Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27945/17.6T8LSB-A.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: PLANO INDIVIDUAL DE REFORMA
NATUREZA DOS CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Invoca a autora, no âmbito da presente acção, o direito a uma indemnização e a quantias decorrentes de um plano individual de reforma.
2- Tais créditos não emergem da relação contratual entre as partes, mas sim da situação de reforma por invalidez.
3- Não cumpre, por isso, aplicar o prazo de prescrição previsto no nº1 do art. 337º do CT.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- Relatório
AAA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “BBB”, alegando em síntese:
- O A. entrou ao serviço da R. ( …) em 02.12.2008;
- O A. é sócio do STAS- Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora;
- Em 24.01.2014 o A. passou à situação de reforma por invalidez, com um grau de incapacidade de 0,859;
- O A., à data da passagem à reforma por invalidez, tinha a categoria profissional de “ especialista operacional”;
- A relação jurídico-laboral entre a A. e a R. estava abrangida pelos Contratos Colectivos de Trabalho da Actividade Seguradora, publicados no BTE nº32, de 29.08.2008, BTE nº 29, de 08.08.2009 e BTE nº2, de 15.01.2012;
- Nos termos da cláusula 44ª, nº1 do CCT de 2012 ( Seguro de Vida) da Actividade Seguradora, “Os trabalhadores no ativo e na situação de pré- -reforma têm direito a um seguro de vida que garanta o pagamento de um capital em caso de morte ou de reforma por invalidez nos termos a seguir indicados e de acordo com o respetivo facto gerador (…)”;
- De acordo com a cláusula 48ª, nº1 do referido CCT : “Todos os trabalhadores no ativo em efetividade de funções, com contratos de trabalho por tempo indeterminado, beneficiarão de um plano individual de reforma, em caso de reforma por velhice ou por invalidez concedida pela Segurança Social, o qual substitui o sistema de pensões de reforma previsto no anterior contrato coletivo de trabalho”;
- Apesar de ter tido conhecimento da referida situação de passagem à reforma por invalidez, a R. não colocou à disposição do A. os montante respeitantes ao “seguro de vida” e ao “PIR”.
Conclui, pedindo que a R. seja condenada a :
- Reconhecer o direito do A. à aplicação do CCT de 2012 da Actividade Seguradora e alterações ocorridas em 08.12.2014 ( BTE nº 45), nomeadamente o seu direito à aplicação da alínea c) do nº1 da cláusula 44ª ( Seguro de Vida) e ainda o nº1 da cláusula 48ª ( Plano Individual de Reforma- PIR) e nº 1 e seguintes do Anexo V;
- A pagar ao A., a título de “Seguro de Vida”, a quantia de €50 000 ( cinquenta mil euros), a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;
- A pagar ao A., a título de “ Plano Individual de Reforma” a quantia de € 455,96 ( quatrocentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos).
A R. contestou, por impugnação e por excepção.
Em sede de excepção, invocou a prescrição ( ao abrigo do disposto no art. 337º do CT) e a revogação do contrato colectivo invocado na petição inicial pela convenção colectiva de trabalho celebrada entre “ Açoreana” e outras e o STAS, publicada no BTE nº 4/2016 ( que mereceu a adesão da R.).
A A. respondeu, pugnando pela improcedência das excepções.
Em 21.02.2018 foi proferido o seguinte despacho :
« Vem a R. invocar a prescrição dos créditos pretendidos na medida em que o contrato entre o A. e R. caducou em 24/1/2014, altura em que passou à situação de reforma por invalidez. E dado que os créditos peticionados são derivados de um contrato de trabalho, mesmo que por força dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, não se pode deixar de aplicar o prazo prescricional de um ano.
Vejamos.
O A. insurge-se contra o facto de à data da passagem à reforma a entidade empregadora não ter colocado à disposição nem o seguro de vida, nem o PIR (Plano Individual de reforma). E é nisto que se funda o seu crédito invocado. A jurisprudência tem sido pacifica no entendimento que o direito a pedir uma pensão de reforma, ou o complemento da mesma não tem prazo para ser intentado, senão o prazo prescricional do código civil.
E note-se que mesmo este, o que se cumpre observar é que o prazo é de cinco anos para considerar que não são devidas as pensões entretanto vencidas, mas nunca como prazo prescricional para intentar uma ação para peticionar o direito às mesmas.
Refere o STJ no seu acórdão de 25/6/2002, disponível em www.dgsi.pt que “a relação previdencial de reforma, existem duas espécies de direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo; a estas prestações periódicas, e aos respectivos juros legais, aplica-se o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310, alíneas d) e g), do Código Civil, aplicando-se ao direito unitário à pensão o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309 do mesmo Código”.
Na situação em apreço encontra-se algo análogo, e cremos que o crédito que emerge do pedido do A. não pode deixar de ser enquadrado nos mesmos termos, razão pela qual improcede a exceção invocada pela R..
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Não existem outras excepções ou questões prévias de que cumpra, neste momento, conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.»
A R. recorreu e formulou as seguintes conclusões:
A. O despacho saneador tem por efeito o suprimento das exceções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 61.º do CPT, contudo o Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre a exceção da prescrição do crédito do plano individual de reforma, sendo certo que omitiu a pronúncia da exceção do alegado direito de crédito do Recorrido ao seguro de vida, violando o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPT e, como tal, deve o despacho ser declarado nulo.
B. O entendimento do Tribunal a quo que assente na analogia com o Acórdão do Supremo Tribunal de justiça no Acórdão de 25.06.2002, processo n.º 02S882, não pode ser sufragado, uma vez que tem por base a atualização dos complementos de reforma e a relação previdencial, os quais têm uma natureza diferente do crédito decorrente do plano individual de reforma, previstos na Convenção Coletiva aplicável.
C. O crédito ao eventual plano de poupança reforma provém da relação contratual e do contrato celebrado, entre Recorrido e Recorrente, e, não propriamente, do facto do Autor fazer parte do sindicato outorgante da CCT ou de existir uma Portaria de Extensão aplicável a todas as empresas daquele sector.
D. De facto, a CCT foi substituída pela Convenção Coletiva de Trabalho entre a Açoreana e outras e o STAS, publicada no BTE n.º4/2016, com a qual a Recorrente celebrou um acordo de adesão. Pelo que, não pode o Autor vir reclamar um créditos que inexistentes (pois decorrem de uma CCT revogada), sob pena de se atribuir sobrevivência a uma Convenção Coletiva de Trabalho.
Nestes termos, e nos demais de direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, declarar nulo o despacho proferido e revogar parcialmente o Despacho Saneador.
A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1- No despacho saneador a Mmª Juíza do Tribunal a quo considera que  “A jurisprudência tem sido pacifica no entendimento que o direito a pedir uma pensão de reforma, ou o complemento da mesma não tem prazo para ser intentado, senão o prazo prescricional do código civil”.
2- Nos termos do CCT aplicável, o “Plano Individual de Reforma- PIR” respeita a um fundo de pensões, cujo o beneficiário poderá resgatar apenas no momento da sua passagem à reforma ( Clª 48ª, 49ª e Anexo V CCT 2012).
3- O nº 5 do Anexo V do CCT de 2012 determina que “Ao resgate aplicar-se-á o regime previsto no código do imposto sobre pessoas colectivas, nomeadamente no que respeita à conversão em renda vitalícia imediata mensal a favor e em nome do trabalhador de pelo menos dois terços do valor capitalizado.
4- O mesmo acontece ao “Seguro de Vida” do CCT de 2012 que apenas poderá ser resgatado a partir do momento em que o trabalhador se reforma ( seja por velhice, ou por invalidez).
5- Sendo o “PIR- Plano Individual de Reforma” e o “Seguro de Saúde” constantes no Contrato Colectivo de trabalho de 2012 da Actividade Seguradora, publicado no BTE nº2, de 15.01.2012, aos mesmos tem direito o Recorrido, por à data da reforma por invalidez, 24.01.2014, ser este o CCT aplicável.
6- O facto de existir uma convenção colectiva posterior ( ACT de 2016) à qual o Recorrente ( PSN) aderiu em 08.06.2016 ( adesão publicada no BTE nº 21) em nada influencia as questões em apreço, uma vez que ao Recorrido só poderá aplicar-se a convenção colectiva em vigor a partir de 2012 até à data da sua reforma.
7- O Recorrido, ao reformar-se em 24.01.2014, caducou o seu contrato de trabalho e não poderá, em momento algum, usufruir da nova convenção colectiva de trabalho.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso.
A Exmª juiz  a quoadmitiu o recurso e proferiu o seguinte despacho : « As excepções deduzidas, com exceção da prescrição já decidida, serão conhecidas em sede de sentença, pois prendem-se com o mérito da causa, e não com os pressupostos formais da ação, donde inexiste omissão de pronúncia.»
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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II- Importa solucionar as seguintes questões:
- Se a decisão recorrida padece do vício de nulidade;
- Se cumpre conhecer da invocada revogação do contrato colectivo de trabalho invocado na petição inicial;
- Se procede a excepção de prescrição.
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III- Apreciação
Vejamos, em primeiro lugar, se a decisão recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia ( art. 615º, nº,1, d) do CPC).
A recorrente refere que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à excepção de prescrição no que respeita ao seguro de vida.
Refere a decisão recorrida : «O A. insurge-se contra o facto de à data da passagem à reforma a entidade empregadora não ter colocado à disposição nem o seguro de vida, nem o PIR (Plano Individual de reforma). E é nisto que se funda o seu crédito invocado » ( sublinhado nosso).
Em sede de fundamentação, a decisão recorrida invocou o Acórdão do STJ, de 25/06/2002 e concluiu : « Na situação em apreço encontra-se algo análogo, e cremos que o crédito que emerge do pedido do A. não pode deixar de ser enquadrado nos mesmos termos, razão pela qual improcede a exceção invocada pela R.» ( sublinhado nosso).
Da análise da decisão recorrida resulta que a questão atinente aos indicados direitos de crédito foi abordada de forma unitária, mas não ocorreu omissão de pronúncia quanto à matéria que integrava a excepção de prescrição.
Improcede, desta forma, a arguição do vício de nulidade da decisão, com fundamento na omissão de pronúncia.
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Invoca ainda a recorrente que o contrato colectivo de trabalho invocado na petição inicial foi revogado.
Esta matéria não foi, contudo, objecto de apreciação na decisão recorrida e foi relegado o seu conhecimento para fase ulterior.
Não cumpre, por isso, conhecer da matéria atinente à revogação do contrato colectivo de trabalho após a situação de invalidez que determinou à passagem à reforma por parte do recorrido.
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No âmbito do presente recurso, importa apreciar a decisão recorrida que julgou improcedente a excepção de prescrição.
Os factos com interesse para a decisão são os supra relatados.
Invoca a recorrente o disposto no art. 337º, nº1 do Código do Trabalho que tem o seguinte teor : « O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho.»
Em sede de petição inicial é invocado o Contrato coletivo entre a APS - Associação Portuguesa de Seguradores e o STAS - Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Seguradora e outro ( BTE, nº2, de 15 de Janeiro de 2012).
Estabelece a Cláusula 44.ª :
Seguro de vida
1 - Os trabalhadores no ativo e na situação de pré- reforma têm direito a um seguro de vida que garanta o pagamento de um capital em caso de morte ou de reforma por invalidez nos termos a seguir indicados e de acordo com o respetivo facto gerador:
a) € 100 000 se resultar de acidente de trabalho ocorrido ao serviço da empresa, incluindo in itinere;
b) € 75 000 se resultar de outro tipo de acidente;
c) € 50 000 nos restantes casos.
2 - Os montantes das indemnizações obtidas por aplicação do previsto nos números anteriores serão reduzidos proporcionalmente no caso de trabalho a tempo parcial.
3 - A indemnização a que se refere os números anteriores será paga ao próprio trabalhador no caso de reforma por invalidez ou, em caso de morte, às pessoas que por ele forem designadas como beneficiárias. Na falta de beneficiários designados, de pré -morte destes, ou de morte simultânea, a respetiva indemnização será paga aos herdeiros legais do trabalhador.
4 - O seguro previsto nesta cláusula não prejudica outros benefícios existentes em cada uma das empresas, na parte que exceda as garantias aqui consignadas, sendo a sua absorção calculada de acordo com as bases técnicas do ramo a que os contratos respeitem.
A cláusula 48.ª do invocado contrato colectivo de trabalho estabelece:
Plano individual de reforma
 1- Todos os trabalhadores no ativo em efetividade de funções, com contratos de trabalho por tempo indeterminado, beneficiarão de um plano individual de reforma, em caso de reforma por velhice ou por invalidez concedida pela Segurança Social, o qual substitui o sistema de pensões de reforma previsto no anterior contrato coletivo de trabalho.
2 - O valor integralmente financiado das responsabilidades pelos serviços passados, calculado a 31 de dezembro de 2011, relativo às pensões de reforma por velhice devidas aos trabalhadores no ativo, admitidos até 22 de junho de 1995, que estavam abrangidos pelo disposto na cláusula 51.ª, n.º 4, do CCT, cujo texto consolidado foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 32, de 29 de agosto de 2008, será convertido em contas individuais desses trabalhadores, nos termos e de acordo com os critérios que estiverem previstos no respetivo fundo de pensões ou seguro de vida, integrando o respetivo plano individual de reforma.
3 - Por decisão do empregador, o regime previsto no número anterior é igualmente aplicável aos trabalhadores no ativo em efetividade de funções, admitidos depois de 22 de junho de 1995, que eventualmente beneficiassem do mesmo regime de pensões de reforma, aplicando -se nesse caso o disposto na alínea a) da cláusula 49.ª
4 - O plano individual de reforma fica sujeito ao disposto na cláusula seguinte e no anexo V deste CCT.

No âmbito do presente recurso não cumpre apreciar se o recorrido tem direito às quantias peticionadas, mas apenas se procede a excepção peremptória de prescrição.
Conforme refere o Acórdão do STJ de 25.06.2002- www.dgsi.pt ( referido na decisão recorrida) : « (…)  é entendimento jurisprudencial assente que a pensão de reforma é inaplicável o regime do artigo 38.° do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, contrariamente ao defendido pelo recorrente, que sustenta que o que está em causa é o incumprimento por parte da ré de normas contratuais. É que, embora o direito ao pagamento da pensão complementar de reforma derive de uma anterior relação de trabalho, tal direito desta se autonomiza, uma vez cessada tal relação, nascendo então uma nova relação jurídica, agora no âmbito da segurança social».
No caso vertente, estamos perante um plano individual de reforma que substituiu o sistema de pensões de reforma previsto no anterior contrato colectivo de trabalho.
A A. peticionou também o pagamento da quantia de €50 000, a título de seguro. Este montante indemnizatório é devido pela situação de reforma por invalidez.
Os indicados créditos não emergem do exercício da profissão e da execução do contrato de trabalho.
E também não emergem da violação ou cessação do contrato de trabalho.
A relação laboral entre as partes cessou por caducidade.
Os créditos invocados na petição inicial emergem da situação de reforma do recorrido e integram-se no âmbito da segurança social da empresas.
Entendemos, por isso, que não cumpre aplicar o disposto no nº1 do art. 337 do CT. e, consequentemente, deverá ser confirmada a decisão recorrida que julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
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IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.                  

Lisboa, 5 de Julho de 2018

Francisca  Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos