Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4129/19.3T8OER-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
COMPETÊNCIA DO OFICIAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 722.º do CPC as funções do agente de execução podem ser exercidas pelo Oficial de Justiça em execução de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, em que seja exequente pessoa singular, que tenha como objeto créditos não resultantes de uma atividade comercial ou industrial, desde que tal seja solicitado no requerimento executivo e seja paga a taxa de justiça devida.

II. O valor do processo executivo é aferido nos termos gerais.

III. Nas ações de despejo o valor da causa é o da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior (art.º 298.º n.º 1 do CPC). Este valor será o mesmo pedindo-se ou não a condenação na entrega do locado. No fundo, na ação de despejo a avaliação económica da causa pauta-se pelo rendimento proporcionável pelo imóvel à luz do contrato de arrendamento – o que desloca o foco do litígio para a dimensão obrigacional da situação jurídica, negando-se à ação de despejo a natureza de ação real.

IV. Assim, sendo o título executivo uma sentença homologatória de transação nos termos da qual as partes acordaram na cessação de um contrato de arrendamento habitacional, fixando-se prazo para a entrega do locado e estipulando-se o valor das quantias pecuniárias devidas pela ocupação do locado até à sua restituição, não ficou aquém do padrão legal de fixação do valor da causa executiva o exequente que no requerimento executivo não atribuiu ao locado um valor pecuniário próprio, centrando-se no direito ao valor das prestações pecuniárias que a transação homologada por sentença lhe reconhecia, inclusive decorrentes da não restituição atempada do locado, liquidando a quantia exequenda à luz dos montantes alegadamente em dívida à data do requerimento executivo.

V. No caso dos autos, orçando a liquidação referida em IV em €8.250,00, não emergindo os créditos em causa de atividade industrial ou comercial, tendo o exequente solicitado no requerimento executivo a intervenção de Oficial de Justiça e pago a taxa de justiça (mais elevada) correspondente, mostram-se preenchidos os aludidos requisitos da intervenção do Oficial de Justiça como agente de execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

1. Em 05.11.2019 HP apresentou requerimento de execução, nos próprios autos, com intervenção de Oficial de Justiça, de sentença homologatória de transação em que haviam intervindo o ora exequente e os ora executados, MG e AM.
2. A aludida transação, homologada por sentença datada de 25.02.2019, tem a seguinte redação [tem-se em conta a retificação que foi determinada por despacho judicial de 14.3.2019]:
O autor desiste do pedido formulado nos autos, mediante as seguintes condições que os réus aceitam:
1º - O contrato de arrendamento cessou os seus efeitos no dia 13/04/2016;
2º - Todos os pagamentos efectuados até aquela data deverão ser titulados por recibo de renda emitido a favor da sociedade C, SA;
3º - Os restantes pagamentos serão imputados a indemnização por ocupação autorizada;
4º - Os réus comprometem-se a entregar o espaço e o recheio incluído no locado, outrora locado, até ao dia 09/9/2019, sendo o local da entrega o próprio locado;
5º - Caso os réus consigam encontrar uma solução alternativa de espaço antes da referida data de 09/9/2019, poderão antecipar a entrega das chaves, sendo devidas apenas as rendas/indemnização até à data da efectiva entrega;
6º - No momento da entrega das chaves, será devolvido aos réus, o montante da caução paga com a assinatura do contrato de arrendamento;
7º - Caso por algum motivo os réus não procedam à entrega do espaço até ao dia 09/9/2019 e, para além de se manterem obrigados a essa entrega, ficam com a obrigação de pagar ao autor, a título de cláusula penal, a quantia de 3.000,00€;
8º - Custas em dívida a juízo serão pagas em partes iguais, prescindindo todos eles das de parte, incluindo os honorários de advogados”.
3. O exequente alegou, no requerimento executivo, que os executados haviam ficado obrigados, nos termos da transação judicialmente homologada, a restituírem ao exequente a fração autónoma aí identificada, incluindo o respetivo recheio, até 9 de setembro de 2019, o que não fizeram. Mais ficaram obrigados a pagar ao ora exequente, a título de indemnização, o montante mensal de €1.050,00, equivalente à renda mensal, por cada mês de utilização até 9 de setembro de 2019, o que equivalia ao montante de €5.250,00. Acrescia €3.000,00 por cada mês de atraso na restituição da fração.
4. No formulário do requerimento executivo o exequente indicou, como “Espécie”, Exec. Sentença próprios autos (Of Just) s/ Desp Liminar, “Finalidade da Execução”, Entrega de coisa certa e como “Valor da Execução”, 8.250,00€.
5. No requerimento executivo o exequente liquidou a obrigação em €8.250,00 (€3.000,00 + €5.250,00) e documentou o pagamento de €204,00 a título de taxa de justiça.
6. Por despachos judiciais de 20.4.2020, 07.10.2020 e 27.11.2020 foi decidido suspender a execução à luz da legislação desencadeada pela luta contra a doença COVID-19.
7. Em 10.01.2021 o exequente declarou que a dita fração se encontrava desocupada, requerendo a prossecução da execução.
8. Em 12.01.2021 o Sr. Juiz determinou que o AE informasse, feitas as necessárias averiguações, se o imóvel em causa estava desabitado, como alegava o exequente.
9. Em 13.01.2021 a secção emitiu mandado para que fosse averiguado pela unidade de serviço externo se o imóvel a entregar se encontrava devoluto.
