Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7373/17.4T9SNT.L1-5
Relator: RICARDO CARDOSO
Descritores: EVASÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - O recluso a quem foi concedida uma licença de saída de curta duração encontrando-se no gozo de liberdade, concedida pela autoridade competente que ordenou a cessação temporária da privação fáctica da liberdade, e ao não se apresentar, não comete o crime de evasão, porque não se encontrava objectivamente privado da liberdade.
- A consequência desse não regresso integra a verificação de uma situação de ausência ilegítima, decorrente da desobediência à ordem de apresentação no estabelecimento prisional no fim daquele período de três dias que durou até à data em que foi recapturado, implica a revogação da saída e o desconto na pena a cumprir de todo o tempo em que permaneceu em ausência ilegítima, com se refere nos artigos 80º nºs1 a 3, 85º, nºs 3 e 4, e 141º alínea h) do Código de Execução das Penas, na redacção introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 7373/17.4T9SNT do Juízo Local Criminal de Sintra (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no qual é arguido S., detido no Estabelecimento Prisional da Carregueira, em Sintra, por sentença, proferida a 9 de Novembro de 2018, foi decidido o seguinte:

“Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos julgo procedente a acusação pública e, em consequência:
A) Condeno o arguido S. enquanto autor material de um crime de evasão, p. e p. pelo art.º 352.º, n° 1 do Código Penal, na pena de doze meses de prisão;
B) Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta - artigos 513.º e 514.º do C.P.P. -, bem como nos demais encargos a que tenha dado azo, designadamente nos relativos à perícia realizada.
Proceda ao depósito da sentença - artigo 372.º, n.° 5 ex vi do 373º, n.° 2 do Código de Processo Penal.
Após trânsito;
- Remeta-se boletim ao D.S.I.C.; e
- Solicite ao processo à ordem do qual o arguido cumpre de pena de prisão que, oportunamente, proceda ao seu ligamento a estes autos.”

2. Não se conformando com esta decisão o arguido dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:

1. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime.
2. O Recorrente não se conforma com o douto acórdão e com o presente recurso visa a reapreciação da matéria de direito.
3. Bem como a apreciação da medida da pena aplicada ao ora Recorrente.
4. Ao decidir diferentemente, o Douto Tribunal "a quo" violou o Princípio in dúbio pro reo previsto no artigo 32° da C.R.P., bem como os artigos 124° a 127° e 355.° do Cód. Proc. Penal, os artigos 21° e 25.º do D.L. n.° 15/93, de 22/01.
4. O Recorrente também não se conforma com a concreta pena aplicada.
5. Tal pena peca por exagerada e viola os artigos 40°, 71° e 72° do Cód. Penal.
6. A prisão efectiva do Recorrente é desnecessária, desadequada, desproporcional e mais prejudicial que benéfica.
7. Atento à ilicitude do facto e à culpa do arguido seria de aplicar uma pena suspensa na sua execução, sujeita a um regime de prova.
8. Na medida em que, Recorrente encontra-se inserido social e familiarmente,
9. Não tem antecedentes criminais e não era referenciado por actividade ilícita - não existem vendas e não houve proveito económico.
10. Acresce que, o Recorrente tem mantido excelente comportamento prisional, não existindo registos de ocorrências no seu boletim de recluso.
11. Os factos dados como provados permitem efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao Recorrente.
12. A pena deverá ainda ser suspensa na sua execução, o que muito humildemente o ora Recorrente peticiona.
13. O Recorrente tem demonstrado o respeito pela imposição de regras, e capacidade de as cumprir no meio prisional em que está inserido.
14. Os critérios utilizados na determinação da medida da pena revelam-se desproporcionados, ou melhor demasiado gravosos.
15. A douta decisão ora em crise violou o sistema jurídico-penal, designadamente do disposto do art.º 50° do C.P., pois não suspendeu a execução da pena de prisão, uma vez que não se verifica a exigência da execução da mesma pela necessidade de prevenir a prática de crimes futuros.
16. A suspensão da execução da pena permite, por si só, uma adequada satisfação das exigências de prevenção especial e geral, tendo em consideração o facto de o arguido levar, hoje em dia, uma vida normal, completamente inserido na sociedade.
17. A suspensão da pena é por si suficiente para afastar o recorrente da criminalidade e satisfaz as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
18. Efectivamente, a ameaça de pena produz efeitos benéficos, pelo que não poderá duvidar-se de que essa mesma pena suspensa na sua execução e funcionando como ameaça, venha a produzir igualmente efeitos benéficos no futuro, dessa forma se contribuía para a ressocialização do arguido.
19. Até porque, a aplicação de uma pena de prisão em nada vem ressocializar, recuperar, formar o arguido ou despertá-lo para a consciência da responsabilidade, pelo contrário, virá estigmatizá-lo, despertá-lo para os ensinamentos da prática de crimes resultante do convívio com outros reclusos, sendo sobejamente reconhecido que as prisões são verdadeiras escolas de especialização criminal.
20. Ao decidir como decidiu o Tribunal «a quo» violou o disposto nos artigos 40°, 50°, 58°, 70°, 71°, 72°,73° e 75° todos do Código Penal.
21. A suspensão da execução da pena que vier a ser aplicada, por se saber que a censura do facto e a ameaça da prisão efectivas são aptas a realizar, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
22. Caso o Venerando Tribunal, não acompanhe o entendimento do Recorrente, pede a suspensão da execução da pena, porque a censura do facto e a ameaça da prisão efectiva são aptas a realizar, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Termos em que deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente e, em consequência, ser revogado a douta Sentença recorrida.

3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo o MºPº respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:

“1. O recorrente não conformado com a douta sentença no que concerne à pena entende que não se verificam as necessidades de prevenção especial que determinaram a aplicação da pena de prisão, devendo ser suspensa na sua execução sujeita a regime de prova.
2. Não podemos concordar com o alegado, pois no caso concreto justifica-se a aplicação ao arguido da pena de prisão efectiva, motivo pelo qual aderimos na totalidade à douta sentença recorrida.
3. O arguido foi condenado pela prática de um crime de evasão, p. e p., pelo artigo 352º do Código Penal, na pena de doze meses de prisão. O referido crime é punido com pena de prisão de um mês até dois anos.
4. No que tange à prevenção especial de socialização, considera-se o lacto dc o arguido ter antecedentes criminais, ao contrário do alegado pelo arguido, tendo o mesmo registado no seu CRC, onze condenações (um crime de burla informática, um crime de roubo qualificado, um crime de sequestro, um crime de detenção de arma proibida, um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de ameaça, três crimes de furto qualificado, um crime de introdução cm casa alheia, três crimes de furto qualificado, dois crimes de falsificação de documentos agravados, um crime de falsificação de documento agravado na forma continuada, um crime de falsificação de documento e vinte e nove crimes de burla, um crime de falsificação de documentos, um crime de burla e um crime de uso de documento de identificação alheio, todos na forma continuada, um crime de furto qualificado e um crime de falsificação de documento, um crime de burla e um crime de falsificação de documento, um crime de emissão de cheque sem provisão, um crime de falsificação de documento e um crime de burla, dois crimes de furto e um crime de dano).
5. O arguido foi condenado anteriormente em penas de multa e essencialmente em penas de prisão efectivas, ainda assim, não interiorizou o desvalor das suas condutas, pois voltou a praticar factos dolosos.
6. O arguido quando praticou os factos nestes autos encontrava-se em cumprimento sucessivo de penas de prisão.
7. Pelo que entendemos ter que ser aplicada no caso concreto uma pena detentiva da liberdade.
8. As penas têm assim uma finalidade de prevenção especial dirigida àquele agente em concreto, assumindo uma função dissuasora da prática de novos crimes, assim como, têm, ainda, uma finalidade de prevenção geral, no sentido pedagógico, servindo como exemplo para os restantes membros da sociedade.
8. Vem o arguido alegar que não se conforma com a pena de doze meses de prisão.
9. O arguido confessou os factos pois não tinha forma de os negar, mas apresentou uma explicação para os mesmos que não acolhe, não se mostrou minimamente credível, referindo que não voltou a apresentar-se porque tinha familiares com problemas de saúde, tal justificação foi infirmada pela informação do Técnico da IXJRSP que reportou que o arguido havia informado que se encontrava atrasado cerca de 10 minutos, nada referiu quanto a problemas de saúde dos familiares. Acresce que, o arguido esteve ausente mais de um ano e só regressou para cumprimento da pena de prisão porque foi delido pela Polícia Judiciária cm 09.05.2018.
10. No caso concreto, verificamos que a prevenção geral não se mostra despicienda, por não ser frequente a ocorrência do crime cm causa, sendo as necessidades de prevenção especial muito significativas, atento os antecedentes criminais do arguido.
11. Assim, e ponderando todos estes factores, não podemos deixar de concordar com a douta sentença proferida nos presentes autos, considerando também que atentos os antecedentes criminais do arguido, dos quais se retira a propensão deste para a adopção reiterada de condutas desconformes ao direito, a comunidade não entenderia que o Tribunal optasse pela aplicação de uma pena não detentiva de liberdade, depois dc o mesmo ter sido condenado em várias penas efectivas, não tendo o mesmo interiorizado o desvalor da sua conduta.
12. Não poderia desta forma a pena dc prisão aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução com regime de prova! A pena de prisão efectiva é a única capaz de ler no arguido, no caso concreto, o carácter reeducativo e pedagógico.
Pelo exposto, estamos de acordo com as razões expendidas pelo Tribunal a quo pelo que entendemos que a pena de prisão efectiva aplicada ao arguido é a única que se mostra adequada, pois não se impunha aqui a sua suspensão, considerando os extensos antecedentes criminais do arguido e ao seu percurso de vida.
Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente, quanto às questões alegadas pelo recorrente.”

4. Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
      
6. Suscita-se a apreciação da medida da pena e do pedido de suspensão da execução da pena de prisão, suscitando-se também a questão prévia do preenchimento do tipo lega do crime de evasão.

7.1. Assim reza a sentença recorrida:

“II. Fundamentação
ll.I. Com interesse para a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido foi julgado e condenado por Acórdãos transitados em julgado e encontrava-se, no dia 10-03-2017, a cumpriras seguintes penas no Estabelecimento Prisional da Carregueira:
- Sete anos de prisão, à ordem do processo n.° 359/06.6 PCLRA, da 2ª Vara de Competência Mista de Loures;
- No remanescente de dois anos, dez meses e 26 dias, resultante da revogação de liberdade condicional no processo n.° 402/93.7 TBVRL, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real;
- No remanescente de 16 meses correspondente à totalidade da pena no processo n.° 225/01.1 PALSB, da 8.a Vara Criminal de Lisboa.
2. O Arguido iniciou o cumprimento de tal pena no Estabelecimento Prisional da Carregueira, com o número de recluso 313/1416, estando o respectivo termo previsto para o dia 23-11-2018.
3. No dia 09/03/2017, foi concedida ao arguido licença de saída de curta duração por setenta e duas horas, pela Exma. Senhora Estabelecimento Prisional da Carregueira.
4. O arguido foi devidamente notificado, no dia 09-03-2017 da decisão de licença de saída de curta duração, tendo sido informado, ainda, das obrigações a que ficava sujeito, nomeadamente, no que ora releva, regressar ao Estabelecimento prisional dentro do prazo determinado.
5. No dia 10/03/2017, pelas i7hoom o arguido ausentou-se do estabelecimento da Carregueira, ao abrigo da mencionada licença de curta duração.
6. Porém, no dia 13/03/2017, pelas 17h00m, o arguido não regressou ao Estabelecimento Prisional da Carregueira.
7. O arguido não contactou o Estabelecimento Prisional da Carregueira e não apresentou qualquer justificação para não ter regressado a este local, a fim de cumprir a pena em que foi condenado.
8. Apesar dos O.P.C., terem procurado o arguido por vários locais, designadamente na sua residência, este não foi localizado, vindo a ser desconhecido o seu paradeiro até ao dia 9/5/2018, data em que o mesmo foi detido pela Polícia Judiciária e retornou ao Estabelecimento Prisional da Carregueira.
9. Ao actuar da forma descrita, o arguido subtraiu-se ao controlo das autoridades prisionais.
10. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de se subtrair ao cumprimento da pena de prisão em que se encontrava condenado.
11. O arguido bem sabia que tal conduta lhe estava vedada por lei Penal.
12. S.  é filho de uma união de facto que terminou quando o progenitor regressou à Guiné, depois de ter cumprido o serviço militar.
13. O arguido ficou a viver com a mãe, mas com aproximadamente 3 anos de idade foi coabitar com o pai e com a madrasta, família onde se integrou sem dificuldade e onde foi sempre bem aceite, ao ponto de a ter tratado por mãe, até ao seu óbito, verificado em data não concretamente apurada do mês de Abril ou Maio de 2017.
14. Depois da independência da Guiné e por não poderem ficar a viver nesse País, onde decorreu o seu processo de socialização e onde cresceu com supervisão parental, o agregado familiar do arguido, por questões políticas, veio para Portugal, sendo que o arguido foi para Cabo Verde até ter os documentos necessários para se poder juntar à família, o que aconteceu em 1987.
15. O seu percurso escolar decorreu sem incidentes e com a aquisição das aprendizagens necessárias para progredir nos estudos, tendo concluído o 9º ano.
16. Após ter deixado o sistema de ensino, trabalhou com assiduidade na área da construção civil, onde chegou a ocupar o lugar de encarregado.
17. S. apresenta hábitos de trabalho e competências profissionais que lhe podem facilitar a sua inserção social.
18. Nunca estabeleceu relações afectivas duradoiras e as suas referências em meio livre são a madrasta e os irmãos, sendo o seu progenitor já falecido.
19. No período anterior à sua reclusão, o arguido vivia com uma companheira, num meio conotado com diversas problemáticas sociais, estava activo laboralmente e acompanhava um grupo de pares com condutas marginais, o que potenciou o contacto com o sistema jurídico-penal;
20. S. evidenciou dificuldades em cumprir as injunções a que estava sujeito no período de liberdade condicional que lhe veio a ser revogada.
21. Com formação profissional e competências pessoais, o seu projecto futuro parece condicionado por uma mudança intrínseca na sua capacidade de construção de objectivos socialmente adequados para alterar a trajectória de vida até aqui assumida.
22. Carece de consolidar a gravidade do comportamento criminal, revelando fraca motivação para investir na aquisição de competências sociais no sentido de concretizar um projecto estruturado.
23. O arguido confessou integralmente os factos, embora sem relevo para a sua descoberta material e apresentou um pedido de desculpas pelo seu comportamento.
24. Todavia, apresentou uma postura de desculpabilização ao invocar que o não retorno ao Estabelecimento Prisional no termo da licença de saída de curta duração se deveu a problemas de saúde do seu irmão e a sua "mãe" (madrasta), que entretanto vieram a falecer, para além da necessidade de auxiliar a sua filha e a sua companheira, a quem entretanto foi diagnosticada doença oncológica e de ter estado a amortizar, trabalhando, uma dívida contraída para o tratamento médico do seu irmão.
25. O arguido apresenta as seguintes condenações averbadas no seu certificado de registo criminal:
