Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1135/05.9TYLSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: MARCAS
CONFUSÃO
SEMELHANÇAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Não se discutindo que se verificam os pressupostos constantes do art. 245, nº 1-a) e b) do CPI e sendo a questão sobre se as marcas em confronto apresentam tais semelhanças que induzam facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com a marca da recorrente, tratando-se de marcas nominativas haverá que apreciar desde logo a sua semelhança fonética.
II – A semelhança fonética tem em conta sobretudo o impacto auditivo, existindo embora critérios para a avaliar, designadamente o da equivalência quantitativa das sílabas, o da identidade da sílaba tónica e o da ordem das vogais; tal semelhança fonética (e também gráfica) verifica-se no caso dos autos.
III – A notoriedade da marca anterior agrava o risco de confusão que é maior quando a imitação sugere uma marca que o consumidor imediatamente reconhece.
IV – Existindo entre a marca da recorrente e a marca registanda semelhanças indutoras de erro ou confusão, verifica-se o fundamento para a recusa do registo previsto no nº 1-a) do art. 239 do CPI, não sendo de recorrer à previsão da alínea e) do nº 1 do mesmo artigo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

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Relatório:


I – Por requerimento entrado em juízo em 28-6-2005 veio «E... AG», ao abrigo do disposto nos arts. 39º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 29 de Abril de 2005  que deferiu o pedido de registo da marca nacional nº 364 350, «E...», requerido por JMS.

            Apresentando as seguintes conclusões:
1- A ora Recorrente E... AG, é titular das marcas internacionais nº 442 222, nº
509 349, nº 510 462, nº 512 717 e nº 638 316, todas caracterizadas pela palavra “E...”.
3- Destinando-se a assinalar, entre outros, artigos de vestuário, calçado e chapelaria.
4- O Exmº Sr. Director do Serviço de Marcas do INPI, concedeu protecção em Portugal à marca nacional nº 364 350, por despacho de 11 de Fevereiro de 2005, publicado no Bol. Prop. Ind. de 29 de Abril de 2005.
5- A marca recorrida traduz-se pela expressão ES....
6- Esta marca destina-se a assinalar na classe 25, vestuário, calçado e chapelaria.
7- As marcas E... são prioritárias e protegem os mesmos produtos.
8- As marcas em confronto, E.../ES..., reproduzem pela mesma sequência 5 das 6 letras que as compõem, o que constitui, na prática, uma reprodução gráfica e fonética e visual de E....
9- As marcas E..., de que a Recorrente é titular, são marcas notórias, nacional e internacionalmente.
10- A divulgação daquelas marcas, aliada à superior qualidade dos artigos que a mesma assinala, conferem-lhe um cunho de indiscutível notoriedade.
11- É grande o investimento publicitário que a empresa E...AG, tem feito nas
suas marcas.
12- A sua publicidade está presente em todos os meios de comunicação nacionais.
13- O poder atrativo da marca E..., tem sido consolidado ao longo dos anos, é património de valor incalculável, que não pode ser
desbaratado.
14- A diferença que pretensamente é estabelecida pela substituição da letra “D” pela
letra “L”, não é suficiente para apagar da memória do consumidor a marca “E...”.
15- As marcas são homófonas.
16- Assim, ainda que as marcas da E... não fossem notórias, sempre se estaria perante a falta de capacidade distintiva da marca registanda, por falta de novidade.
17- Deveria, por isso, ter sido recusada a proteção da marca ES..., o que se requer por via do presente recurso.
Preceitos violados: art.º 24 nº 1 d), art.º 222 nº1; art.º 241 nº 1; art.º 239 m), art.º 245 nº1, todos do Código da Propriedade Industrial.

Pediu a recorrente que seja revogado o despacho recorrido e recusado o pedido de registo de marca nacional nº 364 350, «ES...».
Cumprido que foi o disposto no art. 43º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo.

Citado o requerido veio este declarar nos autos que havia sido declarada a sua insolvência; citado o Administrador da insolvência, não foi deduzida qualquer alegação.

Em 29-1-2015 foi proferida sentença da qual consta a seguinte decisão: «… nega-se provimento ao recurso interposto por E... AG e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido que concedeu o registo à marca nacional nº 364350 “ES...”».  
             
Apelou a requerente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que negou provimento à pretensão formulada pela ora Apelante, no sentido de ser revogado o despacho proferido pelo Senhor Director do INPI que concedeu protecção à marca nacional nº 364 350 “ES...”.

2- A douta sentença recorrida não fez, com o devido respeito, uma aplicação correcta da lei e dos princípios fundamentais que vigoram no Direito das marcas, ao confirmar a decisão de concessão da marca nacional nº 364 350 “ES...”, destinada a assinalar na classe 25, artigos de vestuário, calçado e chapelaria, por entender não existir imitação entre as marcas “E...” da Apelante e aquela marca.

3- A Apelante é titular de várias marcas de registo internacional, em mais de 80 países, onde se inclui Portugal, todas caracterizadas pela palavra “E...” e destinadas a assinalar, entre outros, artigos de vestuário, calçado e chapelaria.

4- Em 11 de Fevereiro de 2005, foi concedido o registo da marca nacional nº 364 350, que se traduz pela expressão ES.., destina-se a assinalar na classe 25, vestuário, calçado e chapelaria.

5- A questão relevante a decidir na presente Apelação, é o reconhecimento da semelhança gráfica e fonética que se verifica entre as marcas ES..., de registo prioritário e a marca ES... que pretende assinalar os mesmos produtos.

6- As marcas em confronto, E.../ES..., reproduzem pela mesma sequência 5 das 6 letras que as compõem, o que constitui, na prática, uma imitação gráfica, fonética e visual de E....
7- As marcas E..., de que a Apelante é titular, são marcas notórias, nacional e internacionalmente.
8- A divulgação daquelas marcas, aliada à superior qualidade dos artigos que as mesmas assinalam, conferem-lhe um cunho de indiscutível notoriedade, assim sendo reconhecidas pelo público directamente interessado e pelo consumidor em geral.                     
9- É grande o investimento publicitário que a empresa E..., tem feito nas suas marcas.
10- A sua publicidade está presente nos meios relevantes de comunicação, internacionais e nacionais.
11- O poder atractivo da marca E..., tem sido consolidado ao longo dos anos, é património de valor incalculável, que não pode ser desbaratado.
12- A diferença que pretensamente é estabelecida pela substituição da letra “D” pela letra “L”, não é suficiente para apagar da memória do consumidor a marca “E...”.
13- O que significa que, ainda que as marcas da E... não fossem notórias, sempre se estaria perante a falta de capacidade distintiva da marca registanda, por falta de novidade.
14- O poder associativo que o consumidor processa relativamente a uma marca que já existe há quase 30 anos no mercado português, cuja notoriedade e prestígio têm sido conquistados ao longo desses anos, é um facto.
15- Por isso, a marca E... é merecedora de protecção especial, na medida em que, as marcas notórias têm o seu direito de protecção ampliado, conferido nos termos do artº 241 do CPI.
16- Deve ter, por isso, a Apelante, a protecção da sua marca ampliada e reforçada, tanto mais quanto, a marca apelada se destina aos mesmos produtos, sendo certo que o consumidor referencia a marca E... com o sector de vestuário, calçado, perfumaria e relojoaria.
17- No caso concreto, como se disse, estão em confronto as marcas “E...” e a marca “E...”.
18- Sem ser necessário o exame atento, é por intuição que se apreende que a marca do Apelado é semelhante às marcas da Apelante.
19- A referida reprodução verifica-se em 5 das 6 letras, pela mesma ordem sequencial.
20- Factos que determinam a confundibilidade das marcas perante o consumidor comum, que tão pouco é perito em direito das marcas.
21- Porque é muito similar a leitura e a pronúncia da palavra “ES...” com a palavra “E...”, o consumidor irá, inevitavelmente fazer uma associação com as marcas por si conhecidas.
22- A marca registanda apresenta semelhanças suficientes com a marca da Apelante para criar na mente do público consumidor uma associação entre si, decorrendo a possibilidade de confusão directamente do preenchimento dos requisitos da imitação.
23- Ao fundamento da imitação de marca notória acrescem outros fundamentos de recusa, à luz do direito marcário português, que sempre subsistiriam mesmo que se entendesse não merecer a marca “ES...” aquela especial qualificação.
24- Pois, a marca apelada infringe directamente os pressupostos estabelecidos no artº 245 nº 1, na medida em que a imitação resulta da verificação de todos os requisitos aí previstos.
25- Atendendo a que os produtos a proteger pela marca do Apelado é afim dos produtos assinalados pela marca da Apelante na classe 25, a concessão do registo propiciaria situações de concorrência desleal, configurando-se aqui ainda um motivo adicional de recusa, ao abrigo das als. a) e c) do n.º 1 do art. 317.º do CPI e da al. e) do n.º 1 do art. 239.º do CPI.
26- Fica patente que ainda que não haja intenção de colagem às marcas da Apelante nem tão pouco a intenção de tirar partido indevido da existência das marcas “E...”, é inevitável que o consumidor estabeleça a associação com as marcas que lhe são familiares.
27- Facto relevante é, ainda, a decisão de recusa por parte do INPI, dos pedidos de registos nacionais, dois casos em tudo iguais – pedido de registo da expressão ES... para os mesmos produtos na classe 25.
28- Com efeito, foram recusados os pedidos de marca nacional nº 377993 “ES...”, de Janeiro de 2004 e nº 397784 “ES..”, de Fevereiro de 2006.
29- O fundamento de recusa foi a verificação de semelhança entre E... e ES....
30- Ora, no caso em análise, estão também preenchidos, de facto e de direito, os pressupostos legais que fundamentam a recusa de marca nacional nº 364 350 “ES...", nomeadamente os do artigo 241º do CPI.
31- A marca apelada não respeita o princípio da novidade nem as regras do direito das marcas, não sendo, por isso, merecedora do registo.
32- Pelo que, por todos os fundamentos se requer a revogação da sentença ora recorrida, determinando-se a recusa de protecção da marca ES..., o que se requer por via do presente recurso.
Preceitos violados: artº 241º, 239 nº 1 a) e e), 245º nº 1 e 3 e 317 a) e c), todos do Código da Propriedade Industrial e art. 6º bis da CUP.

Não foram apresentadas contra alegações.

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II- O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. JMS requereu o registo da marca nacional nº 364350 “ES...” para assinalar na classe 25 “Vestuário, calçado e chapelaria”.

2. A Recorrente é titular das marcas internacionais nº 442 222, nº 509 349, nº 510 462, nº 512 717, nº 638 316,2, todas caracterizadas pela palavra “E...” destinando-se a assinalar, entre outros, artigos de vestuário, calçado e chapelaria, com registos anteriores ao pedido de registo sob recurso, com esse fundamento opôs-se ao referido pedido de registo.
3. Por despacho de 2005.02.11 foi deferido, nos termos pedidos, o registo da marca nacional nº 364350 “ES...”.

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III- Sendo as conclusões de recurso que delimitam o objecto da apelação, as questões que se nos colocam são as seguintes: se estamos perante uma imitação da marca da recorrente, ocorrendo semelhanças susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão; se existem elementos que nos reconduzam à possibilidade de concorrência desleal, como fundamento de recusa do registo.

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IV– 1 - Poderemos considerar a marca como sendo o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor. Efectivamente, a marca tem uma função essencial, a função distintiva ([1]) de um produto ou serviço, que, todavia, não é a única, tendo também uma função de sugestão – sendo angariadora de clientela – e uma função de garantia.
Através da marca o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece; a marca visa, aliás, estabelecer uma relação entre um produto ou serviço e um certo agente económico.
A lei estabelece vários limites à liberdade na composição da marca, limites intrínsecos – que dizem respeito aos próprios sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade que tenham de constituir uma marca - e extrínsecos – que dizem respeito aos sinais confrontados com situações anteriores. Estes últimos não têm, pois, em vista o sinal em si mesmo considerado, mas sim a existência de direitos anteriores – e é nesse concreto âmbito que nos situamos no caso que nos ocupa.
Consignando os chamados princípios da novidade e especialidade da marca é determinado na alínea a) do nº 1 do art. 239 do CPI ([2]) constituir fundamento de recusa do registo de marca «a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada».
Contempla-se aqui quer a contrafacção quer a imitação da marca. Verificar-se-á o primeiro caso quando a marca posterior reproduza totalmente a marca anterior. Já o conceito de imitação consta do art. 245 do CPI cujo nº 1 declara:
«1- A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto».

Não está em causa nestes autos que a marca da recorrente beneficia de prioridade do registo nem que ambas as marcas se destinam a assinalar produtos idênticos (nomeadamente vestuário, calçado e chapelaria).

Logo, estarão verificados os pressupostos constantes do art. 245, nº 1-a) e b) do CPI.

A questão coloca-se, unicamente, sobre as marcas em confronto, apresentarem tais semelhanças que possam levar o consumidor a confundir os sinais ou estabelecer ligações (inexistentes) entre as origens empresariais.

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IV – 2 - Apela a recorrente para os conceitos de marca notória e de prestígio.

No requerimento inicial – local onde lhe cabia proceder à alegação dos respectivos factos – referiu a apelante ter feito grande investimento publicitário nas marcas que tem estado presente em todos os meios de comunicação nacionais e que granjeou um determinado estatuto na indústria da perfumaria, acessórios, confecção, vestuário e calçado principalmente pela superior qualidade dos seus artigos e que a divulgação da marca através da publicidade e das inúmeras lojas espalhadas pelo território português aliada à qualidade dos produtos comercializados lhe confere notoriedade.

Diz-nos, a propósito, Couto Gonçalves ([3]) que a «marca notoriamente conhecida é entendida como a marca conhecida de uma grande parte do público consumidor como a que distingue de uma forma imediata um determinado produto ou serviço». Acrescentando que uma «forte corrente doutrinária e jurisprudencial distingue ainda duas hipóteses: se o produto ou serviço for de grande consumo, a marca deve ser conhecida do grande público; se o produto ou serviço for de consumo específico, a marca deve ser conhecida de grande parte do público interessado nesse produto ou serviço».

José Mota Maia ([4]), por seu turno, diz-nos poder aceitar-se que uma marca pode qualificar-se de notória, ou notoriamente conhecida, desde que tenha alcançado notoriedade, ou conhecimento geral, no círculo dos produtores, dos comerciantes, ou dos prestadores de serviços, ou no meio dos consumidores, ou utilizadores, dos respectivos produtos ou serviços, bastando que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que, na linguagem comum, se usa designar por «meios interessados», relativamente a determinados produtos ou serviços.
Sendo de salientar que a marca notória continua limitada pelo princípio da especialidade - só impede o registo de marcas iguais ou semelhantes que se destinem a identificar produtos idênticos ou afins.

Em regra, todavia, a notoriedade terá «que ser demonstrada por quem a invoque, podendo, nomeadamente, para este efeito ser apresentadas imagens, estudos de mercado, evidências do volume de vendas, da posição alcançada no mercado, da publicidade de que o sinal tenha sido objecto e decisões judiciais em que ao mesmo já tenha sido reconhecida notoriedade» ([5]).

Afigura-se podermos nesta parte aceitar – tendo em conta o disposto no art. 412 do CPC – que as marcas da apelante («E...») são publicitadas, conhecidas como tendo correspondência com artigos de qualidade e de uma gama elevada, com preços acima da média.

Admite-se que se trata de marca notoriamente conhecida, no sentido de conhecida de grande parte do público interessado naqueles produtos.

Isso não nos impede de verificar se, no caso, ocorre imitação – mais concretamente se se verifica o requisito que corresponde ao cerne da discussão; sem deixar de ter presente, como adiante veremos, aquela característica da notoriedade.

Quanto à marca de prestígio ela deverá gozar de excepcional notoriedade, significando isso que deve ser «espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande público consumidor e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços» (primeiro requisito, de natureza quantitativa); bem como gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores, devendo contar «ou com um elevado valor simbólico-evocativo junto do público consumidor, não obstante não seja de grande consumo, ou com um elevado grau de satisfação junto do grande público consumidor» (segundo requisito, de natureza qualitativa) ([6]).

A marca de prestígio, para além de uma excepcional capacidade distintiva, deve ter ou uma excepcional capacidade evocativa e/ou uma excepcional aceitação no mercado, num caso e noutro de modo tão intenso que, dificilmente, e sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviços.

A marca de prestígio goza de uma protecção não subordinada ao princípio da especialidade da marca – o que, nas circunstâncias dos autos, não influi na decisão.

Os elementos factuais de que dispomos são escassos para que possamos afirmar que as marcas da apelante possuem os requisitos que permitiriam qualificá-las como «de prestígio» - nem a recorrente afirmava tal pretensão no seu requerimento inicial.

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IV – 3 - Voltamos, pois, ao ponto atrás referido – se as marcas em confronto, apresentam tal semelhança - gráfica, figurativa, fonética ou outra - que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.

O consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento, pelo que a comparação que entre eles é feita não será simultânea mas sucessiva. Ora, quando dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam; já quando os dois são vistos sucessivamente é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece pelo que são as semelhanças que ressaltam.

«A imitação deve, pois, ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados e separadamente.

Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas» ([7]).

Do mesmo modo refere Couto Gonçalves ([8]) que no que á referida semelhança respeita existe um conjunto de critérios de apreciação, consensuais na doutrina, o primeiro dos quais – entre outros - é o de se dever apreciar as marcas no seu conjunto, só se devendo recorrer à dissecação analítica por justificada necessidade. A razão de ser deste critério está no facto de ser a imagem de conjunto aquela que, normalmente, sensibiliza mais o consumidor não se devendo pressupor que este tenha condições de efectuar um exame comparativo e contextual dos sinais entre si.

Tratando-se de marcas nominativas  o aspecto a considerar em primeiro lugar é o da semelhança fonética – os elementos nominativos são retidos na memória sobretudo pelos fonemas que os compõem, em detrimento da respectiva grafia.

A semelhança fonética tem em conta, sobretudo, o respectivo impacto auditivo, mas têm-se apontado alguns critérios para a avaliar, destacando-se o da equivalência quantitativa das sílabas que compõem as expressões, o da identidade da sílaba tónica e o da ordem das vogais.

No caso dos autos a marca da recorrente e a marca registanda têm idênticos impactos auditivos. É de salientar que a expressão «E...» tem o mesmo número de sílabas que a expressão, «ES...», ou seja três. Também existe identidade quanto à sílaba tónica – ambas as palavras são graves, já que a sílaba tónica é a penúltima (“ca”). Por fim, também a ordem das vogais é também a mesma na marca da recorrente e na marca registanda: “a-a-a”.

Temos, deste modo, de concluir pela semelhança fonética (e gráfica) de ambas as expressões.

Não concordamos, pois, com a sentença recorrida quando nela se afirma não haver semelhança gráfica, fonética ou outra entre a marca registanda e a marca da recorrente.

O elemento conceptual também não será despiciendo. Como refere Pedro Sousa e Silva ([9]) excepto nos casos de marcas totalmente desprovidas de significado (como é o caso de palavras inventadas sem qualquer sentido) os sinais terão um determinado conteúdo, exprimindo uma ideia, representando uma coisa ou uma situação. Essa ideia ou significado pode ser retomada por outro sinal em termos de susceptíveis de gerar confusão ou associação indevidas; mas o elemento conceptual pode também servir para atenuar ou afastar o risco de confusão.

Tratando-se, embora, de marca alemã, a palavra «E...» tem na língua portuguesa uma correspondência concreta; também a palavra escala tem um significado na língua portuguesa. Todavia, mesmo conceptualmente, as noções subjacentes às expressões em causa, ainda que não idênticas, não são absolutamente estranhas ([10]).   
              
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IV– 4 - Constitui risco de confusão – a qual deve ser apreciada globalmente - a eventualidade de o público poder considerar que os produtos ou serviços em causa são provenientes da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas. É tanto mais elevado quanto mais forte for o carácter distintivo da marca anterior, ainda que devido ao conhecimento que dela tenha o mercado pela notoriedade de que goza junto do público.

Assim, assinala Carlos Olavo ([11]) que a notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que a marca notória deixa na memória do público uma lembrança certa e persistente, sendo o risco de confusão maior quando a imitação sugere uma marca que o consumidor imediatamente reconhece. Mencionando também, que quanto mais os produtos forem idênticos ou similares maior deve ser, para evitar o risco de erro ou confusão, a diferença entre os sinais e vice-versa.

Do mesmo modo refere Couto Gonçalves ([12]) que o TJ vem sufragando o critério de que quanto maior for a notoriedade da marca anterior maior é o risco de confusão com uma marca posterior.

Anotando-se que ([13]) as marcas que tenham um carácter distintivo elevado, intrinsecamente ou em razão do conhecimento das mesmas no mercado, gozam de uma protecção mais ampla do que aquelas cujo carácter distintivo é mais reduzido.

O consumidor a que se reportam a alínea a) do art. 239 e o nº 1-c) do art. 245 é o consumidor de atenção média, importando ter em conta para o efeito, designadamente, os produtos em questão e a condição social e cultura do público a que são destinados.

O consumidor médio dedica, habitualmente, menos atenção na aquisição de produtos baratos de grande consumo do que quando se trata de produtos mais caros ou personalizados.

Haverá que relativizar o protótipo do consumidor, distinguindo vários sub-tipos do consumidor médio, tendo em conta a natureza, características e preço dos produtos diferenciados pelas marcas correspondentes; deste modo podemos alinhar «o perfil de um consumidor médio mais atento no caso de os produtos ou serviços terem um preço muito elevado ou o perfil de um consumidor médio menos diligente no caso dos produtos terem um baixo preço e um largo consumo» ([14]).

Os produtos a que se reportam ambas as marcas em questão nos autos são bens que em termos gerais se poderiam considerar como destinados a suprir necessidades comuns e mesmo básicas – assim sucede com o calçado e o vestuário. Não se trata de produtos pela sua própria natureza dispendiosos, qualquer que seja o seu segmento, como seria o caso, por exemplo, de veículos automóveis. Todavia, quanto à marca da recorrente, estaremos perante produtos havidos como de qualidade e de uma gama elevada, com preços acima da média. Destinar-se-ão, deste modo, a um público de condição social acima da estrita mediania, com disponibilidade financeira para suportar o seu preço. O que não significa que não sejam pretendidos por qualquer consumidor – e as roupas e o calçado têm um amplo consumo – que face à semelhança fonética (e gráfica) só com especial vigilância pudesse distinguir a proveniência empresarial dos produtos em causa. Afigura-se-nos, pois, que vistas na sua globalidade a marca da recorrente e a marca registanda, existe entre elas semelhança indutora dos acima aludidos erro ou confusão.

       Conclui-se, pois, ocorrer a imitação a que se reporta a lei.

Assim, verifica-se o fundamento para a recusa do registo de marca previsto no nº 1-a) do art. 239 do CPI.

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IV– 5 - De acordo com a alínea e) do nº 1 art. 239 do CPI constitui, também, fundamento de recusa «o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção» ([15]).

Alude a apelante a este fundamento como constituindo um «motivo adicional de recusa».

O art. 317, nº 1-a) do CPI dispõe que constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente, «os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue».

Pedro Sousa e Silva ([16]) refere que o motivo de recusa a que agora nos reportamos tem sido usado como uma autêntica válvula de escape do sistema, servindo para prevenir situações abusivas e riscos potenciais de erro ou confusão quando estas escapem à previsão das demais normas proibitivas do registo de marcas, mandando a citada alínea e) recusar o registo da marca quando se reconheça que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível, independentemente de intenção. E que esta norma deve ser interpretada no sentido de recusar marcas que objectivamente possam «criar condições propícias à prática de actos de concorrência desleal», visando evitar que o requerente venha a ter oportunidade de delinquir, ficando a dispor de um instrumento que lhe facilite a prática de actos típicos da concorrência desleal.

Segundo Couto Gonçalves ([17]) a concorrência desleal surge na alínea e) do nº 1 do art. 239 como uma situação de “desconformidade objectiva”, numa “perspectiva preventiva”, visando-se com a sua inclusão no rol de impedimentos ao registo prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo intencional ou não, desencadeia ou pode desencadear com o seu pedido uma situação objectivamente desleal (um acto contrário às normas e usos honestos de qualquer actividade económica). Não se tratará, pois, de apreciar a prática de um acto consumado de concorrência desleal.

Explicando que para haver confusão entre marcas seria necessário que a marca do eventual concorrente lesado se encontrasse validamente registada e protegida no quadro do direito de marcas e que se verificassem os requisitos, e só esses, previstos no art. 245, nº 1 – nada mais. Seria uma situação que dispensaria a verificação de outros requisitos, nomeadamente os respeitantes à contrariedade de normas e usos honestos, a prova da relação de concorrência e a prova de confusão objectiva (e não a simples identidade ou afinidade) entre os produtos ou serviços propriamente ditos.

No âmbito deste fundamento de recusa o «concorrente queixoso não pode invocar qualquer direito privativo de marca e, portanto recorrer aos critérios previstos no art. 245º»; na previsão da norma têm de caber outras situações.

No entendimento que acima expressámos verificava-se, no caso dos autos, o fundamento de recusa previsto no nº 1-a) do art. 239 do CPI, com observância dos critérios aludidos no art. 245.

Estando demonstrados os requisitos que conduzem à imitação da marca nos termos do nº 1 do art. 245 do CPI, afastada fica a necessidade (e possibilidade) de recurso à previsão da alínea e) do nº 1 do art. 239 do CPI.

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V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em consequência, determinam a recusa do registo da marca nacional nº 364 350, «ES...», requerido por JMS.
            Custas pela apelada.

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Lisboa, 9 de Julho de 2015

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque                                                                      
Sousa Pinto
         

[1] Couto Gonçalves em «Manual de Direito Industrial», Almedina, 2005, pag. 134, desenvolve uma noção mais ampla da função distintiva da marca que redefine nos seguintes termos: «A marca, para além de indicar, em grande parte dos casos que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso de transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses da licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso».
[2]Versão decorrente das alterações introduzidas pelo dl 143/2008, de 25-7, mas cujo teor constava de modo idêntico na alínea m) da redacção original do mesmo artigo.
[3]Obra citada, pags. 242-243.
[4]Em «Propriedade Industrial – vol. II, Código da Propriedade Industrial, Almedina, 2005, pag. 427.
[5]«Código da Propriedade Industrial, Anotado», Coordenação Geral de António Campinos, Coordenação Científica de Luís Couto Gonçalves, coautores André Robalo, Carla Albuquerque, Inês Vieira Lopes, João Marcelino, Maria João ramos, Miguel Gusmão, Telmo Vilela, Almedina, 2010, pags. 470-471.
[6]Couto Gonçalves, «Manual de Direito Industrial» citado, pags. 251-252.
[7]Carlos Olavo, obra citada, pag. 102.
[8]Obra citada, pag. 233.
[9]Em «Direito Industrial – Noções Fundamentais», Coimbra Editora, 2011, pags. 180-181.
[10]“Escada”, do latim “scalata”, corresponde a uma série de degraus pelos quais se sobe ou se desce; “escala” do latim “scala” indicava uma graduação. Na língua portuguesa temos, também, a palavra escalada e o verbo escalar que implicam uma subida.
[11]Obra citada, pags. 107 e 108.
[12]Obra citada, pag. 233.
[13]No «Código da Propriedade Industrial, Anotado», Coordenação Geral de António Campinos, Coordenação Científica de Luís Couto Gonçalves, já citado – pag. 479.
[14]Couto Gonçalves, obra citada, pag. 237.
[15]Na redacção inicial do Código esta disposição constava do art. 24, nº 1-d).
[16]Obra citada, pag. 185.
[17]Obra citada, pags. 259 e seguintes. Também, assim, no «Código da Propriedade Industrial, Anotado», Coordenação Geral de António Campinos, Coordenação Científica de Luís Couto Gonçalves, já citado – pag. 467.