», entendida esta à luz do que resulta dos objectivos e do sistema do próprio Regulamento, bem como dos princípios gerais decorrentes dos sistemas jurídicos nacionais;
- o seu âmbito de aplicação espacial, resultando do art.3º, nº1, que as regras de competência do Regulamento são aplicáveis, em princípio, quando o réu tenha domicílio (ou sede, ou administração central ou estabelecimento principal – cfr. o art.60º) no território de um Estado Membro;
- o seu âmbito temporal de aplicação, regulado no art.66º, que consagra o princípio geral da não retroactividade, por força do qual as regras do Regulamento apenas se aplicam às acções intentadas após a entrada em vigor do Regulamento, tendo essa entrada em vigor sido fixada para o dia 1/3/2002 (art.76º).
Ora, dúvidas não restam que a presente acção tem natureza comercial, atento o seu objecto, pois funda-se em responsabilidade advinda de um contrato especial de comércio, como é o contrato de agência. Por outro lado, foi demandada uma sociedade cuja sede se situa em Itália (Estado Membro). Por último, a acção foi instaurada em 24/01/2005. Consequentemente, o Regulamento nº44/2001 é aqui aplicável, para se aferir da competência internacional dos tribunais portugueses, pois que, de harmonia com a chamada primazia do direito comunitário em relação ao direito dos Estados Membros da União Europeia, as normas concernentes à competência judiciária integrantes daquele Regulamento prevalecem sobre as de idêntica natureza constantes do art.65º, do C.P.C. (cfr. os arts.3º, nº2, do Regulamento e 8º, nº3, da Constituição).
Trata-se, agora, da questão de saber se, face às regras aplicáveis ao caso, se verifica a incompetência absoluta, em razão da nacionalidade, da 11ª Vara Cível da Comarca de Lisboa para conhecer da acção aí instaurada pela ora recorrente. Importa, pois, analisar a questão à luz das disposições constantes do Regulamento, sendo que, se das mesmas – e só dessas – não resultar a competência internacional dos tribunais portugueses, mas dos tribunais de outro Estado Membro, será de concluir pela incompetência absoluta atrás referida.
O referido Regulamento estabelece, à semelhança do que se passa naquela Convenção, por um lado, a regra do domicílio como factor de conexão essencialmente relevante para determinação da competência internacional do tribunal, isto é, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (art.2º, nº1). E, por outro, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do capítulo II (art.3º, nº1). O que significa que a regra do domicílio não é absoluta, uma vez que há casos em que é possível instaurar a acção nos tribunais de Estado Membro diverso daquele onde o sujeito passivo tenha domicílio ou sede.
Para efeitos de aplicação do Regulamento, as sociedades comerciais, como é o caso da recorrente e da recorrida, têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal (art.60º, nº1). Aqui já existe uma diferença de vulto entre o Regulamento e a Convenção de Bruxelas, pois que, enquanto nesta, depois de se equiparar a sede ao domicílio, se remete a determinação da sede para a lei designada nos termos das normas de Direito Internacional Privado do Estado do foro (art.53º), naquele Regulamento consagra-se, no citado art.60º, nº1, uma definição autónoma do factor de competência em questão (cfr. Dário Moura Vicente, loc.cit., págs.360 e 361).
No que respeita aos referidos critérios especiais de determinação da competência jurisdicional (previstos nas secções 2 a 7 do capítulo II), releva, essencialmente, por um lado, o art.5º, nº1, al.a), do Regulamento, inserido na secção 2, segundo o qual uma pessoa com domicílio no território de um Estado Membro pode ser demandado noutro Estado Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão (na Convenção de Bruxelas dizia-se «a obrigação que serve de fundamento ao pedido»). E, por outro, a al.b), do mesmo nº1, do art.5º, segundo a qual, para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
Esta al.b), ao definir autonomamente o lugar de cumprimento da obrigação em questão, não só no caso da prestação de serviços, mas também no caso da venda de bens, que serão os contratos mais frequentes, trouxe uma inovação significativa, consagrando um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro (cfr. o Acórdão do STJ, de 3/3/05, CJ, Ano XIII, tomo I, 103). A propósito desta disposição refere-se na proposta que precedeu a adopção do Regulamento, apresentada pela Comissão: «Esta designação pragmática do local da execução, repousando num critério puramente factual, é sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio, incluindo quando esta obrigação consista no pagamento da contrapartida pecuniária do contrato. Aplica-se também quando o pedido incida sobre várias obrigações» (cfr. Documento 599PC038, referido por Dário Moura Vicente, loc.cit., pág.363, nota 36.).
