Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2198/13.9TBFUN-A.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: LIVRANÇA
ABUSO NO PREENCHIMENTO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A oposição à execução mediante embargos de executado assume a estrutura de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título em que se baseia, destinando-se à declaração da sua extinção.
2. Os fundamentos da oposição à execução podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual, concernentes à inexistência ou inexequibilidade de título executivo.
3. Sendo a execução instaurada pelo beneficiário da livrança, que lhe foi entregue em branco, e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, pode este opor ao beneficiário a excepção material do preenchimento abusivo, nomeadamente a desconformidade do montante nela inserto, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção.
4. Sendo a violação do pacto de preenchimento uma excepção de direito material, incumbe a quem apõe a sua assinatura na livrança o ónus de provar o seu preenchimento abusivo.
5. Incumbe ao executado/embargante alegar e provar factualidade consubstanciadora de qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva do invocado direito do exequente, nomeadamente ter sido amortizado parte do montante aposto nas livranças que servem de título executivo.
6. Para o portador da livrança exercer os seus direitos contra o avalista do subscritor, não é exigível a declaração formal de que não houve pagamento, em que se traduz o protesto, nem tão pouco é necessária a sua apresentação a pagamento.
Estando em causa uma livrança entregue em branco ao credor, com acordo de preenchimento, é necessária a comunicação ao avalista, dos elementos que o tomador apôs na livrança, designadamente, a data de vencimento e respectivo montante, relevando a ausência de tal comunicação para efeitos da contagem dos juros moratórios, não respondendo o avalista pelo juros moratórios desde o vencimento da obrigação até ao momento em que foi citado para a execução, não carecendo, no entanto, tal comunicação de ser prévia à data de vencimento aposta na livrança.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

Adérito, residente no ….., veio deduzir oposição por embargos de executado, em 26.11.2015, contra BANCO P., S.A., por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que este deduziu contra aquele, bem como contra Manuel, tendo como título executivo duas livranças subscritas pela sociedade “S., Lda.”, constando do verso das mesmas as assinaturas dos respectivos executados.

             Fundamentou o embargante, no essencial, a sua pretensão tendente a obter a respectiva extinção do pedido executivo, da forma seguinte:
1. Foi sócio da sociedade S., Lda..
2. A sociedade devedora foi declarada insolvente, conforme sentença proferida em 15.10.2010, pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, no processo nº 4300/10.3TBFUN.
3. Tendo a sociedade subscritora sido declarada em estado de insolvência, em cujo processo o ora Exequente reclamou créditos, uma vez que a declaração de falência torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido e como o aval se encontra dependente da sorte da obrigação avalizada, extinguindo-se a obrigação do devedor nos termos do artigo 91.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, também se extingue a do avalista.
4. Tem legitimidade para excepcionar o preenchimento abusivo das livranças avalisadas em branco, sendo que o valor pelo qual a livrança foi preenchida está totalmente desconforme com a realidade porque o Exequente recebeu parte da quantia referente a um distrate das hipotecas que recaiam sobre dois imóveis.
5. Os avalistas assinaram a livrança dada à execução em branco não tendo autorizado o exequente a preencher a livrança.
6. Nunca foi notificado para o preenchimento da livrança e existem bens na massa insolvente que, por si só, são suficientes para liquidar o remanescente do valor em dívida.
7. Já foram vendidos bens da massa insolvente no montante global de Eur: 2.246.800, tendo uma parte desse montante sido para pagamento ao “Banco I.I., S.A.”, desconhecendo se o exequente, recebeu ou não algum valor proveniente daquele montante obtido pelas vendas de património.
8. No que respeita aos juros de mora exigíveis após a data de vencimento da Livrança, apenas podem ser pedidos os juros de mora legais, reclamando o Banco exequente juros sobre juros o que lhe é legalmente inadmissível.
              Por despacho 14.12.2015, e por se entender que estavam reunidos todos os pressupostos legais, foram recebidos os embargos de executado, nos termos do artigo 728º n.º 1 do Código de Processo Civil e ordenado o cumprimento do disposto no artigo 732º n.º 2 do CPC.

         Notificado, veio o Banco exequente deduzir contestação, em 20.01.2016, pugnando pela improcedência dos embargos, rebatendo todas as alegações do Embargante, invocando, designadamente:
1. A acção executiva podia ser intentada, por o avalista de uma livrança ser responsável da mesma forma que o seu subscritor, sendo a sua obrigação solidária da obrigação do avalizado, pelo que o vencimento da obrigação cambiária gera a mesma obrigação de pagamento para o subscritor da livrança e para os seus avalistas.
2. É o próprio embargante que alega que apenas lhe assiste legitimidade para excepcionar o preenchimento abusivo, porque subscreveu pacto de preenchimento, pelo que não pode alegar não ter dado autorização para o preenchimento das livranças.
3. A alegação da ausência de notificação do preenchimento das livranças, vem contrariada pela junção de cópia das cartas registadas enviadas e dos avisos de recepção.
4. O valor da venda de duas das fracções hipotecadas (as “A” e “C”) não serviu para amortizar parte da dívida do Exequente, pois tal valor foi totalmente imputado à dívida emergente dos contratos de mútuo celebrados com o “Banco I.I., S.A.”, na medida em que este beneficiava das primeiras hipotecas, como comprovou através da junção de cópia da contestação daquele credor aos embargos de Executado deduzidos pelo aqui também Embargante, na acção executiva n.º 2197/13.TBFUN da ex-2ª Vara de Competência Mista do Funchal.
5. Na referida contestação, nos artigos 46.º a 48.º, o “Banco I.I., S.A.” confirma ter recebido a quantia de Eur: 2.017.494,05 na insolvência, declarando ter deduzido essa quantia ao valor da quantia exequenda pedida naquela acção executiva.
6. O exequente reclamou na execução créditos no montante total de Eur: 511.133,59 dos quais Eur: 229.500,00 e Eur: 212.500,00 a título de capital, sendo estes coincidentes com os valores considerados no preenchimento das livranças, como resulta das cartas remetidas ao Embargante.
7. O acréscimo de valor com relação ao reclamado na insolvência decorre do valor dos juros e correspondente imposto de selo, que entretanto se venceram, e do valor de selagem das mesmas livranças.
8. Os juros que foram considerados para o preenchimento das livranças foram contados nos termos convencionados nos contratos de mútuo que estão na base das livranças, tendo sido capitalizados nos termos da lei, e que a partir do preenchimento das livranças, os juros reclamados foram contados exactamente nos termos propugnados pelo Embargante.
9. No que respeita à existência de mais património da sociedade subscritora das livranças, não estão apreendidos para a insolvência quaisquer outros bens ou direitos que não hajam sido já liquidados, sendo impossível que o “Banco P. S.A.” seja, ainda que parcialmente, pago do seu crédito no âmbito daquele processo.
              Não foi realizada de audiência prévia. E, por despacho de 27.05.2016, foi indeferido o pedido de suspensão da instância executiva, por os fundamentos invocados pelo embargante, a carecem de demonstração, não permitindo concluir pela existência de uma situação de excepcionalidade. E, fixou-se ainda no aludido despacho, o valor da causa, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como admitidos foram os requerimentos probatórios e designada data para julgamento.
                 Foi levada a efeito a audiência final, com sessões em 17.10.2016 e 09.11.2016, após o que o Tribunal a quo, proferiu decisão, em 30.05.2017, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Face a todo o exposto, julgam-se totalmente improcedentes os presentes Embargos  de  Executado  e  nessa  medida  julga-se  improcedente a oposição deduzida pelo Embargante à Execução, ordenando-se o prosseguimento dos demais termos da acção executiva, até final.
Custas pelo Embargante (artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.

                 Inconformado com o assim decidido, o embargante interpôs recurso de apelação, em 04.09.2017, relativamente à sentença prolatada.
                 São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i. O Embargante alegou que as livranças tinham sido preenchidas em desconformidade com a realidade pelas seguintes razões:
a) Por a Exequente ter recebido parte do valor relativo ao distrate de duas hipotecas;
b) Por o Exequente ter reclamado no processo de insolvência valores diferentes daqueles reclamados na execução a que estes embargos estão apensos.
ii. Desde aqui o entendimento que, com o devido respeito andou mal a douta sentença ao julgar improcedente tal excepção.
iii. Na verdade, quer da prova documental (junta pelo recorrente, por requerimento de 08/11/2016 com a Refª 1792330), quer pelos documentos juntos pelo administrador de insolvência, em 08/06/2016, sob a refª 1474669 e em 22/08/2016, sob a Refª 1638428, quer pelas declarações em audiência das testemunhas, Adérito e Susana, a resposta a esses factos seria diferente, seria no sentido de que efectivamente ficou provado que o Banco exequente recebeu parte do valor que estava garantido pela suas hipotecas;
iv. Em bom rigor havendo uma hipoteca a favor do BANCO P., na data da venda das fracções “A” e “C”, o mesmo Banco, entregou o documento de cancelamento da referida hipoteca.
v. Ora é experiência comum e sentido único interpretativo, que tendo o Banco BANCO P., ora exequente, a seu favor uma hipoteca, apenas emitiria o documento a autorizar o seu cancelamento, mediante o pagamento de determinado valor.
vi. A não ser assim, pergunta-se, qual seria o efeito da hipoteca constituída a seu favor.
vii. E bem assim, se tivesse entregue o documento para cancelamento da hipoteca voluntária inscrita a seu favor, sem qualquer contrapartida financeira, então era o exequente a prescindir de receber os valores logo é da sua inteira responsabilidade, não podendo vir reclamar ao ora executado.
viii. A verdade é que contrariamente à posição assumida pelo Banco P. e dado como assente na douta sentença, conforme consta das cartas enviadas pelo Banco P. ao recorrente, juntas na sua contestação, onde se verifica que no primeiro caso do empréstimo de € 250.000,00, a livrança foi preenchida com, 212.500,00 de capital, 69.027,34 de juros, 2.761,09 de imposto de selo e 1.428,55 de selagem do título.
ix. E no caso do empréstimo no montante de € 300.000,00, a livrança foi preenchida no montante de, €229.500,00 de capital, 76.557,08 de juros, 3.062,28 de imposto de selo e 1.553,33 de selagem do título.
x. Aliás tal facto vem demonstrado pelos documentos juntos pelo recorrente, por requerimento de 08/11/2016 com a Refª 1792330, que aqui se dá por reproduzido.
xi. Também discordando da douta sentença, entende o recorrente que ficou provado que o Banco P., recebeu valores provenientes das vendas efectuadas das fracções do empreendimento e da insolvência, tal resultando das declarações das testemunhas, Adérito e Susana, que pelos seus depoimentos mereciam outra análise dos factos dados como provados.
xii. O administrador da insolvência, Adérito, declarou transferiu para o Banco P. 90% do valor realizado com os prédios que o Banco P. e o Banco I.I. eram credores hipotecários e que foram vendidos e que o valor que foi entregue ao BANCO P. destinava-se a pagar parte das hipotecas do Banco P. e parte das hipotecas do BII.
xiii. Bem assim a funcionária do Banco P., Susana, afirmou que nas duas primeiras vendas, numa fase inicial, o Banco P. e o Banco I.I. eram entidades diferentes, e para serem feitas as vendas havia que se distratar a parte correspondente das hipotecas do BII e do Banco P., contra os respectivos pagamentos.
xiv. Por outro lado, também relativamente ao pagamento dos valores recuperados na insolvência, o mesmo foi pago ao Banco P., é o que consta do documento de prestação de contas junto pelo administrador e que não foi impugnado onde se lê no resumo: “Pagamento de parte do valor de adjudicação dos imóveis ao credor hipotecário Banco P. – 2 017 494,05.
xv. Resulta ainda que na data dos pagamentos a douta sentença, da graduação de créditos, proferida em 03/10/2012 colocava o Banco P. em 2º lugar, após os créditos do estado e em 1º lugar de entre os credores hipotecários (o que veio a ser rectificado, por reclamação apresentada apenas aquando do julgamento destes embargos, em 04/11/2016, ou seja cerca de quatro anos após a prolação da douta sentença e três anos após os pagamentos).
xvi. Dos documentos juntos, resulta que houve pagamento dos valores do Banco P., pois se os créditos concedidos foram no montante global de € 500.000,00, então na reclamação de créditos na insolvência o Banco P. reclama créditos no montante de € 444.702,18 a título de capital, quantia esta acrescida de juros no montante de € 67.133,59, num total de € 511.835,77, significa que já houvera amortização do valor dos empréstimos concedidos.
xvii. O que daqui também decorre erro no julgamento do facto pelo tribunal recorrido.
xviii. Onde foi dado como provado com o nº 19. O valor obtido com a venda das fracções “A” e “C”, foi usado para pagamento parcial da dívida contraída junto do “Banco I.I., S.A.” - Deveria ter sido dado como provado que: O valor obtido com a venda das fracções “A” e “C”, foi usado para pagamento parcial da dívida contraída junto do “Banco I.I., S.A.”.. e junto do Banco P..
xix. Bem assim o facto indicado como 20. O “Banco P., S.A.”, não recebeu qualquer valor por conta do crédito reclamado e reconhecido na insolvência da sociedade “S., Lda.”, - Deveria ter outra redacção no sentido de que: Para além do mais, conforme consta da prestação de contas apresentada pelo Sr. Administrador de insolvência, o “Banco P., S.A.”, recebeu valores por conta do crédito reclamado e reconhecido na insolvência da sociedade “S., Lda.”,
xx. Depois diz a douta sentença: “e no que respeita à al. b), resulta claro que a diferença de valores entre os que foram reclamados nos autos de insolvência e os que são reclamados em sede do processo executivo, a que estes embargos estão apensos, têm a sua razão de ser no facto de entre a data da reclamação de créditos na insolvência e a data do preenchimento das livranças se terem vencido juros de mora.”
xxi. Também aqui o recorrente discorda da douta sentença, pois na verdade, a reclamação de créditos indica de capital o montante de Por outro lado, na data da insolvência da originária devedora, o Banco, ora exequente reclamou créditos no montante de € 444.702,18 a título de capital, quantia esta acrescida de juros no montante de € 67.133,59, num total de € 511.835,77,
xxii. Contudo a verdade é que, referente ao empréstimo no montante de € 250.000,00 foi preenchida a livrança no montante de € 285.716,98, isto é, já incluída juros.
xxiii. E, quanto ao empréstimo no montante de € 300.000,00 foi preenchida a livrança no montante de € 310.672.69, isto é, já incluída juros;
xxiv. Como vimos, o valor de capital estaria reduzido a um total de 444.702,18.
xxv. Logo, neste valor de € 285.716,98 e de € 310.672.69, já estavam incluídos juros e sobre esse montante de capital e juros, voltam a ser contabilizados e reclamados, juros.
xxvi. Isto é o que consta das cartas enviadas pelo BANCO P. ao recorrente, juntas na contestação, onde se verifica que no primeiro caso tem, 212.500,00 de capital, 69.027,34 de juros, 2.761,09 de imposto de selo e 1.428,55 de selagem do título e no segundo caso, 229.500,00 de capital, 76.557,08 de juros, 3.062,28 de imposto de selo e 1.553,33 de selagem do título.
xxvii. Daqui parece ser evidente que houve pagamento ao BANCO P., o qual veio negar tal evidência nestes embargos.
xxviii. Por aqui também se entender que, estão a ser reclamados juros sobre juros.
xxix. Desta diferença de valores, entre os recebidos pelo embargado e os declarados e de contabilização de juros sobre juros resulta o abusivo preenchimento da livrança.
xxx. Vejamos quanto a outro ponto de discórdia quanto à douta sentença, da falta de interpelação do avalista quanto ao preenchimento da livrança.
xxxi. O Embargante veio ainda alegar que não tinha sido notificado do preenchimento das livranças.
xxxii. A questão da necessidade ou não da interpelação prévia do avalista quando o título de crédito é entregue em branco tem dividido a jurisprudência, havendo decisões que sufragam uma ou outra posição.
xxxiii. A douta sentença veio a optar pela que sufraga aquela posição, por ser a posição que se entende estar mais conforme com os ditames da boa-fé, consideramos que, no caso de estarem em causa títulos de créditos entregues em branco, é necessária a interpelação prévia do avalista, pois só assim o avalista tem conhecimento do montante exacto e da data em que se vence a garantia que prestou.
xxxiv. Aqui pugnamos pela mesmo posição defendida na douta sentença, ou seja de que a prévia interpelação do avalista é condição essencial.
xxxv. Contudo, com o devido respeito discordamos da douta sentença, quando refere que o que deve ser dado conhecimento é que o portador dê conhecimento de que preencheu os títulos.
xxxvi. Diga-se desde, já, que os avalistas ora embargantes nunca receberam qualquer interpelação prévia comunicando o vencimento antecipado das prestações ou a denúncia do contrato.
xxxvii. Daí que, não estando o credor dispensado de interpelar os devedores para que estes cumpram imediatamente a totalidade da dívida, manifestando assim a vontade de aproveitar o privilégio do vencimento antecipado que a lei lhe concede, não são aplicáveis os efeitos do artigo 781º do C.C..(nesse sentido o AC 7543/2007-1 TRL
xxxviii. No caso, do recorrente, as comunicações enviadas ao recorrente, em 08/07/2011, foram recebidas em 15/07/2011, por terceiro, na morada do recorrente- vide factos provados, nº 9 e 11;
xxxix. Ou seja independentemente de ter sido por terceiro, a verdade é que as mesmas foram recebidas um dia após a data limite de pagamento, conforme consta das missivas enviadas pelo Banco;
xl. Violando assim o princípio da prévia interpelação.
xli. Não podendo considerar-se o devedor em mora.
xlii. Ou seja, o vencimento imediato das restantes depende de interpelação, o que no caso em apreço não aconteceu, logo não tendo o exequente procedido à respectiva interpelação, não se dá a imediata entrada do devedor em mora quanto a estas prestações, é necessário a interpelação do devedor para se converter a exigibilidade das prestações futuras em vencimento imediato e automático. Ac RL 15/09/2009 e Ac. TRL de 12/05/2009
xliii. Errando a douta sentença recorrida ao desvalorizar a falta de interpelação prévia.
                Propugna, por isso, o apelante, que o recurso seja julgado procedente e em consequência revogada a decisão recorrida e proferida decisão que julgue procedentes os embargos e determine a extinção da execução.
                Não foram apresentadas contra-alegações
                Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

              Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do CPC, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
               Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
                       
i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto
ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
O que implica a análise:     
a) DAS CARACTERÍSTICAS DOS TÍTULOS DADOS À EXECUÇÃO E O ALEGADO ABUSO DO PREENCHIMENTO.
b) DA NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO DA LIVRANÇA E DE INTERPELAÇÃO DO AVALISTA.

III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


           Foi dado como provados na sentença recorrida, o seguinte:


1. O Exequente é portador das seguintes livranças:
a) Livrança emitida em 28/08/2008, com vencimento em 14/07/2011, no montante de Eur: 285.716,98 (duzentos e oitenta e cinco mil setecentos e dezasseis euros e noventa e oito cêntimos), da qual consta a referência a um contrato de crédito com o nº 155195161;
b) Livrança emitida a 27/10/2008, com vencimento em 14/07/2011, no montante de Eur: 310.672,69 (trezentos e dez mil seiscentos e setenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos) da qual consta a referência a um contrato de crédito com o nº 68017381.
2. Ambas as livranças foram subscritas pela sociedade “Santos, Lda”, tendo os Executados aposto as suas assinaturas no verso de cada uma sob os dizeres “Bom para aval à firma subscritora”.
3. A sociedade “S., Lda.” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 4300/10.3TBFUN do ex-1º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Funchal.
4. O Executado Luís foi declarado insolvente por sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 717/13.0TBFUN do ex-3º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Funchal.
5. Do contrato de crédito com o nº 155195161 consta a seguinte cláusula:
11. Caucão
Para garantia das obrigações emergentes deste contrato V.Exa(s). compromete(m)-se desde já, a entregar ao Banco:
11.1. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir por V.Exa(s) perante o BANCO P., S.A., Sociedade Aberta, as partes celebram, Contrato(s) de Hipoteca de Imóvel(eis), essencial à atribuição deste financiamento.
11.2. Uma livrança subscrita por V.Exa(s) e avalizada por Manuel e Luís, ficando o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V.Exa(s) perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V.Exa(s) de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas.”.
6. No dia 28/08/2008 a sociedade “S., Lda.”, representada pelos seus únicos sócios e gerentes, Manuel e Luís, por escritura pública, constituiu a favor do “Banco P., S.A.” hipoteca voluntária, sobre os prédios que a seguir se identificam, livres de quaisquer ónus ou encargos, excepto as hipotecas já registadas a favor do “Banco I.I., S.A.”, com todas as suas construções ou benfeitorias, edificadas ou a edificar, para garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir por aquela sociedade perante o “Banco P., S.A.”  até ao limite de Eur: 250.000,00 de capital, dos juros à taxa de 7,472%, sendo acrescida de 4% ao ano em caso de mora e das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco tenha de fazer para cobrança dos seus créditos, das comissões contratuais ou de quaisquer impostos, taxas e sobretaxas que forem devidos pelas operações, tudo no valor de Eur: 10.000,00, sendo o máximo de capital e acessórios de Eur: 346.040,00:
- fracções autónomas ou unidades habitacionais, designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G” e “H”, integradas no prédio urbano em regime de propriedade denominado Quinta Elisabeth, situado à travessa do …..65, freguesia de Santa Maria Maior, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo P 6009, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 3.186 da freguesia de Santa Maria Maior, onerado com seis encargos de hipoteca a favor do “Banco I.I., S.A.”.
7. Do contrato de crédito com o nº 68017381 consta a seguinte cláusula:
9. Caucão
a) Uma livrança por si subscrita e avalizada pelos Exmos. Senhores Manuel e Luís, ficando o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por essa empresa perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte dessa empresa de qualquer das obrigações que lhe compete e que aqui são referidas.
b) Hipoteca a favor do “Banco P., S.A.” dos seguintes imóveis:
- Prédio urbano com tudo o que o compõe, localizado na ….., situado na freguesia de Santa Maria Maior, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 2460 e 3033, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 2045, freguesia de Santa Maria Maior;
- Prédio urbano com tudo o que o compõe, localizado ……inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1673, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 2046, freguesia de Santa Maria Maior, cuja aquisição está registada a seu favor pela inscrição “G- mil novecentos e noventa e nove barra zero seis barra quinze, apresentação trinta e um”.”.
8. O Exequente enviou ao Embargante uma carta, datada de 08/07/2011, dirigida à morada, “Br Ajuda, Lt 66, 9000-117 Funchal”, fazendo referência no assunto a “Contrato de Crédito – CLS n.º 68017381”, na qual se pode ler:
“Por incumprimento do clausulado constante no referido contrato (não provisionamento da conta à ordem do subscritor para efeitos de débito das sucessivas prestações vencidas), comunicamos a V.Ex.ª que, nesta data, foi efectuado o preenchimento da livrança de caução em branco avalizada por V.Ex.ª e subscrita por  S., Lda.
Nesta conformidade e nos termos do respectivo pacto de preenchimento constante do aludido contrato, informamos que a mesma se encontra a pagamento, com vencimento fixado para o próximo dia 14 de Julho de 2011, pelo montante de 310.672,69€, assim discriminado:
Capital …………… Eur: 229.500,00
Juros ……………... Eur: 76.557,08
Imposto Selo …….. Eur: 3.062,28
Selagem do título … Eur: 1.553,33
Caso o pagamento não ocorra na data de vencimento indicada, ver-nos-emos forçados a promover as diligências necessárias à cobrança coerciva do valor em dívida.
(…).”.
9. A referida carta foi recepcionada em 15/07/2011 naquela morada, por terceiro que se identificou com documento oficial e que assinou o aviso de recepção.
10. O Exequente enviou ao Embargante uma carta, datada de 08/07/2011, dirigida à morada, “Br Ajuda, Lt 66, 9000-117 Funchal”, fazendo referência no assunto a “Contrato de Crédito – CLS n.º 155195161”, na qual se pode ler:
“Por incumprimento do clausulado constante no referido contrato (não provisionamento da conta à ordem do subscritor para efeitos de débito das sucessivas prestações vencidas), comunicamos a V.Ex.ª que, nesta data, foi efectuado o preenchimento da livrança de caução em branco avalizada por V.Ex.ª e subscrita por  S., Lda.
Nesta conformidade e nos termos do respectivo pacto de preenchimento constante do aludido contrato, informamos que a mesma se encontra a pagamento, com vencimento fixado para o próximo dia 14 de Julho de 2011, pelo montante de 285.716,98€, assim discriminado:
Capital …………… Eur: 212.500,00
Juros ……………... Eur: 69.027,34
Imposto Selo …….. Eur: 2.761,09
Selagem do título … Eur: 1.428,55
Caso o pagamento não ocorra na data de vencimento indicada, ver-nos-emos forçados a promover as diligências necessárias à cobrança coerciva do valor em dívida.
(…).”.
11. A referida carta foi recepcionada em 15/07/2011 naquela morada, por terceiro que se identificou com documento oficial e que assinou o aviso de recepção.
12. O “Banco I.I., S.A.” propôs uma acção executiva, a que foi dado o n.º de processo 2197/13.0TBFUN da ex-2ª secção das Varas de Competência Mista do Funchal, onde o aqui Embargante também deduziu embargos de Executado.
13. Na contestação apresentada àqueles embargos o “Banco I.I., S.A.” refere que as fracções “A” e “C” foram alienadas, tendo os valores dos distrates sido efectuados pelos montantes, respectivamente de Eur: 539.661,00 e Eur: 300.000,00, valores que foram deduzidos à dívida, que se cifrava na altura em Eur: 3.250.000,00, e que em consequência foi reduzida para o montante de Eur: 2.410.339,00.
14. No mesmo articulado, refere ainda o “Banco I.I., S.A.” que as demais fracções do mesmo edifício foram apreendidas e vendidas no âmbito do processo de insolvência da sociedade “S., Lda.”, (fracções “B”, “D”, “E”, “F”, “G” e “H”), tendo vindo a receber em sede de liquidação das receitas obtidas pela massa insolvente a quantia de Eur: 2.017.494,05, valor que, em consequência, reduziu na dívida exequenda peticionada naquele processo.
15. Na relação provisória de créditos reconhecidos no processo de insolvência da sociedade “ S., Lda.” foi reclamado e reconhecido ao “Banco I.I., S.A.” como dívida de capital a quantia de Eur: 2.410.339,00, a que acresciam juros.
16. No auto de apreensão de bens móveis junto ao processo de insolvência da sociedade “ S., Lda.” encontram-se descritas as fracções “B”, “D”, “E”, “F”, “G” e “H”, já melhor identificadas supra, referindo-se aí que sobre as referidas fracções apreendidas recaem como ónus e encargos, uma hipoteca voluntária do “Banco I.I., S.A.” datada de 12/04/2006, três hipotecas voluntárias do “Banco I.I., S.A.” datadas de 11/12/2007 e uma hipoteca voluntária do “Banco P.Lwite, S.A.” datada de 02/09/2008.
17. Na sentença rectificada proferida em 04/11/2016 no apenso de reclamação de créditos junto ao processo de insolvência da sociedade “S., Lda.” foi proferida a seguinte decisão:
Em conformidade com o exposto, homologo a lista de créditos reconhecidos e graduo os créditos pela seguinte ordem:
1.º Crédito privilegiado reclamado pelo Ministério Público relativo a dívidas tributárias de IMI e juros de mora nos doze meses anteriores à data da insolvência;
2.º Crédito garantido reclamado pelo Banco I.I., S.A.;
3.º Crédito garantido reclamado pelo “Banco P., S.A.”;
4.º Créditos comuns, com rateio entre si e a pagar na proporção dos respectivos montantes;
5.º Crédito subordinado.
Notifique. (…)”.
18. Para além da receita obtida com a venda das fracções “B”, “D”, “E”, “F”, “G” e “H”, não foi possível obter qualquer outra receita para a massa insolvente da sociedade “S., Lda.”, estando o processo de insolvência findo.
19. O valor obtido com a venda das fracções “A” e “C”, foi usado para pagamento parcial da dívida contraída junto do “Banco I.I., S.A.”.

20. O “Banco P., S.A.”, não recebeu qualquer valor por conta do crédito reclamado e reconhecido na insolvência da sociedade “S., Lda.”.

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto

          Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: (…).

            No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que: (…)

           Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e o recorrente deu cumprimento, de forma aceitável, ao preceituado no supra referido artigo 640º do CPC, pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

          O recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, no que se refere aos Nºs 19 e 20 da matéria provada, defendendo que os mesmos não poderiam ser dados como provados.

          Há que aferir da pertinência da alegação do apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.

       Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

      Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

Consta do nº 19 dos Factos dados como Provados:
O valor obtido com a venda das fracções “A” e “C”, foi usado para pagamento parcial da dívida contraída junto do “Banco I.I., S.A.”.

Consta do nº 20 dos Factos dados como Provados:
O “Banco P., S.A.”, não recebeu qualquer valor por conta do crédito reclamado e reconhecido na insolvência da sociedade “Santos, Lda.”.

                Visa, em suma, o apelante, que seja dado como provado que o valor da venda das fracções foi usado para pagamento parcial também da dívida contraída junto do “Banco P., S.A.”, e ainda que este recebeu um valor por conta do crédito reclamado e reconhecido na insolvência da aludida sociedade (embora não indique qual foi esse valor).

               Fundamentou o julgador de 1ª instância da seguinte forma a decisão sobre a matéria de facto, com relação à matéria aqui em apreciação:
(…)

               Foram ouvidas como testemunhas Adérito, administrador de insolvência do processo de insolvência da sociedade  Santos, Lda., subscritora das livranças aqui dadas à execução e da qual o embargante era sócio, bem como Susana e Maria, ambas colaboradoras do banco exequente e que acompanharam os processos relacionados com os mútuos concedidos à aludida sociedade, ao preenchimento das livranças e aos assuntos relacionados com a insolvência da empresa.

                  Defende, em suma, o apelante, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, quer quanto à prova documental constante do processo, quer no que concerne aos depoimentos das testemunhas Adérito e Susana, referenciando extractos desses depoimentos.

                   Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicado pelo recorrente como relevante, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto, quer com a restante prova testemunhal produzida, quer com a prova documental constante dos autos, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pelo apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

                   É, no entanto, oportuno relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

                  De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

                  Há que considerar, contudo, que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.

                  Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1) – procedimento a que este Tribunal de recurso deu observância.

                  No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, com expresso apoio na prova documental apresentada, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.

Senão vejamos,
           Admitiu a testemunha Adérito, que foram apreendidos para a massa insolvente da sociedade  Santos, Lda., da qual foi administrador da insolvência, vários imóveis sobre os quais incidiam hipotecas, quer do Banco I.I., S.A. (BII), quer do Banco P. S.A. sendo a dívida da aludida sociedade relativamente ao BII muito superior ao do Banco P. e sendo certo que a advogada que patrocinava ambos os bancos, pertencentes ao mesmo grupo, era a mesma, a Sra. Dra. Teresa.

              Após a liquidação desses activos e, em vez do produto da venda ter ficado retido, como não existiam dívidas aos trabalhadores, acordou com o mandatário dos bancos transferir a quantia de € 2.017.494.05 para uma conta bancária do banco, cuja identificação lhe foi fornecida, correspondendo essa quantia a 90% do valor obtido pela venda dos imóveis, não tendo sido efectuado qualquer rateio para cada um dos Bancos, desconhecendo a que dívida tal quantia foi efectivamente abatida.

              Admitiu também que, embora na sua prestação de contas apresentada no processo de insolvência da sociedade Santos, Lda. (processo que ainda não se encontra encerrado, faltando o rateio final) haja indicado: transferência de 90% do saldo constante da conta para o credor hipotecário Banco P. (conforme consta de fls. 57), fez essa referência porque o contacto, segundo entendia, era efectuado com o Banco P., pois o BII não tinha agência na Madeira.

             A testemunha, Susana, demonstrou ter conhecimento da existência da dívida da sociedade Santos, Lda., ao Banco P., relativa a mútuos celebrados em 2003 e 2008, e sobre os quais incidiam garantias reais e avales, nomeadamente do ora embargante. Salientou a existência de pactos de preenchimento e que foram enviadas ao avalista cartas informando que, face ao não pagamento da dívida, iriam ser preenchidas as livranças, com indicação dos respectivos valores. Confirmou a testemunha que as cartas foram enviadas no dia 08.07.2011, estipulando-se, por virtude do calculo dos juros, o prazo de uma semana para se proceder ao respectivo pagamento, mas que, por norma, o banco envia sempre uma primeira carta a dar um prazo para o pagamento e só depois é que se envia uma segunda carta informando do preenchimento da livrança.

                Mais referiu, a testemunha, que todo o produto da venda dos bens imóveis pertencentes à sociedade  Santos, Lda., efectuada no processo de insolvência, se destinou apenas a amortizar parcialmente a dívida do BII, nada tendo sido pago ao Banco P.. Confirmou, convictamente, por ser um processo que sempre tem vindo a acompanhar, que após o preenchimento das livranças aqui em causa, nenhum abatimento ou pagamento foi efectuado com relação ao valor nelas inscrito.

                  Por seu turno, a testemunha, Maria, gestora do Banco P. que acompanhou o processo de insolvência da sociedade Santos, Lda., desde Janeiro de 2012, mostrou ser conhecedora das reclamações de créditos que o BII e o Banco P., ambos pertencentes a mesmo grupo, efectuaram, autonomamente, no processo de insolvência, admitindo que, nesse âmbito, teve uma reunião com os avalistas, nomeadamente com o ora embargante.

                  Mais referiu que no processo de insolvência foram apreendidas para a massa insolvente e depois vendidas seis fracções e que, em Outubro de 2012, o administrador da insolvência efectuou a transferência de 90% do produto da venda das mesmas. Tal montante serviu para o pagamento parcial da dívida do BII que era a entidade que detinha a primeira hipoteca. Por isso, se o produto da venda tivesse sido superior, pagar-se-ia, em primeiro lugar, a dívida ao BII (1ª hipoteca, de 1º grau, segundo denominou) e só depois com o que viesse a sobrar, se pagaria a dívida do Banco P., que detinha uma hipoteca posterior.

                  Salientou, finalmente, que foram esses mesmos os termos que decorrem da sentença de graduação de créditos, que graduou, em primeiro lugar, a dívida do BII e só depois a dívida ao Banco P., sendo que esta dívida se mantém, sem que haja sido efectuada qualquer amortização.
                       
                   Estes depoimentos prestados pelas testemunhas estão em conformidade e corroboram o que resulta dos documentos constantes dos autos, nomeadamente as cartas enviadas ao avalista, ora embargante (fls. 30-31), a reclamação de créditos apresentada pelo Banco P. no processo de insolvência da sociedade  Santos, Lda., (fls. 41-46), a identificação dos bens apreendidos no processo de insolvência, e prestação de contas aí apresentada pelo administrador da insolvência (fls. 51-57), a sentença de verificação e graduação de créditos datada de 09.10.2012, na qual se alude, na respectiva fundamentação, que, após o crédito da Fazenda Nacional, o crédito reclamado pelo BII será graduado em primeiro lugar antes do crédito do BANCO P., porque beneficia de hipotecas registadas em primeiro lugar, bem como a respectiva rectificação do lapso material, perfeitamente evidente, existente no dispositivo da sentença (fls. 102-105).

                   E, por fim, teve particular relevância – tal como foi evidenciado na sentença recorrida - a circunstância de, no processo executivo que o BII intentou contra o ora embargante, ter sido apresentado requerimento pelo banco exequente, em 04.06.2013, reduzindo ao valor da quantia exequenda, precisamente o montante de € 2.017.494,05, correspondente a 90% do produto da liquidação dos imóveis objecto de hipoteca (fls. 40), documento  esse  que  o  embargante  não  impugnou,  sendo  certo que a redução desse valor à dívida do BII foi invocada na contestação aos embargos que o ora embargante igualmente deduziu à execução interposta pelo BII – v. Nºs 12 e 13 da Fundamentação de Facto.

                 De resto, entendendo o embargante que já havia sido efectuado um pagamento/amortização parcial dos montantes apostos nas livranças, a ele incumbia alegar e provar tal pagamento/amortização, e o seu respectivo montante, o que o embargante não fez, como resulta da prova produzida e acima densificada.

                Dada a data da apresentação de tal requerimento na execução interposta pelo BII contra o ora embargante, reduzindo ao valor em dívida o montante proveniente de 90% da liquidação do activo no processo de insolvência, correspondendo precisamente ao valor indicado pelo administrador da insolvência na sua prestação de contas, entende-se ser manifesto que tal situação era do perfeito conhecimento do ora embargante/recorrente, ao deduzir, em 26.11.2015, os presentes embargos de executado, pelo que a insistência, no âmbito deste recurso, pela reapreciação da prova, correctamente apreciada pelo Tribunal a quo, encontra-se nos limites da litigância de má fé. 

              Considera-se, por conseguinte, que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de reparo, sendo perfeitamente adequada à prova documental e testemunhal produzida, razão pela qual se mantém nos seus precisos termos, a factualidade dada como provada na 1ª instância.

              Improcede, pois, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso do embargante/apelante.

ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

            No caso vertente, estamos perante duas livranças que foram dada à execução como títulos executivos.

      A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve, além do mais, a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).

             Pela aposição da assinatura na livrança, o emitente desta obriga-se a pagá-la na data do vencimento.  E, segundo o artigo 78º da L.U.L.L., o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra.

            Há, porém, uma diferença fundamental neste aspecto entre a letra e a livrança. Enquanto naquela, o emitente (sacador) se obriga a fazer pagar, porque delega o pagamento no sacado e, só se responsabiliza como obrigado suplente, i.e., como obrigado em via de regresso se, o sacado, a não pagar; nesta, é o próprio emitente que se obriga a pagar na época do vencimento.

           Na livrança o emitente é, pois, o obrigado principal. Daí a equiparação expressa, no artigo 78º do LULL, ao aceitante de uma letra. 

          O negócio subjacente da emissão da livrança é simplesmente a soma de dinheiro que o emitente reconhece ter recebido do tomador.

            No caso das livranças que servem de títulos executivos, a sociedade  Santos, Lda., foi subscritora das mesmas, e o executado/embargante nelas apôs a respectiva assinatura, na qualidade de avalista, sendo a exequente a portadora das ditas livranças – v. Nºs 1 e 2 da Fundamentação de Facto.

           Dúvidas não há que o embargante é obrigado cambiário. Este, apôs a respectiva assinatura no verso da livrança dada à execução, o que significa que se obrigou ao pagamento das livranças, de harmonia com o disposto no artigo 31º, aplicável ex vi dos artigos 78º e 77º, ambos da LULL.

           O regime jurídico do aval encontra-se estabelecido nos artigos 30.º a 32.º da Lei Uniforme de Letras e Livranças.

          O aval, nos termos do artigo 30º da LULL, é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores - v. F. CORREIA, Letra de Câmbio, 198. 

          A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la, sendo o dador de aval, nos termos do artigo 32º, nº 1, da LULL, responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.

          Com efeito, a obrigação do avalista subsiste independentemente da obrigação do avalizado, como resulta do artigo 32º da LULL, ao estatuir que: O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

          Por força do disposto nos artigos 43º a 48º da LULL., aplicável ex vi do artigo 77º do mesmo diploma, o portador pode exercer o seu direito de acção contra qualquer obrigado cambiário, reclamando o pagamento da livrança não paga e juros, despesas de protesto, avisos dados e outras despesas. 
         Diz-se no artigo 47º do mesmo diploma que Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.

         Esta solidariedade é uma solidariedade imprópria posto que, aqueles não se encontram vinculados nos termos em que o estão os devedores na solidariedade passiva (artigo 512º e segts do C.C.). 

         A solidariedade dos obrigados cambiários significa apenas que o portador do título pode exigir de qualquer dos responsáveis, individual ou colectivamente, a totalidade da letra ou de livrança, sendo o aceitante ou o subscritor o único obrigado directo, o devedor principal da prestação cambiária e, o sacador, endossante e respectivos avalistas são os obrigados indirectos. 
                       
         É verdade que o avalista do subscritor da livrança responde perante o portador do título nos termos em que este responde, podendo ser accionado pelo portador, individualmente ou juntamente com os demais subscritores. Mas, o avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado (obrigação subjacente), mas ao pagamento da quantia titulada no título de crédito (obrigação cartular), constituindo esta uma obrigação autónoma e independente daquela.

       No caso em apreço, está provado que as livranças dadas à execução, foram entregues à exequente, em branco, com as assinaturas quer da subscritora, quer dos executados/avalistas e que a exequente completou o seu preenchimento.

     Considerando que o executado/embargante interveio na relação subjacente à obrigação cambiária, há que concluir que estamos no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os sujeitos cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes cambiários.

   Tudo se passa, neste caso, em princípio, como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular.
     Pode, por conseguinte, o executado, na qualidade de avalista, opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções, nomeadamente, a excepção do preenchimento abusivo, ou qualquer excepção decorrente da celebração do contrato subjacente à relação cambiária.

      Admite a lei, no artigo 10º da LULL., aplicável à livrança ex vi do artigo 77º da LULL, a emissão de livranças incompletas, devendo o seu preenchimento ser efectuado nos limites e termos ajustados, mediante o que se designa por contrato ou pacto de preenchimento. Este, é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento. 

       E, aquele que emite uma livrança em branco atribui a quem a entrega, o direito de a completar, em determinados termos, pelo que o preenchimento da mesma só é abusivo se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.

       No caso em análise, provou-se que o banco exequente estava autorizado a preencher a livrança entregue em branco, com as assinaturas da subscritora e dos avalistas, através da aposição da data de vencimento, do local de pagamento, do montante correspondente do crédito, conforme  resulta  das  cláusulas  11ª  e  9ª  dos  contratos  de  crédito  nºs 155195161 e 68017381 celebrados entre as partes – v. Nºs 5 e 7 da Fundamentação de Facto.
                       
       Como tem sido entendimento jurisprudencial, o ónus de provar o preenchimento abusivo, que constitui uma excepção de direito material, incumbe a quem apõe a sua assinatura na livrança – v. neste sentido e a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 08.10.2009 (Pº 475/09.2YFLSB), de 20.05.2010 (Pº 11683/06-8TBOER.A.L1), de 30.09.2010 (Pº 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1), de 13.09.2012 (Pº 7808/10.1YYPRT-A.P1.S1) e de 12.10.2017 (Pº 1097/14.1TBFUN-A.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

       E, se aquele não for demonstrado, tem de se admitir que tal preenchimento foi efectuado correctamente – v. Ac. R.L. de 06.12.2012 (Pº 7771/04.3YYLSB-A.L1-2), de que foi relatora a aqui também relatora.

        A livrança subscrita em branco, uma vez preenchida, constitui título executivo, que importa a constituição de uma obrigação pecuniária, dotada de força executiva, valendo por si, atendendo às características da incorporação da obrigação no título, da literalidade, em que o título se define pelos exactos termos que dele constem, da autonomia do direito do portador legítimo do título e da abstracção, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem.

         E, assim sendo, basta à execução, fundada em livrança, ainda que assinada em branco, a apresentação desse título não carecendo de ser acompanhado do pacto de preenchimento – v. neste mesmo sentido, Ac. R.L. de 08.11.2012 (Pº 5930/20.9TCLRS-A.L1-6), acessível em www.dgsi.pt.

         Acresce que consta do requerimento executivo a liquidação da obrigação, nos termos do nº 1 do artigo 716º do CPC.

         Ademais, cabendo ao embargante, que na livrança apôs a respectiva assinatura, alegar e provar o preenchimento abusivo, quer quanto à aposição da data de vencimento, quer quanto ao valor nela aposto com relação ao montante que se encontrava em  dívida, a verdade é que não resultou demonstrado que o banco exequente tivesse incumprido o pacto de preenchimento, sendo o subscritor responsável pelo pagamento da quantia aposta na livrança e respectivos juros, inexistindo qualquer situação de anatocismo, tal como bem se evidenciou na sentença recorrida.