10. Em 24.3.2021 a unidade de serviço externo lavrou certidão de não notificação da executada.
11. Em 25.3.2021 e 31.3.2021 a secção oficiou ao Serviço de Finanças de Cascais, às Águas de Cascais e à EDP para averiguar, respetivamente, acerca da existência de contrato de arrendamento, contrato de consumo de água ou contrato de consumo de eletricidade respeitantes ao prédio em questão.
12. Em 12.4.2021 a secção abriu conclusão ao Sr. Juiz com a informação de que as pesquisas efetuadas levavam a crer que o imóvel estava desabitado.
13. Em 12.4.2021 foi proferido despacho que atendendo à certidão negativa de 24.3.2021 e demais informação nos autos determinou o prosseguimento da execução, com o cumprimento do disposto nos artigos 626.º n.º 3, 861.º e 863.º do CPC.
14. Em 13.4.2021 a secção
- consultou as bases de dados da segurança social relativamente à executada e ao executado;
- calculou o montante provável da quantia exequenda em dívida, fixando o valor de €9.500,00;
- emitiu mandado à secção de serviço externo para entrega do imóvel e para notificação dos executados, nomeadamente para se oporem à execução.
15. Em 23.4.2021 a secção enviou à executada notificação postal para, querendo, em 10 dias se opor à penhora nos termos dos artigos 784.º e 785.º do CPC.
16. Em 26.4.2021 o executado apresentou requerimento nos autos no qual, após declarar que tomara conhecimento da execução por causa das diligências de penhora que estavam em curso, requereu a emissão de guias para poder caucionar em dinheiro a quantia exequenda e acrescidos no intuito de que fossem suspensas as diligências de penhora e levantadas as efetuadas.
17. Em 27.4.2021 a secção notificou o executado do procedimento a efetuar para caucionar a quantia exequenda.
18. Em 27.4.2021 foi junto aos autos aviso de receção da citação/notificação postal dirigida à Universidade (…).
19. Em 29.4.2021 o Sr. Oficial de Justiça notificou a Universidade (…) para dar sem efeito o pedido de penhora efetuado em 15.04.2021, por o mesmo já não interessar aos autos.
20. Em 10.5.2021 foi devolvida aos autos a notificação enviada à executada em 23.4.2021, por não ter sido reclamada.
21. Em 12.5.2021 o exequente requereu nos autos que o executado fosse notificado, que lhe fosse entregue (ao exequente) o imóvel e se realizassem penhoras de bens que garantissem o valor atual da quantia exequenda, que calculou em €65.250,00.
22. Em 13.5.2021 foi lavrada cota consignando que haviam sido entregues à executada cópia do requerimento executivo, do título executivo e DUC para “liquidação das mesmas” (sic).
23. Em 08.6.2021 a executada juntou aos autos procuração forense.
24. Em 18.6.2021 a executada apresentou nos autos o seguinte requerimento:
MG (…), Executada nos autos em epígrafe, vem expor e requerer o seguinte:
1. No passado dia 8 de junho de 2021, foi junta aos autos procuração forense passada a favor da signatária por MG (…), tida como Executada nesta ação executiva.
2. Nessa sequência foi possível proceder à consulta dos autos.
3. Tal consulta permitiu constatar o que se dirá infra, sendo certo que a Executada não teve qualquer intervenção anterior nos presentes autos, o que torna tempestivo tudo o que se dirá infra.
NOTA PRÉVIA (1)
4. Em 5 de novembro de 2019, o Exequente apresentou requerimento de execução de decisão judicial condenatória, com indicação de que se tratava de uma execução nos próprios autos.
5. Nesse requerimento, na finalidade da execução o Exequente indicou “entrega da coisa certa”.
6. Nesse mesmo requerimento, foi indicada a seguinte espécie “Exec sentença próprios autos (Of.Just) s/ desp liminar”.
7. Do conteúdo do requerimento executivo, depreende-se que o Exequente pretendia que a instância executiva prosseguisse uma dupla finalidade: (i) por um lado, a entrega do imóvel melhor identificado nos autos e, (ii) por outro lado, o pagamento de quantia certa, cujo valor cifrou em € 8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros).
NOTA PRÉVIA (2)
8. Face ao regime legal vigente e considerando a cumulação de execuções pretendida pelo Exequente (entrega de coisa certa e pagamento de quantia certa), a tramitação a observar deveria ser a seguinte:
a. Face ao título executivo dado à execução, não haveria lugar a despacho liminar;
b. Dever-se-ia providenciar pela imediata apreensão da coisa;
c. Dever-se-ia providenciar pela penhora de bens dos executados;
d. Após isso, os executados deveriam ser citados para os termos da ação executiva, correndo prazo para dedução de embargos (cfr. os artigos 626º, n.º 3 e 856º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
9. Nos termos do artigo 720º e 722º a contrário ambos do CPC, as diligências executivas supra referidas deveriam ser praticadas por agente de execução.
NOTA PRÉVIA (3)
10. Analisados os autos verifica-se que:
a. Todos os atos executivos foram praticados por Oficial de Justiça, em violação do disposto nos artigos 720º e 722º do CPC;
b. Não existe notícia nos autos de, até ao momento, o bem ter sido apreendido, em violação do disposto nos artigos 626º, n.º 3 e 856º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Em face do que antecede,
VÍCIO DECORRENTE DO FACTO DE TODOS OS ATOS EXECUTIVOS TEREM SIDO PRATICADOS POR OFICIAL DE JUSTIÇA
11. Nos termos do artigo 720º do CPC, a regra é a de que todos os atos executivos são praticados por agente de execução.
12. Só nos casos excecionalmente previstos na lei (cfr. artigo 722º do CPC), é que os atos de execução são praticados por Oficial de Justiça.
13. Nenhum desses casos excecionais se verifica no caso vertente.
14. Consequentemente, submetem-se ao regime da inexistência jurídica todos os atos executivos praticados pelo Oficial de Justiça, carecido de competência funcional para o efeito – é esta inexistência que aqui se invoca e que originará que todos os atos praticados, sejam penhoras, notificações ou outros, sejam tidos por não existentes.
VÍCIO DECORRENTE DA OMISSÃO DE ATO QUE A LEI PRESCREVE
15. Pelas razões acima invocadas, a execução deveria ter começado pela apreensão da coisa sobre que versa.
16. No presente caso, isso não sucedeu.
17. Consequentemente, ocorre nulidade por omissão do ato prescrito nos artigos 626º, n.º 3 e 856º, n.º 1 do CPC 1 - é essa nulidade que aqui se invoca.
Em face do exposto, deverá ser dado sem efeito tudo quanto foi praticado nestes autos, recolocando-se a instância no momento processual subsequente à entrada do requerimento executivo, daí para a frente se observando a tramitação legal.
25. Tendo o Sr. Juiz sucessivamente ordenado que a secção esclarecesse por que razão a secção havia exercido as funções próprias de agente de execução, em 15.7.2021 a secção informou que “…as funções de Agente de Execução foram exercidas por Oficial de Justiça face ao disposto no art.º 722.º n.º 1 al. e) do CPC” e em 20.7.2021 lavrou nos autos cota com o seguinte teor: “…consigna-se que se encontram reunidos todos os prossupostos nos termos do disposto no Art.º 722º n.º 1 al e) do CPC nomeadamente pela espécie indicada no formulário: "Especie: Exec Sentença próprios autos (Of.Just) s/ Desp Liminar" e o respetivo o pagamento da taxa de justiça devida nos termos da Tabela II - Execução até €30.000,00 no valor de €204,00.
Pelo que não nos suscitaram dúvidas na tramitação da presente Execução de Sentença por AE Oficial de Justiça”.
26. Em 26.11.2021 determinou-se que o exequente e o executado fossem notificados para se pronunciarem quanto ao requerido pela executada.
27. Em 05.12.2021 o executado fez suas as palavras e as pretensões da executada.
28. Em 06.12.2021 o exequente respondeu, pugnando pelo indeferimento do requerido e pela prossecução da execução.
29. Em 21.01.2022 foi proferida a seguinte decisão:
“HP (…) instaurou, em 5 de Novembro de 2019, a presente acção executiva contra MG (…) e AM (…) para deles obter a entrega da fração autónoma designada pela letra «H», correspondente ao terceiro andar – A do prédio urbano sito na Rua (…), Parede, bem como o pagamento da quantia de €8.250,00, a título de indemnização por cada mês de utilização da fração até 9 de Setembro de 2019 e a título de cláusula penal.
O título executivo que serve de base à presente execução é a sentença homologatória de transação proferida no âmbito do processo n.º 1594/18.0T8CSC, cujo teor aqui se dá por reproduzido. Constam da aludida transação, além do mais, as seguintes cláusulas:
«1.º - O contrato de arrendamento cessou os seus efeitos no dia 13/04/2016;
2.º - Todos os pagamentos efectuados até aquela data deverão ser titulados por recibo de renda emitido a favor da sociedade C, SA;
3.º - Os restantes pagamentos serão imputados a indemnização por ocupação autorizada;
4.º - Os réus comprometem-se a entregar o espaço e o recheio incluído no locado, outrora locado, até ao dia 09/09/2019, sendo o local da entrega o próprio locado;
5.º - Caso os réus consigam encontrar uma solução alternativa de espaço antes da referida data de 09/11/2019, poderão antecipar a entrega das chaves, sendo devidas apenas as rendas/indemnização até à data da efectiva entrega;
(…)
7º - Caso por algum motivo os réus não procedam à entrega do espaço até ao dia 09/09/2019 e, para além de se manterem obrigados a essa entrega, ficam com a obrigação de pagar ao autor, a título de cláusula penal, a quantia de 3.000,00€».
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Por requerimento datado de 18/06/2021, veio a Executada arguir a nulidade decorrente de os actos executivos terem sido praticados por Oficial de Justiça quando, no seu entendimento, deviam ter sido levados a cabo por Agente de Execução.
Invoca, ainda, nulidade decorrente da omissão de acto que a lei prescreve, sustentando, para tanto, que a execução deveria ter começado pela apreensão da fração.
Pugna, a final, que seja dado sem efeito tudo quanto foi praticado nos presentes autos após a entrada do requerimento executivo.
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Por despachos datados de 14/07/2021 e 17/07/2021, determinou-se que a secção esclarecesse a razão pela qual exerceu as funções de agente de execução, o que fez nos termos da conclusão de 17/07/2021 e da cota de 20/07/2021.
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O Executado AM (…) deu por reproduzidos as pretensões da Co-Executada.
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Em resposta, o Exequente, entre o mais, pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretensão dos Executados.
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Cumpre apreciar e decidir.
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É consabido que as nulidades processuais consubstanciam um desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo processual seguido.
Fora dos casos previstos nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º do Código de Processo Civil – comumente referidas como nulidades principais, nominadas ou típicas – os desvios ao formalismo processual prescrito na lei detectados na tramitação processual só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa (artigo 195.º do Código de Processo Civil), ou seja, quando tenham repercussões na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento (vide A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, p. 235; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, pág. 381).
Vejamos, separadamente, cada uma das pretensões da Executada.
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Da nulidade decorrente da prática dos actos executivos por Oficial de Justiça:
À luz do disposto no artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, o exequente, no requerimento executivo dirigido ao tribunal de execução, designa o agente de execução ou requer a realização das diligências executivas por Oficial de Justiça, nos termos das alíneas c), e) e f) do n.º 1 do artigo 722.º.
Por sua vez, preceitua o artigo 722.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil que, para além do que se encontre previsto noutras disposições legais, incumbe ao Oficial de Justiça a realização das diligências próprias da competência do agente de execução nas execuções de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância em que sejam exequentes pessoas singulares, e que tenham como objeto créditos não resultantes de uma atividade comercial ou industrial, desde que o solicitem no requerimento executivo e paguem a taxa de justiça devida (cfr. ainda artigo 59.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto).
No caso dos autos, é certo que o Exequente visa a obtenção da entrega de coisa certa, mas é igualmente certo que lançou mão do presente acção executiva para obtenção de pagamento dos créditos resultantes de indemnização por cada mês de utilização da fração até 9 de Setembro de 2019 e a título de cláusula penal, créditos esses acordados e homologados por Sentença em sede de audiência de julgamento no âmbito do processo n.º (…)/18.0T8CSC.
Acresce que o Exequente não só não recorreu à designação de Agente de Execução no seu requerimento executivo, como ainda procedeu ao pagamento da correspondente taxa de justiça no valor de €204,00 para que os presentes autos fossem tramitados por Oficial de Justiça (Tabela II do Regulamento das Custas Processuais. Veja-se que o valor da taxa de justiça é substancialmente inferior (€25,50) quando as diligências de execução não são realizadas por Oficial de Justiça).
Conclui-se, assim, que a tramitação dos presentes podia e devia ter sido levada a cabo por Oficial de Justiça, não assistindo razão à Executada.
Pelo exposto, julga-se a invocada nulidade improcedente.
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Da nulidade por omissão do acto prescrito nos artigos 626.º, n.º 3 e 856.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
A Executada invoca, ainda, a nulidade decorrente da omissão de acto que a lei prescreve, alegando, para tanto, que a execução deveria ter começado pela apreensão da coisa sobre que versa.
Por despachos datados de 20/04/2020, 07/10/2020 e 27/11/2020, foi determinado que os autos aguardassem a cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, em obediência ao disposto no artigo 6.º-A, n.º 1 e 6 da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.
Na sequência de requerimento do Exequente datado de 10/01/2021, foi o Oficial de Justiça [no desempenho de funções de Agente de Execução] notificado para efectuar as necessárias averiguações e informar se a fração estava efectivamente desabitada, como alegado pelo Exequente.
Emerge da certidão de 24/03/2021 que a Sra. Oficial de Justiça, no dia 27/01/2021, se deslocou à aludida fração, não tendo ninguém atendido.
Considerando o teor da certidão negativa e demais informações constante dos autos, determinou-se o prosseguimento dos autos, mormente o cumprimento do disposto no artigo 626.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
No dia 13/04/2021 foi o expediente remetido à Secção de Serviço Externo para cumprimento do artigo 626.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Nesse mesmo dia, o Oficial de Justiça [na veste de Agente de Execução] procedeu às diligências que considerou úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis (v.g solicitou ao Banco de Portugal informação acerca das instituições legalmente autorizadas a receber depósitos dos Executados, por forma a proceder à penhora de saldos bancários).
Isto posto, verifica-se que foram, desde logo, encetadas as diligências tendentes à entrega da fração, nada impedindo que se procedesse à penhora de outros bens para cobrir a quantia exequenda destinada à indemnização e ao montante devido a título de sanção pecuniária compulsória (artigo 626.º, n.º 5 do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
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Em face de tudo o que se deixou dito, julgam-se improcedentes as nulidades invocadas, quer a nulidade decorrente de os actos executivos terem sido praticados por Oficial de Justiça, quer a nulidade decorrente da omissão do acto prescrito nos artigos 626.º, n.º 3 e 856.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
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Insista, com nota de urgência, junto do Serviço Externo para cumprimento do mandado. Mais se determina que fica obstaculizada a prática de quaisquer diligências executivas até os autos se mostrarem instruídos com os elementos supra aludidos.”
30. A executada apelou da decisão, na parte “que julgou improcedente a invocação de inexistência jurídica dos actos praticados por Oficial de Justiça por falta de competência funcional”, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A presente acção contempla uma cumulação de execuções;
2) A pretensão do Recorrido reveste, nos termos do artigo 10.º do CPC, uma dupla finalidade;
3) Por um lado, o Recorrido visa obter o pagamento de quantia certa;
4) Por outro lado, o Recorrido visa obter a entrega de coisa certa;
5) Na definição do valor da causa será de aplicar os n.ºs 1 e 2 do artigo 297.º e o artigo 302.º do CPC, pelo que o valor da presente acção ascende a 149.619,20 €;
6) O desempenho das funções de agente de execução por parte de Oficial de Justiça apenas é possível nas situações do artigo 722.º do CPC;
7) No presente caso, em teoria, apenas poderia ser aplicável a alínea e) do n.º 1 do artigo 722.º do CPC;
8) No entanto, A alínea e) do n.º 1 do artigo 722.º do CPC não é aplicável na presente acção, pelo que as funções de agente de execução não podem ser desempenhadas por Oficial de Justiça;
9) Em primeiro lugar, não é aplicável porque o valor da acção é superior ao dobro da alçada do tribunal de primeira instância;
10) Em segundo lugar, não é aplicável porque a finalidade da acção vai além da mera cobrança de créditos referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 722.º do CPC;
11) Sempre que a acção vise a entrega de coisa certa, as funções de agente de execução nunca podem ser desempenhadas por Oficial de Justiça;
12) Mesmo que a acção executiva vise, de forma cumulativa, o pagamento de quantia certa, continua a não ser admissível o desempenho das funções de agente de execução por parte de Oficial de Justiça;
13) Considerando o que antecede, revela-se errada a decisão recorrida, que admitiu o exercício das funções de agente de execução por parte de Oficial de Justiça;
14) Os actos praticados por Oficial de Justiça nos presentes autos, porque desprovidos de incompetência funcional, devem ser considerados inexistentes juridicamente;
15) Mostra-se violado o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 297.º, no artigo 302.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 722.º, todos do CPC, impondo-se a revogação do despacho saneador recorrido.
A apelante terminou pedindo que o “despacho saneador” recorrido fosse revogado e se declarasse a inexistência jurídica dos actos praticados por Oficial de Justiça, com fundamento na sua incompetência funcional.
31. Não houve contra-alegações.
32. Em 06.6.2022 foi proferido o seguinte despacho:
Requerimento datado de 11.02.2022:
Vem a executada recorrer do despacho proferido em 21.01.2022 que conhecendo das nulidades processuais invocadas pela executada em requerimento datado de 18.06.2021, as julgou improcedentes.
Conforme resulta do disposto no artigo 195º, n.º 1 do CPC, fora dos casos das nulidades referidas como principais (previstas nos artigos 186º, 187º, 191º, 193º e 194º do CPC), quaisquer irregularidades detectadas na tramitação processual, denominadas de «nulidades secundárias, inominadas ou atípicas» só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa.
A decisão proferida em 21.01.2022 conheceu de arguição de nulidades processuais invocadas pela executada, as julgou improcedentes.
Em face do acabado de referir, importa ter presente o disposto no artigo 630º, n.º 2 do CPC que «estabelece como regra a irrecorribilidade do despacho que aprecie as nulidades atípicas, a não ser que existam motivos para assacar à decisão judicial a violação dos princípios da igualdade, do contraditório, da aquisição processual de factos ou admissibilidade de meios probatórios (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5ª ed., pp. 81-83).
No caso, em face do teor da decisão proferida e do concretamente alegado no requerimento de recurso, indefere-se o requerido por se entender que a mencionada decisão não admite recurso, tudo nos termos dos artigos 195º, n.º 1, 630º, n.º 2 e 641º, n.º 2, al. a), do CPC.
Custas pela executada, fixando-se a taxa de justiça devida em 1UC.
Notifique”.
33. Em 23.6.2022 a executada/apelante reclamou do despacho de rejeição do recurso referido em 32, nos seguintes termos:
“MG (…), Executada nos autos à margem identificados, vem, nos termos do artigo 641.º e 643.º do CPC, apresentar a sua
RECLAMAÇÃO
nos termos seguintes:
A) ÂMBITO DA RECLAMAÇÃO
Na presente reclamação, será impugnada a decisão proferida em 26/05/2022 (ref.ª 137761617), na medida em que não admitiu o recurso interposto em 11/02/2022 (ref.ª 20438458).
B) FUNDAMENTOS
No despacho reclamado, o tribunal de 1.ª instância decidiu pela não admissão do recurso interposto pela ora reclamante em 11/02/2022 (ref.ª 20438458), a pretexto de que, face ao estabelecido no n.º 2 do artigo 630.º do CPC, a decisão proferida em 21/01/2022 (ref.ª 134919013), por alegadamente conhecer de nulidades processuais, não é recorrível.
Contudo, o entendimento do tribunal de 1.ª instância não é correcto, assentando num pressuposto errado e que foi criado, erradamente, pelo próprio tribunal.
Vejamos:
Por requerimento apresentado em 18/06/2021 (ref.ª 19044848), a Reclamante colocou em causa o exercício das funções de agente de execução por parte de Oficial de Justiça.
No artigo 14.º desse requerimento, a Reclamante alegou o seguinte:
Consequentemente, submetem-se ao regime da inexistência jurídica todos os atos executivos praticados pelo Oficial de Justiça, carecido de competência funcional para o efeito – é esta inexistência que aqui se invoca e que originará que todos os atos praticados, sejam penhoras, notificações ou outros, sejam tidos por não existentes
Como se vê, a ora Reclamante invocou a falta de competência funcional do Oficial de Justiça, com a consequente inexistência jurídica dos actos praticados por este.
Além dessa invocação, a Reclamante invocou nulidades processuais, sendo que também não foi dado provimento ao alegado.
No despacho de 12/01/2022 (ref.ª 134919001), o tribunal de 1.ª instância, face àquela alegação da ora Reclamante e sob a epígrafe “Da nulidade decorrente da prática dos actos executivos por Oficial de Justiça”, julgou improcedente a arguição contida no requerimento de 18/06/2021 (ref.ª 19044848)
Discordando dessa decisão (a relativa ao desempenho das funções de agente de execução por Oficial de Justiça), a ora Reclamante interpôs recurso visando apenas a impugnação dessa vertente decisória – pelo que, quanto ao restante conteúdo do despacho não foi interposto recurso.
Na alegação de recurso (ref.ª 20438458), a ora Reclamante na fixação do objecto de recurso logo afirmou que seria impugnada a “decisão proferida em 21/01/2022 (ref.ª 134919001), na medida em que julgou improcedente a arguição de inexistência jurídica, por falta de competência funcional”.
Aqui chegados:
Como se vê, a ora Reclamante não qualificou a falta de competência funcional do Oficial de Justiça como consistindo numa nulidade processual.
Quem o fez foi o Tribunal de primeira instância, o que aconteceu no despacho de 12/01/2022 (ref.ª 134919001) e no despacho de 26/05/2022 (ref.ª 137761617).
Foi com base nesse entendimento, a pretexto de que se aplica o n.º 2 do artigo 630.º do CPC, que esse tribunal decidiu, por despacho de 26/05/2022 (ref.ª 137761617), não admitir o recurso interposto pela ora Reclamante.
Continuando,
A natureza de um determinado argumento como sendo uma nulidade processual não pode resultar do facto de o tribunal de 1.ª instância apelidar esse argumento como nulidade processual.
Os argumentos são o que são. Não são o nome que lhe dão.
O tribunal de 1.ª instância não deveria ter ficado preso à nomenclatura que o próprio atribuiu ao argumento apresentado pela Reclamante e deveria ter percebido a verdadeira natureza do argumento.
Na verdade, apesar de o despacho de 12/01/2022 (ref.ª 134919001) fazer alusão a uma suposta nulidade processual e apesar de o recurso não ter sido admitido com base nessa premissa (cfr. o despacho de 26/05/2022 (ref.ª 137761617)), a falta de competência funcional do Oficial de Justiça não se trata um argumento que consubstancie uma nulidade processual.
De facto, excluídas que estão todas as nulidades principais previstas na lei, porque inaplicáveis ao caso em concreto, a falta de competência funcional do Oficial de Justiça apenas seria susceptível de ser integrada, em teoria, no artigo 195.º do CPC, ou seja, apenas poderia consistir numa nulidade secundária – e parece ter sido esse, face ao despacho de 26/05/2022 (ref.ª 137761617), o entendimento do tribunal de 1.ª instância.
Ora, o artigo 195.º do CPC prevê a existência de nulidades secundárias na hipótese de haver “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva”.
No presente caso, não é isso que acontece. No presente caso, não se discute a prática de um acto que a lei não admite, nem a omissão de um acto que a prescreva.
O problema é outro: é o de saber se existe competência funcional do Oficial de Justiça para desempenhar as funções de agente de execução.
Não se trata de discutir se um determinado acto foi praticado numa situação em que a lei não o admitia ou se houve omissão de um acto que a lei prescreve.
Trata-se de perceber se o Oficial de Justiça pode ou não desempenhar aquelas funções.
Mutatis mutandis, a presente situação é muito próxima com aquela em que se discute a competência de um determinado tribunal.
No caso sub judice, não se discute a competência de um tribunal, mas a existência ou inexistência de competência funcional do Oficial de Justiça para desempenhar as funções de agente de execução e a consequente inexistência jurídica dos actos praticado por esse Oficial de Justiça.
E essa discussão é, em tudo, muito distinta de uma possível nulidade processual.
Repete-se: no presente caso, pretende-se discutir se existe competência funcional do Oficial de Justiça para desempenhar as funções de agente de execução, ou seja, pretende-se discutir se as funções de agente de execução estão a ser desempenhadas por quem tem competência para o efeito – o que não se confunde com qualquer nulidade processual.
Face a isso, a regra a aplicar para aferir da susceptibilidade de interpor recurso do despacho de 12/01/2022 (ref.ª 134919001), a propósito da competência funcional do Oficial de Justiça, é a alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, pelo que não será aplicável, como defendeu o Tribunal de 1.ª instância, o n.º 2 do artigo 630.º do CPC.
E essa aplicabilidade terá uma consequência: o recurso interposto pela ora Recorrente é admissível, pelo que deve ser admitido.
Finalmente,
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 643.º do CPC, a Reclamante passa a indicar as peças de que deverão instruir a reclamação:
(…)
Em face do que antecede, deve ser julgada procedente a presente reclamação e, em consequência, deverá ser admitido o recurso interposto em 11/02/2022 (ref.ª 20438458) e revogado o despacho de 26/05/2022 (ref.ª 137761617).
34. Não houve resposta à reclamação.
35. Remetidos os autos a esta Relação, o relator deferiu parcialmente à reclamação, admitindo o recurso, com a restrição indicada na decisão.
36. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Na apelação questiona-se a competência do Oficial de Justiça para a prática, na execução sub judice, de atos na qualidade de agente de execução. A apelante/executada nega tal competência, considerando que tal implica a inexistência jurídica dos atos praticados na execução pelo Oficial de Justiça, devendo ser declarada essa inexistência jurídica. O tribunal a quo não admitiu o recurso, por entender que o vício em causa era o de nulidade processual, pelo que o despacho que o apreciou era irrecorrível, nos termos do art.º 630.º n.º 2 do CPC. A apelante reclamou dessa decisão por considerar que o vício era o de inexistência jurídica, que não o da nulidade, pelo que o disposto no n.º 2 do art.º 630.º do CPC não era aplicável. Na decisão que julgou a reclamação o relator considerou que “quando a secretaria pratica alegadamente ao abrigo da previsão legal contida no art.º 722.º do CPC atos da competência funcional do agente de execução, sem que estejam reunidos os pressupostos dessa atribuição especial de competência funcional, o desvalor resultante de tal falta de competência não atingirá o grau da inexistência jurídica, mas o da nulidade, neste caso nulidade secundária enquadrável no art.º 195.º do CPC”. Acrescentando que daí decorre que “só será admissível recurso da decisão que se pronunciou sobre tal vício se pelo recorrente for invocado que tal decisão contende com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (parte final do n.º 2 do art.º 630.º do CPC)”. Ora, não tendo a apelante suscitado a violação de tais princípios, o recurso era inadmissível nessa parte, isto é, a decisão era irrecorrível quanto aos atos já praticados pelo Oficial de Justiça. Porém, o relator acrescentou que “se quanto à validade dos atos já praticados pelo Oficial de Justiça a decisão é irrecorrível, o mesmo não sucede quanto à questão da determinação de a quem afinal cabe a tramitação da execução: se ao agente de execução se ao Oficial de Justiça. Trata-se, aqui, não de ajuizar sobre a regularidade e validade de atos já praticados no decurso da execução, mas de decidir acerca da questão da fixação da competência funcional para a tramitação da execução na qualidade de agente de execução: se ao Oficial de Justiça se ao agente de execução propriamente dito. Quando a requerente/executada pediu, no seu requerimento de 18.6.2021, que, recolocada a instância no momento processual subsequente à entrada do requerimento executivo (segmento do requerimento em que decaiu, sem admissibilidade de recurso), daí para a frente se observasse a tramitação legal, necessariamente suscitou a nomeação de agente de execução, pois só esta, nos termos do requerimento, se coaduna com a tramitação legal.
Em suma, a questão central, subjacente ao requerimento da executada e à decisão recorrida é a competência ou incompetência do Oficial de Justiça para proceder à execução. Não há preceito legal que determine a irrecorribilidade da decisão judicial proferida sobre essa questão (art.º 627.º n.º 1 do CPC) – pelo que, nesta parte, a reclamação é procedente”.
Do supra exposto resulta que haverá, nesta apelação, que avaliar se o Oficial de Justiça tem competência para a prática dos atos próprios do agente de execução, decidindo-se em conformidade no caso de resposta negativa, sem prejuízo de permanecerem intocados os atos praticados pelo Oficial de Justiça até à decisão recorrida.
2. O factualismo a ter em consideração é o que consta do Relatório supra.
3. O Direito
Como é sabido, o atual modelo de processo executivo atribui a uma entidade exterior ao tribunal, o agente de execução, o encargo de orientar e efetivar a execução, sem prejuízo de caber a um Juiz a intervenção em caso de litígio, exercendo então uma função de tutela jurisdicional, quando a lei lho defira. Veja-se, maxime, o disposto nos artigos 719.º n.º 1 e 723.º n.º 1 do CPC.
À secretaria caberão as competências que lhe são genericamente deferidas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 719.º do CPC.
Porém, a lei admite que em certas situações e reunidos determinados pressupostos a secretaria, através de Oficial de Justiça, realize as diligências próprias do agente de execução. Tal está previsto e regulado no art.º 722.º do CPC.
Esse artigo tem a seguinte redação:
Desempenho das funções por Oficial de Justiça
1 - Para além do que se encontre previsto noutras disposições legais, incumbe ao Oficial de Justiça a realização das diligências próprias da competência do agente de execução:
a) Nas execuções em que o Estado seja o exequente;
b) Nas execuções em que o Ministério Público represente o exequente;
c) Quando o Juiz o determine, a requerimento do exequente, fundado na inexistência de agente de execução inscrito na comarca onde pende a execução e na desproporção manifesta dos custos que decorreriam da atuação de agente de execução de outra comarca;
d) Quando o Juiz o determine, a requerimento do agente de execução, se as diligências executivas implicarem deslocações cujos custos se mostrem desproporcionados e não houver agente de execução no local onde deva ter lugar a sua realização;
e) Nas execuções de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância em que sejam exequentes pessoas singulares, e que tenham como objeto créditos não resultantes de uma atividade comercial ou industrial, desde que o solicitem no requerimento executivo e paguem a taxa de justiça devida;
f) Nas execuções de valor não superior à alçada da Relação, se o crédito exequendo for de natureza laboral e se o exequente o solicitar no requerimento executivo e pagar a taxa de justiça devida.
2 - Não se aplica o estatuto de agente de execução ao Oficial de Justiça que realize diligências de execução nos termos do presente artigo”.
Na espécie sub judice apenas é configurável a aplicabilidade da situação prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo, isto é:
a) Execução de valor não superior ao dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância;
b) Em que seja exequente pessoa singular;
c) Que tenha como objeto créditos não resultantes de uma atividade comercial ou industrial;
d) Desde que tal seja solicitado no requerimento executivo;
e) E seja paga a taxa de justiça devida.
No caso destes autos dúvidas não há que o exequente é uma pessoa singular, que esta manifestou no requerimento executivo a vontade de as funções do agente de execução serem exercidas por Oficial de Justiça (cfr. Relatório supra, I.5.), tendo pago a taxa de justiça correspondente a esse “serviço”, superior à que teria sido devida se a execução devesse ser tramitada por agente de execução (tabela II do RCP; Relatório supra, I.4.).
Assim, mostram-se preenchidos os requisitos supra enunciados nas alíneas b), d) e e).
Vejamos os dois requisitos restantes (valor da execução e natureza dos créditos exequendos).
A presente execução visa a efetivação de direitos reconhecidos por sentença.
Conforme decorre do disposto no art.º 710.º do CPC, a cumulação simples de execuções é sempre admissível quando os vários pedidos formulados decorram de uma mesma sentença condenatória. Isto significa que são irrelevantes as diferentes finalidades da execução (art.º 10.º n.º 6 do CPC) e a eventual diversidade de formas de processo da execução para pagamento da quantia certa (art.º 550.º n.º 1 do CPC). Assim, como explicitam João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, “se, por exemplo, o autor, no anterior processo declarativo, tiver pedido a condenação do réu na restituição de uma coisa e na indemnização pela detenção ilegal desta (art.º 555.º, n.º 1), é admissível solicitar, numa única execução, a satisfação quer da entrega da coisa, quer do pagamento da indemnização” (Manual de Processo Civil, volume II, AAFDL, 2022, p. 633). Caberá ao Juiz, atendendo ao interesse do exequente ou exequentes, proceder à compatibilização da competente tramitação (Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 634), para o que será suficiente o seu poder de gestão processual e adequação formal (artigos 6.º n.º 1 e 547.º do CPC – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª edição, 2022, Almedina, p. 40). De todo o modo, dessa realidade se ocupa o art.º 626.º do CPC, o qual contém normas atinentes à tramitação a seguir no caso da cumulação de execução de prestação de um facto com a entrega de coisa certa e/ou pagamento de quantia certa, emergentes de decisão judicial condenatória. De tudo isto decorre que, por força da admissibilidade de execução conjunta de todos os objetos da condenação decidida na sentença, ainda que lhe caibam formas de execução diferentes, o exequente não carece de iniciar diferentes processos executivos (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 621).
Também a sentença homologatória de transação será executada nos próprios autos, sendo-lhe aplicáveis as regras supra expostas (cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 421).
No caso destes autos, foi homologada por sentença transação nos termos da qual o autor desistiu do pedido, tendo as partes acordado que
1º - O contrato de arrendamento cessou os seus efeitos no dia 13/04/2016;
2º - Todos os pagamentos efectuados até aquela data deverão ser titulados por recibo de renda emitido a favor da sociedade C, SA;
3º - Os restantes pagamentos serão imputados a indemnização por ocupação autorizada;
4º - Os réus comprometem-se a entregar o espaço e o recheio incluído no locado, outrora locado, até ao dia 09/9/2019, sendo o local da entrega o próprio locado;
5º - Caso os réus consigam encontrar uma solução alternativa de espaço antes da referida data de 09/9/2019, poderão antecipar a entrega das chaves, sendo devidas apenas as rendas/indemnização até à data da efectiva entrega;
6º - No momento da entrega das chaves, será devolvido aos réus, o montante da caução paga com a assinatura do contrato de arrendamento;
7º - Caso por algum motivo os réus não procedam à entrega do espaço até ao dia 09/9/2019 e, para além de se manterem obrigados a essa entrega, ficam com a obrigação de pagar ao autor, a título de cláusula penal, a quantia de 3.000,00€” (cfr. I. 2. supra).
No requerimento executivo o exequente alegou que os executados haviam ficado obrigados, nos termos da transação judicialmente homologada, a restituírem ao exequente a fração autónoma aí identificada, incluindo o respetivo recheio, até 9 de setembro de 2019, o que não fizeram. Mais ficaram obrigados a pagar ao ora exequente, a título de indemnização, o montante mensal de €1.050,00, equivalente à renda mensal, por cada mês de utilização até 9 de setembro de 2019, o que equivalia ao montante de €5.250,00. Acrescia €3.000,00 por cada mês de atraso na restituição da fração.
O valor do processo executivo é aferido nos termos gerais (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 420).
O valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido (art.º 296.º n.º 1 do CPC).
A regra geral é a de que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício (n.º 1 do art.º 297.º do CPC). Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, em regra o valor é a quantia correspondente à soma de todos eles (n.º 2 do art.º 297.º do CPC).
In casu, a pretensão do autor na ação declarativa, tal como emerge da transação, traduzia-se no pagamento de rendas em dívida e de indemnização equivalente pela ocupação do locado, a par da restituição do locado.
O art.º 302.º n.º 1 do CPC estipula que “[s]e a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa”.
Porém, o art.º 298.º n.º 1 do CPC estabelece que nas ações de despejo o valor da causa é o da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior.
Este valor será o mesmo pedindo-se ou não a condenação na entrega do locado, o que, segundo Rui Pinto, configura uma cumulação aparente de pedidos (Manual da Execução e Despejo, 2013, Coimbra Editora, p. 1103, nota 3207).
No fundo, na ação de despejo a avaliação económica da causa pauta-se pelo rendimento proporcionável pelo imóvel à luz do contrato de arrendamento – o que desloca o foco do litígio para a dimensão obrigacional da situação jurídica, negando-se à ação de despejo a natureza de ação real.
Assim, quando na execução da sentença homologatória o exequente não atribuiu ao locado um valor pecuniário próprio, centrando-se no direito ao valor das prestações pecuniárias que a transação homologada por sentença lhe reconheceu, inclusive decorrentes da não restituição atempada do locado, liquidando a quantia exequenda à luz dos montantes alegadamente em dívida à data do requerimento executivo, afigura-se-nos que não ficou aquém do padrão legal de fixação do valor da causa executiva. Tanto quanto decorre da tramitação dos autos, em parte alguma na execução é questionada a titularidade do direito de propriedade incidente sobre o imóvel cuja entrega é pretendida.
Aceita-se, pois, o valor inicial atribuído à execução, no montante de €8.250,00.
Este valor é inferior ao dobro da alçada dos tribunais judiciais de primeira instância, que corresponde a €10.000,00 (cfr. art.º 44.º n.º 1 da LOSJ).
Por outro lado, os créditos do exequente não emergem de uma atividade industrial ou comercial.
Pelo exposto, mostram-se preenchidos também os requisitos supra enunciados nas alíneas a) e c), para legitimar a intervenção do Oficial de Justiça como agente de execução nestes autos.
A apelação é, assim, improcedente.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da apelante, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 27.10.2022
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva