Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9532/09.4YYLSB-A.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: . Nos termos do disposto nos arts. 814º, nº 1, al. g) e 816º do CPC, na redacção dada pelo DL. 226/2008 de 20.11, a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode ter por fundamento facto extintivo da obrigação exequenda, nos mesmos termos em que poderia ser invocado no processo de declaração, sendo uma das formas de extinção das obrigações que a lei contempla a compensação.

2. Para que haja lugar à compensação, exige o art. 847º do CC que se mostrem preenchidos determinados requisitos, entre os quais o de o crédito (do compensante) ser exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.

3. Em sede de oposição à execução, deve entender-se que o crédito não é exigível judicialmente se a própria existência do crédito estiver dependente de uma decisão que ainda não existe, como é o caso de um crédito indemnizatório por facto ilícito, cuja existência está dependente de decisão ou declaração que reconheça a existência de responsabilidade civil.

(Sumário da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

     Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que a Administração do Condomínio … intentou contra S, Lda., veio esta deduzir a presente oposição à execução, invocando a inexigibilidade da alegada dívida exequenda, paga por compensação, e a má fé da exequente, e terminou pedindo que fosse julgada extinta a execução, por procedência das excepções invocadas, e a exequente condenada nos termos do disposto no art. 456º do CPC.

      Recebida a oposição e notificada a exequente, contestou esta propugnando pela sua total improcedência.

Foi proferido despacho saneador no qual se conheceu de mérito e se julgou improcedente a oposição, determinando o prosseguimento da execução.

Não se conformando com a decisão, apelou a executada, formulando, a final, as seguintes (incorrectamente longas) conclusões, que se reproduzem:

A) Entende, a Apelante, não ter razão a juiz a quo, que julgou incorrectamente os factos face à prova documental e testemunhal carreada aos autos, errando, por conseguinte, na sua decisão tomada.

B) A douta decisão está inquinada por uma deficiente caracterização e percepção do que foi pedido na acção por parte da Mº. Juiz a quo.

C) Com todo o devido e firme respeito pelo Meritíssimo Magistrado que subscreveu a Sentença recorrida, afigura-se que foi desvalorizada quer a prova documental exibida pela Recorrente, quer ainda a confissão da Recorrida relativamente à posse e fruição de todas as montras propriedade da recorrente.

D) Nos termos do disposto no art. 662º n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, deve a Relação anular a decisão proferida na 1ª instancia, quando não constando do processo todos os elementos que, permitam as alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta,

E) Falha rotundamente a instância no que a este ponto tange, pois as regras da experiência que deveriam ter sido seguidas no processo decisório as da experiência comum, tomadas na perspectiva de um homem médio conforme é doutrinal e jurisprudencialmente considerado.

F) Os autos são de extrema simplicidade, porquanto apenas discutem o pagamento, ou o não pagamento do contra-crédito, por parte da recorrida/exequente à recorrente/executada, relativamente ao arrendamento das 16 montras propriedade da Apelante, das quais nunca apresentou contas.

G) A recorrente é uma sociedade comercial que adquiriu por compra em Jan/2008 às sociedades A, SA e I, Lda., a Loja nº 41 (Fracção “E-41”) com as montras nºs  3, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 21, da Galeria comercial … em Lisboa

H) A recorrida representa um centro comercial denominada “…”, sita na Av. …, nº …, em Lisboa, composta de 42 lojas comerciais (fracções “E-1” a “E-42”), apresentando permilagens diferentes, e por isso, representativas das suas quotas-permilagens correspondentes nos 195 votos globais, conforte exibe a Escritura de Propriedade Horizontal realizada em 23/02/1995 no Livro … do …º Cartório de Lisboa - (Doc. da pi.)

I) A recorrente logo que tomou posse do imóvel (Jan/2008), reuniu com a Administração/recorrida, representada na altura pelo administrador Dr. Vítor, a fim de:

a) colher toda a documentação inerente à Galeria Comercial;

b) reclamar a imediata entrega das 16 montras, que até então a recorrida se tinha apoderado e arrendado a terceiros/lojistas, colhendo destes todos os proventos;

J) Com a entrada da nova Administração eleita quatro meses depois, em Abril de 2008, os novos eleitos

- Francisco (administrador e lojista do condomínio);

- Gonçalo (administrador, representante de lojista/condómino, e advogado do condomínio/Galeria comercial)

- Pedro (administrador do condomínio, representante de lojista/condómino, e sócio do advogado-administrador do condomínio/ Galeria Comercial).  

fizeram orelhas moucas aos acordos formulados com a anterior Administração, e continuaram a fruir abusiva e integralmente as montras, desprezando por completo a proprietária aqui recorrente.

L) Em 2008/04/30 a recorrente dirigiu à recorrida uma carta com o pagamento do seu condomínio (€1.204,60 – Doc. 4 e 4/A da Oposição), embora reconhecendo-se credora dos proventos das 16 montras dos meses entretanto vencidos Janeiro/Fevereiro/Março e Abril/2008 recebidos pela recorrida.

M) Em 20/06/2008, a recorrente reforçou uma vez mais a sua exigência com nova carta à dirigida à recorrida - (Doc. 5 da Oposição), a pedir contas relativamente às mostras que se recusavam a entregar, e continuamente delas a receber os proventos dos lojistas da Galeria Comercial.

N) Perante o reiterado silêncio da recorrida, a recorrente suspendeu os pagamentos mensais relativos ao condomínio da Loja 41, até que lhes fossem prestadas contas, ao mesmo tempo que imputou à recorrida através de carta de 2008/10/20 - (Doc. 6 da Oposição) o valor correspondente às receitas relativas a 16 montras, que eles ininterrupta e abusivamente, vinham a explorar sem o consentimento da requerente (o seu legal proprietário).

O) Em Outubro de 2008, a recorrente teve conhecimento, que a nova Administração da Galeria Comercial …, tinha realizado em 13/10/20008 uma Assembleia Geral Extraordinária, sem que para o efeito tivesse cumprido os requisitos legais relativos à notificação dos condóminos, e por isso ilegal, com a finalidade única de formalizar e instrumentalizar uma “Acta destinada a constituir título executivo” conforme cópia que se juntou sob o Doc. 7 da Oposição.

P) A recorrente reagiu de imediato por carta registada em 2008/11/14, dando-lhe conta da nulidade de tal Acta e das irregularidade graves cometidas, solicitando uma vez mais, resposta às legitimas comunicações na sua qualidade de condómino (Loja 41) de Janeiro, Março, Abril, Julho e Outubro/2008 – (Doc. 8 da Oposição).

Q) Em 27/02/2007 a recorrente teve conhecimento da realização de assembleia geral de condóminos – (Doc. 9 da Oposição), sem que tivessem sido convocados os 42 Condóminos da Galeria comercial, irregulares perpetradas com especial agravante, pelo facto de um dos seus Administradores exercer advocacia (D…), e ser concomitantemente o Advogado da própria Exequente.

R) Em 23/02/2009, a recorrente dirigiu nova carta registada à recorrida - (Doc. 10 e 10/A da Oposição) comunicando-lhes, que não só deveriam convocar todos os Condóminos para a Assembleia geral de Condóminos nos imperativos termos da Lei - Artigo nº 1432º/1/2 do Código Civil -, como também não prescindia do exercício do seu direito de apreciação do relatório e contas da Administração relativas ao ano 2008 - (Doc. 11 da Oposição).

S) Que surtiu efeito, no respeitante à convocatória da Assembleia-geral de Condóminos, resolvendo a recorrida em 2009/02/27 cumprir a Lei, notificando todos os condóminos para a realização de uma Assembleia para a data de 2009/03/09 em 1ª convocatória, e para 2003/03/16 em 2ª convocatória, conforme cópia junta sob o Doc. 12 e 12/A da Oposição.

T) Por haverem indícios e suspeitas de outros comportamentos irregulares e desajustados por parte da recorrida desde a tomada de posse dessa sua nova Administração, a recorrente resolveu mandar fazer uma verificação às contas do Condomínio, que encomendaram ao Técnico Oficial de Contas (T.O.C. nº 84658).

U) E de facto, foram encontradas graves irregularidades conforme descreve o Relatório do T.O.C. de 2009/03/10 de 47 folhas – (Doc. 13 da Oposição), que claramente expressa nas suas conclusões – indícios de práticas de fraude fiscal, entre outros, o que deu causa a imediata denúncia junto ao Director Geral dos Impostos, através do seu mandatário sob registo e aviso de recepção em 2009/03/10 – (Doc. 14, 14/A e 14/B da Oposição), e de igual forma e denúncia ao Presidente do Instituto de Segurança Social – (Doc. 15, 15/A e 15/B da Oposição), para os devidos procedimentos legais.

V) Em 2009/03/10 a recorrente continuou a reclamar junto da recorrida a entrega das suas montras – (Doc. 16 da Oposição), bem como a prestação de contas de todos os valores recebidos, imputando-lhe o correspondente valor do arrendamento, de €80,00 a €100,00 a cada uma, que pese embora as diversas subsequentes insistências, nunca obteve resposta,

X) De igual modo foi pedida uma explicação à recorrida em 2009/04/15 para discriminação do valor atribuído do condomínio da loja nº 41 (€1.204,60), por pretenderem cobrar um valor muito superior ao devido - (DOC. 17 e 17/A da Oposição): Condomínio loja € 1.118,55 e Condomínio Sub Loja € 86,05 no TOTAL € 1.204,60, quando só têm legitimidade para cobrar o correspondente à fracção “E41” (€1.118,55) uma vez que a Sub-Loja (€86,05) não faz parte da propriedade horizontal da Galeria Comercial.

Y) Em 2009/03/16, dia da Assembleia-Geral de Condóminos, tendo como ordem de trabalhos “a apresentação e discussão e votação do relatório e contas de 2008”, foram as irregularidades publicamente denunciadas pela recorrente em plena assembleia, e por isso, tiveram como consequência A REPROVAÇÃO DAS CONTAS – (Doc. 18 e 19 da Oposição),

Z) Os comportamentos dos Administradores da recorrida para com a recorrente, têm-se caracterizado por ofensas directas e indirectas contra os seus representantes e sua loja, do conhecimento de todos os lojistas e colaboradores na Galeria Comercial, tendo a recorrente sido obrigada a intentar uma Queixa-Crime contra o Administrador da recorrida , que correu os seus trâmites pelo DIAP/Lisboa (Proc. nº …/09.7TDLSB-04 (Doc. 20 da Oposição), processo no qual foi acusado, pronunciado e condenado.      

AA) Em 2009/03/29, a recorrente notificou extrajudicialmente a requerida, de que a sua obrigação no pagamento mensal do condomínio, se mostrava compensada com a sua efectiva fruição mensal dos proventos das 16 monstras da sua exclusiva propriedade – (Doc. 21 e 21/A da Oposição), considerando-se ainda, que a compensação de tal montante, ficaria atribuída por defeito, denotando um directo prejuízo para a recorrente, em face do valor da cotação de mercado atribuída à exploração comercial das suas 16 montras, espalhadas por todos os corredores da Galeria Comercial …, no valor médio de €80,00 no arrendamento mensal de cada uma,

BB) Ou seja, € 80,00 cada uma X 16 montras = € 1.280,00, o que equivale a dizer, que a quantia exequenda se mostra integralmente contida nos valores previamente compensados, com os montantes de direito próprio da recorrente já recebidos pela recorrida.

CC) E por isso, integralmente paga, como ela própria confessa nos autos ter as montras na sua posse desde 1990… e delas ter arrecadado todos os proventos,

DD) Considerando-se o expediente da recorrida perante a factualidade relatada, uma utilização adjectiva abusiva em face das suas falsas afirmações contidas no requerimento executivo, desmentidas pela prova evidenciada, alterando conscientemente a verdade dos factos, que por ser censurável pelo Direito, peticionou a competente sanção com a aplicação de multa e de indemnização não inferior a € 5.000,00, nos termos do art. 542º do CPC.

EE) Da descrição factual e prova documental exibida nos autos pela recorrente, dúvidas não restam que esta efectivamente fez prova plena, que a recorrida utilizou abusivamente a fruição do seu património (16 montras comerciais espalhadas no interior de toda a Galeria Comercial), que desde sempre as arrendou aos lojistas a seu belo prazer, arrecadando exclusivamente para si os proventos de todas elas.

FF) Aliás a requerida confessou-o, dizendo nos autos, que tinha as montras na sua posse desde 1990 por acordo com a anterior proprietária.

GG) recorrente reclamou, os proventos de todas as montras logo que adquiriu a propriedade das mesmas (Jan/2008), e nunca a recorrida fazer as entregou ao dono, constituindo-se devedora desde então.

HH) Ora, dispõe o art. 798º do C.C. – “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que lhe der causa”, naturalmente imputável à recorrida em face da factualidade. Porém, das decorrentes conversações desde então, iniciadas em Jan/2008, ficaram por acertar devidamente os valores em causa – a pagar e a receber – sendo certo, que a receita da recorrente se considerou muito superior ao valor mensal do condomínio, a que recorrida pôs mão e se autoquitou como pretendeu.

II) Não se diga pois, da não existência de compensação de crédito, pois mostra-se demonstrado que a recorrida se autofinanciou com o dinheiro pertença da recorrente, não se podendo considerar aqui uma reconvenção (por inexistente nestes autos) como erradamente o pretende interpretar a douta sentença recorrida. O que existe sim, é um encontro de contas, e por isso designado de “compensação” entre o que a recorrente tem a pagar e o que tem a receber (sabendo-se que esses montantes há muito que se encontram por antecipação na esfera patrimonial da recorrida), e por isso, sem necessidade de uma outra sentença judicial que o reconheça em face da confissão da recorrida ínsita nos autos.

JJ) Em resumo, o montante invocado previamente e mensalmente recebido pela recorrida, nunca se poderá considerar um contra-crédito indemnizatório a necessitar de ser judicialmente reconhecido por sentença, porquanto se mostra sobejamente provado nos autos a sua existência, montante e propriedade.

LL) Qualquer decisão judicial é, enquanto acto do conhecimento humano, marcada por alguma subjectividade. Tratando-se, como se trata, de um processo de conhecimento o mesmo é necessariamente condicionado pela formação, experiência e convicções do sujeito, ou seja, de quem julga.

MM) Com todo o devido e firme respeito pelo Meritíssimo Magistrado que subscreveu a Sentença recorrida, afigura-se que foi desvalorizada quer a prova documental exibida pela Recorrente, quer ainda a confissão da Recorrida relativamente à posse e fruição de todas as montras propriedade da recorrente.

NN) Nos termos do disposto no art. 662º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada quando do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa e os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa que não possa ser destruída por outro meio de prova.

OO) Falha rotundamente a instância no que a este ponto tange.

PP) In hoc casu estamos perante uma decisão injusta já que resulta de uma notória e inapropriada valoração das provas e elementos constantes dos autos e uma fixação imprecisa dos factos relevantes à decisão por parte do julgador com uma deficiente aplicação do direito.

QQ) A Sentença recorrida violou, entre outros, o nº 5 do art. 607º do CPC que consagra o princípio da livre apreciação da prova segundo o qual a decisão do tribunal, em relação à prova produzida, é baseada na convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova e de acordo com as regras da experiência de vida que neste caso revestiriam as especificidades inerentes à factualidade do caso em apreço. Porém a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

RR) Nos termos do disposto no art. 662º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada quando do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa e os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa que não possa ser destruída por outro meio de prova.

SS) As regras da experiência que deveriam ter sido seguidas no processo decisório nunca de forma alguma poderiam ter fugido da experiência comum, tomadas na perspectiva de um homem médio conforme é doutrinal e jurisprudencialmente considerado, e que poderia ter resultado numa decisão consentânea com a verdade material.

TT) In hoc casu estamos perante uma decisão injusta já que resulta de uma notória e inapropriada valoração das provas e elementos constantes dos autos e uma fixação imprecisa dos factos relevantes à decisão por parte do julgador com uma deficiente aplicação do direito.

UU) A Sentença recorrida violou, entre outros, o nº 5 do art. 607º do CPC que consagra o princípio da livre apreciação da prova segundo o qual a decisão do tribunal, em relação à prova produzida, é baseada na convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova e de acordo com as regras da experiência de vida que neste caso revestiriam as especificidades inerentes à factualidade do caso em apreço. Porém a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

VV) Foi ainda violado o art. 662º nºs 1 e 2 do CPC em virtude de pela aplicação das regras de experiência comercial aplicáveis ao caso sub judice impunha-se uma alteração da matéria de facto provada. 

XX) Ora, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do disposto no art. 662º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

         Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por acórdão, que após alteração da decisão sobre a matéria de facto, ex vi do artº 662º do CPC, julgue procedente por provada a oposição à execução instaurada pela recorrente, com todas as legais consequências.

A exequente contra-alegou propugnando pela improcedência da apelação e manutenção da sentença recorrida.

                       

QUESTÕES A DECIDIR.

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1do CPC) as questões a decidir são:

a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

b) da compensação invocada.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

            O tribunal recorrido teve por assentes os seguintes factos:

1- O Condomínio da Galeria … sito na Av. …, nº …, em Lisboa intentou, em Maio de 2009, acção executiva para cobrança das dívidas ao condomínio por parte da executada S, Lda., pedindo o pagamento coercivo da quantia de € 9.066,57, alegando que a executada não paga as quotizações ao condomínio desde que adquiriu a respectiva fracção em 7.8.2008, à razão de € 1.118,55 mensais, num total de € 8.948,40, com referência a Março de 2009, apresentando como título executivo, uma acta de Assembleia de Condóminos, datada de 16.3.2009 e junta como doc. 2 com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

2- O Condomínio referido em 1- pediu a cumulação de execuções, em 6.7.2011 e em 9.12.2013, conforme requerimentos executivos juntos a fls.156 e segs. e 492 e segs. da execução, cujo teor se dá aqui por reproduzido, pedindo o pagamento coercivo dos valores de € 29.330,40 e de € 32.817,68, cumulações sucessivas essas admitidas por despachos de fls.179 e 508, pelo que a quantia exequenda cumulada com referência a Dez. 2013 ascende ao valor de € 68.007,84, referente às quotizações de Agosto de 2008 a Dez. 2013, à razão mensal de € 1.118,55 até Março de 2012 e de € 894,84 desde Abril de 2012.

3- Dou por reproduzido o teor da certidão do registo predial junta a fls.224 e segs. deste apenso.

            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

            Apesar das extensas conclusões de recurso (que são quase reprodução das alegações), a apelante mais não faz que reproduzir o que havia invocado no requerimento de oposição, praticamente ignorando os fundamentos da sentença recorrida.

           Nesta entendeu-se que a compensação de créditos invocada pela apelante na oposição não era admissível em processo de oposição à execução, uma vez que não se mostrava judicialmente exigível (requisito essencial para que pudesse ser invocada), porquanto “a opoente arroga-se o direito a um determinado crédito compensante, que nem sequer foi aceite pelo exequente, nem está a ser discutido em acção declarativa, devendo o mesmo ser tido como incerto, hipotético, insusceptível de realização coactiva e nessa medida não pode ser apresentado à compensação nesta sede executiva”. E ainda “que se optasse pelo entendimento minoritário do Tribunal da Relação de Lisboa, de acordo com o qual o “facto de o contra-crédito não estar judicialmente reconhecido e ter natureza controvertida não é, por regra, impedimento à admissibilidade da compensação creditória, em sede de oposição à execução, devendo ali o opoente provar a existência do seu invocado crédito e a sua exigibilidade”, o certo é que, no caso em apreço, está em causa um contra-crédito de natureza indemnizatória, por não ter sido cumprida a obrigação de entrega de determinadas montras adquiridas pela opoente. E, neste caso, mesmo tal orientação excepciona os créditos de natureza indemnizatória, emergentes de responsabilidade civil por ilícito extracontratual ou contratual”.

Ou seja, o tribunal recorrido entendeu que, face ao alegado e à resposta da exequente, a compensação de créditos alegada pela opoente não podia operar no âmbito da oposição à execução, motivo pelo qual, entendeu que o estado do processo permitia, na fase em causa (saneador) o conhecimento de mérito, não se pronunciando, pois, sobre a matéria de facto alegada para fundamentar a referida compensação.

Ora, analisando as conclusões do recurso, verifica-se que a apelante começa por se insurgir contra a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido, por a considerar insuficiente, pretendendo a sua reapreciação (embora tenha cumprido de uma forma pouco clara e deficiente o disposto no art. 640º do CPC [1]), com vista a ver dados como assentes todos os factos por si alegados no requerimento de oposição.

Mas tal reapreciação só faria sentido se se sufragasse entendimento diverso do perfilhado pelo tribunal recorrido, ou seja, de que a compensação de créditos invocada pode operar na oposição à execução [2],  o que não é o caso como adiante se explicará.

Em todo o caso sempre se dirá que, ao contrário do que pretende a apelante, a factualidade por si alegada no requerimento de oposição e que seria relevante [3] não se mostra na totalidade assente, uma vez que foi, em parte, impugnada, pelo que, ainda que se entendesse ser admissível operar a compensação no âmbito deste processo, teria o mesmo de prosseguir para produção de prova.

Vejamos pois.

            Nos termos do disposto nos arts. 814º, nº 1, al. g) e 816º do CPC, na redacção dada pelo DL. 226/2008 de 20.11, a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode ter por fundamento facto extintivo da obrigação exequenda, nos mesmos termos em que poderia ser invocado no processo de declaração.

Uma das formas de extinção das obrigações que a lei contempla é, precisamente, a compensação, estatuindo o art. 847º do CC que, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizarem as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.

A compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas, devedor na outra e o credor desta última, devedor na primeira.

É um encontro de contas que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos, nos dizeres de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e act., pág. 319, que acrescenta que se afigura equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respectivo crédito inteiramente satisfeito, caso se desse entretanto a insolvência da outra parte.

Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. II, 2ª ed. rev. e act., pág. 117, dizem-nos que “a compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa”.

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma parte à outra (art. 848º, nº 1 do CC), sendo ineficaz se feita sob condição ou a termo (nº 2 do mesmo artigo), consubstanciando, pois, um negócio jurídico unilateral, que tanto pode ser exercido extrajudicialmente como judicialmente, neste caso quer por via de acção, de reconvenção ou de defesa por excepção, conforme os casos [4].

Assim sendo, como direito potestativo extintivo que é, pode ser operada em sede de oposição à execução como facto extintivo da quantia exequenda, como excepção peremptória.

Para que haja lugar à compensação, exige o art. 847º do CC que se mostrem preenchidos determinados requisitos [5], entre os quais o de o crédito (do compensante) ser exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material – nº 1, al. a).

Como explica Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 168, “para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do nº 1 do artigo 847º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material. Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra. Esta a razão legal por que o declarante não pode livrar-se duma obrigação civil, invocando como compensação um crédito natural sobre o credor ou um crédito (civil) ainda não vencido. Tão pouco procederá para o efeito um crédito contra o qual o notificado possa e queira fundadamente invocar qualquer facto que, com base no direito substantivo, conduza à improcedência definitiva da pretensão do compensante (prescrição, nulidade ou anulabilidade, por ex.) ou impeça o tribunal de julgar logo a pretensão como procedente (v. g. excepção de não cumprimento do contrato, benefício de excussão, se o notificado for um simples fiador, etc.)”.

            Como se refere de forma clara e com abundante referência jurisprudencial no Ac. desta Relação de 15.12.2012, P. 3342/11.6YYLSB-D.L1-6, rel. Desemb. Vítor Amaral, in www.dgsi.pt, para o qual a sentença recorrida remete, “Quanto ao requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito (art.º 847.º, n.º 1, al. a), do CCiv), uma corrente jurisprudencial – … – defende que só é judicialmente exigível o crédito já reconhecido, cujo credor esteja em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução [6]. Em oposição a esta perspectiva, defende outra corrente jurisprudencial que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito”.

Propendemos a seguir esta segunda orientação, na esteira, aliás, do ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela acima reproduzido, afigurando-se-nos que o requisito da exigibilidade judicial do crédito não se reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contra-crédito esteja reconhecido pela contraparte, ou que seja susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento, podendo vir a ser declarado na própria oposição à execução.

Só assim não poderá ser se o crédito cuja compensação se pretende já estiver a ser discutido numa outra acção que se encontra pendente, ou se a própria existência do crédito estiver dependente de uma decisão que ainda não existe, como é o caso de um crédito indemnizatório por facto ilícito, cuja existência está dependente de decisão ou declaração que reconheça a existência de responsabilidade civil.

Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., pág. 136, “a necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta, por sua vez, a possibilidade de, em acção de condenação pendente, o demandado alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o demandante, com base em facto ilícito extracontratual a este imputado, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil do arguido. Embora a dívida retroaja neste caso os seus efeitos ao momento da prática do facto, ela não é obviamente exigível – enquanto não estiver reconhecida a sua existência”.

            Aproximando do caso em apreço, verifica-se que a apelante alegou no requerimento de oposição deter sobre a apelada um crédito relativo aos proventos resultantes do arrendamento das monstras nºs 3, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 21 da Galeria Comercial … [7], que adquiriu, por compra, em Janeiro de 2008 às sociedades A, SA e I, Lda., e que se encontram na posse da apelada, que se recusa a entregar-lhas, usufruindo-as ilicitamente, bem como se recusa a prestar-lhe contas dessa utilização, sendo este o crédito cuja compensação pretende fazer operar.

            A executada, para além de impugnar parte da factualidade alegada, impugna a data de aquisição pela apelante das montras em causa (arts. 26º a 32º da resp.), que todas as montras referidas estivessem na sua posse (art. 33º e 34º), e que se tenha recusado a entregá-las (arts. 35º a 43º), não reconhecendo o crédito invocado.

            Afigura-se-nos inquestionável que, como concluiu o tribunal recorrido, o crédito invocado assenta em responsabilidade extra-contratual da apelada, estando em causa a fixação de uma indemnização pela eventual utilização abusiva e recusa de entrega das montras ao seu legítimo titular, não estando, pois, em causa qualquer mera “prestação de contas” como pretende a apelante.

 Assim sendo, e face ao que supra se deixou escrito, bem entendeu o tribunal recorrido que a compensação de tal crédito não pode ser feita operar no âmbito do processo de oposição à execução, improcedendo manifestamente a oposição, e, necessariamente, a apelação, nenhum sentido fazendo, e como supra já se explicou, proceder à reapreciação da decisão sobre a factualidade provada.

            DECISÃO.

            Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.

                                                                       *

 Lisboa, 2014.09.16

(Cristina Coelho)

(Roque Nogueira)

(Pimentel Marcos)


[1] Que dispõe que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (sublinhado nosso).
[2] Questão que a apelante nem sequer aborda com vista a pôr em causa os argumentos apresentados na sentença recorrida.
[3] Tal como referiu o tribunal recorrido e refere a apelada, muita da factualidade alegada é irrelevante para a apreciação da questão concreta da compensação.
[4] Vem divergindo a doutrina e a jurisprudência sobre a questão de saber se a compensação deve ser invocada por via de reconvenção ou por via de excepção, como nos dão conta, entre outros, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., pág. 179 e ss.., Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. II, 2ª ed. rev. e act., pág. 121, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e act., págs. 1107 a 1109 e Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. 297 e ss..
[5] Para além do requisito da reciprocidade dos créditos, que resulta do corpo deste artigo.
[6] Como parece sufragar posição maioritária do STJ, segundo o Ac. do STJ de 14.03.2013, P. 4867/08.6TBOER-1.L1.S1, rel. Cons. Granja da Fonseca, in www.dgsi.pt, que a sentença recorrida também refere.
[7] Calculado por referência ao valor da cotação média de mercado atribuída à exploração comercial de montras.