          Em consonância com os termos acordados nos contratos celebrados com o banco exequente, e perante a omissão de factualidade donde decorresse a violação do pacto de preenchimento, forçoso é concluir que inexiste qualquer abuso no preenchimento das livranças dadas à execução, que implique a sua inexequibilidade. E, face às características de literalidade e abstracção, as livranças valem por aquilo que nelas está escrito.
                       
          Como é sabido só com o preenchimento da livrança, designadamente do montante a pagar (artigo 75º da LULL), a mesma passará a valer como tal e, eventualmente também, como pagável à vista, caso, aquando da sua apresentação a pagamento, não tivesse a menção da indicação da época de pagamento – v., neste sentido o Ac. do STJ de 01.07.2003 (Pº 03A1943), disponível em www.dgsi.pt.

          Mas, a livrança em branco em que falte, nomeadamente, a indicação da época de pagamento não pode ser considerada, sem mais, como pagável à vista. Tal só assim ocorrerá, na medida em que, no seguimento do respectivo contrato de preenchimento, tal ficar convencionado, ou até se, aquando da sua apresentação a pagamento, dela não constar a época de pagamento – v. neste sentido o cit. Ac. do STJ, de 01.07.2003 e ainda Ac. da RL, de 20.4.89, in CJ/89, tomo 2, 149.

          Não será manifestamente esta a situação que ocorre no caso vertente.

         Como se analisou supra, resultou acordado entre as partes que foi concedido ao credor, em caso de incumprimento, a liberdade de aposição, nas livranças assinadas pela subscritora e avalistas, das quantias em dívida e a fixação dos respectivos vencimentos, o que, como vimos, é legalmente válido.
                       
         Todavia, a apresentação a pagamento integra um ónus do portador do título – JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, 187.

         São requisitos da apresentação a pagamento de uma letra ou livrança:
a) a exibição do título perante o devedor principal;
b) a reclamação da soma na sede do pagamento; 
c) estar o detentor do título a restituí-lo, com a respectiva quitação -    v. ABEL DELGADO, LULL Anot., 5ª ed., 235.

         O que vale tanto para a hipótese de título pagável à vista, como em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista - cfr. artigos 34º e 38º, ex vi do artigo 77º da LULL.

         Não sendo exigível ao portador da livrança para exercer os seus direitos contra o avalista do subscritor, como é consensualmente admitido na doutrina e na jurisprudência, a declaração formal de que não houve pagamento, em que se traduz o protesto, nem tão pouco será necessária a sua apresentação a pagamento – cfr. a título meramente exemplificativo, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., 200, e Acs. STJ de 10.09.2009 (Pº 380/09.2YFLSB), de 23.04.2009 (Pº 08B3905) e de 09.09.2008 (Pº 08A1999), todos acessíveis em
www.dgsi.pt.

          Questão diferente é saber se houve omissão da comunicação do preenchimento das livranças.
          É certo que não impõe a lei cambiária, como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de livrança emitida em branco, a prévia interpelação deste.
          Conforme se concluiu no Ac. STJ de Ac. STJ de 28.09.2017 (Pº 779/14.2TBEVR-B.E1.S1), a necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento da livrança não se traduz em exigência que resulte da lei, mormente da LULL, embora a mesma possa emergir do pacto de preenchimento – cfr. também em sentido idêntico, Ac. STJ de 25.05.2017 (Pº 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.

          No entanto, estando em causa título cambiário entregue em branco ao credor, com preenchimento por este, entende-se ser necessária a comunicação ao avalista, dos elementos que o tomador apôs na livrança, designadamente, a data de vencimento e respectivo montante, não carecendo tal comunicação de ser prévia à data de vencimento aposta na livrança.

          Não há unanimidade na jurisprudência das Relações sobre a questão de saber a quem incumbe o ónus da prova dessa comunicação (que para alguns implica interpelação prévia) – se ao portador do título, designadamente por força do princípio da boa fé ou de cortesia – v. a título exemplificativo, Acs. TRL de 20.01.2011 (Pº 1847/08.5TBBRR-A.L1-6), de 10.02.2009 (Pº 9001/2008-1), Ac. TRP de 03.04.2014 (Pº 1033/10.4TBLSD-A.P2) – ou se, ao invés, incumbe ao avalista a prova dessa comunicação, por se entender que se trata de matéria de excepção - Ac. TRL de 08.11.2012 (Pº 5930/10.9TCLRS-A.L1-6).

          Todavia, e não obstante essa divergência jurisprudencial, a verdade é que a ausência de prova de tal comunicação apenas releva para efeitos  da  contagem  dos  juros  moratórios, não respondendo o avalista pelos juros moratórios desde o vencimento da obrigação até ao momento em que foi citado para a execução.

         Ora, como resulta da factualidade apurada demonstrado está o incumprimento dos contratos celebrados com a subscritora das livranças, e que a exequente, portadora das livranças em branco, remeteu carta ao executado/embargante, comunicando ter procedido ao preenchimento das livranças, com relação à data do respectivo vencimento e discriminando os valores pelos quais foram preenchidas as livranças, cartas essas que foram recebidas na morada do embargante, por pessoa que assinou o aviso de recepção e cujo nome contem os apelidos do embargante – v. Nºs 8 a 11 da Fundamentação de Facto – sendo esta actuação suficiente para se considerar que deu o Banco exequente, como lhe competia, conhecimento ao avalista/embargante dos montantes em dívida apostos nas livranças e a respectiva data de vencimento das mesmas, por forma a que este pudesse proceder ao seu pagamento, evitando o agravamento da dívida por força dos juros de mora.

         De salientar, todavia, que o embargante não coloca em causa o recebimento das cartas enviadas pela exequente, apenas se insurge contra o facto de as mesmas terem sido recebidas em momento posterior à data do vencimento das livranças, sendo que, como acima se mencionou, essa comunicação não carece de ser prévia ao vencimento da data aposta nas livranças.

        Torna-se, pois, irrelevante para o caso em consideração que a carta registada com aviso de recepção haja sido recebida um dia depois da data de vencimento das livranças.
                       
        Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso do apelante, confirmando-se a sentença recorrida.

     Vencido, é o apelante responsável pelas custas respectivas, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC.

IV. DECISÃO

   Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar o recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 19 de Abril de 2018

Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua