Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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Relator: | LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA | ||
Descritores: | REGULAMENTO COMUNITÁRIO ARRESTO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/28/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | I.– O Regulamento (UE) nº 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial, tem como requisitos o fumus boni iuris e o periculum in mora em termos equivalentes ao Artigo 391º do Código de Processo Civil. II.– Exigir à requerente a alegação/demonstração de que o requerido não tem bens e/ou rendimentos no estrangeiro, designadamente em França, seria impor uma conduta processual que violaria o princípio da efetividade porquanto, na prática, isso significaria que o exercício do direito de arresto ficaria extremamente difícil.
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Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. RELATÓRIO: Alexandra ... ... ... ... ... veio instaurar procedimento de decisão europeia de arresto de contas, nos termos previstos no Regulamento (EU) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014 contra ... ... requerendo a sua dispensa da constituição da garantia a que alude o artigo 12.º do Regulamento (EU) 655/2014. Para tanto, alega que celebrou um contrato de arrendamento com uma sociedade da qual o requerido é o único sócio, tendo-se este constituído como fiador e principal pagador, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia e que não foram pagas as rendas vencidas referentes aos meses de setembro, outubro e novembro de 2017 e que algumas das rendas foram pagas após a data contratualmente fixada, sendo devida a indemnização acordada. Mais alega que instou, por diversas vezes, o requerido para proceder ao pagamento dos montantes em dívida, que o mesmo não o fez até ao momento, apresentando explicações pouco plausíveis, tendo-lhe comunicado que pretendia regressar definitivamente a França no final de outubro. Mais alega que a sociedade inquilina não tem qualquer atividade registada e que não são conhecidas outras contas bancárias em nome do requerido ou da sociedade, nem outro património ou rendimentos auferidos em Portugal em nome do requerido ou dessa sociedade. Por despacho proferido em 19.10.2017 foi indeferido liminarmente o procedimento com fundamento na não alegação de todos os factos de que depende o decretamento do arresto. * Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: «A)– A Apelante intentou um procedimento de decisão europeia de arresto de contas, nos termos previstos no Regulamento (UE) n.º 655/2014 – com vista ao arresto de uma conta bancária do Requerido em França – através do formulário que o identificado Regulamento fixa, completando aí todos os campos referentes ao crédito que detinha sobre o Requerido bem como alegando os factos onde se sustenta o fundado receio de perder a sua garantia patrimonial. B)– Apresentando, o formulário, um espaço muito curto para a exposição dos factos, a Apelante, à cautela, juntou ao mesmo um articulado onde alegou e explicou pormenorizadamente e de forma clara todos os factos que davam origem àquele procedimento de arresto, incluindo os factos em que se fundava o seu justo receio da perda de garantia patrimonial, tendo, assim, ido muito além do que lhe era legalmente exigido. C)– Contudo, a Senhora Juiz a quo fez “tábua rasa” de todos os factos ali invocados pela Apelante e, sobretudo, das óbvias consequências que dos mesmos decorrem segundo as mais elementares regras da experiência de vida que são comuns ao homem médio, concluindo que não seriam suficientes para demonstrar aquele fundado receio. D)– Todos os factos alegados pela Apelante e demonstrados através da prova documental, e corroborados pela prova testemunhal arrolada (e que o Tribunal a quo nem sequer quis ouvir), demonstram suficientemente o justo receio da Apelante. E)– Sendo certo que, conforme tem vindo a ser uniformemente entendido pela nossa jurisprudência, o conceito de justo receio integra qualquer causa idónea a provocar ao homem médio o receio da perda do seu crédito. F)– A sentença recorrida invoca que não foram alegados comportamentos do requerido que sustentassem o justo receio de perda de garantia patrimonial, nomeadamente, que o requerido já se desfez de todo o seu património ou outras condutas que indicassem que se prepara para dissipar ou ocultar o património. G)– A Senhora Juiz a quo incorre aqui num patente e fatal vício de raciocínio relacionado com o requisito do decretamento do arresto, na medida em que o mesmo é, tão-só, o justo receio e não a “dissipação de bens”, que em parte alguma a Lei autonomiza ou arvora em fundamento de per si. H)– Acresce que a Apelante alegou que não é conhecida ao Requerido (nem à sociedade arrendatária) qualquer outra conta bancária para além daquela que se encontra sedeada em França e de onde foram sendo pagas as rendas, não obstante a arrendatária ter sede em Portugal. I)– Resulta evidente que a Apelante alegou e demonstrou que o Requerido aparenta não ter intenção, nem meios, de pagar a dívida que detém para com a Apelante e que se prepara para se ausentar para França não deixando qualquer património em Portugal, sendo esta realidade mais do que suficiente para fundamentar o justo receio aos olhos do homem médio. J)– Ao contrário do que a sentença parece pressupor, o Requerido tem necessariamente que ter vários outros credores, já que se mostra impossível viver em Lisboa, mantendo a residência pessoal e a sede de uma sociedade comercial no locado, sem ter vários outros credores para além da Apelante enquanto sua Senhoria: quanto mais não seja, as empresas fornecedoras de serviços básicos como água, gás, eletricidade, telecomunicações, etc… K)– Sendo certo que a empresa arrendatária aparenta não ter nenhuma atividade geradora de qualquer volume de negócios, pois não existem contas do exercício depositadas no Registo Comercial e o cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira anota a sociedade arrendatária como “inativa”. L)– No que se refere ao suposto défice de alegação de factos que sugiram uma situação financeira difícil, cabe recordar que se demonstrou que o Requerido se encontra em dívida para com a Apelante pelo valor de € 7.867,04, enredando-se em “desculpas de mau pagador” para não liquidar os valores em causa, sendo esta situação indicativa, por si só e aos olhos do homem médio, da situação económica periclitante em que se encontra o Requerido e a sua sociedade. M)– É fortemente plausível que a Apelante possa obter ganho de causa no âmbito de uma ação principal contra o Requerido com vista à condenação deste ao pagamento do seu crédito, tal como dispõe o considerando 14) do Regulamento Europeu em causa. N)– Sendo certo que a manutenção da presente situação tornará inexequível (ou de muito difícil execução) uma decisão judicial futura que condene o Requerido no pagamento dos valores devidos à Apelante. O)– É certo que a simples falta de pagamento ou o simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se, não é, por si só, considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão de arresto; contudo, o Tribunal pode (e deve) ter em conta esses fatores na avaliação global da existência do risco. P)– Sendo forçoso concluir, nessa avaliação global, que sem o prévio decretamento da providência requerida será praticamente inviável a Apelante vir a obter o pagamento coercivo do seu crédito, na medida em que a mera citação para uma ação declarativa de condenação permitirá certamente ao devedor, em coerência com a linha de conduta que manteve até ao presente, fazer antecipadamente dissipar o saldo bancário da única conta que lhe é conhecida. Q)– De outro passo, refere a decisão recorrida que o pedido de arresto é liminarmente indeferido em virtude de, alegadamente, não se mostrarem alegados todos os factos de que depende o decretamento da decisão de arresto, nos termos previstos no artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 655/2014. R)– Sucede que a invocada norma do artigo 7º não faz menção a quaisquer factos que devam ser alegados, mas sim a elementos de prova para convencimento do Tribunal, o que se explica pelo facto de o legislador comunitário ter estruturado este procedimento do seguinte modo: a alegação dos factos é necessariamente sumária (como de se “temas de prova” se tratasse) e necessariamente limitada pelo espaço do formulário padronizado; já o convencimento do Tribunal há de resultar da dinâmica da prova apresentada – sendo que o Tribunal a quo não permitiu, sequer, que a Apelante produzisse prova testemunhal, desconhecendo-se, também, em que medida terá, ou não, sido valorada a prova documental. S)– Verifica-se, ainda, que o “indeferimento liminar” do pedido da Apelante foi decidido em total arrepio das regras próprias e especiais do Regulamento (UE) n.º 655/2014, já que o mesmo não prevê sequer aquela figura e, muito menos, com fundamento na falta de alegação de “todos os factos” supostamente exigidos pelo seu artigo 7º. T)– Assim e ao invés do decidido, a entender-se que a Requerente não teria fornecido todas as informações previstas no artigo 8.º do Regulamento, o Tribunal deveria tê-la convidado a retificar ou aperfeiçoar o pedido, conforme previsto no artigo 17.º, n.º 3, do Regulamento, a não ser que porventura julgasse o mesmo manifestamente inadmissível ou infundado, o que, de todo, não se verificava no caso em apreço. U)– Por outro lado, diante de um qualquer putativo temor de uma utilização abusiva do processo por parte da Apelante, o Tribunal sempre poderia condicionar o decretamento da providência à constituição, pelo credor, de uma garantia de montante suficiente para prevenir a sua utilização abusiva e para assegurar a eventual indemnização do devedor por quaisquer prejuízos por este sofridos em resultado da decisão de arresto, na medida em que o credor seja responsável por tais danos, nos termos do artigo 13º do Regulamento. O que não fez. V)– Ao decidir como decidiu, a sentença sob recurso violou, pelo menos e entre outras, as seguintes disposições normativas: artigo 7º, artigo 9º [em especial o seu n.º 1], artigo 17º [em especial os seus n.ºs 1 e 3] e, indiretamente e a contrario, o artigo 8º [em especial os seus n.ºs 1 e 2, alínea j)], todos do Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014. W)– A sentença sub judice é recorrível ao abrigo do disposto pelo artigo 21º do Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014. Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado inteiramente procedente e, em consequência: A)– Ser revogada a sentença sob recurso; B)– Ser ordenado o prosseguimento dos autos de procedimento cautelar de arresto de conta, nos termos do Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, seguindo os seus normais termos até final, designadamente com o decretamento da providência requerida. Assim se fazendo a esperada JUSTIÇA!» QUESTÕES A DECIDIR. Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se existem fundamentos para o indeferimento liminar da providência. Foram dispensados os vistos. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A factualidade com relevância para a apreciação de mérito é meramente processual constando do relatório, cujo teor se dá por reproduzido. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. A única questão em apreciação consiste em saber se existe fundamento para o indeferimento liminar deste procedimento cautelar. O procedimento de decisão europeia de arresto de contas foi instituído pelo Regulamento (EU) nº 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, tendo entrado em vigor em 18 de janeiro de 2017, o qual visa facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial. A ratio e pressupostos de tal procedimento são explicitados nos Considerandos 7 e 14 nestes termos: «(7) Um credor deverá poder obter uma medida cautelar sob a forma de uma decisão europeia de arresto de contas («decisão de arresto» ou «decisão») que impeça o levantamento ou a transferência de fundos que o seu devedor possui numa conta bancária mantida num Estado-Membro se existir o risco de, sem essa medida, a subsequente execução do seu crédito sobre o devedor ser frustrada ou consideravelmente dificultada. O arresto de fundos mantidos na conta do devedor deverá ter como efeito impedir que não apenas o próprio devedor, mas também as pessoas por este autorizadas a fazer pagamentos através dessa conta, por exemplo, por meio de uma ordem permanente, através de débito direto ou da utilização de um cartão de crédito, utilizem os ditos fundos. (…) (14) As condições de concessão da decisão de arresto deverão proporcionar um equilíbrio adequado entre o interesse do credor em obter uma decisão e o interesse do devedor em prevenir abusos da decisão. Por conseguinte, quando o credor apresentar um pedido de decisão de arresto antes de obter uma decisão judicial, o tribunal ao qual é apresentado o pedido deverá certificar-se, com base nos elementos de prova apresentados pelo credor, de que é provável que este obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor. Além disso, o credor deverá ter a obrigação de, em todas as circunstâncias, mesmo quando já tiver obtido uma decisão judicial, demonstrar suficientemente ao tribunal que o seu crédito tem necessidade urgente de proteção judicial e que, sem a decisão, a execução da decisão judicial existente ou futura pode ser frustrada ou consideravelmente dificultada por existir um risco real de que, na altura em que o credor vir esta decisão executada, o devedor possa ter delapidado, ocultado ou destruído os bens ou tê-los alienado abaixo do seu valor, com uma amplitude inabitual ou de modo pouco habitual. O tribunal deverá avaliar as provas da existência desse risco apresentados pelo credor. Tais provas poderão ter a ver, por exemplo, com o comportamento do devedor em relação ao crédito do credor ou num anterior litígio entre as partes, com o historial de crédito do devedor, com a natureza dos bens do devedor e com qualquer ato recentemente praticado por este a respeito dos seus bens. Ao avaliar as provas, o tribunal poderá considerar que os levantamentos efetuados das contas e os gastos em que o devedor incorre para exercer a sua atividade profissional habitual ou para despesas familiares recorrentes não são, em si mesmos, inabituais. A simples falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão. O simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se também não deverá, por si só, constituir um fundamento suficiente para proferir uma decisão. No entanto, o tribunal poderá ter em conta estes fatores na avaliação global da existência do risco.» Quanto ao regime instituído por tal Regulamento, as disposições chave para a apreciação requerida no caso em apreço são os artigos: «Artigo 7º Condições de concessão de uma decisão de arresto 1.- O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada. 2.- Caso não tenha ainda obtido num Estado-Membro uma decisão judicial, uma transação judicial ou um instrumento autêntico que exija que o devedor lhe pague o crédito, o credor apresenta também elementos de prova suficientes para convencer o tribunal de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor. (…) Artigo 9º Obtenção de provas 1.- O tribunal toma a sua decisão por procedimento escrito com base nas informações e provas apresentadas pelo credor no seu pedido ou a ele apensas. Se considerar que as provas apresentadas são insuficientes, o tribunal pode, se o direito nacional o permitir, exigir ao credor que apresente provas documentais suplementares. 2.- Não obstante o nº 1 e sem prejuízo do artigo 11º, desde que tal não atrase indevidamente o processo, o tribunal pode recorrer também a quaisquer outros métodos adequados de obtenção de provas previstos no seu direito nacional, tais como a audição oral do credor ou da(s) sua(s) testemunha(s), inclusive por videoconferência ou outra tecnologia da comunicação.» Conforme refere Joana Covelo de Abreu, “O Regulamento n.º 655/2014 que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas: direitos à ação e de defesa em tensão reflexiva no contexto de uma integração judiciária em matéria civil – uma precoce antevisão”, in E-book, Vol. I, Workshops CEDU 2016, p. 267, «cabe ao credor apresentar elementos probatórios suficientes que criem, no tribunal, a convicção de bom direito (fumus boni iuris), onde consiga reproduzir a urgência do acautelamento judicial procurado por se verificar um perigo real de que a execução do seu crédito seja impedida ou dificultada caso o arresto não seja decretado (periculum in mora) – art. 7.º, n. 1.» Os requisitos de decretação deste arresto não diferem, assim, dos exigidos pelo Artigo 391º do Código de Processo Civil – cf., por todos, Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, pp. 229-239. No caso em apreço, a requerente estribou o procedimento na alegação dos seguintes factos: a.- O requerido é o único sócio e gerente da sociedade “Pixel Pirâmide, Unipessoal, Lda.”, tendo-se constituído como fiador e principal pagador em contrato de arrendamento celebrado com a Requerente (arts. 1 a 3); b.- A requerente é credora do requerido pelo valor de € 7.868, 04, decorrente designadamente de rendas em atraso (desde dezembro de 2016) e indemnização (arts. 5 a 17); c.- Apesar das insistências da requerente, nenhum pagamento foi efetuado, apesar das promessas feitas (arts. 17 a 19); d.- O requerido comunicou à requerente que ia regressar definitivamente a França uma vez que a sua companheira aí se encontra e será pai (art. 20); e.- O requerido movimenta-se com frequência pelo estrangeiro, passando largos períodos fora de Portugal (art. 23); f.- A sociedade inquilina não tem qualquer atividade registada no portal da Autoridade Tributária (art. 24º); g.- No portal do Ministério da Justiça não consta qualquer atividade da sociedade, nem sequer a prestação de contas de 2016 (art. 25); h.- Para além da conta bancária, não são conhecidas quaisquer contas em nome do requerido ou da sociedade, designadamente em Portugal (art. 26); i.- Não são conhecidos qualquer património ou rendimentos em Portugal, seja em nome do requerido seja em nome da sociedade (art. 27). O tribunal a quo fundou a sua decisão neste racional: «Uma vez aqui chegados, convém trazer aqui à colação o conceito de “justo receio de perda da garantia patrimonial” de que depende o decretamento do arresto. Para se integrar este conceito é necessário que exista uma qualquer causa idónea a provocar num homem médio esse receio; isto é, que seja alegada qualquer atuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito. Aliás, é isto que resulta expressamente dos considerandos do Regulamento (EU) n.º 655/2014. Acontece que, salvo o devido respeito por opinião contrária, no caso em apreço, a alegação efetuada pela requerente não é suficiente nesse sentido. Na verdade, a requerente limita-se a afirmar que o requerido pretende regressar a França, que a sociedade inquilina não tem registada qualquer atividade, que não são conhecidas outras contas bancárias em nome do requerido ou dessa sociedade, designadamente, em Portugal e que não é conhecido qualquer património ou rendimentos auferidos em Portugal, seja em nome do requerido, seja em nome da sociedade inquilina. Ora, conforme se extrai especificamente do Considerando 14 do Regulamento, não basta para preencher o requisito do receio da perda patrimonial alegar que o requerido não pagou, não obstante as interpelações efetuadas e que o único património que possui são os depósitos na conta cujo arresto se requer, mesmo sabendo-se que o dinheiro é um bem de fácil dissipação ou ocultação. Haveria que alegar comportamentos ou condutas do requerido que sustentassem o justo receio de perda da garantia patrimonial, designadamente, que o requerido já se desfez de todo o seu património ou outras condutas que indiciassem que se prepara para dissipar ou ocultar o dinheiro que se encontra depositado na(s) sua(s) conta(s) bancária(s), o que a requerente em momento algum alegou. Por outro lado, a requerente nem sequer alega a existência de outras dívidas por parte do requerido que pudessem indiciar minimamente que o requerido se encontra numa situação financeira precária, assim como, não alega quaisquer outros factos que sugiram uma qualquer situação financeira difícil. Antes pelo contrário, a alegação da requerente encontra-se restrita a Portugal, porquanto afirma que não conhece outro património ou outros rendimentos auferidos em Portugal, deixando, assim, antever a possibilidade de existirem outros rendimentos auferidos pelo requerido no estrangeiro. Em suma, a requerente não alega factos objetivos que, no seu conjunto, permitam concluir que existe um justo receio de perda de qualquer garantia patrimonial do seu crédito, sendo certo que era no requerimento inicial que o tinha que fazer.» Não merece acolhimento a fundamentação adotada pelo tribunal a quo. Com efeito, a alegação da requerente veicula o seguinte: a divida do requerido e da sua sociedade vem aumentando há quase um ano, não sendo conhecidos rendimentos nem atividades em Portugal nem ao requerido nem à sociedade constituída e sediada em Portugal; apesar de promessas de pagamento, o requerido não as cumpriu; está iminente a ida definitiva do requerido para o estrangeiro (França). Colocado perante este quadro fáctico, qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir e propósitos do requerido, teme vir a perder a possibilidade de cobrar, efetivamente, o seu crédito. Com efeito, a solvabilidade do requerido é – segundo o alegado – nula, o seu património é escasso, e o requerido evidencia um propósito reiterado de não cumprir que será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a recuperação do crédito. Este quadro fáctico é suficiente para demonstrar o periculum in mora. Perante este quadro fáctico, é desnecessária a alegação/demonstração de atos especificados de dissipação do património do requerido porquanto, nos termos alegados, tal património é escasso. Também não é necessária a alegação/demonstração da existência de outros credores, tanto mais que – sendo o crédito de montante não elevado (inferior) a € 8.000 –o seu reiterado não pagamento evidencia, de forma clara e mais sintomática, a insolvabilidade e/ou o propósito de não cumprir. Também não faz qualquer sentido que se exija ao requerente deste tipo de procedimento a alegação e prova de que o requerido não tem rendimentos ou bens no estrangeiro, no caso, em França. Tal exigência consubstanciaria uma prova diabólica que, à partida, inviabilizaria este novo arresto no espaço da União Europeia. Com efeito, o princípio da tutela jurisdicional efetiva está consagrado no Artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais e subdivide-se em dois outros: o princípio da equivalência e o princípio da efetividade. Na formulação do Acórdão Unibet de 13.5.2007, Processo C-432/05, «as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito comunitário não devem ser menos favoráveis do qua as que respeitam a ações similares de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade)». Exigir à requerente a alegação/demonstração de que o requerido não tem bens e/ou rendimentos no estrangeiro, designadamente em França, seria impor uma conduta processual que violaria o princípio da efetividade porquanto, na prática, isso significaria que o exercício do direito de arresto ficaria extremamente difícil. Termos em que deve proceder o recurso. DECISÃO. Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão de indeferimento liminar, devendo o procedimento seguir os seus termos. Sem custas. Lisboa, 28-11-2017 (Luís Filipe Sousa) (Carla Câmara) (Higina Castelo) [1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85. [2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. |