No que concerne aos pactos atributivos de jurisdição, o Regulamento estabelece, no art.23º, inserido na secção 7, à semelhança do que acontecia na Convenção de Bruxelas (art.17º), uma regulamentação especial sobre a admissibilidade, a forma e os efeitos dos pactos de jurisdição, que prevalece sobre as regras do direito interno dos Estados Membros. O regime consagrado naquele art.23º é claramente mais liberal do que aquele que vigora actualmente no Direito português. Assim, permite-se nele que tais pactos sejam celebrados verbalmente, desde que com confirmação escrita, ou em conformidade com usos estabelecidos entre as partes ou observados no comércio internacional (als.a) a c), do nº1), enquanto que o art.99º, nº3, al.e), do C.P.C., exige que o pacto resulte de acordo escrito ou confirmado por escrito, considerando-se ainda reduzido a escrito, nos termos do nº4, do mesmo art.99º.
Acresce que o Regulamento não prevê qualquer controlo dos fundamentos da atribuição de competência ao tribunal escolhido, ao contrário do que resulta do art.99º, nº3, al.c), do C.P.C. (que exige que a eleição do foro seja justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra) e do art.19º, al.g), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL nº446/85, de 25/10 (perante o qual são proibidas as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem).
Por último, a eficácia dos pactos de jurisdição é também diferente, porquanto, no Regulamento, a competência do tribunal escolhido é exclusiva (art.23º, nº1), enquanto que, nos termos do art.99º, nº2, do C.P.C., ela presume-se alternativa em caso de dúvida. Isto é, por força do Regulamento, os pactos de jurisdição têm um efeito derrogatório da competência das demais jurisdições, ficando, assim, excluída a competência dos restantes tribunais. De tal modo que estes devem declarar-se, oficiosamente, incompetentes, nos termos do art.26º, nº1, se lhes for submetida acção compreendida no objecto do pacto de jurisdição e o réu não comparecer em juízo. Sendo que, as consequências da declaração de incompetência do tribunal são as fixadas no direito processual de cada Estado. Ou seja, no caso da ordem jurídica portuguesa, a incompetência por violação das regras do Regulamento é uma incompetência absoluta (art.101º, do C.P.C.) e determina, por isso, o indeferimento liminar da petição inicial (art.234º-A, nº1, do C.P.C.) ou a absolvição do réu da instância (arts.288º, nº1, al.a), 493º, nº2 e 494º, nº1, al.a), do C.P.C.).
Voltemos, agora, ao caso dos autos.
A aplicabilidade da regulamentação prevista no art.23º, nº1, do Regulamento, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos aí mencionados: pelo menos uma das partes (autora ou ré) deve encontrar-se sediada no território dos Estados Membros; o tribunal ou tribunais escolhidos devem situar-se no território de um desses Estados. Ora, no caso sub judice, quer a autora, quer a ré, estão sediadas em Estados Membros (Portugal e Itália) e o tribunal escolhido situa-se no território de um desses Estados (Itália).
Por outro lado, o pacto atributivo de jurisdição foi celebrado por escrito, já que, a cláusula respeitante à eleição do foro faz parte, juntamente com outras cláusulas contratuais, de um instrumento assinado pelas duas partes (cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, in Revista de Direito e Economia, Ano XIII, 1987, pág.222).
Exige-se, também, que o tribunal seja designado para decidir quaisquer litígios que possam surgir de uma determinada relação jurídica, visando-se, assim, impedir que as partes se comprometam de forma global para os litígios que possam ocorrer entre si, qualquer que seja a fonte e a natureza. No caso dos autos, o pacto diz respeito a «qualquer controvérsia relativa ao presente contrato»
Conforme já se referiu, a autora, ora recorrente, peticionou, por um lado, uma indemnização pelos danos causados pela falta de pré-aviso, alegando que a ré, ora recorrida, denunciou o contrato sem respeitar a antecedência mínima prevista (cfr. os arts.28º e 29º, do DL nº178/86, de 3/7). E, por outro lado, uma indemnização de clientela, que mais não é do que uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente (cfr. o art.33º, do citado DL).
A denúncia constitui uma forma de livremente fazer cessar a agência, não carecendo de ser motivada, e justifica-se como meio de pôr termo a uma vinculação indefinida dos contraentes, por isso que é privativa dos contratos celebrados por tempo indeterminado. A necessidade de pré-aviso destina-se a evitar rupturas bruscas, em prejuízo do outro contraente. Daí que, não sendo respeitados os prazos, o contraente que assim proceder deve indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso, tanto danos emergentes como lucros cessantes, mas sem que isso evite a extinção do contrato (cfr. o art.24º, al.c), do mesmo DL). Poder-se-á, pois, dizer que, na denúncia, não se indemniza porque o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas tão só porque não pré-avisou a contraparte a tempo.
Por seu turno, a indemnização de clientela pressupõe, nos termos da lei, a cessação do contrato.
Assim sendo, face ao alegado na petição, o contrato de agência teria cessado por denúncia, limitando-se a autora a formular pedido de indemnização em virtude de a denunciante ter feito cessar o contrato sem respeitar o prazo do pré-aviso. E como o direito à indemnização por clientela nasce, precisamente, com a cessação do contrato, formulou a autora, também, o respectivo pedido.
Constata-se, pois, que, atendendo aos termos em que foi posta a acção, o contrato estava findo, subsistindo apenas efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual. O que significa que o presente litígio não se refere a qualquer controvérsia relativa ao contrato em questão. Consequentemente, não lhe é aplicável o pacto de jurisdição invocado pela ré (neste sentido, e em caso semelhante, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 5/11/98, CJ, Ano VI, tomo III, 97).
É certo que a ré, na contestação, defende que resolveu o contrato, por falta de cumprimento das obrigações da outra parte, peticionando, em sede de reconvenção, uma indemnização pelos danos resultantes daquele não cumprimento (cfr. os arts.30º, 31º e 32º, do DL nº178/86, de 3/7). Aqui sim, estaríamos perante uma responsabilidade contratual. Só que, como já se referiu atrás, a competência determina-se pelo pedido do autor, tendo em conta os termos da sua pretensão, compreendendo os respectivos fundamentos. Aliás, nos termos do art.6º, nº3, do Regulamento, o tribunal da acção também é competente para as questões reconvencionais, se se tratar de um pedido reconvencional que derive do contrato ou do facto em que se fundamenta a acção principal e desde que o reconvindo tenha domicílio num Estado Membro. Circunstâncias estas que se verificam no caso dos autos. Ponto é que se apure qual é o tribunal competente para a acção principal, segundo as regras do Regulamento.
Ora, a nosso ver, resulta do disposto no citado art.5º, nº1, als.a) e b), que a ré, apesar de ter a sua sede no território de um Estado Membro (Itália), pode ser demandada noutro Estado Membro (Portugal), já que se trata de matéria contratual e foi neste último Estado que, nos termos do contrato, os serviços foram prestados. Note-se que, como já se acentuou, tal critério é sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio e ainda que o pedido incida sobre várias obrigações. Acresce que o contrato de agência, sendo um contrato de gestão de interesses alheios, é uma subespécie do contrato de prestação de serviço (cfr. Pinto Monteiro, in Contrato de Agência, Anotação, 3ª ed., pág.39, bem como, o Acórdão do STJ, de 4/10/01, Rev. nº2 406/01-7ª, Sumários, 54º).
Refira-se, ainda, que, nos termos do art.38º, do DL nº178/86, de 3/7, que instituiu o regime jurídico do contrato de agência, «Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente». Segundo Pinto Monteiro, ob.cit., pág.125, parece que uma correcta interpretação do referido artigo levará à conclusão de que esta norma também releva no plano da competência internacional e não apenas ao nível do direito de conflitos, na medida em que do mesmo parece resultar haver que provar que a jurisdição estrangeira, apurada nos termos gerais, irá aplicar um direito que obedece àquele requisito, isto é, ser mais vantajoso para o agente. Logo, não sendo feita essa prova, serão competentes os tribunais portugueses, pois ficou por demonstrar que o tribunal estrangeiro aplicaria legislação mais vantajosa para o agente. Acrescentando aquele autor que, «A não se entender assim, facilmente seria defraudada a intenção do legislador de tutelar o agente, no termo do contrato, caso este haja sido executado, exclusiva ou preponderantemente, em território português: bastaria às partes, a fim de contornar esta norma imperativa (art.38º), em vez de escolherem um direito material estrangeiro para disciplinar a cessação do contrato, escolherem uma jurisdição estrangeira que aplicasse esse direito, ainda que menos vantajoso para o agente». Ora, no caso dos autos, nem sequer vem alegado que a jurisdição italiana fosse aplicar uma legislação mais vantajosa para o agente. O que, também por esta via, implica a competência dos tribunais portugueses.
