Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8395/10.1TBCSC.L1-7
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
RESPONSABILIDADE PARENTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Pertencendo o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores, a remoção do menor de um país para outro, por se tratar de um assunto de particular importância, carece do consentimento de ambos os cônjuges, nos termos do nº2 do art. 1901º do CC.
II - Na falta de tal consentimento, é ilícita a deslocação do menor de Inglaterra para Portugal, por um dos progenitores contra a vontade do outro, nomeadamente para efeitos do art. 3º da Convenção de Haia.
III - O Tribunal nunca poderia ter recusado o pedido de regresso formulado pelo tribunal do estado da residência do menor anterior à sua deslocação, sem ouvir a requerente do pedido.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):

1. RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou contra A (…) a presente acção especial visando o regresso do menor B (…) a Inglaterra, e na sequência de pedido formulado pela autoridade Central Portuguesa, ao abrigo do dispostos nos arts. 5º, 7º, 12º, e 14º da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980,
alegando, para tanto, em síntese:
o menor nasceu a 02.08.2006, em Lisboa e é filho de M (…), residente em ..., Reino Unido, e de A (…);
os progenitores são casados entre si e viveram juntos até Julho de 2010, altura em que se separaram;
no dia 18.09.2010, o menor foi buscar o filho a casa da mãe, uma vez que tinham acordado que o menor passaria o dia com ele e o entregaria no dia seguinte à mãe;
o pai deslocou-se com o filho a Portugal, onde actualmente ainda se encontra, tendo referido à mãe que não sabe quando  irá regressar;
na sequência desta deslocação do menor o Supremo Tribunal de Londres veio proferir decisão estabelecendo a residência da criança junto da progenitora e determinando que a criança deverá regressar a Inglaterra.
Ouvido o requerido, pelo Magistrado do M.P. foi emitido parecer no sentido de considerar que não há fundamento para se aplicar a referida Convenção de Haia de 25.10.1980, não sendo a deslocação do menor a Portugal ilícita.
Pelo tribunal foi proferida decisão a indeferir o peticionado, decidindo não ordenar o regresso do menor a Inglaterra e que o mesmo deve permanecer com o pai em Portugal.
Inconformada com tal decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. A decisão do “Higt Court” Inglês é posterior á saída da criança para Portugal, porquanto a progenitora obviamente accionado os meios de protecção legal ao seu alcance unicamente depois da consumação da ilegítima retirada do menor da sua residência.
2. A subtracção do menor é ilegítima e tudo nos autos indiciava esse facto, desde logo pela admissão do próprio progenitor de que tinha subtraído o menor sem autorização da progenitora.
3. A progenitora não foi ouvida, mas tão só o progenitor.
4. O que torna a deslocação do menor ilegítima é não só a forma como o mesmo é subtraído, mas ainda a sua retenção em Portugal, consumando-se assim a violação absoluta dos direitos da progenitora, por mera vontade unilateral do progenitor.
Conclui pela anulação e substituição da sentença por outra que ordene o imediato regresso do menor a Inglaterra.
O requerido e o M.P. não apresentaram contra-alegações.
Foram dispensados os vistos, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 706º, do CPC.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, a questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. (I)licitude da deslocação do menor para Portugal.
2. Falta de audição da mãe do menor.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A. Matéria de facto.
São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:
1. B (…) nasceu a 02.08.2006 e é filho de A (…) e de M (…).
2. O menor é natural de …, Lisboa, e tem nacionalidade portuguesa.
3. Os progenitores do menor casaram um com o outro na Namíbia a 24.03.2006.
4. O pai do menor tem nacionalidade portuguesa e a mãe tem nacionalidade namibiense.
5. O menor residia com ambos os pais em Inglaterra.
6. Nos finais de Junho ou inícios de Julho de 2010, os progenitores do menor separaram-se tendo o menor ficado a residir com a mãe.
7. O pai levou o filho da companhia da mãe no dia 18 de Setembro e não mais o devolveu, tendo, posteriormente, com data de 28.09.2010, enviado à mãe a missiva cuja cópia se encontra junta a fls. 51, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde informa que veio para Portugal com o filho de ambos.
8. Em 06 de Outubro de 2010 o Tribunal Superior de Justiça de Londres declarou que o menor residirá com a mãe.
9. O menor vive com o pai no Bairro ..., ..., em ... e frequenta a Creche pertencente à Associação de Educação Popular ... estando inscrito no Centro de saúde da ....
 B. O Direito
 1. (I)licitude da deslocação ou retenção.
