Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
89078/18.6YIPRT-A.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: INJUNÇÃO
TRANSACÇÃO COMERCIAL
FACTURA COMERCIAL
INEXISTENCIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.
II - No procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [Injunção] e nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs] com origem naquele procedimento, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido.
III – Tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art. 29.º], deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tal factura, e acompanhar o requerimento injuntivo, por se tratar da alegação de factos e de documento que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção, sob pena de se verificarem as excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio – artigos 2.º, n.º 4, 3.º, alíneas b), c) e d) e 5.º, n.ºs 1, alíneas a), e b) e 4, conjugados com o art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 169/98, de 1 de Set.] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção].
IV – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comportam o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
VI - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
VII - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
VIII- As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1.1. A [ Luís ..] , propôs providência de injunção, relativamente a obrigação que disse ser proveniente de transacção comercial, contra B […,  Lda. ] , pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 13.696,48, acrescida de 40,00€ a título de indemnização, nos termos do art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio e de juros de mora vencidos, no valor de 27,00€, e vincendos, até integral e efectivo pagamento.
Para o efeito, na exposição dos factos que fundamentam a pretensão, o Requerente, ora Recorrido, alegou:
“1. O Requerente dedica-se à actividade de Design e afins;
2. A Requerida solicitou ao Requerente um conjunto de serviços para o seu estabelecimento comercial de restauração […];
3. Em cumprimento do pedido efectuado pela ora Requerida, o Requerente forneceu os seguintes bens e serviços:
a. Logotipos = 2900,00€
b. Fardas: Criação/Artes Finais/Fichas Técnicas = 1600,00€
c. Fardas: Produção = 5652,00€
d. Ambientes: Design fachada = 1582,00€
e. Ambientes: Design interiores = 1202,00€
f. Pratos: Criação/Artes Finais/Fichas Técnicas = 600,00€
g. Ementas: 440,00€
h. Outras peças desenvolvidas = 850,00€ (oferta).
Total: 13.976,00€
4. No dia 11/07/2018 o ora Requerente emitiu o seu recibo verde n.º 117, com o valor base de honorários, no montante de 13.976,00€ (treze mil novecentos e setenta e seis euros), valor a que acresce IVA legal à taxa de 23%, no montante de 3214,48€ (três mil duzentos e catorze euros e quarenta e oito euros) e que é objecto de retenção de IRS na fonte no montante de 3.494,00€ (três mil quatrocentos e noventa e quatro euros).
5. O referido recibo verde foi enviado para a Requerida dia 13/07/2018 através de carta registada com A/R, com interpelação para pagamento.
6. O referido recibo verde foi recebido pela Requerida no dia 16/07/2018.
7. No passado dia 24/07/2018 a Requerida enviou carta ao Requerente informando que recusava efectuar o pagamento do citado recibo verde n.º 117, não restando alternativa senão o recurso ao presente procedimento.
8. O valor do recibo verde em dívida, com o montante base de 13.976,00€ (treze mil novecentos e setenta e seis euros), acrescido de IVA legal à taxa de 23%, no montante de 3214,48€ (três mil duzentos e catorze euros e quarenta e oito euros) e com retenção de IRS na fonte no montante de 3.494,00€ (três mil quatrocentos e noventa e quatro euros), perfaz um total líquido de 13.696,48€ (treze mil seiscentos e noventa e seis euros e quarenta e oito cêntimos).
9. A este montante acrescem juros de mora vencidos à taxa de juro comercial desde a data de vencimento do recibo verde até à data da entrada do presente procedimento de Injunção, que ascendem a 27,02€ e ainda nos juros vincendos à mesma taxa, até integral pagamento.
10. Para além dos montantes acima referidos, nos termos do disposto no DL 62/2013 a Requerida é ainda devedora ao Requerente, de uma indemnização de valor não inferior a 40,00€ (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, pelos custos administrativos internos de cobrança da presente dívida.
11. O montante actualmente em dívida ascende, pois a 13.763,50€ (treze mil setecentos e sessenta e três euros e cinquenta cêntimos), a que acresce ainda as custas do processo, incluindo as de parte, os juros compulsórios, procuradoria e tudo o mais legal.
12. Em caso de frustração da citação postal, indica-se para os devidos efeitos o Senhor Agente de Execução, DR. DAVID ….., possuidor da cédula profissional nº2748 (Lisboa), com domicílio profissional na Rua Braamcamp nº52, 5º 1250-051 Lisboa.”
1.2. A Ré deduziu oposição ao requerimento de injunção, o que determinou a distribuição do processado como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [AECOP], nos termos dos artigos 1º e segs, do regime anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, aplicável por remissão do art.º 10.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.
1.2.1. No articulado de oposição, a Ré contestou o requerimento de injunção, por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção.
Na defesa por excepção, arguiu: (i) a incompetência do Tribunal em razão da matéria, alegando que está em causa litígio atinente a um contrato de Design, prestação de serviços de natureza intelectual protegida por direitos de autor, artigo 2º nº 1, al. i) e pelo Código de Propriedade Industrial, que envolve direitos de propriedade intelectual, isto é, a transmissão de direitos de autor [utilização, modificação] sobre a criação que o Autor fez para a Ré, por encomenda desta, estando, por isso, a competência para o julgamento da causa atribuída ao Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos dos artigos 2.º e 25.º do CDADC, 64.º, 65.º, 96.º, alínea a) e 99.º do CPC e 111.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto; (ii) a ineptidão do requerimento injuntivo, invocando que o Autor intentou a Injunção tendo por base uma factura-recibo anulada por si e que, não obstante, sustentou a Injunção no envio, vencimento e não pagamento dessa factura-recibo anulada, pedindo juros de mora desde a data aposta em tal documento; (iii) a ilegitimidade da Requerida, nos termos do n.º 1 do art.º 33.º do CPC, na medida em que o contrato foi celebrado também com a Havaneza …, Lda. (cfr. Doc 1 e 2 e 8 e 10), sendo que o Autor intentou duas injunções ao mesmo tempo, alegando em cada Requerimento de injunção que o contrato, com ambas as partes foi celebrado na mesma data (cfr Doc 19); (iv) e a prescrição, nos termos do artigo 317.º, alínea c), do Código Civil, porquanto o contrato de criação e desenvolvimento de nova imagem para um estabelecimento comercial de Frangos no Churrasco, exploração e actividade a que se dedica a Havaneza, e para a Marisqueira …., exploração e actividade a que se dedica a Ré Fernandes …, Lda., foi celebrado entre Autor e Ré em finais de 2015 e não em 22.4.2016 como alega o Requerente/Autor. O A. indicou um preço de 3.000€ (+ IVA), para cada um dos estabelecimentos, sem apresentação de qualquer proposta escrita e acedeu à encomenda, fotografou os locais e fez o desenvolvimento. A R. liquidou em 28.12.2015 a factura que lhe foi apresentada para pagamento, tal como o fez a Havaneza [cfr. Doc. 1 e 2]. Foi ainda solicitado ao A. um trabalho adicional para a Marisqueira que foi o desenvolvimento e colocação de um painel, cujo pagamento a R. recusou e que, no seguimento de injunção, se encontra a aguardar Decisão da Relação de Lisboa, mostrando-se prestada caução no valor da condenação [cfr Doc 4]; (v) a excepção do não cumprimento do contrato/resolução do contrato porquanto o Autor recusou entregar à Ré os elementos constantes do desenvolvimento em suporte editável de forma a serem enviados para a Tipografia para impressão de toalhas, fardas, ementas e demais elementos, tendo-se limitado a entregar algumas fardas à Havaneza e à Marisqueira, as que entendeu, algumas ementas na Marisqueira, as que entendeu, e procedeu ao envio do logótipo para o fornecedor dos pratos da Marisqueira. Assim, no dia 22 de Maio de 2017, a Ré resolveu o contrato celebrado, solicitando a devolução das quantias pagas e informando que no dia 19 de Junho iriam proceder à remoção de todos os elementos colocados pelo A. na Marisqueira; (vi) e a compensação entre os créditos reclamados pelo Autor e o crédito da Ré, no valor de 3.690,00 €, correspondente ao valor que pagou pela concepção e entrega de elementos da sua nova imagem, uma vez que resolveu o contrato por incumprimento do Autor, que nada entregou.
Em sede de reconvenção, para o caso de se entender não ser admissível a compensação, pediu: (i) a condenação do Autor a pagar à Ré a quantia de 5.690,00 €, correspondente ao valor pago de 3.690,00 € no âmbito do contrato resolvido, acrescido de uma indemnização no valor de 2.000,00 € pelo prejuízo e dano causado ao seu estabelecimento que, no período aproximado de um ano, se viu impossibilitada de explorar a nova imagem que encomendou e pagou; (ii) a condenação do Autor como litigante de má-fé em valor não inferior a 5.000,00 €.
1.3. O Autor respondeu às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência, e defendeu a inadmissibilidade da reconvenção cuja factualidade impugnou. Juntou certidão judicial de decisão sobre competência do Tribunal.
1.4. Previamente à audiência de julgamento, em 05-12-2018, procedeu-se ao saneamento do processo [referência Citius 381599240], nos termos e com os fundamentos seguintes:
«Da reconvenção
Admitindo como pacífico, que a relação entre as partes é uma transacção comercial para efeitos do D.Lei n.º 62/2013 de 10.05. é com base no artigo 10º deste que o Autor deduz a acção sob a forma do procedimento injunção regulado nos artigos 6º e segs do procedimento em anexo ao D.Lei nº 269/98 de 01.09., sendo que no supracitado artigo 10º contempla-se a possibilidade de reconvenção, quando o valor do pedido seja superior a € 15.000,00, caso em que os autos seriam distribuídos como processo comum.
Desta forma, sendo o pedido injuntivo no valor de € 13.763,50, haverá, sem mais, que concluir pela inadmissibilidade da reconvenção.
Pelo exposto, não admito o pedido reconvencional.
Custas pela Ré.
                                        **
Fixo em € 13.763,50 0 valor da acção.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade e da hierarquia.
Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
Diz a Ré que o contrato ajuizado envolve direitos de propriedade intelectual, o que determina que o Tribunal competente é o da Propriedade Intelectual.
Não vislumbramos nem no requerimento injuntivo nem na oposição, que a questão a dirimir nestes autos, envolva a titularidade/exercício de direitos de propriedade intelectual relativamente aos bens e serviços alegadamente fornecidos pelo Autor á Ré, e nesta medida falece a argumentação da incompetência, em razão da matéria, deste Juízo Local Cível de Lisboa, para o seu conhecimento.
Pelo exposto julgo este Tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento do objecto dos autos.
                                        **
O Tribunal é competente em razão do território.
                                       **
Da ineptidão da petição inicial
Alega a Ré que havendo sido anulada a factura referente ao crédito reclamado, então não há fundamento para a acção, e nessa medida o requerimento injuntivo é inepto.
O Autor explicita os termos e razões em que anulou a factura ajuizada, mantendo que a dívida reclamada persiste.
Sem grandes desenvolvimentos, o tratamento documental, contabilístico, do crédito ajuizado pode ter diversas consequências, mormente quanto à exigibilidade, vencimento da prestação, mas em circunstância alguma faz desaparecer o alegado fornecimento de bens e serviços fundamento, em que o ora Autor estrutura a sua pretensão, sendo que a Ré bem entendeu os factos constitutivos do direito invocado pelo Autor, ainda que para rejeitar que não houvesse pago o que devia, e deste modo não descortinamos, nem falta, insuficiência ou contradição no requerimento inicial, que determinasse a falta do pressuposto processual que a Ré neste ponto arguiu.
Pelo exposto, julgo que o requerimento injuntivo não é inepto.
                                              **
As partes têm capacidade judiciária, e o Autor é parte legítima.

Da ilegitimidade da Ré
A Ré excepcionou a sua ilegitimidade, enquanto o contrato fundamento desta acção foi também outorgado por outra sociedade (Havaneza …,Lda), que justifica por esta e a Ré terem a mesma gestão.
O Autor confirmou o relacionamento em simultâneo com a Ré e a Havaneza …, mas assinalou serem contratos distintos enquanto diferentes são os serviços a prestar e os benificiários, rejeitando a necessidade da intervenção da segunda nesta acção, e consequentemente a sua ilegitimidade.
Como decorre do disposto no artigo 30º C.P. Civil, o critério regra de aferição da legitimidade processual, é a titularidade de posições como o Autor a perspectiva, e tanto basta para concluir que no caso face ao alegado pelo Autor, na relação em crise são partes apenas ele e a Ré, e deste modo esta é parte legítima.
Pelo exposto, julgo a Ré parte legítima.
                                          **
Da prescrição do crédito do Autor
A Ré excepcionou a prescrição do crédito do Autor invocando o disposto no artigo 317º c) Civil, dizendo que o contrato entre as partes foi celebrado em finais de 2015, não em 22.04.16 como diz o Autor, para partir daqui considerar completado quando foi proposta a injunção (Julho 2018), o prazo de prescrição de dois anos constante do referido normativo.
O Autor rejeita o excepcionado, na parte em que o seu crédito se constituiu antes de decorrido o prazo de dois anos em causa, sendo que em qualquer caso a prescrição em causa não tem natureza extintiva, tão só presuntiva.
Sobre a questão em análise, diremos em primeiro lugar que a natureza da prescrição, como nota o Autor não é extintiva mas presuntiva, já que com o instituto se pretende inverter o ónus da prova de pagamento dos serviços e fornecimentos em causa, dos consumidores (não comerciantes) beneficiários daqueles para os prestadores, o que vale por dizer que a previsão legal referida não é aplicável ao caso dos autos, relação constituída entre dois comerciantes, com a consequência de indeferimento da dita prescrição.
Pelo exposto, indefiro a prescrição presuntiva com base no artigo 317º c) C. Civil do crédito do Autor.
                                                ***
1.5. Inconformada, apelou a Ré para esta Relação, extraindo das alegações de recurso as seguintes Conclusões:
«I. Vem o presente Recurso interposto do Despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, nos termos em que tal havia sido suscitado pelo Recorrente, tendo o Tribunal a quo interpretado mal o artigo 111º nº 1 al. a) da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto, bem como os artigos 64º, 65º, 96º al. a) e 99º, todos, do CPC.
II. A que acresce, um conjunto de outras decisões interlocutórias, com deficiente fundamentação que, por se entender serem prejudiciais ao apuramento da competência e ser inútil conduzir o processo até ao fim sem a sua reapreciação, se suscitam desde já, entendendo-se assim ter errado também o Tribunal a quo quanto à apreciação feita da ineptidão da petição inicial e inexistência de causa de pedir, admissibilidade da reconvenção, ilegitimidade e prescrição.
III. Isto, sem embargo de, entendendo-se não ser este o momento próprio, se considerar desde já interposto o recurso nos termos e para os efeitos do artigo 644º nº 3 e n.º 4 do CPC.
IV. Com efeito, nos presentes autos está em causa litígio atinente a contrato que envolve direitos de Propriedade Intelectual, sendo o competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do artigo 111º nº 1 al. a) da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, cuja apreciação fundamentada foi omitida pelo Tribunal a quo, o que determina a nulidade do Despacho de que se recorre nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC.
V. Desde logo, na oposição é manifesto que a Ré, aqui recorrente, suscitou a excepção de não cumprimento do contrato, decorrente de não lhe terem sido entregues os suportes das criações, o que impediu o uso das criações, o que o Autor, aqui recorrido, sustentou apenas fazer a final, após lhe serem pagos os direitos de autor, ou seja nunca lhe tendo sido transferida a propriedade intelectual (no seu conteúdo patrimonial ou moral) das obras, permitindo a sua utilização e edição.
VI. A isto acresce que da factura (a que poderia sustentar a competência e que foi anulada como resulta dos documentos 17 e 18 juntos com a oposição, a que iremos mais adiante) consta a indicação “Actividade de DESIGN” e atente-se que o A. Intentou uma injunção (como resulta do Requerimento de Injunção) onde  fez constar da mesma que se dedica à actividade de Design e do descritivo de serviços: Logotipos, criação, artes finais – Serviços de Design, tudo além do que confessa quanto à utilização de imagem no artigo 56 do seu Requerimento de aperfeiçoamento do pedido.
VII. Ora os serviços de Design onde estão previstos? Exactamente no Código de Direitos de Autor artigos 2º e 25º, sendo o competente o Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do artigo 111º nº 1 al. a) da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto.
VIII. Depois, parece entender o Tribunal a quo que os contratos de prestação de serviços são todos de competência material da Jurisdição comum cível. Ou seja, se de um contrato de prestação de serviços de transporte marítimo se tratar, o tribunal competente não será o Tribunal Marítimo mas o Tribunal Comum.
IX. Poderia de facto ser assim, mas não é porque o legislador assim não entendeu, tendo criado Tribunais de Competência especializada para matérias especializadas. Como é o caso do Tribunal de Propriedade Intelectual que é o tribunal Competente para dirimir o litígio em apreciação nos autos.
X. Mais mostra-se junta a apresentação que o A. entregou ao R. para sustentar o serviço prestado, resultando de tal anexo ao documento 7, última página (15 de 15): “a presente proposta inclui propriedade intelectual, não podendo ser reproduzido ou utilizado para outros fins sem a nossa autorização prévia. (Dec.-Lei 63/85 de 14 de março)”.
XI. Resultando ainda claro dos documentos juntos pela R. com a sua oposição, que são comunicações trocadas entre as partes que está em causa nos autos a transmissão dos direitos de autor (utilização, modificação) da criação que o A. fez para o R. sob encomenda deste.
XII. Entender diferente, como se pretende fazer, se pode servir para admitir que uma factura que envolve direitos de autor seja submetida a uma injunção, tal como uma de cabotagem, não pode permitir esvaziar a norma do referido artigo 111º que é aquilo a que conduz a interpretação feita na Decisão recorrida e que só pode contrariar o pretendido pelo Legislador. Em suma, ainda que admitida a injunção, a competência a indicar pelo Requerente no requerimento de injunção e a decidir pelo Tribunal, em caso de oposição, só pode ser, no caso, a do Tribunal de Propriedade Intelectual.
XIII. Sendo a obra produzida uma obra por encomenda, que encontra um regime muito especial e específico, exactamente no código dos direitos de autor, daí decorre de quem são os direitos sobre a obra feita por encomenda e, se o contrato foi ou não cumprido de forma a se poder exigir qualquer pagamento.
XIV. O recorrido intenta Injunção tendo por base uma factura, que depois anula, desaparecendo a factura, mas mantendo-se a competência para discutir o que, a final, passou a ser uma acção declarativa de condenação em pagamento de criações de autor feitas por encomenda e não entregues (transferidas no seu conteúdo).Está descoberta a forma de defraudar a lei, processual e fiscal, fraude esta que o tribunal a quo, com o entendimento feito, acaba por, mal, acolher. Motivo pelo qual, mal andou o Tribunal a quo ao julgar-se competente violando o disposto nos artigos 111º nº 1 al. a) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, os artigos 2º e 25º do CDADC bem como os artigos 64º, 65º, 96º al. a) e 99º todos do CPC.
XV. Mais grave ainda e porque é matéria que se relaciona com a competência, como veremos, concluiu o Tribunal a quo a respeito da ineptidão do Requerimento de Injunção e inexistência da causa de pedir que o sustenta que: “O Autor explicita os termos e razões em que anulou a factura ajuizada, mantendo que a dívida reclamada persiste” dizendo mais ainda que “o tratamento documental, contabilístico do crédito ajuizado pode ter diversas consequências, mormente quanto à exigibilidade, vencimento da prestação, mas em circunstância alguma faz desaparecer o alegado fornecimento de bens e serviços…”
XVI. Ora não se conforma a Recorrente com esta Decisão uma vez que, como resulta dos autos: No dia 12 de Julho de 2018 o A. facturou e enviou à R. a factura-recibo nº 117 que sustenta a presente injunção (como resulta do requerimento inicial), cfr. Doc 15.Que a devolveu uma vez que já tinha liquidado todos os serviços solicitados, cfr. Doc 16 que aqui se dá por reproduzido. No dia 26.7.2018 o A. anulou a referida factura recibo, facto que foi notificado à R. para todos os devidos e legais efeitos, cfr. Doc. 17.No dia 30.7.2018 o A. intentou a presente injunção para cobrança da factura-recibo anulada, sustentando-se no seu envio, vencimento e não pagamento desde a data do referido recibo e desde essa data pedindo juros de mora.
XVII. Motivo pelo qual, tendo sido anulada a factura dada a esta injunção, inexiste a factura que sustenta a injunção e que consta expressamente indicada no formulário, inexiste aquela obrigação e a mesma não pode estar vencida, inexistindo causa de pedir.
Entender de forma diferente é colidir de frente com o disposto no anexo ao D.L. n.º 269/98 que no nº 3 do artigo 10º do seu anexo afirma, de forma clara, não ser possível alterar os elementos e pedidos formulados no procedimento de injunção, mal tendo andado o Tribunal a quo na interpretação feita desta disposição.
XVIII. O que tem muito relevo nos presentes autos pois, anulada a factura o A. terá de intentar uma acção declarativa no Tribunal da Propriedade Intelectual que, por sua vez, já admitirá sempre uma reconvenção, sendo manifesto que não se pode permitir emitir factura, sustentar injunção com a mesma, de seguida anular a factura e manterem-se os autos, para mais, no âmbito da competência declarativa específica, agilizada, criada para cobrança de facturas.
XIX. Ora a injunção foi intentada nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que na definição de montante devido, alínea h) refere «Montante devido», o montante em dívida que deveria ter sido pago no prazo indicado no contrato ou na lei, incluindo taxas, direitos ou encargos aplicáveis que constam da fatura. Como tal, inexistindo factura, por anulação, impossível se torna recorrer ao referido regime para intentar injunção (cfr Artigo 10.º, Procedimentos especiais 1 – O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida).
XX. Mal tendo andado o Tribunal a quo na interpretação deste conjunto de normas, neste mesmo sentido, o AC TRE, in www.dgsi.pt
XXI. Mal andou também o Tribunal a quo ao julgar inadmissível a Reconvenção, prosseguindo no exacto sentido que o Requerente pretendeu alcançar com a injunção de uma factura anulada. Com efeito, contrariamente ao decidido, a dedução da reconvenção determina que o valor da mesma seja acrescido ao do Autor, admitindo-se a mesma, razão pela qual se indicou na oposição o valor de 15.763,50 €.
XXII. Aliás é o próprio Tribunal a quo que afirma que: “é com base no artigo 10º deste que o Autor deduz a acção sob a forma do procedimento injunção regulado nos artigos 6º e segs do procedimento em anexo ao D.Lei nº 269/98 de 01.09., sendo que no supracitado artigo 10º contempla-se a possibilidade de reconvenção, quando o valor do pedido seja superior a € 15.000,00, caso em que os autos seriam distribuídos como processo comum.”
XXIII. Não tendo o Tribunal a quo somado ao valor dos autos o valor da Reconvenção, tal como indicado pelo Recorrente no final da sua oposição quando indicou o valor acrescido e em conformidade liquidou a taxa, neste sentido o AC. do STJ de 6.6.2017, disponível em www.dgsi.pt:
XXIV. Com o devido respeito, errou também o Tribunal a quo quanto ao conhecimento da prescrição, o que fez com fundamento em que a prescrição prevista na alínea c) do artigo 317º apenas se aplica entre comerciantes e consumidores e não entre dois comerciantes. Ora a excepção da alínea c) não exige que apenas uma das partes seja comerciante, antes se reporta a serviços de profissionais liberais (como os Advogados ou Designers) prestados a qualquer entidade, tal como o Autor que é Designer (profissional liberal como resulta das facturas recibo juntas).
XXV. Motivo pelo qual a excepção deve ser admitida e considerando que o Autor, após receber carta dizendo que os serviços estavam pagos, procedeu à sua anulação, deve ser declarada a prescrição, uma vez que o A. reconheceu o pagamento e a prescrição ao proceder à anulação da factura.
XXVI. Por fim, mal andou o Tribunal recorrido ao decidir pela não verificação da excepção de ilegitimidade, tendo por base apenas o alegado pelo Requerente no Requerimento de Injunção. Não pode tal decisão descurar a própria relação material tal como a mesma resulta da posição assumida pelo próprio Requerente. E, como é bom de ver, todas as comunicações trocadas entre as partes o foram dirigidas pelo Requerente a duas empresas e não apenas a uma, como resulta dos documentos juntos com a oposição. No Documento 7 é o Requerente que afirma que prestou serviços de criação para a Marisqueira e Churrasqueira e do documento 8 e 10 (todos juntos com a oposição) resulta que o Requerente sempre se dirigiu às duas empresas contratantes.
XXVII. Motivo pelo qual mal andou o Tribunal a quo ao não analisar os documentos juntos, dos quais resulta ser a Recorrente parte ilegítima, sem a intervenção da outra contratante, nos termos do artigo 33º nº 1 e nº 2 do CPC.
Termos em que deve ser Revogado o Despacho proferido, substituindo-se por outro que declare a Incompetência absoluta do Tribunal a quo, ordenando a absolvição da Instância da R., assim não se entendendo deve ser revogada a decisão proferida, admitindo-se a Reconvenção e sendo julgada procedente a invocada ineptidão da petição inicial e inexistência de causa de pedir, bem como as excepções de ilegitimidade e prescrição, devendo sempre esta última, pelo menos, ser admitida para decisão final.»
1.6. O Autor não apresentou contra-alegações.
1.8. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - Objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil [CPC], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando esta Relação adstrita à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso (art.º 130º do CPC). Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
No caso, atendendo às conclusões do recurso interposto pela Ré, impõe-se conhecer, sucessivamente e com excepção das que ficarem prejudicadas pela solução dada a uma outra, das seguintes questões:
1.ª - Saber se a decisão que apreciou a excepção de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal a quo, padece de nulidade, por omissão de pronúncia [art.º 615.º, n.º 1, alínea d)];
2.ª Saber se a competência para tramitar e julgar a presente acção está atribuída ao Tribunal da Propriedade Intelectual;
3.ª - Da ineptidão da petição inicial;
4.ª - Da admissibilidade da reconvenção;
5.ª - Da ilegitimidade da Ré, por violação de litisconsórcio necessário;
6.ª - Da prescrição do crédito invocado pelo Autor.

III – Fundamentação
A) Motivação de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede e ainda os seguintes que se mostram admitidos por acordo e prova documental não impugnada [art.º 574.º, n.º 2, do CPC]:
1) No dia 11 de Julho de 2018, o Autor facturou e enviou à Ré a Factura-Recibo n.º 117, no valor de 13.696,48€ [IVA incluído, no valor de 3.214,48€] – cfr. Doc. 15 da Oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2) Em 24 de Julho de 2018, a Ré devolveu ao Autor a referida Factura-Recibo n.º 117, dizendo que já se encontravam pagos todos os valores devidos àquele – cfr. Doc. 16 da Oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3) O Autor anulou no Portal das Finanças a Factura-Recibo n.º 117, de 11-07-2018, facto que foi notificado à Ré pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 26-07-2018 - cfr. Doc. 17 da Oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
B) Motivação de Direito
1 - Primeira questão:
Insurge-se a Ré, aqui Recorrente, contra a decisão em crise, que julgou improcedente a excepção de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal a quo, arguida na oposição, por considerar tal decisão ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na medida em que nela não se fez uma apreciação fundamentada da natureza do litígio em causa, atinente a contrato que envolve direitos de propriedade intelectual, sendo competente para o mesmo o Tribunal da Propriedade Intelectual.
No despacho em crise, que julgou improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria invocada pela Ré, alinharam-se os seguintes fundamentos:
«Diz a Ré que o contrato ajuizado envolve direitos de propriedade intelectual, o que determina que o Tribunal competente é o da Propriedade Intelectual.
Não vislumbramos nem no requerimento injuntivo nem na oposição, que a questão a dirimir nestes autos, envolva a titularidade/exercício de direitos de propriedade intelectual relativamente aos bens e serviços alegadamente fornecidos pelo Autor á Ré, e nesta medida falece a argumentação da incompetência, em razão da matéria, deste Juízo Local Cível de Lisboa, para o seu conhecimento
O artigo 615º do CPC, com o proémio «Causas de nulidade da sentença», dispõe:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607 n.ºs 3 e 4, do CPC, para que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários, cabendo-lhe nessa tarefa analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convenção.
A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que  devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigos 615º, n.º 1, alínea d), do CPC).
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do art.º 608.º, do mesmo diploma legal, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Ora, como bem refere a Recorrente no seu discurso recursivo, o Tribunal a quo omitiu por completo qualquer análise dos diversos pontos de facto e de direito alegados pela Ré-Recorrente, na Oposição e pelo Autor-Recorrido no requerimento de Injunção, pese embora tais questões de facto e de direito tenham sido submetidas à sua apreciação e se revelem essenciais para a decisão da excepção dilatória em causa, por se mostrarem relevantes para aferir da (in)competência do tribunal a quo para apreciar e julgar o litígio em causa.
Tal omissão configura a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), por referência ao art.º 608.º, n.º 2, ambos do CPC, nulidade essa que cabe a esta Relação suprir, enquanto instância de recurso, com o que se passa a conhecer da segunda questão colocada na apelação.
2 - Segunda questão:
Defende a Recorrente que a competência para tramitar e julgar a presente acção está atribuída ao Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do disposto no artigo 111.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário [doravante “LOSJ”], por considerar que está em causa litígio atinente a um contrato de prestação de serviços que envolve direitos de propriedade intelectual.
Nos termos do art.º 211º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Estabelece-se, assim, o princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.
Por seu turno, estipula o art.º 64º do CPC que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
E, no art.º 65º do mesmo diploma legal, estabelece-se que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
De acordo com o que dispõe o art.º 111.º, n.º 1, da LOSJ, compete ao Tribunal da Propriedade Intelectual conhecer das questões relativas a:
 “a) Acções em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos;
b) Acções em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei (…)”
O Dec.-Lei n.º 67/2012, de 20 de Março, veio instituir o Tribunal da Propriedade Intelectual e o 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, o primeiro com competência territorial de âmbito nacional para o tratamento das questões relativas à propriedade intelectual, e o segundo com competência territorial de âmbito nacional para o tratamento das questões relativas à concorrência, regulação e supervisão (artigos 1.º e 2.º).
A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca.
Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Vol.1º, pag. 88, acerca do critério aferidor da competência material, ensina: “São vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.
De acordo com os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pag. 375, causa de pedir “é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar”.
No caso, não obstante ter sido deduzida oposição, a causa de pedir que releva para efeitos de determinação da competência material do tribunal há-de ser apenas a invocada no requerimento de injunção – peça processual que equivale à petição inicial de um qualquer processo declarativo, comum ou especial -, no qual o requerente expõe, sucintamente, os factos que servem de fundamento à sua pretensão [causa de pedir], nos termos do n.º 1 do art.º 1 do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, aplicável por remissão do art.º 10.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 62/2012, de 10 de Maio, e que é passível aperfeiçoamento, a convite do juiz, uma vez recebidos os autos [AECOPs] no tribunal competente, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do mesmo diploma legal.
A competência em razão da matéria dos tribunais determina-se, pois, pela forma como a acção é configurada pelo autor na dupla vertente do pedido e da causa de pedir - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2008, in www.dgsi.pt. e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 91.
Não acompanhamos, assim, a tese defendida pela Ré, nas respectivas alegações de recurso, de que numa injunção em que é deduzida oposição “não se pode descurar o conteúdo desta para definir a matéria e, com ela, a competência”, à semelhança do que acontece com o requerimento de oposição à execução que equivale à petição inicial para a acção declarativa.
Ora, in casu, o facto jurídico que serve de fundamento da presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs], que constitui a sua causa de pedir, consubstancia-se na alegação do não pagamento, por parte da Ré, do valor de 13.696,48€, constante da Factura-Recibo n.º 117, na respectiva data de vencimento, respeitante ao fornecimento de serviços e bens, pelo Autor à Ré.
Da análise do requerimento de injunção resulta que a pretensão do Autor assenta no incumprimento da obrigação de pagamento das quantias facturadas.
E é irrelevante para o caso, salvo o devido respeito, que esse alegado incumprimento se tenha verificado no âmbito de uma prestação de serviços de natureza intelectual protegida por direitos de autos [cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea i) e 25.º do CDADC e 304.º-A do CPI].
O que está em causa é o alegado incumprimento da contraprestação devida pela fornecimento de serviços e bens, sendo a causa de pedir da acção constituída, não pelo direito de autor do Requerente, mas sim pela concreta situação de incumprimento invocada.
Com efeito, à luz da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor no requerimento de injunção, não se discutem os direitos autorais de que o Autor é titular, mas o incumprimento traduzido no não pagamento, pela Ré, da Factura-Recibo n.º 117 emitida pelo Autor no âmbito da relação material atrás descrita.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ, dispõe que compete ao Tribunal da Propriedade Intelectual conhecer das questões relativas a “Acções em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos”.
No acórdão desta Relação de Lisboa, de 24-03-2015, proc.º448/14.3YHLSB.L1-7, ponderou-se que “o critério de delimitação de competência do tribunal da propriedade intelectual, nos termos do disposto naquele art.º 111.º/1-a - deve procurar-se no acto de declaração do direito, exigida pela controvérsia em causa na acção, e não apenas na sua circunstância, não bastando a referência ou o versar sobre direito de autor e direitos conexos, sendo também necessário que esteja em causa a declaração desses direitos”.
Aderimos a este entendimento.
Na verdade, a causa de pedir que releva para a aferição da competência do tribunal é a relação material controvertida alegada no requerimento de injunção/petição inicial de onde o autor faz derivar o correspondente direito. São os factos concretos invocados sisando o efeito pretendido que constituem a causa de pedir e não o contrato, sendo que este é não mais que a fonte geradora de direitos e obrigações das partes [neste sentido, acórdão do TRC, de 17-05-2005, proc. 3904/04, www.dgsi-pt.]
Ora, a resolução do litígio a que respeitam os presentes autos, atendendo à causa de pedir desenhada pelo Autor, reforça-se, não passa pelo conhecimento de questões de existência de um direito de autor, da alegada violação e respectivas consequências, passando simplesmente por determinar se ocorreu incumprimento da Ré, no tocante aos montantes facturados pelo Autor e que este diz corresponderem aos termos acordados pelas partes.
Destarte, considera-se, atenta a causa de pedir configurada e a pretensão formulada pelo Autor, que o objecto da acção cai no âmbito da competência residual dos tribunais cíveis e não já na competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, contrariamente ao defendido pela Ré, aqui Recorrente.
Por conseguinte, improcedem as conclusões I e IV a XIV do recurso da apelação.
3 - Terceira questão:
A Ré mostra-se irresignada com a decisão do Tribunal a quo que considerou não se verificar a excepção de ineptidão da petição inicial [requerimento de injunção] por si arguida.
Em substância, argumenta, que tendo sido anulada a Factura-Recibo n.º 117 dada à injunção, inexiste a factura que sustenta a injunção e que consta expressamente indicada no formulário, inexiste aquela obrigação e a mesma não pode estar vencida, inexistindo causa de pedir.
E que não está em causa saber se a inexistência de factura impede a cobrança de quantias, raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, pois que, naturalmente, não impede, mas que haverá que intentar uma acção declarativa de condenação no Tribunal da Propriedade Intelectual.
Sustenta, ainda, que entender de forma diferente é colidir de frente com o disposto no anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que no n.º 3 do artigo 10.º afirma de forma clara não ser possível alterar os elementos e pedidos formulados no procedimento de injunção.
O Senhor Juiz a quo considerou improcede a excepção, que o requerimento injuntivo não é inepto com base nos seguintes fundamentos:
“Sem grandes desenvolvimentos, o tratamento documental, contabilístico, do crédito ajuizado pode ter diversas consequências, mormente quanto à exigibilidade, vencimento da prestação, mas em circunstância alguma faz desaparecer o alegado fornecimento de bens e serviços fundamento, em que o ora Autor estrutura a sua pretensão, sendo que a Ré bem entendeu os factos constitutivos do direito invocado pelo Autor, ainda que para rejeitar que não houvesse pago o que devia, e deste modo não descortinamos, nem falta, insuficiência ou contradição no requerimento inicial, que determinasse a falta do pressuposto processual que a Ré neste ponto arguiu.”
Ora, antecipando, diremos que o recurso merece, nesta parte, inteiro provimento, pois a decisão do Mmo. Juiz a quo, não foi, com o devido respeito, a mais acertada.
Vejamos,
Nos termos do art.º 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, a falta de indicação da causa de pedir importa a ineptidão da petição inicial e conduz à nulidade de todo o processo; trata-se de uma nulidade que, nos termos do art.º 200.º, n.º 2, do CPC deve ser apreciada no despacho saneador.
Como é sabido, é a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber se a petição inicial é inepta, designadamente por falta de indicação causa de pedir.
Segundo o n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo Civil (CPC), a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (…). Daí se infere que o direito à jurisdição, genérica e abstractamente proclamado e garantido no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República, se realiza mediante o exercício do direito de acção concretamente adequado a reconhecer em juízo o singular direito subjectivo (ou interesse legalmente protegido) que se pretende fazer valer, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente, como deflui da noção constante do n.º 2 do citado artigo 2.º do CPC.
Por isso mesmo, o exercício do direito de acção requer a verificação de requisitos formais quanto aos respectivos sujeitos e objecto - designados por pressupostos processuais relativos à acção -, cuja falta obsta ao conhecimento de mérito, determinando a absolvição do réu da instância. Um desses requisitos incide sobre a delimitação do próprio objecto da acção, o qual tem se mostrar idóneo em termos de permitir delinear o âmbito de cognição do tribunal e da formulação do respectivo juízo de mérito, dentro dos parâmetros traçados nos artigos 608.º, nº 2 e 609.º, n.º 1, e 5º do CPC, bem como definir os limites objectivos do caso julgado material, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º e 621.º, com referência ao artigo 581º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma.  
Com efeito, nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, exige-se que o autor, na petição inicial, exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido, respectivamente, pedido esse que tem de ser dirigido contra um concreto réu ou contra uma pluralidade de réus, no caso de litisconsórcio ou coligação passivos.
Do disposto no nº 3 do artigo 581.º do citado Código extrai-se que o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção com eventual suprimento pelo tribunal de manifestos erros de qualificação, ao abrigo do disposto no artigo 6º do CPC, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório [[2]].
Por seu lado, o n.º 4 do indicado artigo 581º define a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido. E, em particular no que concerne às pretensões reais, o mesmo normativo, inspirado na teoria da substanciação, precisa que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real invocado.
Como é sabido, o objecto da acção consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.
No que aqui releva, sobre o Autor impende o ónus de indicar o concreto efeito prático-jurídico pretendido e de alegar uma factualidade específica ou concreta que viabilize a formulação de um juízo de mérito sobre a pretensão deduzida contra a Ré.
Ainda no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, há que distinguir os factos indispensáveis à sua caracterização, e portanto dela estruturantes, e os factos que, muito embora essenciais à procedência da acção, não se mostram todavia imprescindíveis à caracterização da causa de pedir para efeitos de um pronunciamento de mérito, seja ele positivo ou negativo. É certo que nem sempre é fácil fazer a distinção prática entre as duas categorias de factos, mas o critério de aferição passará por um juízo de prognose a ponderar, no confronto de cada situação, na perspectiva do caso julgado material que venha a recair sobre o objecto da causa em ter-mos de evitar a repetição futura de causa idêntica.
No caso concreto está em causa um processo especial simplificado, de natureza declarativa: a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais [AECOPs] com origem em procedimento de injunção, regulada tanto pelas disposições que lhe são próprias, como, subsidiariamente, pelas disposições gerais e comuns do processo civil disciplinador do processo declarativo comum - art.º 549.º, n.º 1, do CPC.
Dispõe o art.º 10.º, n.º 2, al. d), do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Set., que no requerimento injuntivo «deve o requerente (...) expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão».
Esses factos reconduzem-se, naturalmente, à causa de pedir, tal como a define o art.º 581.º, n.º 4, do CPC.
Por sua vez, no n.º 3 do artigo 10.º do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Set., estabelece-se que «Durante o procedimento de injunção não é permitida a alteração dos elementos constantes do requerimento, designadamente o pedido formulado».
Ora, como se disse aquando da apreciação da excepção de incompetência material, o facto que serve de fundamento da injunção que constitui a sua causa de pedir, consubstancia-se na alegação do não pagamento, por parte da Ré, do valor de 13.696,48€, constante da Factura-Recibo n.º 117, na respectiva data de vencimento, respeitante ao fornecimento de serviços e bens, pelo Autor à Ré.
Está demonstrado nos autos que:
“1) No dia 11 de Julho de 2018, o Autor facturou e enviou à Ré a Factura-Recibo n.º 117, no valor de 13.696,48€ [IVA incluído, no valor de 3.214,48€] – cfr. Doc. 15 da Oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2) Em 24 de Julho de 2018, a Ré devolveu ao Autor a referida Factura-Recibo n.º 117, dizendo que já se encontravam pagos todos os valores devidos àquele – cfr. Doc. 16 da Oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3) O Autor anulou no Portal das Finanças a Factura-Recibo n.º 117, de 11-07-2018, facto que foi notificado à Ré pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 26-07-2018 - cfr. Doc. 17 da Oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
E também resulta dos autos que o Autor deu entrada em juízo da providência de injunção no dia 30-07-2018, já depois de tal anulado a Factura-Recibo n.º 117, de 11-07-2018, que invoca, no formulário, na «exposição dos factos que fundamentam a pretensão» como fonte do seu crédito, de capital e juros, cuja contagem reporta à data de vencimento da referida factura.
Não corresponde, assim, à verdade, o afirmado pelo Autor no ponto 3 da Resposta às excepções invocadas pela Ré na Oposição, de que só anulou a referida Factura-Recibo no Portal das Finanças em momento posterior à apresentação da injunção.
Certo é que, uma vez anulada tal Factura-Recibo, não podia o Autor lançar mão, como lançou, indevidamente, do procedimento de injunção, ao abrigo da disciplina do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio [art.º 10.º, n.º 1], por se tratar de um meio processual destinado a combater os atrasos no pagamento de transacções comerciais, que pressupõem, necessariamente e sob pena de fraude à lei e ao fisco[3], a existência de uma factura vencida.
É o que se retira das definições de «Atraso de pagamento» e «Montante devido» dadas pelas alíneas a) e h) do referido diploma legal.
Por «Atraso de pagamento» entende-se «qualquer falta de pagamento do montante devido (…)».
E por «Montante devido» entende-se «o montante em dívida que deveria ter sido pago no prazo indicado non contrato ou na lei, incluindo taxas, direitos ou encargos aplicáveis que constam da factura».
A exigência de factura, como condição/pressuposto do recurso aos referidos procedimentos especiais de injunção/AECOPS destinados a obter o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, também resulta, claramente, dos artigos 2.º, 4.º, n.º 3, alíneas a), b), c) e d) [para transacções entre empresas privadas e entre estas e profissionais liberais] e do artigo 5.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e 4, do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio [para transacções entre empresas públicas e entidades privadas].
E mesmo que se desse o caso de o Autor ter anulado a Factura-Recibo em causa após a entrada em juízo da injunção - e não foi esse o caso, como se viu, - este procedimento não podia prosseguir, por impossibilidade superveniente, face ao disposto no n.º 3 do art.º 10.º do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 9 de Set., aplicável por remissão do n.º 1 do art.º 10.º do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.
A entender-se de outro, modo, como bem refere a Ré, no seu discurso recursivo, isto é, admitir-se que se emita uma factura e que se anule a mesma na pendência de uma injunção, para evitar o pagamento do IVA à Autoridade Tributária, mantendo-se uma injunção prévia a uma AECOPs, sem a factura que lhe serviu de base e que é pressuposto/condição de admissão deste procedimento especial, além de violador da disciplina do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, nos termos referidos, seria abrir porta à fraude e evasão fiscal [art.ºs 29.º, n.º 1, alínea b), 35.º-A, 36.º, n.º 1, e 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias ], o que não se concebe.
Verificam-se, assim as excepções dilatórias inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção], vícios esses que ao conhecimento do mérito da causa e importam a absolvição da Ré da instância [artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte, e 577.º do CPC], sendo que a resultante da falta de factura é, no caso, em consequência da sua anulação pelo Autor, insusceptível de sanação, nos termos previstos nos artigos 278.º, n.º 3, 6.º, n.º 2 e 590.º, n.ºs 2, alínea a), 3, do CPC.
A par das referidas excepções dilatórias verifica-se uma outra: a ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, ainda que por fundamentos diferentes dos invocados pela Ré.
Face a esta omissão [falta de indicação de causa de pedir], nem sequer é possível a invocação da salvaguarda prevista no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, porquanto, apesar da contestação, seria absurdo concluir que a Ré interpretou correctamente uma Petição Inicial na qual nem sequer foram invocados os actos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir.
O requerimento injuntivo contém um enunciado fáctico, não apenas deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, mas também obscuro, por conclusivo e equívoco, pois não se sabe, designadamente:
a) a data da celebração do contrato entre o Autor e a Ré e os respectivos termos;
b) as quantidades de bens fornecidos e de serviços prestados pelo Autor à sociedade Ré, aliás como determinam o art.ºs 36.º, n.º 1, alínea b) e 40.º, n.º 2, alínea b), do Código do IVA;
c) as datas em que o Autor forneceu à Ré, os bens ou serviços que não foram objecto de pagamento;
d) o preço de cada um dos bens ou serviços que o Autor forneceu à Ré, e que não foram objecto de pagamento.
Dispõe o art.º 10.º, n.º 2, alínea d) do anexo ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1.º do Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Set., que no requerimento de injunção deve o requerente, além do mais, “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
Conforme afirma Salvador da Costa[[4]], a exposição sucinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento assume particular relevância no contexto do normativo em análise, porque se trata, no fundo, da causa de pedir prevista em geral nos art.ºs 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), do C.P.C., susceptível de apreciação jurisdicional no caso de o procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa, como ocorreu no caso concreto.
O requerente da injunção não está dispensado de invocar, no requerimento injuntivo, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido.
In casu, a indicação, pelo Requerente/Autor, como causa de pedir, de “contrato de fornecimento de bens ou serviços” não passa de mera qualificação jurídica, pelo que não satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir.
A data do fornecimento dos bens ou serviços é susceptível de relevar em sede de causa de pedir, porque pode funcionar como elemento temporalmente delimitador da constituição do direito de crédito invocado.
Tendo o Requerente/Autor optado pela apresentação do requerimento de injunção através de ficheiro infor­mático ou correio electrónico, em que inexiste limite de linhas relativas à descrição dos factos integrantes da causa de pedir, nada o impedia de ter concretizado, com o necessário detalhe, os factos integradores da causa de pedir.
Certo é que não expressando o requerimento injuntivo, embora sucintamente, os factos integrantes da causa de pedir, o requerente corre o risco, na eventual apreciação jurisdicional subsequente, seja na acção declarativa de condenação com processo especial [AECOPs], seja nos embargos de executado, de ser confrontado com uma decisão desfavorável, isto é, não lograr êxito na sua pretensão.
Desta sorte, aplicando em sede de procedimento de injunção os comandos contidos nos art.ºs 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), do CPC., dúvidas não há de que o requerente deve expor no requerimento, no local a tal destinado e por forma necessariamente sucinta, os factos que servem de fundamento à sua pretensão, devendo considerar-se como tais os que, em regra, se afiguram constitutivos do seu direito.
Ainda de acordo com Salvador da Costa[[5]], a causa de pedir, segundo o princípio da substanciação, traduz-se, no fundo, no facto jurídico constitutivo do direito, ou seja, em determinada factualidade concreta vista à luz do direito (art.º 581.º, n.º 4, do C.P.C.). O seu âmbito é delimitado pelos factos preenchentes das normas substantivas concedentes da pretensão das partes, independentemente da sua valoração jurídica. As suas características são a inteligibilidade, a facticidade, a concretização, a veracidade, a compatibilidade, a juridicidade e a licitude.
A lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisão.
Todavia, a alegação fáctica breve e concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização fáctica em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.
Não satisfaz, evidentemente, a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a utilização da expressão «fornecimento de bens ou serviços», a referência a apenas uma data de celebração do contrato, omitindo-se a(s) data(s) dos fornecimentos e os prazos acordados para o efeito e a circunstância de se acrescentar, em seguida, que «1. O Requerente dedica-se à actividade de Design e afins;
2. A Requerida solicitou ao Requerente um conjunto de serviços para o seu estabelecimento comercial de restauração (…);
3. Em cumprimento do pedido efectuado pela ora Requerida, o Requerente forneceu os seguintes bens e serviços:
a. Logotipos = 2900,00€
b. Fardas: Criação/Artes Finais/Fichas Técnicas = 1600,00€
c. Fardas: Produção = 5652,00€
d. Ambientes: Design fachada = 1582,00€
e. Ambientes: Design interiores = 1202,00€
f. Pratos: Criação/Artes Finais/Fichas Técnicas = 600,00€
g. Ementas: 440,00€
h. Outras peças desenvolvidas = 850,00€ (oferta).
Total: 13.976,00€
4. No dia 11/07/2018 o ora Requerente emitiu o seu recibo verde n.º 117, com o valor base de honorários, no montante de 13.976,00€ (treze mil novecentos e setenta e seis euros), valor a que acresce IVA legal à taxa de 23%, no montante de 3214,48€ (três mil duzentos e catorze euros e quarenta e oito euros) e que é objecto de retenção de IRS na fonte no montante de 3.494,00€ (três mil quatrocentos e noventa e quatro euros).
5. O referido recibo verde foi enviado para a Requerida dia 13/07/2018 através de carta registada com A/R, com interpelação para pagamento.
6. O referido recibo verde foi recebido pela Requerida no dia 16/07/2018.
7. No passado dia 24/07/2018 a Requerida enviou carta ao Requerente informando que recusava efectuar o pagamento do citado recibo verde n.º 117, não restando alternativa senão o recurso ao presente procedimento.
8. O valor do recibo verde em dívida, com o montante base de 13.976,00€ (treze mil novecentos e setenta e seis euros), acrescido de IVA legal à taxa de 23%, no montante de 3214,48€ (três mil duzentos e catorze euros e quarenta e oito euros) e com retenção de IRS na fonte no montante de 3.494,00€ (três mil quatrocentos e noventa e quatro euros), perfaz um total líquido de 13.696,48€ (treze mil seiscentos e noventa e seis euros e quarenta e oito cêntimos).
9. A este montante acrescem juros de mora vencidos à taxa de juro comercial desde a data de vencimento do recibo verde até à data da entrada do presente procedimento de Injunção, que ascendem a 27,02€ e ainda nos juros vincendos à mesma taxa, até integral pagamento.
10. Para além dos montantes acima referidos, nos termos do disposto no DL 62/2013 a Requerida é ainda devedora ao Requerente, de uma indemnização de valor não inferior a 40,00€ (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, pelos custos administrativos internos de cobrança da presente dívida (…)»
No requerimento injuntivo o Requerente/Autor não esclarece, designadamente: as datas e quantidades de bens ou serviços fornecidos à sociedade Ré; e os preços unitários desses bens ou serviços fornecidos à sociedade Ré e que por esta não lhe foram pagos.
Por outro lado, como se ponderou no recente acórdão desta Relação de Lisboa, de 19-02-2019, proc. n.º 94952/17.7YYPRT.L1-7 [Desembargador José Capacete], disponível em www.dgsi.pt, que temos vindo a seguir de perto, “a mera junção, em momento posterior, de documentos não cumpre a obrigação legal daquele elemento, porque a causa de pedir se traduz em factos concretos previstos pelas normas jurídicas referentes aos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se pretendem fazer valer, e aqueles se limitam, nos termos dos art.ºs 341º e 362º do Cód. Civil, a provar os factos.
Importa, com efeito, ter presente que a alegação ou afirmação de factos e a sua prova correspondem a ónus distintos a cargo das partes, e que a alegação fáctica insuficiente é insusceptível de ser suprida pela ilação a extrair de documentos juntos.”
Neste caso, existe, salvo o devido respeito, uma ausência de conteúdo, um “vazio”, que que não foi preenchido pela Autora, como era seu ónus, que não é passível de sanação.
À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.
O vício de ineptidão que afecta a Petição Inicial, por falta de indicação de causa de pedir também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.
O vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt..
O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.
Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva [conforme, neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, proc. n.º 573/18.1T8SXL.L1-6, por nós relatado, disponível em www.dgsi.pt.].
Em conclusão, consideram-se verificadas a excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção] e a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, que obstavam a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e, por serem insusceptíveis de sanação, dão lugar à absolvição da Ré da instância [art.ºs 278.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, 279.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC].
Não deveria, pois a presente acção ter ultrapassado a fase do saneador e prosseguido para julgamento, como prosseguiu, circunstância que redundou na prática de actos inúteis e proibidos pela lei [art.º 130.º do CPC].
Portanto, a apelação procede, ainda que parcialmente e por fundamentos não totalmente coincidentes com os alegados pela Recorrente.
                                             *
4 - Face à solução dada à questão antecedente, considera-se prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à nossa apreciação, nos termos do n.º 2 do art.º 608 do CPC.
                                             *
IV - Decisão
Por tudo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Confirmam a decisão recorrida na parte que indeferiu a invocada excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal a quo;
b) Revogam a decisão recorrida na parte que julgou improcedente a excepção de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de causa de pedir, que substituem por este acórdão que considera verificada a referida excepção dilatória, bem como as excepções dilatórias inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção] e, consequentemente, absolvem a Ré, aqui Recorrente, da instância;
c) Consideram prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso.
Custas da apelação pelo Autor/Apelado e pela Ré/Apelante, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente - artigo 527º do CPC.
                                         *
Registe e notifique.
                                         *
Para os devidos efeitos e independentemente do trânsito em julgado, comunique, desde já, o presente acórdão ao processo principal, face ao recurso interposto da sentença final proferida em 31 de Janeiro de 2019 [cf. referência Citius 383710210].
                                           *
Lisboa, 16 de Maio de 2019
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques

[1] Cf. Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, p. 109
[2] Sobre a noção do pedido como efeito prático-jurídico, vide, Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, Vol. 1º, Almedina, Coimbra, 1981, pag. 203; quanto ao suprimento pelo tribunal dos meros erros de qualificação jurídica, vide Antunes Varela, Anotação ao acórdão do STJ, de 13-1984, RLJ Ano 122º, pags. 233-256 (255); e entre outros, os acórdãos do STJ, de 17/6/92, BMJ nº 418, pags. 710 e segs, e de 8-2-94, CJ dos Acs. do STJ, Ano II, Tomo 1º, oags. 95 e segs.
[3] A própria Autoridade Tributária, na comunicação de 26-07-2018 [Docs 17 e  18 da Oposição], alerta para o facto de a anulação da Factura-Recibo implicar a ineficácia de tal documento enquanto comprovativo da aquisição dos bens ou da prestação de serviços e/ou do seu pagamento.
[4] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Processo Geral Simplificado, Almedina, 2001, págs. 145-156.
[5] Ob. cit., pp. 51 a 56.