Assim, em conclusão, analisando a questão à luz das disposições constantes do Regulamento (CE) nº44/2001, do Conselho, de 22/12/2000, e do DL nº178/86, de 3/7, atrás citadas, resulta das mesmas que:
- o aludido Regulamento é aplicável para aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalecendo as normas dele constantes sobre as normas de Direito Processual consagradas no Código de Processo Civil, não sendo aplicável a Convenção de Bruxelas, por ter sido substituída pelo Regulamento, nem tão pouco a Convenção de Lugano;
- referindo-se, concretamente, o pacto de jurisdição a «qualquer controvérsia relativa ao presente contrato» e tendo a autora alegado, na petição, que o contrato de agência cessou por denúncia da ré, limitando-se aquela a formular pedido de indemnização em virtude de esta ter feito cessar o contrato sem respeitar o prazo do pré-aviso, bem como, pedido de indemnização de clientela, a conclusão a retirar é a de que não é aplicável ao presente litígio aquele pacto de jurisdição, pois que, não está em causa qualquer controvérsia relativa ao contrato em questão, que se encontra findo, apenas subsistindo efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual;
- a competência internacional do tribunal português resulta do disposto no art.5º, nº1, als.a) e b), do Regulamento, uma vez que se trata de matéria contratual e os serviços inerentes ao contrato de agência foram prestados, nos termos daquele contrato, em Portugal, sendo que, tal critério é sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio e ainda que o pedido incida sobre várias obrigações;
- nem sequer se alegando que a jurisdição italiana fosse aplicar uma legislação mais vantajosa para o agente, no caso, para a recorrente, a competência do tribunal português resulta, também, da norma imperativa constante do art.38º, do DL nº178/86, de 3/7.
Haverá, deste modo, que concluir que, no caso sub judice, o tribunal português é internacionalmente competente para conhecer da acção.
Verifica-se, pois, que o agravo procede, embora por razões jurídicas não coincidentes com as aduzidas pela agravante, nada impedindo, todavia, que assim seja, já que estamos perante matéria de direito e o juiz é soberano na órbita estritamente jurídica, movendo-se dentro dela com inteira liberdade (cfr.o art.664º, do C.P.C., bem como, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.200, nota 1 e o Acórdão do STJ, de 17/1/75, BMJ, 243º-210, aí citado).
3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, declarando-se competente para conhecer do objecto da acção a 11ª Vara Cível da Comarca de Lisboa.
Custas pela agravada.  

Lisboa, 24 de Outubro de 2006

(Roque Nogueira)
(Pimentel Marcos)
(Abrantes Geraldes- Vencido conforme declaração junta

Tendo sido integrada no contrato celebrado entre as partes uma cláusula atributiva de competência exclusiva a um tribunal italiano “ para qualquer controvérsia relativa ao presente contrato”, considerando os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes.
Os tribunais portugueses apenas seriam competentes se acaso pudesse assacar-se a tal cláusula o vício da nulidade, por violação das normas sobre cláusulas contratuais gerais, o que não decorre da mera alegação da A., integrada na réplica, quando alude às manifestas dificuldades inerentes à propositura de uma acção no estrangeiro.
Mantendo-se  a eficácia da referida cláusula, a mesma abarca o presente litígio que manifestamente está “ relacionado” com o contrato de concessão comercial
O facto de os pedidos de indemnização por danos patrimoniais serem formulados na sequência da extinção do contrato por denúncia da agravada não obsta à solução que defendemos pois que a causa de pedir ainda assenta fundamentalmente no referido contrato de concessão, tratando-se efectivamente de um litígio (controvérsia) ainda relacionado (relativo ao) com o mesmo contrato.
Trata-se , aliás, de uma solução que também foi assumida no Ac. do STJ de 16-2-06 (Rel. Pereira da Silva www.dgsi.pt), proferido no âmbito de um contrato que continha uma clausula de teor semelhante que atribuía a um tribunal suíço “ competência sobre qualquer controvérsia que resulte do presente contrato”.
Por conseguinte, votaria pela negação de provimento ao agravo.