Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6841/17.2T8SNT.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
EXCESSIVA ONEROSIDADE
VEÍCULO DE SUBSTITUIÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/ALTERADA
Sumário: I A excessiva onerosidade não pode resultar apenas da circunstância de a reparação do veículo custar mais que o seu valor comercial.

II Cabia à ré seguradora provar que havia disponível no mercado veículo com as mesmas, ou pelo menos muito idênticas características às do veículo da autora, por preço substancialmente inferior ao da reparação deste e se concluísse que a autora não ficaria lesada no seu direito a ser indemnizada.

III Se a ré sabia da existência de algum veículo adequado a substituir o sinistrado, impunha-lhe a boa fé - princípio que perpassa todo o nosso ordenamento jurídico - que tivesse apresentado à autora proposta para lhe o entregar, pondo assim rapidamente fim ao diferendo a contento de ambas as partes.

IV É inconcebível que a Seguradora entenda que é sobre a lesada que recai o encargo de fazer pesquisas para encontrar um veículo de características semelhantes ao seu.

V Merece ser indemnizada por danos não patrimoniais a lesada que sofreu angústia, preocupação e enervamento por se ver subitamente privada do seu veículo devido em acidente para o qual nada contribuiu, indispensável para o seu quotidiano a ponto de se ter socorrido do auxílio de pessoas amigas para se fazer transportar aos sítios onde precisava.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


MM instaurou acção declarativa comum em 06/04/2017 contra Companhia Seguros Tranquilidade, SA e que foi substituída na lide por Seguradoras Unidas, SA pedindo que a ré seja condenada a indemnizá-la pelos danos que sofreu em virtude do seu veículo ter sido embatido por um veículo segurado da ré, nestes termos:
a)- Deve ser a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 8.630,58 € acrescida de IVA à taxa legal de 23% acrescida de juros à taxa legal, vencidos desde a data do acidente e vincendos até integral pagamento, necessária para a reparação do seu veículo;
b)- Caso assim não se entenda, deve a ré ser condenada a disponibilizar-lhe um veículo com as características e nas mesmas condições em que se encontrava o seu antes do acidente, ou seja, o valor de substituição do veículo e não o valor venal ou de mercado, calculado à data do acidente e que a autora reputa ser não inferior a 7.500 €, acrescido dos juros de mora vencidos desde a data do acidente até integral pagamento;
c)- Deve a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de 966,04 € que despendeu com um veículo de aluguer no período de 22/12/2016 a 02/01/2017;
d)- Deve a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia diária de 35 € pelo prejuízo diário sofrido com a privação do uso do seu veículo desde a data do acidente até à sua reparação ou até à data de aquisição pela ré de um veículo com as mesmas características e condições de conservação em que se encontrava o sue veículo, o que até à data da instauração da acção contabiliza em 144 dias à razão diária de 35 €, num total de 5.040 €, acrescendo as quantias que se vencerem até à resolução desta questão bem como juros legais vencidos desde a citação até integral pagamento;
e)- Deve a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de 1.440 € referente à despesa suportada com o depósito do veículo na oficina até à data da instauração da acção mais a quantia diária de 10 € até resolução desta questão acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
f)- Deve a ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de 5.000 € pelos danos não patrimoniais acrescida dos juros legais desde a citação até integral pagamento.
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A ré contestou aceitando a responsabilidade do seu segurado pela produção do acidente, mas impugnou os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, concluindo que deve ser absolvida do pedido em tudo o que exceder a quantia de 3.750 €.
***

Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente nestes termos:
1. condenou a ré a pagar à autora a quantia de 4.000 € de capital acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano ou outra que vigorar contados desde a data de trânsito em julgado da sentença até integral pagamento;
2. condenou a ré a pagar à autora a quantia de 370 € de capital acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano ou outra que vigorar contados desde a data da citação até integral pagamento;
3. condenou a ré a pagar à autora a quantia de 966,04 de capital;
4. absolveu a ré do mais que vem pedido.
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Inconformada, apelou a autora, terminando a alegação com estas conclusões:
-Versa o presente recurso matéria de facto e de direito, tais como, os vícios que afectam a validade da decisão proferida, nomeadamente, erro na aplicação do direito aos factos, erro na determinação da norma aplicável, violação de normas jurídicas (cfr. artº 616º nº 2 al. a) do CPC).
-Atento o disposto no art. 662º do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados tiver sido impugnada -nos termos do art. 640º do CPC - a decisão com base neles proferida.
-Fundamentação: erro de julgamento - concretos pontos de facto incorrectamente julgados provados e não provados e meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida - aplicação do direito aos factos/ normas jurídicas violadas/ sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas: vem o presente recurso interposto da douta sentença que da douta sentença que julgou a acção parcialmente improcedente, decidindo o seguinte: “Por todo o supra exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, (…)
-Atendendo a que, a Recorrida, assumiu, desde logo, a responsabilidade pelo acidente, as questões a decidir são as seguintes: -Reparação do veículo ou valor de substituição (e não valor venal)-Valor diário de um veículo de substituição decorrente da paralisação do veículo da Recorrente (dano patrimonial) -Direito da Recorrente a ser ressarcida pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente -Depósito do veículo na oficina para onde foi rebocado e ainda hoje se encontra e seu valor diário.
-O ponto 1.7 dos factos julgados provados encontra-se incorrectamente dado como provado no que respeita ao valor atribuído a veículo idêntico ao da Recorrente, face à prova testemunhal e documental produzida em sede de audiência de julgamento.
- No ponto 1.7 refere-se que: «O valor de veículo idêntico e no mesmo estado de conservação em que o AH se encontrava antes do acidente, em função do seu estado de conservação (bom), do seu ano de fabrico e matrícula (07-2005) da quilometragem que exibia (140.857 km) e seu motor (1.300 cm3 movido a gasolina e debitando 95 cv), é de 4.750 €».
-Temos o seguinte depoimento das testemunhas e declarações de parte da A. no que releva para as questões a decidir neste recurso:
Depoimento da testemunha FM, mecânico de automóveis, (…);
Depoimento da testemunha SR, Coordenadora de ATL e Infância, (…);
-Depoimento da testemunha EC, Reformada, (…);
-Depoimento da testemunha JP, Perito Avaliador, (…);
- Depoimento da testemunha TV, Perito Avaliador, (…);
- Depoimento da testemunha JM, mecânico de automóveis, (…);
- DECLARAÇÕES DE PARTE DA AUTORA - MM, com 62 anos de idade, solteira, reformada (…).
-A respeito da matéria de facto incorrectamente dada por provada no ponto 1.7 da douta sentença recorrida as testemunhas disseram o seguinte: FM (…); SR (…); EC (…); JV
(…); DECLARAÇÕES DE PARTE DA AUTORA (…).
-Havendo discrepância dos valores indicados e tendo sido referido que a Recorrente, com o valor de 4.000,00€ não conseguia comprar um veículo idêntico ao seu, apesar das buscas e deslocações a stands automóveis que fez para o efeito e que não podia comprar um veículo sem qualquer garantia, como sucede com os que aparecessem à venda nos sítios da internet indicados, nomeadamente, pelo perito avaliador da Recorrida, como é o caso do OLX, Custo Justo e Standvirtual, tanto mais que o mesmo referiu que não se deslocou aos locais para verificar o estado de conservação dos referidos veículos, deverá ser dado como não provado
no ponto 1.7 que o valor de veículo idêntico ao da A. é de 4.750€, já que, a prova produzida (supra transcrita) impõe tal decisão.
10ª-A Recorrida em todas as comunicações que enviou à Recorrente (cfr. documentos juntos à p.i. que aqui se dão por reproduzidos) nunca referiu que se tratava de uma perda total, mas sim de uma perda parcial, nem demonstrou que a reparação da viatura da A. era excessivamente onerosa ou sequer lhe indicou onde poderia adquirir um veículo idêntico ao seu pelo preço proposto (cfr. nomeadamente, declarações de parte da A. supra transcritas, (…).
11ª-Depois de um regime claramente inconstitucional, por favorecimento das seguradoras, introduzido pelo DL 83/2006, de 03/05, o legislador fez marcha atrás com o art. 41º nº 2 do DL 291/2007, de 21/08, pondo-o de acordo com as normas do Código Civil (principalmente dos seus arts. 483º, 562º, 563º e 566º); isto, embora com uma redacção que pode confundir as coisas por identificar o valor venal do veículo (que antes se considerava igual ao valor da venda no mercado do veículo) ao valor de substituição.
12ª-O lesado tem direito à reparação do seu veículo – reconstituição natural – excepto se a seguradora alegar e provar que a reparação é excessivamente onerosa (art. 566º nº 1 do CC), o que não se verificou no caso em apreço, como decorre dos depoimentos supra transcritos.
13ª-De facto, a excessiva onerosidade comprova-se com a comparação entre o valor da reparação e o valor de substituição que é o valor que o lesado teria de pagar para comprar um veículo que fizesse as vezes do seu, estragado pelo acidente, ou seja, o valor que terá de pagar para comprar um veículo da mesma marca, modelo, ano de construção, equipamento, estado de conservação e quilometragem, sendo certo que nenhum dos veículos referidos pelas testemunhas era apto a substituir o da A..
14ª-Além do mais, a Recorrida nunca informou nem indicou à Recorrente onde a mesma poderia comprar um veículo idêntico ao seu pelo preço proposto, apesar desta lhe ter solicitado tal informação (cfr. factos dados por provados nos pontos 1.25 e 1.30 da douta sentença recorrida).
15ª-No acórdão do TRP de 19/02/2015, proc. 1306/13.4TBMCN a seguradora, no conjunto das comunicações ao lesado, indicava expressamente o valor como sendo aquele pelo qual o lesado poderia comprar um veículo idêntico, indicando também onde o poderia fazer, assim cumprindo a recomendação do provedor de justiça 2/B/2009, de 29/05/2009, de “a empresa de seguros, ao propor a regularização de um sinistro com base no conceito de perda total, não se limitar a indicar o valor da indemnização por perda total, indicando, outrossim, a disponibilidade no mercado de veículo automóvel com características similares às do veículo sinistrado e que franqueie ao lesado uma utilização comparável à que este proporcionava.”).
16ª-Neste caso, a Recorrida não provou o valor venal/de mercado do veículo da A. antes do acidente, nem o valor de substituição do mesmo.
17ª-Na contestação a Recorrida utiliza/invoca os termos correctos, mas não tenta sequer alegar em concreto como e onde é que a Recorrente podia adquirir tal veículo, sendo certo que, o valor de venda do veículo não é o valor de compra, o valor que teria de pagar para comprar um veículo com idênticas características e qualidades que o seu.
18ª-Não estando provado o valor de substituição, mas o valor de mercado, não é possível fazer a comparação que está na base da conclusão da excessiva onerosidade da reparação.
19ª-Nesta conformidade, deve proceder o pedido efectuado pela Recorrida na alínea a) da sua petição inicial, condenando-se a Recorrida em conformidade.
20ª-O ponto 2.2 da douta sentença foi incorrectamente julgado não provado face à prova testemunhal produzida quanto ao mesmo.
21ª-No ponto 2.2 refere-se que: “ A recolha do veículo AH custa a quantia diária de 10 €, contabilizada desde a data do referido acidente.”
22ª-A este respeito temos o depoimento da testemunha FM (supra transcrito); da testemunha JM (supra transcrito); e as declarações de parte da A. MM (supra transcritas).
23ª-Assim, deve ser julgado provado que: “2.2: A recolha do veículo AH custa a quantia diária de 10 €, contabilizada desde a data do referido acidente.”
24ª-Pelo que, em conformidade, deve ser julgado provado o pedido formulado na alínea e) da petição inicial.
25ª-A existirem quaisquer dúvidas acerca do montante e período de cobrança do parqueamento da viatura na oficina, o que não se aceita, mas apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, tal questão deveria ter sido relegada para apurar em incidente de liquidação, ao contrário do que se refere na douta sentença recorrida.
26ª-O ponto 2.4 da douta sentença foi incorrectamente julgado não provado face à prova testemunhal produzida quanto ao mesmo.
27ª-No ponto 2.4 refere-se que: “Em consequência (directa) do acidente, a autora sofreu enorme angustia, frustração, incómodos, preocupações, enervamento e aborrecimentos.”
28ª-A este propósito a testemunha FM (…); a testemunha SR(…); a testemunha EC (….): a A. MM(…).
29ª-Daqui resulta que, face à prova produzida deve ser julgado provado no ponto 2.4 que: “Em consequência (directa) do acidente, a autora sofreu enorme angustia, frustração, incómodos, preocupações, enervamento e aborrecimentos.”.
30ª-Pelo que, em consequência, deve ser julgado procedente o pedido formulado na alínea f) da petição inicial, condenando-se a recorrida a indemnizar a Recorrente pelos danos não patrimoniais sofridos, uma vez que, tais danos, atendendo à sua gravidade e reiteração, merecem a tutela do Direito, nos termos do disposto no artº 496º do CC.
31ª-No que respeita aos danos patrimoniais decorrentes da paralisação do veículo da Recorrente o valor de 10,00€ diários indicados na douta sentença não tem qualquer correspondência com a realidade, devendo tal valor situar-se no valor médio pedido pela Recorrente de 35,00€ diários, tendo em consideração que a mesma pagou por um veículo de substituição a quantia diária de 55,30€ (cfr. docº nº 23 da p.i.), sendo devido desde a data do acidente até à efectiva reparação do mesmo ou até à data em que a Recorrida arranje à Recorrente um veículo com as mesmas características e nas mesmas condições de conservação do seu, conforme peticionado na alínea d) da petição inicial.
32ª-O Tribunal, ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados,
permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª instância (cfr. artº 607º nº 4 e 5 do CPC), o que não se verificou no caso em apreço, como resulta do que se deixou dito supra.
33ª-Não se trata de uma mera discordância ou interpretação diversa daquela que o Tribunal a quo teve no seu contacto directo e livre com as provas, a verdade é que existe uma divergência marcada daquilo que resulta da prova testemunhal gravada e das conclusões retiradas.
34ª-Ao não decidir assim, a douta decisão violou, nomeadamente, o disposto no artº 41º nº 2 do DL 291/2007 de 21/08, nos artºs 483º, 496º, 562º, 563º e 566º do CC, bem como, no artº 607º nºs 4 e 5 do CPC, porquanto, fez errada interpretação e aplicação das referidas normas ao caso em apreço, como decorre do supra exposto, considerando a Recorrente que as mesmas deviam ter sido interpretadas e aplicadas nos termos constantes do supra exposto, julgando-se a acção totalmente procedente e provada.
Nestes termos, e nos mais de Direito, que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente procedente por provada, em conformidade com o supra exposto, fazendo-se, assim, a costumada justiça.
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A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se deve ser a ré condenada a pagar o valor da reparação do veículo
- se deve a ré ser condenada a pagar alguma quantia referente a despesas com o depósito/parqueamento do veículo
- se deve ser alterado o valor atribuído pela 1ª instância a título de indemnização do dano de privação do uso
- se deve ser a ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais
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IIIFundamentação.

A) Na sentença recorrida vem dado como provado:

1.1- No dia 12-11-2016, pelas 12 horas e 50 minutos, na Avenida do Atlântico, n.º 107, Banzão, Colares, em Sintra, ocorreu um acidente de viação entre o veículo de matrícula AH (adiante (AH), propriedade da Sr.ª MM, e o veículo de matrícula HN(adiante HN), conduzido pelo Sr. Alexandre Moreira de Freitas e de sua propriedade.
1.2- O veículo AH encontrava-se estacionado junto ao n.º 107 da referida Avenida quando o veículo HN despistou-se, embatendo violentamente naquele veículo, projectando-o para a via pública.
1.3- O local do acidente é uma recta e o estado do tempo era bom.
1.4- Após o acidente, o veículo AH, por se encontrar impossibilitado de circular, não reunindo as condições necessárias para tal, foi transportado de reboque para a oficina da empresa M... § Filhos, Lda., sita na Rua da Requeijada, n.º 3, Janas, em Sintra.
1.5- O veículo AH sofreu diversos danos materiais, designadamente em toda a parte traseira, parte lateral esquerda e direita, pneus e jantes.
1.6- A reparação do veículo AH monta a 10.615,61 €, IVA incluído à taxa de 23%, conforme orçamento de fls.25/v-26 (documento n.º 13 com a petição) cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido em razão da sua extensão.
1.7- O valor de veículo idêntico e no mesmo estado de conservação em que o AH se encontrava antes do acidente, em função do seu estado de conservação (bom), do seu ano de fabrico e matrícula (07-2005) da quilometragem que exibia (140.857 km) e seu motor (1.300 cm3 movido a gasolina e debitando 95 cv), é de 4.750 €.
1.8- Foi proposta a aquisição dos seus salvados, pela empresa José C...S..., Lda., pela quantia de 750 €.
1.9- A autora, atendendo ao sítio onde reside, necessitava e necessita de utilizar o seu veículo diariamente, fosse para ir às compras ou para tratar de outros assuntos, fosse para sair com as pessoas amigas e visitá-las, bem como aos seus familiares.
1.10- A autora, muitas vezes, até ter adquirido outra viatura em 03-03-2017, socorreu-se do auxílio de pessoas amigas para se fazer transportar aos sítios onde precisava ir, o que muito a entristeceu, aborreceu e enervou.

1.11- A autora, através de mensagem de correio electrónico de 14-11-2016, recebida pela ré, participou o sinistro e reclamou desta: «O meu veículo encontra-se na oficina atrás indicada a aguardar a Vossa peritagem e intervenção. Não tenho modo de me deslocar, sendo o meu carro o único meio de transporte que possuo. (…) Agradeço que me sejam fornecidas informações, com urgência, sobre o andamento do processo pois necessito de carro para me deslocar diariamente, pretendendo que me seja fornecido, pela Tranquilidade, um veículo de substituição até o meu carro estar reparado (se isso for possível dado o estado em que ele ficou)».

1.12- A ré concedeu à autora um veículo de substituição pelo período de 4 dias.
1.13- A autora, através de mensagem de correio electrónico de 28-11-2016, recebida pela ré, reclamou desta: «Desde a data da ocorrência do sinistro (…) que me encontro privada do meu veículo, peça fundamental para a minha mobilidade diária. (…) Na passada 2.ª feira, após o meu contacto telefónico, tive, finalmente, acesso a um carro de substituição, o qual me foi retirado na passada 6.ª feira de manhã, uma vez que o processo estaria na fase final, segundo informação do operador que me atendeu. Apesar de não concordar com a decisão entreguei o veículo na TURISCAR em Mem Martins e fiquei novamente sem hipóteses de deslocação. Já anteriormente expliquei que a minha morada é em Almoçageme, uma aldeia do concelho de Sintra, carente de transportes. Isto significa que me encontro retida/presa em casa, com milhentos assuntos para tratar que requerem a utilização diária do meu veículo».

1.14- A ré, através de carta de 15-11-2016, recebida pela autora, solicitou-lhe que preenchesse e devolvesse a declaração amigável de acidente de viação, o que esta recusou através de mensagem de correio electrónica desse dia, por «não ter presenciado o acidente».
1.15- Ainda no referido dia 29-11-2016, a ré, através de mensagem de correio electrónico, recebida pela autora, declarou: «Junto enviamos a nossa carta de 24-11-2016 a informar que estamos a assumir o sinistro e que foi uma perda parcial».
1.16- A essa comunicação a autora respondeu nesse dia, pelo mesmo modo, respondendo não ter sido «enviada em anexo a carta de 24-11-2016 que referem».
1.17- Posteriormente, a ré, através de mensagem de correio electrónico de 06-12-2016, recebida pela autora, enviou-lhe a missiva datada de 24-11-2016, sob assunto «proposta definitiva de perda parcial», onde declara: «no seguimento da vistoria efectuada constatámos que a viatura de V. Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação de 6.278,13 € na oficina JA M... § Filhos, Lda., a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (750 €), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (4.500 €), colocamos à disposição de V. Ex.ª a quantia de 3.750 € ficando a aguardar que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura».
1.18- A ré, através do correio postal, enviou à autora uma comunicação datada de 24-11-2016, recebida por esta, sob assunto «proposta condicional de perda parcial», onde declara: «no seguimento da vistoria efectuada constatámos que a viatura de V. Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação de 6.278,13 € na oficina MM, a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (750 €), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (4.500 €), e embora não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, propomos condicionalmente a quantia de 3.750 € solicitando que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura».
1.19- A ré, através do correio postal, enviou à autora uma comunicação datada de 10-12-2016, recebida por esta em 16-12-2016, sob assunto «proposta definitiva de perda parcial», onde declara: «Relativamente ao processo em referência, serve a presente para informar que, de acordo com os elementos probatórios de que dispomos, estamos a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do presente sinistro. Nesta conformidade e na sequência da nossa comunicação anterior, encontra-se ao vosso dispor o valor de 3.750 € mantendo V.ª Ex.ª a posse do veículo com danos. Relembramos que nos deverão ser facultadas cópias do bilhete de identidade e contribuinte do proprietário, assim como dos documentos da viatura».
1.20- A autora, através de mensagem de correio electrónico de 11-12-2016, recebida pela ré, respondeu: «Acuso a recepção da v/ carta datada de 24/11 que apenas me foi enviada no passado dia 6/12, via email. Depois de ler a v/ proposta definitiva de perda parcial sinto-me enganada e burlada. Reconhecem que o valor estimado para reparação do meu veículo, que se encontrava estacionado e que o v/ cliente destruiu, orça em cerca de 6.278,13 €. Não referem como chegaram a esse valor, nem como, ou quem o orçamentou. A única pessoa que viu o veículo foi o v/ perito que referiu que o mesmo não tinha arranjo possível e que iria dar o veículo como perda total. Depois, pasme-se, ofereceram-me um “valor de mercado” de 3.750 € + 750 € de valor de salvado, num total de 4.500 €. Se bem percebi, colocam à minha disposição um valor de 3.750 € para eu efectuar uma reparação que “calculam” que rondará os 6.278,13 €. Supondo que esse valor até poderá ser o valor “certo” pergunto: como querem/esperam que eu pague o restante valor de 2.528,13 €? Peço um empréstimo ao banco para pagar um serviço do qual não tenho qualquer responsabilidade? Fico a aguardar que, por sorte ou azar, o Euromilhões me saia? Convém que a Tranquilidade tenha em mente de que eu sou a lesada! Relembro aquilo que já por várias vezes escrevi e para o qual não obtive nenhuma resposta da v/ parte. Estou há 1 mês sem carro devido a um acidente do qual não tive qualquer culpa e ao qual nem assisti. Vivo numa aldeia que não tem transportes frequentes e na qual não é possível viver sem carro, seja para ir a um supermercado, ao talho, aos CTT, aos bancos, etc. Tenho 61 anos e estou presa nesta aldeia, toda a minha vida está suspensa, o que me tem causado graves perturbações psicológicas e físicas. Faço notar que a Tranquilidade apenas me cedeu um veículo de substituição por 4 dias e recusou-se a atribuir-me por mais dias um veículo que me permita fazer a minha vida normal. O meu
veículo, um Mitsubishi Colt 1.3 Invite Pack 1, de 2005, nunca me deu quaisquer problemas financeiros nestes 11 anos de vida. Bastou-me fazer as revisões normais e colocar gasolina. Tratava-se de um carro em excelentes condições mecânicas com uma esperança de “vida” de 10 ou 15 anos, sem problemas. Apesar de ter 11 anos era um carro que me bastava e preenchia as minhas necessidades pelo que, para mim, não se trata de um bem transaccionável. A quantia irrisória que me propõem atribuir não me permite reconstituir, de forma nenhuma, a situação financeira, de comodidade e de liberdade de movimentação que eu tinha antes do v/ cliente me ter destruído o carro, nem me permite adquirir um carro semelhante. Não pedi que me destruíssem o carro, foi-me destruído pelo v/ cliente que conduzia em excesso de velocidade, sem qualquer intervenção da minha parte. Assim, solicito que, com a maior urgência, atentem ao que acabei de expor e façam uma proposta justa para a reparação do veículo ou, em alternativa, que me arranjem um veículo com as características que o meu tinha, antes do acidente. Em breve irei enviar-vos o orçamento previsional para a reparação do meu veículo, nas condições que tinha antes do acidente, por forma a poder circular sem quaisquer danos irreversíveis».
1.21- A autora, através de mensagem de correio electrónico de 03-01-2017, recebida pela ré, comunicou-lhe: «Antes do Natal contactei a Tranquilidade para saber do andamento da resposta ao meu email de 11/12. Informaram-me de que o processo teria seguido para uma comissão técnica para apreciação. Hoje voltei a contactar-vos e a resposta continua a ser a mesma: não há resposta. Relembro que continuo sem carro, desde 12/11, com os transtornos decorrentes. Informo que aluguei um veículo para me deslocar à Covilhã durante a época de Natal e Ano Novo, cujo documento envio em anexo, para vosso conhecimento. O mesmo vai ser enviado à Tranquilidade, via CTT, para que me seja reembolsado o valor despendido, por ser da vossa responsabilidade o pagamento da despesa, de acordo com o Decreto-Lei n.º 291/2007. (…) Aproveito para enviar uma pesquisa efectuada de veículos que se encontram à venda no Standvirtual, de acordo com as características do meu veículo».
1.22- A autora utilizou um carro de aluguer na sua deslocação à Covilhã, no período de Natal e Ano Novo, isto é, entre 22/12 a 02/01, com o que despendeu a quantia de 966,04 €, tendo-lhe sido emitido o correspondente recibo em 02-01-2017.
1.23- Este recibo foi enviado pela autora à ré em 03-01-2017, recebido em 05-01-2017, para reembolso.
1.24- A ré, através de mensagem de correio electrónico de 04-01-2017, recebida pela autora, comunicou-lhe: «Informamos que estamos de acordo em apresentar proposta de 4750-750, pelo que colocamos à disposição 4.000 €».
1.25- A autora, por mensagem de correio electrónico de 05-01-2017, recebida pela ré, respondeu: «(…) 3. A vossa estimativa para a reparação do meu veículo é de 6.278,13 € versus o orçamento previsível da mesma oficina JA M... § Filhos, Lda., que é de 10.615,81 €, pelo que o valor apresentado pela Tranquilidade não cobre as despesas de reparação em nenhum dos orçamentos, nem me permite adquirir um veículo com as características que o meu tinha à data do acidente. 4. Solicito que me seja enviado o v/ orçamento no valor de 6.278,13 €, com o nome da oficina que o fez, onde conste que o veículo após a reparação e após inspecção B não apresentará danos irreversíveis ou de segurança. (…) 6. Solicito, ainda, que me sejam fornecidas opções de compra de veículos no mercado, com as características que o meu tinha à data do acidente».
1.26- A autora, através de nova mensagem de correio electrónico de 05-01-2017, recebida pela ré, comunicou-lhe: «Tenho mais uma dúvida da qual pretendo ser esclarecida, por escrito. No site da Tranquilidade, no separador de Sinistros Automóvel, encontra-se uma página “perguntas frequentes sobre sinistros automóveis” onde respondem a diversas perguntas. Na pergunta 9 – “paralisação” é respondido: (…). Assim, solicito que me esclareça, via email, em que se baseia a Tranquilidade ao recusar-me, de acordo com a Lei, o fornecimento de uma viatura de substituição, enquanto o meu veículo se encontra danificado e sem condições de circulação».
1.27- A ré, através de mensagem de correio electrónico de 19-01-2017, recebida pela ré, respondeu-lhe: «Em resposta, informamos que de acordo com a análise efectuada pelos nossos serviços técnicos de peritagem, o valor já atribuído de mercado está de acordo com as características do veículo pelo que o valor venal do mesmo de 4750 € está ajustado ao modelo, reduzindo o valor do salvado que fica na sua posse o valor a indemnizar é de 4.000 €. Quanto à paralisação informamos que de acordo com o disposto da lei vigente a obrigação da assunção das despesas de paralisação cessa no momento em que lhe é colocado o valor de indemnização à sua disposição, pelo que deste modo os valores assumidos em despesas desta natureza como já foi liquidado o valor 14,60 € com a sua apresentação serão alvo de análise pela nossa parte».
1.28- A autora, através de mensagem de correio electrónico de 23-01-2017, recebida pela ré, comunicou-lhe: «(…) Continua a não reconhecer a questão principal, isto é, que a Tranquilidade, através da carta que me enviou, com data de 10/12/2016, assumiu a perda parcial (…). Ou seja, se assumem a responsabilidade pela regularização dos danos provocados no meu veículo, trata-se de uma perda parcial estando a assumir o pagamento total dos mesmos. Se consideram que o valor a pagar pela reparação dos danos é muito oneroso (…) o que até compreendo neste caso, devem então devolver-me um veículo idêntico ao que eu tinha antes do acidente. Ao invés, a Tranquilidade pretende que eu fique com um veículo completamente destruído e que seja eu, a lesada, a suportar as despesas da sua reconstituição (…)».
1.29- A ré, através de mensagem de correio electrónico de 24-01-2017, recebida pela ré, respondeu-lhe: «(…) Deste modo, em virtude da reparação ser materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, ou se constante que o mesmo valor seja superior a 100% ou 120% ao seu valor venal a Companhia tem a obrigação de indemnizar em dinheiro e não em reparação do veículo de acordo com o seu valor venal subtraindo o valor do salvado. (…)».
1.30- A autora, através de mensagem de correio electrónico de 24-01-2017, recebida pela ré, reagiu: «(…) Se bem se lembra, solicitei-lhe o envio do relatório da v/ peritagem, no valor de 6.278,13 € e o mesmo nunca me foi enviado. (…) Na v/ carta de 24/11, da qual apenas tive conhecimento, por email, em 6/12/2016, referiram que “na hipótese de não pretender reparar o veículo…” o que pressupôs, de imediato, que o veículo poderia ser reparado, razão pela qual se tratava de uma proposta de perda parcial. (…) Relativamente ao n.º 7, a Tranquilidade nunca me prestou nenhumas informações sobre o andamento do processo. Fui sempre eu que tive de contactar do Call Center para obter informações, já que por email nunca tive resposta sua às minhas solicitações. (…) A Tranquilidade assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro, de acordo com carta de 10/12/2016, pelo que deveria apresentar uma proposta razoável. (…) Já por diversas vezes escrevi sobre a minha condição financeira e sobre a injustiça da v/ proposta, visto tratar-se de um valor completamente desequilibrado e desfavorável para mim.
Creio que a Tranquilidade não tem seguido o disposto na lei. (…) Salvo melhor opinião, esta alínea aplica-se em casos de perda total. Mas a Tranquilidade não apresentou uma proposta definitiva de perda parcial? Não se responsabilizou pela regularização dos danos decorrentes do sinistro? Estou baralhada! Se é responsável pelo pagamento dos danos e afirma que a viatura sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao valor de mercado antes do acidente, resta-lhe, apenas, efectuar uma proposta razoável baseada no valor patrimonial e não no venal, ou apresentar propostas de veículos de mercado que possam substituir o meu, nas mesmas condições que ele apresentava antes do acidente. (…) Se a Tranquilidade segue os procedimentos do Decreto-lei n.º 291/2007, não deveria recusar-me um veículo de substituição, incorrendo em ilegalidade. Apenas me foi atribuído um veículo de substituição durante 4 dias, de 21 a 24/11. E já la vão 2,5 meses. Relativamente às despesas de aluguer de uma viatura de 22/12/2016 a 02/01/2017 que enviei à Tranquilidade em 03/01/2017, no valor de 966,04 €, para reembolso, não obtive, ainda, qualquer informação da v/ parte. Continuo a aguardar o reembolso da despesa. (…) Esta alínea deve ser a que menciona para justificar a recusa da Tranquilidade na atribuição de um veículo de substituição. No entanto, volto a referir, a Tranquilidade não assumiu uma perda total mas sim uma perda parcial. Lembro, também, o facto de a seguradora colocar à disposição do lesado o pagamento de uma indemnização, não quer dizer que o lesado a aceite. O que o legislador diz é que, após acordo entre as partes, a seguradora coloca à disposição do lesado o valor acordado e aí, sim, o lesado deve devolver, de imediato, o veículo de substituição que lhe entregue. (…) Em nenhuma comunicação vossa me foram indicadas as entidades  que procedem à arbitragem com a Tranquilidade. Agradeço-lhe que me envie essa informação. (…) Quero apenas reforçar e deixar clara a minha posição relativamente à v/ proposta no que concerne ao salvado. Não estou interessada em ficar com um carro destruído, cuja reparação orça em cerca de 10.600 € e que não me oferece garantias de ficar em condições de circular, nem tenho dinheiro para o reparar. Assim, mantendo o que já anteriormente afirmei: ou a Tranquilidade me oferece um valor na ordem dos 6.000 € ou apresenta-me propostas de veículos à venda no mercado, idênticos ao que eu tinha antes do acidente. (…)».
1.31- Por fim, a ré transmitiu à autora, por mensagem de correio electrónica de 13/02/2017, recebida por esta: «a Companhia de Seguros Tranquilidade não fica com salvados, todavia poderá vender ao comprador conforme indicado na nossa carta de 24 de Novembro de 2016, que com o valor que assumimos de indemnização perfaz a quantia de 4.750 €, mantendo-se como proposta final. Quanto a paralisação confirmamos que poderá apresentar despesas efectivas como recibos de táxi durante os dias após o sinistro até à assunção do mesmo a fim de podermos analisar. Alertamos que os prazos foram devidamente cumpridos dado que o nosso primeiro contacto era previsto para o dia 16/11/2016 e foi efectuado a 15/12/2016; a conclusão previa a 05/12/2016 e foi a 16/11/2016 e a comunicação da responsabilidade prevista para 21/12/2016 foi comunicada a 10/12/2016».
1.32- A responsabilidade civil obrigatória decorrente da circulação do NH encontrava-se nessa data transferida para a ré pela apólice n.º 4225476.
***

B) E vem dado como não provado:
2.1- A autora encontra-se a fazer obras na sua residência, necessitando do seu carro para ir comprar os materiais necessários para as mesmas.
2.2- A recolha do veículo AH custa a quantia diária de 10 €, contabilizada desde a data do referido acidente.
2.3- A autora não dispõe de um local adequado ao resguardo e recolha do seu veículo.
2.4- Em consequência (directa) do acidente, a autora sofreu enorme angustia, frustração, incómodos, preocupações, enervamento e aborrecimentos.
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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A apelante discorda da decisão sobre o ponto 1.7 da matéria de facto dada como provada e sobre os pontos 2.2 e 2.4 da matéria de facto dada como não provada, onde consta:
«1.7- O valor de veículo idêntico e no mesmo estado de conservação em que o AH se encontrava antes do acidente, em função do seu estado de conservação (bom), do seu ano de fabrico e matrícula (07-2005) da quilometragem que exibia (140.857 km) e seu motor (1.300 cm3 movido a gasolina e debitando 95 cv), é de 4.750 €.»
«2.2- A recolha do veículo AH custa a quantia diária de 10 €, contabilizada desde a data do referido acidente.»
«2.4- Em consequência (directa) do acidente, a autora sofreu enorme angustia, frustração, incómodos, preocupações, enervamento e aborrecimentos.».
Pretende:
a)- que em 1.7 seja dado como não provado o valor de 4.750 €
b)- que seja dado como provada a matéria do ponto 2.2.
c)- que seja dada como provada a matéria do ponto 2.4
Invoca os depoimentos das testemunhas que identifica na alegação recursiva e as suas declarações de parte.

Apreciando.
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a)- Na petição inicial vem alegado que de acordo com as pesquisas efectuadas, nomeadamente, no Standvirtual e em outros Stands de venda de automóveis usados, não é possível adquirir um veículo com as características e condições que o seu veículo possuía à data do acidente por valor inferior a, pelo menos, 7.500 €.
Na contestação vem alegado que o valor venal da viatura é de 4.500 €, conforme consulta efectuada no mercado de usados.
A 1ª instância ponderando o bom estado de conservação do veículo e as pesquisas efectuadas pela autora e pela ré documentadas nos autos com os respectivos articulados exarou: «Nestes termos, tudo sopesado, isto é, o resultado das referidas pesquisas com as características da viatura da autora, ainda que conjugado com a escassez de resultados apresentados relativos ao ano de 2005, concluiu-se que a uma viatura equivalente a esta correspondia a quantia de 4.750 €. Concluiu-se assim, de modo semelhante ao dito pelo Sr. JP, notando-se, por fim que, face às suas manifestas dúvidas a tal propósito, visíveis em audiência, não foi possível considerar o valor proposto pelo Sr. FM (de 6 ou 7 mil euros).».
Na alegação recursiva sustenta a apelante que há discrepância dos
valores indicados e que nas declarações de parte  referiu que com o valor de 4.000 € não conseguia comprar um veículo idêntico ao seu, apesar das buscas e deslocações a stands automóveis que fez para o efeito e que não podia comprar um veículo sem qualquer garantia, como sucede com os que aparecessem à venda nos sítios da internet indicados, nomeadamente, pelo perito avaliador da apelada, testemunha JP, como é o caso de OLX, Custo Justo e Standvirtual, tanto mais que o mesmo referiu que não se deslocou aos locais para verificar o estado de conservação dos referidos veículos por tal não lhe competir até porque alguns dos veículos estariam em locais distantes.
Na verdade, esta testemunha esclareceu que não viu os veículos cuja venda estava anunciada na internet, pelo que não podemos concluir do seu depoimento que estavam no estado de conservação do veículo da apelante antes do acidente e que tinham as mesmas características. Lembremos que nas declarações de parte, a apelante mencionou que o seu veículo tem diversos extras que o valorizavam, o que não foi contrariado por qualquer outro meio de prova nem sequer questionado pelo mandatário da apelada durante a sua audição.
Ora, não foi ouvida como testemunha nenhuma pessoa ligada ao comércio de veículos usados que pudesse esclarecer sobre o preço praticado dos veículos com as características do veículo da apelante e com garantia. Repare-se ainda que não decorre da prova produzida que os preços de venda dos veículos na internet incluem garantia de bom funcionamento.
Por outro lado, mesmo a testemunha JP acabou por admitir um valor superior ao dado como provado, dizendo: «De qualquer forma, o valor do carro nunca ultrapassaria os 4.500 € a 5.000 €», mesmo sem ter feito referência às concretas características no que respeita a extras mencionados nas declarações de parte.
Importa ainda atender ao depoimento da testemunha FM, mecânico de automóveis, um dos três sócios da sociedade proprietária da oficina onde está o veículo desde a data do acidente e que fez o orçamento para a sua reparação dado como provado no ponto 1.5, e que se mostrou sério, imparcial e credível, tendo explicado que a apelante é sua cliente há 4 ou 5 anos. Esta testemunha, começou por dizer que não fazia ideia do valor venal do veículo à data do acidente, mas depois disse que rondava os 6 mil a 7 mil euros.
Ponderada a prova produzida, verificamos que além de não ter sido efectuada a avaliação do veículo da apelante também não é possível dizer que algum dos veículos anunciados na internet tem praticamente todas as características do seu.
Portanto, não foi possível apurar qual o valor pelo qual a apelante poderia ter vendido o seu veículo na data do acidente ou o valor pelo qual poderia ter adquirido outro igual ou, pelo menos, muito idêntico ao seu.
Concluindo, o valor de 4.750 € dado como provado não tem suporte na prova produzida.

Assim, subsiste dúvida sobre o valor que tinha o veículo da apelante, a qual se resolve dando-o como não provado, ao abrigo do disposto no art. 414º do Código de Processo Civil.

Nestes termos, elimina-se do ponto 1.7 a referência ao valor, passando a ter esta redacção:
«O veículo AH, cujo valor no estado que esse encontrava à data do acidente não ficou apurado, foi fabricado no ano de 2005, tem matrícula do mês de Julho, estava em bom estado de conservação antes do acidente, exibia quilometragem de 140.857 km e o seu motor é 1.300 cm3, movido a gasolina e debitando 95 cv».
***
b)- Atento o que vem dado como provado nos pontos 1.9 e 1.10, não pode manter-se como não provado o que consta em 2.4, sob pena de manifesta contradição no que respeita a incómodos, preocupações, aborrecimentos e enervamento.

Além disso, nas declarações de parte, a apelante transmitiu, serenamente, mas com veemência, que «Em Janeiro, eu já estava desesperada», «Eu estou reformada, preciso do carro todos os dias», «tenho osteoporose grave, fui reformada por invalidez», «Eu deixei de fazer essas coisas todas porque não tinha um carro», «Eu estava louca. Estive completamente louca em casa», «Eu em Janeiro, vendo que isto não se resolvia e que era duma injustiça imensa, dei um prazo à Tranquilidade. Não me responderam», tendo ainda referido que «A questão aqui é que andei quase três meses a querer falar com o gestor Pedro Amaral para chegar a um acordo.» e que «Isto foi um processo de desgaste incrível para mim»; mais disse que tem um filho de 22 anos a viver em Lisboa a quem ia frequentemente levar e trazer roupa «essas coisas que as mães fazem», e também por isso o carro era imprescindível.
Explicou ainda a apelante que se viu forçada a comprar um veículo já com 26 anos que usa em pequenas deslocações pois não o pode usar como o outro.
As testemunhas SR e EC, amigas da apelante, confirmaram o seu estado de preocupação e desgaste emocional, incómodos e o isolamento em que foi vivendo devido ao facto de estar sem carro e de não ver resolvida a questão junto da seguradora, pois vive sozinha, num local muito isolado e muito mal servido de transportes públicos, tendo a segunda dito que a apelante ia sempre a Lisboa para frequentar actividades que tinha no Montepio depois da reforma e deixou de o fazer por não ter o carro.
Portanto, elimina-se da matéria dada como não provada o ponto 2.4 e altera-se a redacção do ponto 1.9, passando a ter esta redacção:
«1.9 A autora, atendendo ao sítio onde reside, necessitava e necessita de utilizar o seu veículo diariamente, fosse para ir às compras ou para tratar de outros assuntos, fosse para sair com as pessoas amigas e visitá-las, bem como aos seus familiares, pelo que ver-se privada dele causou-lhe angústia, preocupação, e enervamento».
***

Quanto ao ponto 2.2 da matéria dada como não provada, exarou a 1ª instância esta motivação (da qual não vamos reproduzir as referências doutrinárias jurisprudenciais):
«Por outro lado, sendo certa a recolha do veículo AH nas instalações da dita oficina desde o dia do acidente até à presente data, não ficámos convencidos pela bondade do alegado (2.2). Por um lado, concluiu-se do depoimento do Sr. FM que este ainda não apresentou qualquer conta à autora, nem demonstrou ter pensado maduramente sobre o assunto, ao não dar uma resposta pronta a propósito do termo inicial dessa cobrança. Por outro lado, do depoimento do seu pai e também responsável pela oficina, o Sr. JM, transpareceu claramente não haver ainda uma decisão tomada sobre essa matéria pela gerência da oficina, mormente quanto seu ao quantitativo diário e a quem o irão pedir (levantando-se a possibilidade de o pedirem directamente à companhia seguradora). Por fim, as conhecidas amigas da autora, as Sr.ª Sónia G...R... e da Sr.ª Elisabete V...C..., que tanto revelaram saber, directa e indirectamente, a propósito das consequências deste acidente, nada sabiam a tal propósito.

Mais, a propósito das declarações de parte, a experiência sugere que a fiabilidade das mesmas em benefício próprio é reduzida. (…)
(…) inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes», ou no acórdão da mesma Relação, de 20.11.2014, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Martins: «é certo que actualmente já se admite o “testemunho” de parte, a que se chama declarações de parte (artigo 466.º do Código de Processo Civil) e a lei diz que o juiz aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão. Mas a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas», o que justificou as escassas menções antes feitas às declarações de parte da autora. (…)».

Sucede que, apesar de ter dado como certa a recolha na oficina desde a data do acidente, nem este facto a 1ª instância deu como provado.

Ora, as testemunhas FM e seu pai Manuel J...P...M..., dois dos três sócios da sociedade proprietária da oficina, como acima já consignamos, confirmaram que o veículo se encontra no parque da oficina, sendo certo que a testemunha TV, trabalhador da apelada disse que foi lá em Maio de 2017 e viu a viatura no parque, tendo sido todas as testemunhas unânimes sobre a impossibilidade de a viatura se deslocar pelos seus próprios meios.

Portanto, impõe-se dar como provado que a viatura está parqueada nas instalações da oficina referida no ponto 1.4.

Por outro lado, FM e seu pai Manuel J...P...M... foram peremptórios em afirmar que vão cobrar os custos do parqueamento, pois só não o fariam se este tivesse durado cerca de uma semana até ser decidida a realização da reparação.

Mais disserem que ainda não cobraram à apelante qualquer quantia pelo parqueamento por saberem que tem dificuldade em pagar e estarem à espera que ela veja seja resolvido o litígio com a seguradora.

Assim, tendo decorrido dos depoimentos destas testemunhas que nenhuma relação têm com a apelante além de esta ser cliente da oficina e que não têm nenhum contrato com a apelada para realização de reparações dos automóveis sinistrados, as regras da experiência permitem-nos ter como credível que a sociedade M... § Filhos Lda não esteja disposta a aceitar o depósito da viatura nas suas instalações gratuitamente.

Porém, não decorre destes depoimentos que haja consenso entre pai e filho sobre o valor a cobrar, desde quando e até quando, até porque disse aquele que tem mais um filho que também é sócio.

Por quanto se explanou, impõe-se eliminar da matéria dada como não provada o ponto 2.2, aditando-se agora aos factos provados:
«1.33 O veículo AH continua nas instalações da oficina referida em 1.4 e a sua recolha custa à apelante quantia diária não apurada desde 12/11/2016 que ainda não pagou.».
***

Com base no documento de fls. AH oferecido pela ré e admitido na audiência final está também provado (ao abrigo dos art. 607º nº 4, 663º nº 2 e 412º do CPC):
1.34- O veículo adquirido pela autora em 03/03/2017 referido em 1.10- tem a matrícula X...-7...-3..., sendo esta do ano de 1991.

B) O Direito
1.- Pretende a apelante a procedência do pedido formulado na petição inicial sob a alínea a), ou seja, o pagamento da quantia necessária à reparação do seu veículo no montante de 8.630,58 €, acrescido do IVA à taxa legal de 23% bem como juros à taxa legal vencidos desde a data do acidente e vincendos até integral pagamento.
Provou-se que a reparação do veículo monta a 10.615,61 €, IVA incluído à taxa de 23%.
A 1ª instância considerou ser excessivamente onerosa a reparação do veículo face ao valor do veículo que deu como provado (4.750 €) e condenou a apelada a pagar a quantia de 4.000 €, correspondente àquele valor deduzido do valor dos salvados (750 €).
Porém, neste acórdão foi alterado o ponto 1.7, pois entendemos que não ficou apurado o valor do veículo da apelante e de um veículo idêntico.
Mas ainda que não se tivesse feito essa alteração ao ponto 1.7, não seria de manter a sentença recorrida nesta parte pois não acolhemos a tese defendida pela 1ª instância de que é excessivamente onerosa a restituição natural através da reparação do veículo, havendo que reconhecer à apelante apenas o direito a receber quantia equivalente ao valor de veículo idêntico deduzido do valor dos salvados.
Concordamos no entanto com a 1ª instância quando refere que o regime instituído pelo DL 291/2007 de 21/08 sobre a regularização dos sinistros, mormente o art. 41º, visa apenas a regularização extrajudicial.

Dispõe esse artigo:
«1 Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a)- Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b)- Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c)- Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2- O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3- O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.

4 Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:
a)- A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade;
b)- O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;
c)- A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.

5 Nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada.».

Discreteou-se, todavia, na sentença recorrida:
«Assim sendo, e não havendo notícia absolutamente certa (embora a prova produzida indicie que dificilmente o veículo poderá recuperar a sua condição inicial, em função da extensão dos seus estragos que obriga a sua sujeição a banco de ensaio) da impossibilidade de reparação do AH, isto é, revelando-se viável a reconstituição do dano real por via da sua reparação, deveria a ré, em princípio, indemnizar a autora pela correspondente quantia. No caso, em função do provado (1.6), a reposição do AH na situação em que se encontrava antes do sinistro corresponde à quantia de 10.615,61 €, IVA incluído à taxa de 23%.
Sucede, porém, que nos casos em que a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização deve ser fixada, nos termos do artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, em dinheiro. Ora, no caso dos autos, uma vez que o valor da referida reparação tem um custo que corresponde a mais do dobro do valor de um veículo idêntico ao da autora (o valor de substituição, a que apenas cumpre atender, corresponde à quantia de 4.750 €, conforme provado em 1.7), é de concluir, na nossa humilde opinião, pela excessiva onerosidade da restituição natural (cfr, a título de exemplo, os acórdão do STJ de 04-12-2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires de Rosa, e da Relação de Lisboa de 15-12-2016, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Martins, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes termos, uma vez que ao valor dos salvados corresponde a quantia de 750 € (1.8), e ficando estes na posse da autora (cfr. o que dizia o artigo 439 § 2 do Código Comercial, e o que diz actualmente o artigo 41.º, n.º 3 do referido Decreto-lei, sem prejuízo do que se disse supra a seu propósito), o valor da indemnização a atribuir-lhe neste particular corresponde à quantia de 4.000 €.».
O nº 1 do art. 566º do Código Civil estabelece:
«A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.».
Sobre esta norma, explicaram Pires de Lima e Antunes Varela:
«O fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos ou dos direitos sobre estes.
Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente. Se houve ferimentos ou doença em pessoas, haverá que curar da sua saúde, custeando o responsável as intervenções, tratamentos, internamentos, etc., a que haja lugar até ao restabelecimento do lesado.
Nem sempre, porém, o recurso à reconstituição natural permite resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano.
Há casos em que a reconstituição natural não é possível, a par de outros em que ela não é meio bastante para alcançar o fim da reparação ou não é meio idóneo para tal.
A impossibilidade da reconstituição pode ser material (morte da pessoa atropelada; consumo, destruição ou perecimento de coisa não fungível) ou jurídica (…).
A insuficiência dá-se quando a reconstituição não cobre todos os danos (a reparação da viatura não compensa o utente quanto à privação do seu uso durante o período do conserto) ou quando não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra (o tratamento clínico do atropelado ou agredido não compensa as dores físicas que ele teve).
A reconstituição natural deve, por último, considerar-se meio impróprio ou inadequado, quando for excessivamente onerosa para o devedor, isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importará recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável. Imaginemos um caso: inutilizou-se um automóvel velho que vale 100, e são precisos 200 para o substituir por um novo. Seria injusta a substituição, onerando o devedor com um encargo superior ao prejuízo e beneficiando o credor com a substituição dum automóvel velho por um novo.
Nestes casos de excessiva onerosidade, será naturalmente a requerimento do devedor que a obrigação de restauração natural se converterá em obrigação pecuniária. Tal como será a requerimento do credor ou por decisão do tribunal que a conversão se dará, quando a restauração natural não cobrir todos os danos.» (in Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed, pág. 582).
Pronunciaram-se sobre a questão da restauração natural e da sua excessiva onerosidade, designadamente, os Ac do STJ de 27/02/2003 (P. 02B4016), de 10/02/2004 (P. 03A4468), de 04/12/2007 (P. 06B4219), de 19/03/2009 (P. 09B0520) e de 31/05/2016 (P. AH1/03.0TBMM.E.1.S1) - todos consultáveis em www.dgsi.pt) em termos que sufragamos.
Por exemplo, lê-se no último aresto:
«Efectivamente, não faz sentido reparar um veículo, «maxime», recorrer à forma de indemnização por equivalente, quando é possível encontrar veículos semelhantes, por um valor inferior ao custo da reparação, razão pela qual, conhecendo, seguramente, a ré, com particular profundidade, o mercado de automóveis usados, não lhe teria sido difícil identificar uma viatura idêntica ou similar à sinistrada, com aptidão para o exercício da actividade a que o autor a destinava.
IV. 4. Apresentando-se a reconstituição ou reposição natural como o princípio geral em matéria de obrigação de indemnização por danos, sendo a exceção a indemnização em dinheiro, a excessiva onerosidade da reconstituição natural, prevista no artigo 566º nº 1, in fine, do CC, deve ser aferida, não apenas em função da diferença entre o preço da reparação e o valor venal do veículo, no confronto entre aquele preço e o valor que o veículo representa, dentro do património do lesado, e que se design apor valor patrimonial do veículo, como o valor de uso que dele retira o seu proprietário, sendo que a um insignificante valor comercial do veículo pode corresponder a satisfação, em elevado grau, das necessidades do seu proprietário, devendo o conceito de «excessiva onerosidade para o devedor» ser interpretado restritivamente, sob pena de se por em causa o direito do lesado a dispor do seu património.
É errado estabelecer-se a comparação entre o valor venal ou de mercado do automóvel, antes do acidente, por um lado e o custo da restituição natural [reparação ou aquisição de bem idêntico, em valor e qualidades], por outro, porquanto os termos da relação são, antes, entre o valor necessário para a satisfação dos interesses legítimos do credor, por um lado, e o custo da restauração natural, por outro, só então sendo possível concluir, com segurança, acerca da impropriedade ou inadequação da reconstituição natural.
E a existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será excessivamente onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas quando se apresente manifestamente desproporcionada em face do sacrifício que importa exigir do lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património.».
Por exemplo no Ac do STJ de 27/02/2003 pondera-se, com muita acuidade:
«É a atitude frequente das seguradoras pretenderem pagar apenas o valor venal de um veículo usado quando a sua reparação se mostre excessivamente onerosa.
Mas sem o acolhimento da jurisprudência, designadamente a deste Alto Tribunal.
Como certeiramente se lê no acórdão do STJ de 7/7/1999, CJSTJ, Ano VII, Tomo III, página 17, um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos.
Da que se venha entendendo que, para efeitos de considerar se a reconstituição natural traduzida na reparação do veículo é ou não excessivamente onerosa para o devedor, nos termos da parte final do nº 1 do artigo 566º do código Civil, não basta ter em conta apenas o valor venal do veículo, mas, ainda e cumulativamente, o valor que tem o uso que o seu proprietário extrai dele e que se computa pelo facto de o proprietário ter à sua disposição um automóvel que usa, de que dispõe, de que disfruta e que a mera consideração do valor venal «tout court» sonega, elimina ou omite (Cfr. ac. do STJ de 16/11/2000, CJSTJ, ano VIII, Tomo III, página 125)».
Vejam-se também estas palavras no Ac do STJ de 10/02/2004, perante um custo na ordem de 9.600 € para a reparação de um veículo com o valor comercial de cerca de 4.000 € (800.000$00):
«A excessiva onerosidade, diga-se, não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial, antes tem de ser aferida também em função da situação económica do devedor, e é evidente que não há nenhuma Companhia de seguros que não possa suportar o custo da reparação em causa.
Deste modo, nada aproveita à ré o facto de ser de Esc. 800.000$00 o valor comercial do veículo à data do acidente.
Esse valor só seria relevante para efeitos de indemnização se ficasse demonstrado - e não ficou - que, com esse montante, o autor pudesse adquirir um veículo em tudo idêntico ao sinistrado, ficando assim restituído à situação anterior.».
No Ac do STJ de 04/12/2007 diz-se:
«Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.
Ao autor cabia, aqui, a prova do em quanto importava a reparação, restaurando in natura o veículo danificado - e provou que importava em 5.843,50 euros;
à Ré cabia a prova de que tal montante era excessivamente oneroso - não apenas oneroso, ou até mais oneroso, mas excessivamente oneroso - para si própria, que era flagrantemente desproporcionado o custo que ia suportar em relação ao interesse do lesado na reparação.
Esta «excessividade» há-de aferir-se, naturalmente, pela diferença entre dois pólos; um deles é o preço da reparação (…) mas o outro não é o valor venal do veículo, no caso 1200,00 euros.
Porque - passe a expressão, que aliás nos agrada - uma coisa é ter o valor, outra coisa é ter a coisa.
(…)
A ré coloca-se apenas na posição de quem quisesse vender o veículo e por isso diz que o prejuízo do autor é apenas de 1000,000 porque podendo vender o Renault Clio por 1200,00 antes do acidente agora só tem salvados a valerem 200,00.
Mas quem disse que o autor queria vender, se o autor tem um veículo que satisfaz as suas necessidades?
(…)
Não pode «obrigar-se» alguém a vender, apenas para ficcionar um polo de comparação da excessiva onerosidade.
(…)
E a regra é reparar.
In natura. Pagando a indemnização necessária à reparação integral do veículo, ainda que mais dispendiosa para a ré.
(…)
Se acaso a ré entendia o contrário competia-lhe não se encostar ao preço de venda do veículo, passe o evidente plebeísmo, mas alegar e provar que o autor podia adquiri no mercado, por um determinado preço (mais baixo do que a reparação) um outro veículo que lhe satisfizesse de modo idêntico as suas necessidades.».
E para não nos alongarmos nesta resenha jurisprudencial, reproduzimos este excerto do Ac do STJ de 19/03/2009:
«A reparação do bem, se for possível, não constitui indemnização por equivalente, mas antes, restauração natural.
(…)
Ora, tendo sido danificado o veículo da A., ela, em princípio, tem direito a que o lesante lhe restitua um veículo idêntico ou, então que lho repare, se isso for possível: a reparação do bem danificado, em consequência do acidente, constitui restauração natural e não indemnização por equivalente.
(…)
E quando se opta pela reparação da coisa danificada, nada impede que, em determinados casos, o lesado opte pelos custos para reparar o bem danificado, estando em tais casos, no domínio da restauração natural».
Em suma, cabia à apelada provar que havia disponível no mercado veículo com as mesmas ou pelo menos muito idênticas características às do veículo da apelante por preço substancialmente inferior ao da reparação deste e se concluísse que que a autora não ficaria lesada no seu direito a ser indemnizada.
Prova que a apelada não fez e sendo certo que não é razoável considerar que o valor da reparação representa para si um sacrifício desmesurado.
Aliás, se a apelada sabia da existência de algum veículo adequado a substituir o sinistrado, impunha-lhe a boa fé - princípio que perpassa todo o nosso ordenamento jurídico - que tivesse apresentado à apelante proposta para lhe o entregar, pondo assim rapidamente fim ao diferendo a contento de ambas as partes.
Por quanto se expôs, impende sobre a apelada a obrigação de suportar o custo da reparação.
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2. Se deve ser alterado o valor atribuído pela 1ª instância a título de indemnização pelo dano de privação do uso.
Na sentença recorrida fixou-se um valor de 10 € diários.
Pretende a apelante que seja fixado o valor de 35 € diários, dizendo que foi esse que pagou pelo aluguer de um veículo de substituição.

A fundamentação do valor fixado pela 1ª instância é esta:
«(…) a compensação deste dano difere do preço abstracto de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (cfr acórdão da Relação de Coimbra de 06-03-2102 (…). Assim sendo, importa recorrer a critérios de equidade, por forma a atribuir uma indemnização em dinheiro que compense a perda e em causa (artigo 567º, nº 3 do Código Civil). E, vistos os factos provados e tendo em conta outras decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores (cfr o acórdão por último citado), afigura-se que a quantia de 10 € por dia é adequada a título de indemnização pela paralisação diária do AH (sem prejuízo, como se verá, do excesso de despesas em que incorreu a autora».

A apelante sustenta:
«(…) o valor de 10,00 € diários indicados na douta sentença não tem qualquer correspondência com  a realidade, devendo tal valor situar-se no valor médio pedido pela Recorrente de 35,00 € diários, tendo em consideração que a mesma pagou por um veículo de substituição a quantia diária de 55,30 € (cfr doc nº 23 da p.i.), sendo devido desde a data do acidente até efectiva reparação do esmo ou até à data em que a Recorrida arranje à Recorrente um veículo com as mesmas características e nas mesmas condições de conservação do seu, conforme peticionado na alínea d) da petição inicial.».

A fundamentação exarada pela 1ª instância mostra-se adequada, pois o art. 566º nº 3 do Código Civil - e não 567º, como por lapso de escrita consta na sentença - diz-nos que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Como até reconhece a apelante, o valor do uso do seu veículo não corresponde ao valor do aluguer e, justamente por isso, indica um valor inferior. Assim, na falta de elementos de facto que nos permitam discordar do valor fixado pela 1ª instância, deve improceder nesta parte o recurso.
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3. Se deve a ré ser condenada a pagar alguma quantia referente a despesas com o depósito do veículo.
Atento o que se deu como provado em 1.33 - o veículo AH continua nas instalações da oficina referida em 1.4 e a sua recolha custa à apelante quantia diária não apurada desde 12/11/2016 que ainda não pagou - tem de ser condenada a responsável civil, ora apelada, a suportar essa despesa, relegando-se no entanto para incidente de liquidação o apuramento do seu valor (art. 609º nº 2 do CPC).
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4. Se deve ser a ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais.

A 1ª instância negou este pedido, discreteando:
«(…) a mera privação do gozo do veículo não pode ser novamente considerada nesta sede, sob pena de uma dupla consideração da mesma factualidade para integrar reparações distintas, Por outro lado, admitindo o incómodo do facto de depender de terceiro nas suas deslocações diárias que naturalmente entristeceu, aborreceu e enervou a  autora (1.10), ainda assim entende-se que tal não tem a gravidade que o faça merecer a tutela do direito (artigo 496º, nº 1 do Código Civil).».
Discorda a apelante, invocando que em consequência directa do acidente sofreu enorme angústia, frustração, incómodos, preocupações, enervamento e aborrecimentos.
Temos a considerar:
«1.9- A autora, atendendo ao sítio onde reside, necessitava e necessita de utilizar o seu veículo diariamente, fosse para ir às compras ou para tratar de outros assuntos, fosse para sair com as pessoas amigas e visitá-las, bem como aos seus familiares, pelo que ver-se privada dele causou-lhe causou angústia, preocupação, e enervamento».
«1.10- A autora, muitas vezes, até ter adquirido outra viatura em 03-03-2017, socorreu-se do auxílio de pessoas amigas para se fazer transportar aos sítios onde precisava ir, o que muito a entristeceu, aborreceu e enervou.».
O art. 496º nº 1 do Código Civil estatui que deve ser indemnizado o lesado pelos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

No ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, que não merece controvérsia, «A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto apreciação deva ter em minha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
(…)
Os simples incómodosou contrariedadesnão justificam a indemnização por danos não patrimoniais.» (in ob. cit. pág. 499).
Volvendo ao caso da apelante, viu-se privada de um veículo de que dependia, não por questão de comodismo, mas por ser indispensável para se deslocar para satisfação das necessidades mais básicas como ir às compras e estar com amigos e familiares, a ponto de ser auxiliada por pessoas amigas para se deslocar até à data em que adquiriu outro, matriculado no ano de 1991, portanto 14 anos mais antigo do que o seu.

Não configuramos, pois, como simples incómodos ou contrariedades, a situação em que se viu mergulhada a apelante, ao ver-se subitamente privada do seu veículo tão indispensável para o seu quotidiano, danificado quando estava estacionado, em nada tendo contribuído para o acidente, e deparando-se com sucessiva troca de correspondência com a seguradora que apenas lhe disponibilizou um veículo de substituição durante 4 dias e que em momento algum se mostrou sequer disposta a entregar-lhe um veículo equivalente ao seu. Na verdade, é inconcebível que a Seguradora entenda que é sobre a lesada que recai o encargo de fazer pesquisas para encontrar um veículo de características semelhantes ao seu, entendimento esse que resultou claramente do depoimento do seu trabalhador e testemunha JP - acima referido - que revelou ser bastante para a sua entidade patronal/apelada que procedesse à pesquisa na internet e que a apelante é que teria de ir ver se o veículo estava em boas condições e se o preço era ajustado às características anunciadas.
Portanto, todo o calvário com que a apelante se viu confrontada não pode deixar de ser compensado, segundo critérios de equidade, arbitrando-se em 1.000 €.
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IVDecisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente a apelação, alterando-se a sentença recorrida, e em consequência:
a)- revoga-se o segmento decisório «1» do dispositivo da sentença recorrida, condenando-se a apelada Seguradoras Unidas, SA, a pagar à apelante MM a quantia de 8.630,58 € acrescida do IVA à taxa legal para reparação do veículo AH, acrescendo ainda os juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data deste acórdão até integral pagamento, absolvendo-a do mais que era pedido quanto aos juros de mora;
b)- condena-se a apelada a pagar à apelante a quantia que se apurar em incidente de liquidação a título de despesa com o parqueamento do veículo AH, acrescida dos juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data em que for exigido o pagamento à apelante até integral pagamento;
c)- condena-se a apelada a pagar à apelante a quantia de 1.000 € a título de indemnização por danos não patrimoniais acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do mais que era pedido neste âmbito;
d)- confirmar no mais a sentença recorrida.

Custas por apelante e apelada na proporção de vencido.



Lisboa, 24 de Maio de 2018



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos     
Eduardo Petersen Silva