Conforme consta do respectivo preâmbulo, a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 25.10.1980 (que passaremos a designar por Convenção)aprovada pelo Decreto do Governo nº33/83, de 11/5, e que entrou em vigor em Portugal no dia 1/12/1983, conforme Aviso publicado no D.R. nº126/84, Série I, de 31/5/84 –, visa “proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita”.
E, segundo o seu art. 1º, a Convenção tem por objecto:
a) assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
b) fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
As normas da Convenção determinam um processado expedito para fazer cessar uma situação ilícita de retirada de uma criança, com base na ideia de que há efeitos prejudiciais dessa retirada:
“Tal imposição visa evitar a legitimação, contra os interesses da criança, de comportamentos dos progenitores com condutas contrárias às decisões assumidas de guarda e, sobretudo, independentemente da questão de fundo, fazer retornar, de forma célere e expedita, a criança a quem foi retirada[1]”.
Com a entrada em vigor do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (que passaremos a designar por Regulamento), a referida Convenção de Haia continuará a ser aplicada nas relações entre os estados membros da União Europeia, sendo contudo completada por algumas disposições do Regulamento, nomeadamente o seu art. 11º, disposições estas que prevalecem sobre as disposições da Convenção em matérias abrangidas pelo Regulamento[2].
Para efeitos da Convenção, e nos termos do seu art. 3º, a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a) Tendo sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tem a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção;
b) E este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individual ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
E, em conformidade com o último parágrafo do art. 3º, o direito de custódia referido na al. a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.
Por sua vez, segundo o art. 2º do Regulamento considera-se ilícita a deslocação ou retenção de uma criança quando:
a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção, e
b) No momento da deslocação ou retenção o direito de guarda estivesse efectivamente a ser exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção.
No caso em apreço, tal como é referido pelo juiz a quo, sendo os progenitores casados entre si, o poder paternal pertence em pé de igualdade a ambos os progenitores, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 1901º do CC, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro.
E segundo o juiz a quo, “após a separação dos progenitores, o poder paternal não foi ainda regulado, quer por acordo entre as partes, quer por decisão judicial, pelo que com a separação dos progenitores estes mantiveram cada um os mesmos direitos e deveres perante os menores, não tendo o direito de custódia sido atribuído em exclusivo e unicamente à mãe do menor, nem definido qualquer regime de visitas”.
Contudo, teremos de discordar totalmente de tal decisão quando, mais adiante, se afirma que a falta de autorização ou consentimento da mãe na deslocação do menor para Portugal com o pai “não consubstancia uma deslocação ilícita para efeitos da Convenção de Haia”.
O tribunal a quo socorre-se do teor de uma carta enviada pelo pai à mãe – na qual “referiu que queria levar o filho a Portugal, país do seu nascimento e da sua nacionalidade, para ver o avô paterno que estava muito doente sendo que a mãe da criança não o autorizou e não ofereceu justificação suficiente para impedir o que pudesse vir a ser o último contacto entre neto e avô” –, para daí extrair que:
- o fim de tal deslocação era temporário, visando uma última visita ao avô que se encontraria muito doente;  
- a mãe terá recusado a autorização de deslocação sem motivo justificado.
Contudo, os elementos dos autos não nos permitem dar por assente tais factos, nomeadamente, que o requerido tenha trazido o menor para Portugal unicamente para que este visitasse o seu avô – e note-se que o tribunal a quo também não os fez constar da matéria de facto que considerou como provada, vindo a tê-los em consideração unicamente na fundamentação de direito.
Com efeito, embora na carta junta a fls. 51, datada de 28.09.2010, o requerido fale em se deslocar a Portugal “a fim de visitar a família materna”, quando, a 03.12.2010, decorridos quase três meses desde que retirou o menor de Inglaterra, o juiz a quo determinou a sua proibição de se ausentar de Portugal na companhia do menor, o requerido permanecia ainda com o menor em Portugal.
E, quando é ouvido neste processo, em 14.12.2010, o mesmo afirma que “aqui é ele está bem, está actualmente a frequentar a escola, já foi ao médico e tem o apoio da família alargada”, dizendo que “não entrega o seu filho à progenitora de forma voluntária”, e que “pretende dar uma vida estável ao filho em Portugal”.
De qualquer modo, ainda que a deslocação do menor de Inglaterra para Portugal pudesse ter visado “uma última visita ao avô doente”, tal finalidade há muito se teria esgotado, não servindo de fundamento à retenção que até hoje o requerido vem vindo a efectuar.
Do que não restarão dúvidas é que, segundo as suas próprias declarações, “quando saiu de Inglaterra tinha consciência de que o fazia contra a vontade da progenitora do menor”, facto este que, termos, necessariamente de considerar como assente, por confissão do próprio requerido.
De acordo com a Lei Civil Britânica – Lei sobre Menores de 1989, Parte I, nº2, o poder paternal é exercido conjuntamente por ambos os progenitores.
E, de acordo com a Parte I, nº1 (1), (2, a) e (3,a), da Lei sobre Rapto de Menores, comete uma ofensa a tal lei o progenitor que leve um menor de 16 anos para fora do Reino unido, sem a autorização do outro progenitor, se o poder paternal respectivo for exercido conjuntamente por ambos os progenitores
 E, à luz da lei Portuguesa - nº2 do art. 1901º, do Código Civil –, na constância do matrimónio os pais exercem as responsabilidades parentais de mútuo acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação.
Ora, a retirada do menor da convivência com a mãe com quem residia e o seu afastamento para outro país constitui necessariamente uma questão de particular importância, não dispensando o consentimento da mãe.
Segundo Hugo Manuel Leite Rodrigues, “esta é claramente uma questão de particular importância, visto que, além de ser uma decisão rara (muitas famílias nunca passam por essa decisão), a mudança de um país para o outro é susceptível de alterar toda a vida do menor. A perda e o ganho de amigos, a mudança de língua, a nova cultura a que se terá de adaptar, o afastamento de alguns familiares (ou a aproximação de outros que estejam no país do destino), entre muitos outros factores, mudam radicalmente a vida de uma pessoa[3]”.
E, o estabelecimento da residência permanente ou habitual da criança é, ainda e sobretudo, uma questão de particular importância para vida do menor, pela necessidade de manter, tanto quanto possível, a exigível relação de proximidade de ambos os pais.
Note-se, que, no caso em apreço, a mudança de um país para o outro arrasta consigo uma mudança ainda mais radical – que o menor deixe de viver com a progenitora com quem residia desde a separação do casal, para viver com o seu pai.
A decisão unilateral do requerido, de retirar o menor da convivência da mãe com quem este residia em Inglaterra, trazendo-o para Portugal para aqui passar a residir consigo, contra a vontade da mãe, é necessariamente ilícita, por violadora do nº2 do art. 1901º do CC.
Cabendo em conjunto a ambos os pais o exercício das responsabilidades parentais, se não há acordo entre ambos sobre matéria relevante da vida dos filhos, como seja a residência destes, nenhum deles pode, unilateralmente, introduzir qualquer alteração ao que fora instituído por acordo de ambos[4].
Quanto a tal questão se pronunciam Helena Bolieiro e Paulo Guerra[5]:
“Ora, admitindo, por exemplo, que segundo a lei do Estado onde a criança tem a sua residência habitual as responsabilidades parentais e o direito de custódia pertencem a ambos os progenitores e este é exercido de forma efectiva e pelos dois, não poderia um, sem o consentimento do outro deslocar a criança. Fazendo-o, um dos progenitores está na numa situação ilícita a que importa colocar fim”.
E, no sentido de que a deslocação de uma criança de um Estado-Membro para o outro sem consentimento de um dos titulares constitui um rapto de criança ao abrigo da Convenção e do Regulamento, se pronunciam Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos e outros, in “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Juris 2009, pag. 177.
Como se afirma no Acórdão do TRL de 16.04.2004, “é manifestamente abusiva a atitude do progenitor, mesmo à luz da lei portuguesa, que, unilateralmente, depois de terem acordado em residir em Inglaterra e de para aí levarem os filhos, os subtrai ao convívio da mãe, detentora em conjunto com ele do poder paternal e das inerentes responsabilidades na educação e segurança dos menores, para os trazer de novo para Portugal. Esta atitude integra desrespeito pelos direitos da mãe, vistos à luz da igualdade entre os cônjuges e, simultaneamente e de forma grave, desrespeito pelos direitos dos filhos ao convívio com a progenitora[6]”.
Note-se, ainda, que a jurisprudência tem vindo a considerar ilegítima tal deslocação para o estrangeiro sem o consentimento do outro cônjuge, ainda que promovida pelo progenitor que tenha a guarda do menor[7].
No caso em apreço, o menor residia com a mãe em Inglaterra, correspondendo esta à sua residência habitual[8] ao tempo da deslocação do menor para Portugal, sendo indiferente que a decisão do Higt Court de Londres, a declarar que o menor deverá residir com a mãe, seja posterior à retirada do menor[9].
Sendo aquele o tribunal do Estado-Membro da residência habitual do menor antes da deslocação e retenção ilícitas, continua a ter competência até que a criança tenha disponha de uma outra residência habitual noutro Estado Membro – arts. 10º e 11º do Regulamento.
Assim sendo, tal tribunal tinha competência para determinar que a criança deverá ficar a residir com a mãe, ordenando o seu regresso a Inglaterra.
Segundo o art. 12º da Convenção, parágrafo primeiro, quando uma criança tenha sido ilicitamente retirada nos termos do art. 3º e tiver decorrido um período de menos de um ano, entre a data da deslocação e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deve ordenar o seu regresso imediato.
Os tribunais do Estado Membro para onde foi levada a criança deslocada ilicitamente só podem recusar o seu regresso se existir um risco grave para a saúde física ou psíquica, ou de qualquer modo, ficar numa situação intolerável, por força da al. b) do art. 13º da Convenção (a provar pela pessoa que se opuser ao seu regresso).
Ouvido o requerido em declarações, o mesmo limitou-se a invocar, como fundamentos para a sua oposição ao pedido de regresso, “que a progenitora depois da separação foi viver para um quarto designado por “dirty room”, com o seu filho, sem condições nenhumas” e o “seu receio de que a sua mulher fuja com o seu filho para África” (cfr., acta de fls. 119 a 121).
Ora, os alegados fundamentos não nos surgem com gravidade suficiente para se considerar que a criança ficará em perigo caso se ordene o seu regresso a Inglaterra (note-se que tal situação não é sequer invocada pelo requerido como justificação para retirar o menor da mãe, refugiando-se então numa alegada visita ao avô que se encontraria doente).
Concluindo, e sendo a recusa da entrega admitida pela Convenção unicamente nos casos excepcionais aí previstos, tratando-se de deslocação e retenção ilícitas, sempre seria de ordenar o regresso do menor a Inglaterra.
2. Obrigatoriedade de audição da requerente.
Segundo o nº5 do art. 11º do Regulamento, o tribunal não pode recusar o regresso da criança se a pessoa que o requereu não tiver oportunidade se der ouvida.
No caso em apreço, apenas se procedeu à audição do requerido, nunca tendo sido dada oportunidade à requerente de ser ouvida, presencialmente ou por escrito, ou mesmo através do seu mandatário[10].
Assim, e também por este motivo, o pedido de regresso não poderia ter sido indeferido sem a audição da requerente, como foi pelo juiz a quo[11].


IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida:
· determinando-se o regresso imediato do menor a Inglaterra, onde deverá ser entregue à sua mãe.
· o Requerido deverá proceder à entrega do menor à mãe em Inglaterra, no prazo de 10 dias a contar da notificação pessoal que para o efeito lhe será efectuada, com a cominação de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
· O Requerido deverá fazer chegar ao Processo documento assinado pela progenitora comprovativo da entrega do menor”.

Sem custas (art. 26º da Convenção).

Lisboa, 14 de Julho de 2011

Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
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[1] Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família – Uma questão de Direito (s), Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens”, Coimbra Editora, pag. 437.
[2] Cfr., Ponto (17) do Preâmbulo do Regulamento (CE) nº 2201/2003.
[3] “Questões de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades Parentais”, FDUC – Centro de Direito da Família, nº 22, Coimbra Editora, pag. 160.
[4] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRL de 24-03-2009, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.
[5] “A Criança e a Família – Uma questão de Direito (s), Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e dos Jovens”, Coimbra Editora, pag. 438.
[6] Acórdão relatado por Teles Menezes, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.
[7] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRP de 07.04.2011, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp e Acórdão do STJ de 28-09-2010, onde se afirma que, mesmo num caso em que a guarda da criança está confiada a um dos progenitores – não existindo responsabilidade parental conjunta – a definição do local de residência do filho impõe a participação do progenitor que não tem a guarda e, em caso de desacordo, a decisão do tribunal, também este disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[8] O Conceito de “residência habitual” tem sido entendido, para efeitos de aplicação desta e de outras convenções que também usam este elemento de conexão, como o local onde se encontra organizada a vida do menor, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado – cfr., neste sentido, Ac. do TRL de 12.11.2008, relatado por Maria Adelaide Domingos, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.
[9] Teria necessariamente de ser posterior, uma vez que o procedimento que deu origem a tal decisão foi despoletado precisamente na sequência de o requerido ter trazido o menor para Portugal sem o consentimento da mãe.
[10] Embora o art. 11º, nº2 do Regulamento preveja também a oportunidade de a criança ser ouvida durante o processo “excepto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade”, tendo o menor em causa menos de cinco anos de idade (que só completará a 2 de Agosto de 2006), entende-se ser de dispensar a sua audição.
[11] Note-se que a Convenção de Haia tem por objecto a restituição imediata da criança independentemente das decisões que venham ulteriormente a ser tomadas em matéria de substância dos aludidos direitos, ficando por regular o exercício do poder paternal relativamente ao menor em causa.