25.1. No âmbito do Processo n.° 67/07.0PCLRS, da 2' Vara Mista de Loures, foi condenado, como reincidente, pela prática, a 18 e 19 de Julho de 2005, de um crime de burla informática, p. p. pelo art.º 221º, n° 1 do CP, na pena de 18 meses de prisão, de um crime de roubo qualificado, p.p. pelo art.º 210º, n°s 1 e 2 do CP, na pena de 5 anos de prisão, de um crime de sequestro, p.p. pelo art.º 158º, nº 1 do CP, na pena de 2 anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, e ainda de duas contra-ordenações p.p. pelo art.º 97.0 da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na coima de c 900,00 por cada uma, e em cúmulo jurídico na coima única de € 1.200,00, por decisão proferida a 04/07/2008, e transitada em julgado a 04/08/2008;
25.2. No âmbito do Processo n.° 23/07.9PJLRS, do 2.º Juízo Criminal de Loures, foi condenado pela prática, a 17/04/2007, de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art.º 86.°, n.° 1, al. d) da Lei n° 5/2006, de 23/02, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, por decisão proferida a 10/02/2011, e transitada em julgado a 14/03/2011;
25.3. No âmbito do Processo n.° 359/06.6PCLRS, do 1.0 Juízo Criminal de Loures, foi condenado pela prática, a 23/04/2006, de um crime de ofensas à integridade física simples, p. p. pelo art.º 143º do CP, na pena de 7 meses de prisão, e de um crime de ameaça, p.p. pelo art.º 153º do CP, na pena de 7 meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 9 meses de prisão, por decisão proferida a 16.12.2011, e transitada em julgado a 30.01.2012;
25.4.   Por acórdão datado de 13/7/2002, proferido no Processo n.° 359/06.6PCLRS, foram cumuladas as penas supra mencionadas em 25.1., 25.2. e 25.3. e o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão efectiva, 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00 (cinco euros), o que perfaz a multa de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), e duas coimas no valor de e 1.200,00 (mil e duzentos euros), ao abrigo do disposto nos artºs. 77º, n°s 1 e 2 e 78º, n°s 1 e 2, ambos do CP;
25.5.   No Processo n.° 414/93.0PCLRS, do 2.0 Juízo Criminal de Loures, em que foram apensados os Processos n.°s 432/93 e 450/93 do mesmo Tribunal, foi condenado pela prática, entre 25/08/1993 e 11/09/1993, de três crimes de furto qualificado e de um crime de introdução em casa alheia, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, tendo sido perdoado 1 ano, por decisão proferida a 04/10/1994;
25.6. No Processo n° 65/94.3SFLSB, da 7' Vara Criminal de Lisboa, foi condenado pela prática, entre 29/09/1993 e 27/10/1993, de três crimes de furto qualificado, dois crimes de falsificação de documentos agravados, um crime de falsificação de documento agravado na forma continuada, um crime de falsificação de documento e vinte e nove crimes de burla, na pena única de 8 anos de prisão e 135 dias de multa, tendo sido perdoado 1 ano e 6 meses de prisão, bem como a pena de multa, por decisão proferida a 15.11.1994;
25.7. No Processo n.° 321/94, da 10.* Vara Criminal de Lisboa, foi condenado pela prática, em Julho de 1991, de um crime de falsificação de documentos, um crime de burla e um crime de uso de documento de identificação alheio, todos na forma continuada, na pena única (incluindo as penas anteriores) de 14 anos de prisão e 64.500S00 de multa, acrescida da pena de expulsão do território nacional pelo período de 15 anos, sendo que 21 meses de prisão e a totalidade da multa foram declarados perdoados, por decisão proferida a 07/03/1995;
25.8. No Processo n.° 408/93.6PCLRS, do 10 Juízo Criminal de Loures, foi condenado pela prática, a 22/08/1993, de um crime de furto qualificado e de um crime de falsificação de documento, na pena única de 4 anos de prisão e 45 dias de multa, sendo que 1 ano de prisão e a totalidade da pena de multa foram declarados perdoados, por decisão proferida a 07/05/1996;
25.9. No Processo n.° 67/96, do 2.° Juízo do Tribunal de Vila Real, foi condenado pela prática, a 04/09/1993, de um crime de burla e de um crime de falsificação de documentos, na pena de 12 meses de prisão, a qual foi integralmente declarada perdoada, por decisão proferida a 10/12/1996;
25.10. No Processo n° 99/92.1PALSB, do 3.° Juízo Criminal de Lisboa, foi condenado pela prática, a 09/09/1991, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 21 dias de prisão, a qual foi integralmente declarada perdoada, por decisão proferida a 12/02/1997;
25.11. No Processo n.° 218/96, actualmente designado Processo n° 402/93.7TBVRL, do 1.0 Juízo do Tribunal de Vila Real, foi condenado pela prática, em 1993, de um crime de falsificação de documentos e de um crime de burla, na pena única de 2 anos de prisão, tendo 1 ano sido declarado perdoado, sendo-lhe fixada a pena única (englobando as penas anteriores) de 16 anos de prisão, 2 dos quais foram declarados perdoados, e ainda na pena acessória de expulsão pelo período de 15 anos, por decisão proferida a 04/03/1997, tendo o perdão aludido sido posteriormente revogado;
25.12. No Processo n° 225/01.1 PALSB, da 8ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, a 06/10/2001, de dois crimes de furto e de um crime de dano, na pena única de 16 meses de prisão, em decisão proferida a 15/04/2003, e transitada em julgado a 20/06/2003.
II. 2. Inexistem factos não provados constantes da acusação pública, com relevo para a decisão a proferir.
II. 3. Fundamentação da matéria de facto:
Saliente-se, em primeiro lugar, que toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento encontra-se integralmente gravada em suporte digital, o que permite a ulterior reprodução de toda a referida prova e um rigoroso controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto.
Por esse motivo proceder-se-á a uma mais sucinta fundamentação desta convicção.
E esta resultou da análise crítica dos seguintes meios de prova produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento ou que nela foram objecto de discussão, a saber:
- Nas declarações prestadas pelo arguido, que confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos imputados e os enquadrou (ainda que as justificações por este apresentadas quanto a problemas de saúde de familiares não tenham merecido credibilidade, não só por o mesmo não ter apresentado qualquer elemento de prova que corroborasse tal versão, como por ter sido infirmada a sua versão de que teria avisado técnico da DCRSP do motivo pelo qual não regressaria ao E.P. no termo da saída precária);
- Na informação provinda do Tribunal de Execução de Penas de fls. 3, dando conta da ausência ilegítima do arguido do E.P. da Carregueira desde 13/3/2017, na certidão de fls. 4 a 19, onde consta o cômputo sucessivo de penas que aquele cumpria até 23/11/2018, data prevista para o termo da pena, a decisão datada de 4/7/2016 de não concessão de liberdade condicional, na informação de fls. 12 da DGRSP (referente ao contacto que o arguido teria feito a um técnico da DCRSP relatando que estaria atrasado na apresentação da precária em cerca de dez minutos - o que infirma o que a esse respeito foi dito pelo arguido, de que teria informado que não iria apresentar-se por motivos relacionados com a saúde de familiares, em concreto o seu irmão), a guia de saída precária de curta duração de fls. 12 verso, a notificação de fls. 13 dessa licença que lhe foi concedida e enumeração das obrigações que sobre si incidiam, da emissão de mandados de captura do arguido e das diligências efectuadas, sem sucesso, no sentido de o localizar, durante mais de um ano, até 7/5/2018 (fls. 14 a 19 e 70 verso).
- Nas certidões de fls. 75 a 109 e no certificado de registo criminal de fls. 114 a 122 quanto ao consignado sobre os antecedentes criminais do arguido.
- No teor da decisão cumulatória indicada em 25.4., no que respeita às condições pessoais do arguido.
No que concerne ao elemento subjectivo, tratando-se de um elemento interno, qual seja o conhecimento e a vontade de praticar o facto ilícito, a sua imputação há-de resultar das circunstâncias exteriores que de qualquer modo possam ser expressão da relação psicológica do agente com o facto, inferindo unicamente de tais circunstâncias a existência dos elementos representativos e volitivos, na base das comuns regras da experiência, que constituem o princípio básico do processo penal em matéria de apreciação da prova, plasmado no artigo 127º, do Código do Processo Penal.
Na situação dos presentes autos, em sede de audiência de julgamento, é possível fazer uma imputação do dolo directo, atenta as regras da experiência e do normal suceder, já que é de crer que qualquer pessoa medianamente diligente saberia que lhe era legalmente vedada a actuação empreendido pelo, resultado que prefigurou e quis que se realizasse, tanto mais que o confessou.
Assim se formou a convicção do Tribunal.
III. Enquadramento fáctico-jurídico:
Em face da matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta do arguido, determinando qual a tutela jurisdicional que cumpre dar ao caso em apreço.
Este vem acusado do cometimento de um crime evasão, previsto e punido pelo artigo 352º do Código Penal.
Dispõe o n.° 1 de tal artigo que: "quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até dois anos".
Esta norma está inserida no capítulo dedicado aos crimes contra a autoridade pública e na secção intitulada de, tirada e evasão de presos e do não cumprimento de obrigações impostas por sentença criminal.
No dizer de Cristina Líbano Monteiro, in Cometário Conimbricense, o bem jurídico protegido por esta incriminação não é outro senão a segurança da custódia oficial, um dos níveis de refracção do bem jurídico mais lato que abarca todos os crimes contra a administração pública: a autonomia do Estado visando completara protecção da administração realização da justiça.
Por isso, não só reportada a decisões finais mas ainda, a outras que surjam no decurso do processo penal vg. a detenção ou as medidas de coacção detentivas, que por visarem satisfazer as necessidades que as determinou, não pode o sistema deixar de prover ao seu efectivo acatamento.
Para alguém cometer o crime de evasão p. e p. pelo artigo 352° nº 1 C Penal é necessário estar, efectivamente, privado da sua liberdade, que constitui o elemento objectivo do crime em causa.
Por decisões privativas da liberdade deve entender-se todas as decisões que ordenam prisão, detenção ou internamento, quer elas sejam definitivas quer sejam transitórias, quer visem imputáveis adultos ou jovens ou inimputáveis, quer as decisões sejam tomadas no âmbito do processo penal ou do processo de expulsão ou extradição.
No caso concreto, temos que:
- o arguido encontrava-se em cumprimento sucessivo de penas de prisão no Estabelecimento Prisional da Carregueira estando o respectivo termo previsto para o dia 23/11/2018;
- no dia 09/03/2017 foi-lhe concedida uma saída precária de 72 horas, tendo o arguido ficado ciente das obrigações a que ficava sujeito, nomeadamente, no que ora releva, regressar ao Estabelecimento Prisional dentro do prazo determinado;
- pelas 17h00 do dia 10/3/2017 a mencionada saída precária de 72 horas iniciou-se;
- tal saída esgotou-se pelas 17h do dia 13/3/2017, não tendo o arguido regressado ao Estabelecimento Prisional da Carregueira, nem apresentado qualquer justificação para o efeito;
- apesar dos órgãos de polícia criminal terem procurado o arguido por vários locais, designadamente na sua residência, este não foi localizado;
- ao ponto do paradeiro do arguido apenas vir a ser conhecido em 9/5/2018, data em que foi detido pela Polícia Judiciária que assegurou o ser retorno ao Estabelecimento Prisional da Carregueira.
Ora, tal acervo fáctico apurado preenche inquestionavelmente, quer objectiva, quer subjectivamente ,os elementos do ilícito criminal em análise.
Na verdade, o arguido, que se encontrava privado da liberdade, em Estabelecimento Prisional, não retornou ao mesmo no final do período da licença de saída de curta duração, ciente que, ao agir desse modo, estaria a inviabilizar o cumprimento da pena de reclusão que lhe fora imposta, resultado esse que prefigurou, quis que se resultasse e logrou obter.
Ao nível do elemento subjectivo, o arguido agido com dolo directo - artigo 14° n° 1 do Código Penal, porquanto agiu do modo supra descrito, bem sabendo que tal comportamento lhe era vedado por lei e punido criminalmente.
Deverá, pois, ser condenado pela prática do crime sob apreço.
Da medida concreta da pena:
Importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a ser aplicada.
Ao crime em apreço corresponde uma moldura penal abstracta de prisão de um mês a dois anos.
Na determinação da medida concreta da pena e, em obediência ao disposto no artigo 71º do Código Penal, deverá atender-se à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Tendo em conta este preceito legal, haverá que considerar:
- o grau de ilicitude do facto, que se considera mediano, atento o modo como o arguido actuou;
- o dolo, na sua vertente mais intensa, dado que o arguido agiu com dolo directo;
- o período superior a um ano em que o arguido logrou eximir-se do cumprimento da pena de reclusão;
- os vastos antecedentes criminais do arguido e que a se faz referência de 25.1. a 25.12. dos factos provados [por factos cometidos desde o ano de 1993, por crimes de burla informática, roubo qualificado, sequestro, detenção de arma proibida, ofensas à integridade física simples, ameaça, furto qualificado, introdução em casa alheia, falsificação de documentos agravados, burla, uso de documento de identificação alheio, emissão de cheque sem provisão, furto e dano] e que espelham a personalidade do arguido: indivíduo com pendor para a prática de factos contra o património, inclusivamente com alguma violência, que o mesmo não cessou, mesmo após ter registada a sua primeira prisão aos 23 anos de idade;
Para além das circunstâncias supra referidas, cumprirá atender às necessidades de prevenção geral, que não serão despiciendas, mercê da não frequente ocorrência do crime em questão, sendo as necessidades de prevenção especial muito significativas, atento o que se referiu quanto aos antecedentes criminais do arguido.
Em face do exposto, decido condenar o arguido numa pena de doze meses de prisão.
No caso dos autos, fazem-se sentir especiais necessidades preventivas que só através da concreta execução da pena de prisão poderão satisfazer-se, atento designadamente o facto das condenações de que foi alvo o arguido, sua natureza e natureza e medidas das penas que lhe foram aplicadas não terem constituído suficiente advertência.
A sua conduta insere-se num contexto de manutenção de um comportamento ilícito que se vem arrastando.
Nesse particular, destaca-se, dada a sua pertinência, o já consignado na douta decisão proferida no processo n.° 6730/10.1TXLSB, pelo tribunal de Execução de Penas de Lisboa, datada de 4/7/2016, que não lhe concedeu liberdade condicional (constante de fls. 7 a 10 verso): "são as circunstâncias do caso/antecedentes que na situação dos autos clamam por especial prudência. O recluso foi condenado anteriormente em penas de prisão efectivas pela prática dos crimes de burla, dano e furto, Tendo-lhe sido concedida, por decisão de 24/11/2004, a liberdade condicional, praticou, no seu decurso, os crimes de roubo qualificado, sequestro e burla informática. Significa isto que, muito embora o recluso tenha experienciado anterior reclusão, a mesma não surtiu qualquer e/eito dissuasor, posto que, ainda que sabedor de que a prática de novo crime poderia determinar-lhe, para além do cumprimento de outra pena de prisão, também o remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, não se coibiu de praticar crimes, sendo estes, para além do mais, de gravidade superior aos anteriores. (...) Estamos, portanto, perante um quadro de considerável risco de reiteração criminosa (...)".
Donde se conclui não estarem evidentemente preenchidos no caso vertente os requisitos necessários para que tal pena de prisão seja substituída por multa (cfr. art.º 45.º, n.° 1, do Código Penal), aqui se realçando o manifesto insucesso no caso das penas pecuniárias ou por suspensão da sua execução (cfr. art.º 50°, do Código Penal). Nem a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da criminalidade e, ainda assim, satisfazer as exigências de reprovação e prevenção criminal.
Tão pouco se crê que as penas substitutivas de prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. art.º 48.°, n.° 1, do Código Penal) ou de regime de permanência na habitação (art.°s 43.0, do Código Penal), fossem adequadas ao caso concreto, pois o arguido revela, com a sua personalidade, um comportamento recidivo e anti-social e uma falta de preparação para se comportar licitamente, doutra forma se pondo em causa o mínimo exigido pela protecção dos bens jurídicos em presença.
Termos que deverá cumprir tal pena de prisão de forma efectiva, pois, pelos motivos já aduzidos, nem sequer será possível efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao eventual sucesso de uma pena suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.° do Código Penal.

7.2. Apreciação.

Inicia o recorrente a sua discordância relativa à sentença proferida nos autos, - que o condenou pela prática de um crime de evasão p. e p. pelo art.º 352º, n° 1 do Código Penal, na pena de doze meses de prisão, não suspensa, - por precisar que o recurso se encontra restrito à matéria de direito, não se conformando com a medida da pena.
Contudo, por lapso manifesto mais alega na conclusão número 4 que “o Tribunal "a quo" violou o Princípio in dúbio pro reo previsto no artigo 32° da C.R.P., bem como os artigos 124° a 127° e 355.° do Cód. Proc. Penal, os artigos 21° e 25.º do D.L. n.° 15/93, de 22/01.”
Não tendo sido o recorrente condenado por crime de tráfico de estupefacientes, mas sim por crime de evasão, e não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto, alegando nas conclusões números 2, 3 e 5, que o recurso tem unicamente por objecto a matéria de direito, encontra-se demonstrado o manifesto lapso do recorrente pelo que não nos pronunciaremos sobre a conclusão número 4, assim como sobre a conclusão número 9, que, contrariamente aos factos provados quanto aos antecedentes criminais do recorrente, alega que “Não tem antecedentes criminais e não era referenciado por actividade ilícita - não existem vendas e não houve proveito económico”.

Da questão prévia do preenchimento do tipo penal do crime de evasão.
O recorrente beneficiou da concessão de uma saída de curta duração de três dias, findos os quais não se apresentou no estabelecimento prisional e só vindo a ser recapturado, contra a sua vontade, mais de um ano depois, o que o tribunal recorrido entendeu integrar o preenchimento típico-penal do crime de evasão previsto no art.º 352º nº 1 do Código Penal.
O tipo objectivo do crime consiste na evasão por pessoa legalmente privada da liberdade, entendendo-se como decisões privativas da liberdade todas as decisões que ordenam prisão, detenção ou internamento tomadas no âmbito do processo penal, do processo de expulsão ou extradição.
O recluso a quem foi concedida uma licença de saída de curta duração encontrava-se no gozo de liberdade, concedida pela autoridade competente que ordenou a cessação temporária da privação fáctica da liberdade, e ao não se apresentar, não comete o crime de evasão, porque não se encontrava objectivamente privado da liberdade.
A consequência desse não regresso integra a verificação de uma situação de ausência ilegítima, decorrente da desobediência à ordem de apresentação no estabelecimento prisional no fim daquele período de três dias, que durou até à data em que foi recapturado, implicando, tendo como consequência legal, a revogação da saída e o desconto na pena a cumprir de todo o tempo em que permaneceu em ausência ilegítima, com se refere nos artigos 80º nºs1 a 3, 85º, nºs 3 e 4, e 141º alínea h) do Código de Execução das Penas, na redacção introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto.
O art.º 80º nº 1 alínea c) do mesmo diploma legal estabelece como um dos requisitos para a concessão de licença de curta duração o facto de nos últimos doze meses antecedentes ao pedido da licença, “a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional”, demonstrando o reconhecimento legal da diferença de natureza entre situações de evasão e de ausência ilegítima, sendo que no primeiro caso o recluso se encontra sujeito ao estatuto de privação da liberdade por decisão privativa da liberdade em prisão, detenção ou internamento tomadas no âmbito do processo penal, do processo de expulsão ou extradição, enquanto no caso de ausência ilegítima o recluso se encontra numa situação no pleno gozo de liberdade, concedida pela autoridade competente que ordenou a cessação temporária da privação fáctica da liberdade.
No domínio do Código Penal na versão original de 1982, previa-se no art.º 392º, distinguia-se entre a evasão violenta da evasão não violenta, tendo ambas como pressuposto que o recluso se encontrasse em situação, imposta nos termos da lei, de detenção, internamento ou prisão, em regime fechado, ou aproveitando a sua remoção ou transferência, (nº1), em estabelecimento que funcionasse em regime aberto, (nº 2), em estabelecimento que funcionasse em sistema de segurança média (nº 3), ou seja, sempre em situação de privação absoluta da liberdade em estabelecimentos, e remoção ou transferência entre estabelecimentos, sendo claro que não era aplicável aos reclusos em licenças de saídas dos estabelecimentos, porque estes não se encontravam em situação de privação da liberdade, em resultado de processo de concessão ou autorização de liberdade temporária, legal e competentemente deferida.
O tipo penal do crime de evasão previsto no art.º 352º nº 1 do Código Penal não inclui a violação do regime prisional aberto virado para o exterior, nem das licenças de saídas, de curta duração ou prolongadas, uma vez que nestes casos a autoridade competente ordenou a cessação temporária da privação fáctica da liberdade, ainda que esse período de tempo conte, para efeitos jurídicos, como tempo de reclusão e o desconto na pena a cumprir de todo o tempo em que permaneceu em ausência ilegítima. Verbi gratia o Acórdão do TR do Porto, de 23 de Junho de 2006, relator Coelho Vieira, in Colª Jurª , ano XXXi, Tomo 2, páginas 205 e 206, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, fls 829 e 833.
No mesmo sentido vide o sumário do Ac. do STJ de 31 de Janeiro de 2008, relator Artur Rodrigues da Costa, consultável na base de dados da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa - Sumários do STJ (Boletim) Criminal, de onde resulta que a condenação por crime de evasão a condenado que se encontrava em ausência ilegítima após concessão de saída precária constitui um erro jurídico, impondo-se por isso a sua absolvição, por violação da interpretação da norma jurídica aplicável.
Em conclusão:
O recluso a quem foi concedida uma licença de saída de curta duração encontrava-se no gozo de liberdade, concedida pela autoridade competente que ordenou a cessação temporária da privação fáctica da liberdade, e ao não se apresentar, não comete o crime de evasão, porque não se encontrava objectivamente privado da liberdade.
A consequência desse não regresso integra a verificação de uma situação de ausência ilegítima, decorrente da desobediência à ordem de apresentação no estabelecimento prisional no fim daquele período de três dias, que durou até à data em que foi recapturado, implicando, tendo como consequência legal, a revogação da saída e o desconto na pena a cumprir de todo o tempo em que permaneceu em ausência ilegítima, com se refere nos artigos 80º nºs1 a 3, 85º, nºs 3 e 4, e 141º alínea h) do Código de Execução das Penas, na redacção introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto.

Nestes termos se absolve o recorrente da prática do crime de evasão, revogando-se a sentença condenatória, resultando por isso prejudicadas as questões suscitadas pelo recorrente quanto à medida da pena e suspensão da execução da pena de prisão.

8. Decisão:

Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido S. e revogar a decisão recorrida.
Sem custas.
(Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)

Lisboa, 12 de Março de 2019

Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição