Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30309/15.2TBLSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE TRANSPORTE
LEGITIMIDADE PASSIVA
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.No âmbito de um seguro facultativo, não pode ser posta em causa a legitimidade do segurado para ser demandado pelo lesado (art. 140 da LCS, a contrario).
II.E muito menos o pode ser, se a situação permite dúvida sobre o sujeito da obrigação de indemnizar e a autora fez um pedido subsidiário contra o segurado para a hipótese de improceder o pedido contra a seguradora (art. 39 do CPC).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Uma empresa de transportes demandou uma outra e a sua seguradora, por prejuízos decorrentes da execução do contrato de transporte. Pediu a condenação da seguradora e, subsidiariamente, para o caso de se considerar que o contrato de seguro não abrange os factos alegados, a condenação da transportadora. 

A empresa de transportes ré excepcionou a sua ilegitimidade: tendo celebrado um contrato de seguro que cobria a sua eventual responsabilidade civil por danos causados pelo transporte, como alegado pela autora, quem devia ser demandado devia ser exclusivamente a sua seguradora, e não também ela.

A seguradora não excepcionou qualquer ilegitimidade.

Por despacho de 15/03/2016, o tribunal recorrido disse: nos casos de seguro obrigatório de responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação automóvel, quando o pedido se contém nos limites do seguro obrigatório, só pode ser demandada a seguradora; logo, a transportadora é parte ilegítima; pelo que se absolve esta ré da instância.

A seguradora ré veio logo a seguir pedir a “reparação do agravo”: o despacho incorreu num lapso evidente: não há acidente de viação nem seguro obrigatório; há um seguro facultativo e danos eventualmente emergentes do transporte; e existe uma franquia pela qual sempre seria responsável a transportadora; tratando-se de um seguro facultativo é muito duvidosa a possibilidade de ela, seguradora, ser demandada directamente e desacompanhada da sua segurada (art. 140, n.ºs 1 e 2, da LCS) o que, mantendo-se a absolvição da instância da transportadora, pode conduzir à conclusão da preterição de litisconsórcio necessário passivo e consequentemente à absolvição da instância também da seguradora.

No que foi secundada pela autora que, entretanto,recorreu do despacho, no essencial pelas razões que foram sintetizadas no § que antecede, aditando-se que chamou ainda a atenção para o facto de que a norma do art. 64/1-a do DL 291/2007, de 21/08, implicitamente invocada pelo despacho recorrido, não tem aplicação ao caso dos autos.

A ré transportadora não contra-alegou.
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Questão que importa decidir: se a transportadora não devia ter sido absolvida da instância.
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É evidente o lapso em que incorreu o despacho recorrido.

Lapso que não podia ser corrigido da forma expedita proposta pela seguradora, secundada pela ré, já que o art. 616/2-a do CPC, que está na base do pretendido, só admite a reforma quando não seja possível recurso.
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Estamos no âmbito de um seguro facultativo por danos eventualmente decorrentes na execução de um contrato de transporte, e não perante um caso de responsabilidade civil decorrente da circulação de um veículo, que estivesse coberta por seguro obrigatório.

As normas a aplicar não são, por isso, as do art. 64 do DL 291/2007, mas sim, como disse a seguradora, as do art. 140 da LCS.

Decorre das normas deste artigo que, em princípio, quando se tem razão em pedir de alguém uma indemnização, é contra esse alguém que ela tem de ser pedida, mesmo que ele tenha voluntariamente celebrado um contrato de seguro para cobrir essa eventual indemnização. Em determinados casos, porém, ali previstos, o lesado pode demandar isolada ou conjuntamente, o segurador e este pode sempre intervir na acção(com mais desenvolvimentos, veja-se o ac. do TRP de 14/11/2013, 1394/13.3TBMAI-A.P1, e a doutrina e jurisprudência aí referidas).

Portanto, a legitimidade do segurado para ser demandado pelo lesado nunca pode ser posta em causa. O contrato de seguro pode-lhe dar a si, como terceiro, o direito de demandar apenas a seguradora do segurado, mas não lhe pode tirar o direito de demandar o segurado (art. 406/2 do CC: Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei).

Isto é suficiente para se ter que concluir que a transportadora é parte legítima.

O que se poderia discutir, em abstracto, era a legitimidade da seguradora, principalmente tendo-se dirigido o pedido principal apenas contra ela, mas, perante as várias possibilidades previstas no art. 140 da LCS e a posição que esta assumiu, não teria sentido discuti-lo.

Mas, para além do que se disse acima, a legitimidade do segurado decorreria, ainda, directa e expressamente, do art. 39 do CPC, como decorre do seguinte:
A situação que a autora configurou não lhe permite ter a certeza se vai conseguir provar factos que permitam a conclusão de que os danos estão cobertos pelo seguro; no caso de não o estarem, a indemnização deverá ser paga pela transportadora segurada (na versão da autora…). Por isso, a autora dirigiu um pedido principal contra a seguradora e um pedido subsidiário contra a transportadora. Está-se, assim, directamente no âmbito da previsão daquele artigo: “É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido […] contra réu diverso do que […] é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.”
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o despacho que absolveu a ré transportadora da instância, devendo, por isso, o processo prosseguir os seus normais trâmites com as duas rés.
Custas do recurso pela ré transportadora.


Lisboa, 16/11/2016


Pedro Martins
Lúcia Sousa
Magda Geraldes
Decisão Texto Integral: