Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1467/17.3T8LRA.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A alegação do A. como tendo o Banco intervindo na compra de obrigações em seu nome sem sua autorização, consentimento ou conhecimento determina que não estejamos perante o contrato de intermediação financeira.
II – Não constitui "non liquet" a circunstância de não se ter dado como provado factos relativos ao eventual incumprimento do contrato de intermediação financeira, pois é o próprio Autor que nega a sua existência e este não resulta da prova produzida.
III. Tendo o A. conhecimento da operação financeira de aquisição de títulos obrigacionais em seu nome em 2008 e intentado a acção em 2017, a actuação do mesmo poderia determinar a verificação da concretização do instituto da boa fé na categoria de suppressio que se reconduz à surrectio, sendo que na primeira o exercente deixa passar um tal lapso de tempo sem exercer o seu direito que, quando o faça, contraria a boa fé, e na segunda por força da boa fé, o exercente vê, contra ele ou em termos que ele deva respeitar, formar-se um direito que, de outro modo, não existiria.
IV. Na ausência de outros factos além da repercussão do tempo e a falta do exercício do direito por parte do Autor apenas poderá ser apreciada em termos de factos extintivo da obrigação tendo por base a prescrição do direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
J…, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra, “B…, S.A.”, pedindo que seja o R. condenado a restituir ao A. a quantia de €100.000,00 acrescido de juros legais contados desde a data da citação, até integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que enquanto investidor não qualificado, tinha no Banco R. um depósito a prazo no montante de €100.000,00, tal depósito ficou no Banco R. a prazo pelo período de 366 dias, com juros semestrais à taxa bruta de 4,5%. No dia 25.10.2004, o Banco R. decidiu aplicar aquela quantia na subscrição de 2 obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem autorização, ordem ou consentimento do A. nunca tendo sido entregue ao A. qualquer documento de onde constassem as condições ou informações sobre o produto financeiro em causa. Mais alega que só teve conhecimento dos documentos após a nacionalização do B…, e que só se deu conta daquela aplicação em finais de 2008, quando comunicou ao Banco que necessitava do dinheiro e que pretendia que o colocassem à ordem, e nesse momento foi-lhe comunicado que tal não era possível uma vez que estava aplicado em obrigações a 10 anos. Refere que nunca subscreveu qualquer boletim de subscrição do produto e os referidos títulos encontram-se, ainda hoje, depositados na carteira de títulos do A., junto do Banco R., sendo  sempre avesso a produtos de risco, o que todos os funcionários do Banco R. bem sabiam, bem como a circunstância de que nunca o A. subscreveria tal produto. Reconhece, porém, que foi recebendo periodicamente os juros do seu dinheiro e por tal motivo não tinha razões para suspeitar do que sucedera ao seu depósito que supunha ser o de um prazo normal. Baseia a responsabilidade da ré no incumprimento dos deveres do réu enquanto intermediário financeiro, bem como na responsabilidade contratual alegando que entre A. e R. foi celebrado contrato de depósito irregular estando o R. obrigado a devolver o capital ao A.
O réu contestou arguindo a exceção de prescrição e dizendo, em suma, que o negócio descrito constituiu um acto de intermediação financeira pelo qual o Réu cumpriu ordens dadas pelo seu cliente no sentido de subscrição de obrigações SLN 2004, sendo que nesse âmbito todas as informações prestadas foram verdadeiras, nunca tendo o R. agido com intenção de enganar ou prejudicar ou omitir informação importante, tendo o A. conhecimento do produto adquirido, pelo menos desde 2008, pelo que a existir o direito o mesmo encontra-se prescrito, decorridos que estão 2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação. Conclui pela improcedência da ação.
Respondendo à excepção, o A. alega que os factos deduzidos em sede de petição inicial, designadamente aplicação do dinheiro feita pelo Banco à sua revelia, constitui crime de abuso de confiança pelo que o prazo prescricional seria sempre superior aos dois anos defendido pelo R., e que tendo o réu atuado com culpa grave ou dolo, é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, nos termos do art.309º do CPCivil.
Foi realizada a audiência prévia, com fixação do objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizada a audiência final foi proferida sentença a declarar improcedente o pedido formulado pelo Autor.
Inconformado veio o A. recorrer da sentença, pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença, substituindo-a por uma outra que julgue a ação totalmente procedente, apresentando as seguintes conclusões:
«I. O A. veio impugnar a matéria de facto, por entender que a sentença de que se recorre violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova.
II. O tribunal recorrido, para além de não ter procedido ao exame crítico das provas, não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, não extraindo dela as ilações e as presunções impostas pela lei e pelas regras da experiência, violando, assim, o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C..
III. A factualidade apurada nos presentes autos permite suportar decisão diversa daquela que foi proferida, com a qual discordamos frontalmente.
IV. Desde logo, foi dado por provado o facto do ponto 17., dos factos provados, mas deveria ter sido dada por provada a falta de instruções, autorização ou consentimento na aplicação pelo Réu do dinheiro que se encontrava a prazo de um ano e que foi por ele aplicado na aquisição de obrigações SLN2004.
V. Não só porque, apesar de notificado para o efeito, o Réu não juntou o boletim de subscrição de tal produto financeiro, mas também porque na audiência final nenhum dos funcionários do Banco Réu assumiu a autoria ou intervenção na venda daquele produto financeiro ao A.. Nesse sentido depuseram C… (excerto gravado do minuto 04:00 a 04:35; página 24, da transcrição); F… (excerto gravado do minuto 02:40 a 03:25; páginas 34 e 35, da transcrição); A… (excerto gravado do minuto 04:43 a 04:51; páginas 53 e 54, da transcrição); e A… (depoimento gravado do minuto 02:20 a 02:40); páginas 61 e 62, da transcrição).
VI. Em face de tais depoimentos, na ausência do boletim de subscrição ou outro registo, e atenta as posições das partes, o Tribunal a quo não poderia deixar de considerar que a operação se realizou sem o consentimento e autorização do A., que a mesma se havia realizado à revelia deste.
VII . Só o Banco/Réu poderia executar materialmente tal operação, só ele poderia explicar cabalmente como e em que circunstâncias a mesma se verificou.
VIII. Nesta perspetiva, o ponto 17., dos factos provados, deveria colher a seguinte formulação: No dia 25/10/2004, o Banco Réu decidiu resgatar o depósito a prazo, tendo sido debitado na conta à ordem do A. a quantia de €100.000,00, para a compra de título ”SLN Mais 2004”, sem instruções, autorização ou consentimento do A.
IX. Foi considerado não provado que “O A. não subscreveu qualquer boletim de subscrição de tal produto;”
X. Ora, não pode ser afirmado - porque não resulta da prova carreada para os autos - que o A. tenha subscrito qualquer boletim de subscrição referente a obrigações SLN2004.
XI. Cabia ao Réu demonstrar que, embora não existisse qualquer boletim de subscrição, ocorrera a subscrição do produto financeiro pelo A., o que não faz.
XII. Nenhum do funcionários do Banco/Réu assumiu a paternidade da referida operação e a mesma só poderia ser realizada materialmente por si.
XIII. Não fazendo prova de ter recebido instruções do A. ou a apresentação do boletim de subscrição da obrigação a resposta a dar a este ponto da matéria de facto não poderia deixar de ser julgado como provado.
XIV. Foi igualmente julgado não provado o Ponto 2., dos factos não provados, chamando-se à atenção para a sua parte final (“… que desconhecia o que tal poderia significar”).
XV. Este aspeto é relevante, o qual ficou cabalmente provado que o A. não sabia nem imaginava o que pudesse significar. Neste sentido temos os depoimentos das testemunhas A… (à passagem do minuto 08:09 a 09:23, da gravação; página 68, da transcrição) e de L… (à passagem do minuto (06:00 – 07:45), páginas 87 e 88, da transcrição) que nos ajudam a perceber que assim era e que impunham outra decisão deste segmento fáctico.
XVI. De igual modo, o Tribunal a quo deveria ter proferido outra decisão quanto aos factos dos pontos 12. e 13. – factos não provados -, considerando-os provados, atenta não só a matéria provada dos pontos 9., 10. e 11., mas também da prova produzida na audiência de julgamento. Nesse sentido o que referiram as A… (02:45 – 03:37; páginas 62 e 63, da transcrição); C… (depoimento gravado ao minuto 03:20 a 04:00; página 23, da transcrição) e F…( depoimento gravado ao minuto 04:30 a 04:59; página 36, da transcrição).
XVII. A afirmação contida no ponto 13., dos factos não provados, infere-se com toda a naturalidade do facto de uma pessoa, como era o caso do A., ter um depósito a prazo, mas também do facto do produto financeiro (obrigações SLN 2004) não ser seguro (factos dos pontos 3. e 5., não provados).
XVIII. De igual modo e conforme se expôs supra, também o Ponto 14. – dos factos não provados, deveria ter tido resposta positiva.
XIX. Diz-se ali que Nunca o A. seria tentado a aceitar subscrever as obrigações que o R.
subscreveu por si, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que estava a ser vendido;
XX. Em primeiro lugar, há que realçar que os colaboradores do Banco Réu não conheciam as características do produto financeiro que estavam a vender. (vide A…: (05:48 – 06:56; páginas 65 e 66, da transcrição; e 10:22 – 12:02; páginas 69, 70 e 71, da transcrição; F…(06:14 – 07:29) – páginas 38 e 39, da transcrição).
XXI. Noutros casos, algumas das informações relevantes eram escondidas, pelas mais variadas razões, por tais colaboradores, desde o “coordenador da área comercial da zona de Leiria”, o Sr. T…, aos demais funcionários do balcão de Pombal. (vide T… (17:14 – 17:54; pag. 15, da transcrição); C…(05:15 – 07:35; páginas 24, 25 e 26, da transcrição) e A…, (06:56 -07:25; páginas 66 e 67, da transcrição).
XXII. Aliás, é a própria sentença na sua fundamentação que salienta este facto.
XXIII. Foi também dado por não provado o seu ponto 15. que diz o seguinte: Em finais de 2008, aquando do referido em 20, o Banco comunicou ao A. que não era possível proceder ao levantamento do capital investido porque estava aplicado em obrigações a dez anos;
XXIV. Não nos parece que a decisão recorrida tenha tido acerto neste ponto e isto porque é do conhecimento comum que após a nacionalização do B… os produtos financeiros como o dos autos (obrigações SLN2004) ficaram totalmente indisponíveis. Nesse sentido militam os depoimentos das testemunhas A… (gravado ao minuto 08:300 a 09:15; página 68, da transcrição) e L… (minuto 06:16 a 07:45; páginas 87 e 88, da transcrição).
XXV. Era um facto que deveria ter sido transposto para o elenco dos factos provados.
XXVI. Por fim, o ponto 16. – dos factos não provados «O A. ao receber os juros do seu dinheiro estava convencido que o mesmo estava aplicado em depósito a prazo.», deveria ter sido julgado provado.
XXVII. Sendo o A. titular de um depósito a prazo, nada existe nos autos que nos permita concluir de outro modo e seria razoável, de acordo com as regras da experiência, que o A. estivesse convencido que a remuneração do seu dinheiro fosse proveniente de tal depósito a prazo e de nenhuma outra aplicação.
XXVIII. Infere-se dos elementos constantes dos autos, nomeadamente o documento nº 6, junto com a petição inicial.
XXIX. Sem qualquer outra prova que infirmasse a prova apresentada, há que reconhecer que o A. não tinha motivos (pelo menos até final de 2008) para estar convencido do contrário quanto à proveniência dos juros que recebia semestralmente.
XXX. Ainda assim, sendo a prova produzida em julgamento insuficiente e/ou inconclusiva, o tribunal pode julgar por não provados factos que são contraditórios entre si, sendo que o "non liqued" que resulta do julgamento de facto relevante para o conhecimento do mérito da causa deve ser resolvido pelas regras substantivas da distribuição do ónus de prova.
XXXI. Aqui chegados, o A. era titular de uma conta de depósitos a prazo no Banco Réu no valor de € 100.000,00 até ao dia 25 de Outubro de 2004.
XXXII. Vimos também que o A. tinha perfil aforrador, conservador, avesso a investimentos financeiros de risco, sem conhecimentos técnicos na área financeira, pois tem apenas a 4ª classe.
XXXIII. Nunca investira em acções, obrigações ou outro produto de risco.
XXXIV. O contrato de depósito bancário de fundos monetários tem a natureza de contrato de depósito irregular (art. 1205º e 1206º, do C.C.), em que a entrega dos fundos ao banco tem um efeito translativo que determina a transmissão da titularidade da coisa assim depositada para o depositário.
XXXV. O risco de perda da coisa assim depositada corre por conta do Réu, nos termos
 do art. 796.º, n.º 1, do C.C, competindo a este último provar que foram por razões imputáveis ao depositante que houve perda dos valores depositados e que agiu no cumprimento dos deveres de cuidado e, portanto, sem culpa sua.
XXXVI. De facto, o art. 796° n.° 1 do C.C. estabelece que, nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram ou direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.
XXXVII. Assim, a exclusão da responsabilidade do banco depositário só poderia ser  afastada, se este demonstrasse que tinha agido no cumprimento das suas obrigações e os danos ocorreram por culpa do depositante
XXXVIII. De facto, como a regra é que a responsabilidade pelo perecimento da coisa corre por conta do adquirente, que assim beneficia do domínio do bem entregue, a prova do contrário, constitui matéria de excepção.
XXXIX. Está provado que esse depósito existia (vide: ponto 11, dos factos provados) e
que o R., no dia 25/10/2004, aplicou esse dinheiro na compra das obrigações (vide: ponto 17., dos factos provados)
IL. Não foi possível atribuir a autoria da operação a qualquer dos colaboradores do Réu.
XLI. Em face do exposto, as quantias depositadas estavam no domínio do R., que foi quem materialmente executou a aplicação financeira em causa (vide pontos 11. E 17., dos factos provados)
XLII. O A. provou a transferência de domínio dos valores monetários para o R. e a autoria material do acto de onde emerge aplicação financeira considerada, tal como era seu ónus probatório (art. 342.° n.° 1 do C.C.).
XLIII. Já o R. não provou que se limitou a agir no cumprimento de ordem direta do A. e que, portanto, este era o autor moral do comportamento que pessoal e materialmente realizou (art. 796.° n.° 1 "in fine" do C.C.).
XLIV. Portanto, não demonstrou que o seu comportamento foi conforme ao direito, desse modo afastando a sua culpa, por meio da imputação subjectiva do acto ao alegado verdadeiro comitente, não conseguindo assim afastar também a sua consequente responsabilidade pelo risco de perda da coisa, verificado no seio da sua esfera jurídica (art. 342.° n.° 2 do C.C.).
XLV. A realidade é que o dano ocorreu com a perda definitiva da coisa (100.000,00
€), que se consumou.
XLVI. O acto jurídico de subscrição de obrigações, enquanto valores mobiliários, não está sujeito a forma legal, mas por razões de segurança jurídica e de tutela do consumidor, deve resultar de declaração expressa, não bastando simples “facta concludentia”.
XLVII. Tendo o Banco/Réu realizado uma operação que consistiu na aquisição de obrigação em nome e no interesse do seu cliente, sem provar que a subscrição de obrigações resultou de ordem expressa ou no cumprimento de instruções expressas do cliente, deve concluir-se que agiu sem poderes de representação, sendo esse ato ineficaz para a pessoa representada (art. 268.º, n.º 1 do C.C.).
XLVIII. Esse acto pode passar a vincular a pessoa representada, desde que haja ratificação do mesmo (art. 268.º n.º 1, “in fine” do C.C.). Mas essa ratificação, porque sujeita às regras de forma aplicáveis à procuração (art. 268.º n.º 2, do C.C.) e, por essa via, às aplicáveis ao acto de subscrição de obrigações, enquanto valores mobiliários (art. 262.º, do C.C.), só pode resultar também de declaração expressa e não de factos de que com toda a probabilidade revelem a vontade (art. 217.º do C.C.).
XLIX. A existência de uma situação de abuso de direito pode obstar ao exercício de um direito subjectivo por parte do seu titular, nos termos do art. 334.º, do C.C..
L. O “venire contra factum proprium”, enquanto concretização de situações de abuso de direito, tem como pressupostos: 1) A existência de um comportamento lícito inicial (“factum proprium”); 2) Diferido no tempo, um segundo comportamento que contraria o primeiro; 3) A contradição tem de ser directa entre a situação jurídica que origina o “factum proprium” e o segundo comportamento do agente; e 4.º Exclui-se o “factum proprium” que vincule o agente em termos tais que o segundo comportamento represente uma violação de, deveres específicos, pois nesse caso há apenas obrigação de indemnização.
LI. Não se provando que a aplicação pelo Réu de fundos do cliente na aquisição de obrigações resultasse de ordem ou instruções do mesmo, não há “factum proprium” e não se pode falar em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.
LII. Por outro lado, a ausência de evidências sobre a existência de uma vontade esclarecida por parte do titular do direito, aqui A., que deixa arrastar a situação no tempo, quando o devedor não provou ter cumprido com os seus deveres de informação, de cautela, lealdade e de competência técnica que lhe competiam, não permite apelar às razões de justiça, que importam do princípio da boa fé e da tutela da confiança, que justificariam a inibição do exercício do direito por manifesto abuso de direito, nos termos do art. 334.º, do C.C..
LIII. Ao depositar o dinheiro no Réu foi criada uma expectativa no A. que aquele fizesse uma gestão prudente, criteriosa e que cumprisse com os seus deveres de cuidado e diligência a que estava obrigado.
LIV. Assim, a sentença recorrida por decidido como decidiu violou, entre outros, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, do R.G.I.C.S.F.; 268.º, 334.º, 342.º, 471.º, 406.º, 483.º, 487.º, 563.º, 762.º, 798.º, 799.º e 800.º, do Código Civil; 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil; 325.º e 334.º, do Código dos Valores Mobiliários.»
A recorrida contra alegou pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que se deve manter a decisão proferida.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª A alteração das respostas contidas na sentença, com a reapreciação da prova, devendo considerar-se alterada a matéria factual contida no nº 17 dos factos provados, que seja considerada provado a matéria contida nos pontos 1, 2, 12, 13, 15 e 16 dos factos não provados;
2ª A atuação do réu perante o A. como intermediário financeiro e a violação dos deveres de informação no âmbito dessa atuação;
3ª A atuação do réu sem consentimento e autorização do autor e a responsabilidade do réu perante o A.;
4ª A prescrição do Direito do A.      
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II. Fundamentação:
 Os elementos fácticos que foram considerados provados na sentença são os seguintes:
1. O R. é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “B…, S.A.”; Cfr. doc. junto a fls.20 e ss;
2. Até à entrada em vigor da Lei nº62-A/2008, de 2/2 o Banco R. era uma sociedade comercial dotada de personalidade jurídica, havia adoptado o tipo de sociedade anónima e tinha o contrato pelo qual foi constituída definitivamente registado na Conservatória do Registo Comercial sob o nº de matrícula e pessoa colectiva nº503 159 093;
3. Era também uma instituição de crédito da espécie Banco, estando para tanto obrigada a exercer a sua actividade pelo Banco de Portugal;
4. No dia 12 de Novembro de 2008 foram nacionalizadas todas as acções representativas do capital social do B…e aprovado o regime da sua apropriação pública por via de nacionalização, até essa data, o capital social do B… era detido, na sua totalidade, pela sociedade S…SGPS, S.A. (S..), actualmente denominada G…, SGPS, S.A. (G…);
5. Após a referida nacionalização, o capital social do B… foi adquirido pelo Banco B… Português, S.A., e em seguida incorporado, por fusão, neste Banco;
6. A “S…, SGPS, S.A.” e o “B…, S.A.” à data dos factos em causa, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa: J…; Cfr. doc. de fls.38 e ss.;
7. O Banco R. para além de ser, até à data da nacionalização do seu capital, uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando como tal registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários desde, pelo menos, o ano de 1993;
8. O A. exerce a profissão de pedreiro e tem a escolaridade obrigatória (4ª classe);
9. O A. é desde sempre categorizado pelo R. como investidor não qualificado;
10. A. é por natureza avesso a qualquer tipo de risco;
11. O A. era aforrador que tinha no Banco R. um depósito a prazo no valor de €100.000,00, pelo período de 366 dias, com juros semestrais, à taxa bruta de 4,5%; Cfr. fls.53 v.
12. O A. é, há mais de 15 anos cliente do R., onde é titular da conta nº…;
13. No início do ano de 2004, a “S…, SGPS, S.A.” decidiu emitir um empréstimo obrigacionista, denominado “SLN, Rendimento Mais 2004” por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00, cada”; Cfr. docs. de fls.41 v e ss;
14. Na nota interna emitida pela S… consta “o Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações subordinadas a dez anos, denominada “SLN-Rendimento Mais 2004” (…). A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo.” Cfr. doc. de fls.41 v. e ss.
15. Na pág. 2 de tal documento consta: “Capital garantido:100% do capital investido”;
16. Os funcionários do Banco R. estavam instruídos para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a ficha técnica ou nota informativa que constitui o doc. de fls.44 e ss.
17. No dia 25/10/2004, foi resgatado o depósito a prazo, tendo sido debitado na conta à ordem do A. a quantia de €100.000,00 para a compra de títulos “SLN Mais 2004”; (** alterado nos termos da decisão infra );
18. Era na altura gerente do balcão de Pombal do B…, C…;
19. O A., pelo menos em final de 2008, deu conta da aplicação referida em 18, quando comunicou ao Banco que necessitava de dinheiro e que pretendia que o colocassem à ordem;
20. Os referidos títulos encontram-se ainda hoje, depositados na carteira de títulos do A., junto do Banco Réu;
21. A “S…” actual “G… SGPS”, não pagou as obrigações na data do seu vencimento, em 24 de Outubro de 2014;
22. O A. foi recebendo periodicamente (semestralmente) os juros do seu dinheiro;
23. Foram dadas instruções aos funcionários do Banco no sentido de venderem o produto, referindo aos clientes tratarem-se de aplicações equiparadas a depósito a prazo, podendo ser resgatadas.
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Foram considerados Não Provados os factos seguintes:
1. O A. não subscreveu qualquer boletim de subscrição de tal produto;
2. Só em finais de 2008 o A. constatou que o seu dinheiro havia sido utilizado pelo Banco R. na compra de títulos SLN Rendimento Mais 2004, que desconhecia o que tal poderia significar;
3. O produto dado à subscrição era seguro;
4. O A. foi contactado pelo seu gestor para oferta da possibilidade de subscrever o produto aqui em causa…;
5. …tendo-lhe explicado que tal produto constituía valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente, tendo igualmente explicado de que se tratava de sociedade mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro;
6. Apresentou ao A. as condições do produto e a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o prazo de dez anos, condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso…;
7. …sendo que sempre que solicitado o endosso de tais obrigações, era uma questão de minutos até obter um comprador;
8. O A. foi total e exaustivamente esclarecido sobre as condições do produto, acompanhado com a respectiva nota técnica tendo cumprido instruções expressas dadas pelo A.;
9. O A. sabia que não tinha um depósito a prazo.
10. Nunca foi entregue ao A. qualquer documento de onde constassem condições ou informações sobre o produto financeiro em causa;
11. Ao A. não foram entregues quaisquer documentos de tal operação;
12. O A. só colocou aquele dinheiro no Banco R. para que pudesse receber juros do capital, com total garantia de devolução pelo Banco Réu;
13. O A. pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco e que a recuperação dos valores fosse segura a 100%, pretendia que tal aplicação pudesse ser resgatada a qualquer altura;
14. Nunca o A. seria tentado a aceitar subscrever as obrigações que o R. subscreveu por si, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que estava a ser vendido;
15. Em finais de 2008, aquando do referido em 20, o Banco comunicou ao A. que não era possível proceder ao levantamento do capital investido porque estava aplicado em obrigações a dez anos;
16. O A. ao receber os juros do seu dinheiro estava convencido que o mesmo estava aplicado em depósito a prazo;
17. Em 2004 vigorava a instrução de serviço nº19/01, de 5.2.2003 cujo tema era Mercado de Capitais e Papel Comercial, a qual determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o Banco R..
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Da impugnação da decisão de matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
No caso concreto, insurge-se o Autor, ora apelante, com a resposta ao ponto 17º dos factos provados, bem como da resposta negativa dos pontos 1, 2, 12, 13, 14 e 15.
Quanto ao facto provado em 17. o recorrente pretende que o mesmo seja dado como provado nos seguintes termos: « No dia 25/10/2004, o Banco Réu decidiu resgatar o depósito a prazo, tendo sido debitado na conta à ordem do A. a quantia de €100.000,00, para a compra de título ”SLN Mais 2004, sem instruções, autorização ou consentimento do A.», ou seja, acrescentando apenas “sem instruções, autorização ou consentimento do A.”
A recorrida em sede de contra alegações também refere que concorda com a impugnação de tal facto, mas discordando da sua prova, pois refere que não resulta da documentação junta aos autos que tenha existido qualquer depósito a prazo contratado pelo A. e que este tenha sido resgatado para efeitos da subscrição das obrigações em causa. 
Na sentença a quo e para motivação deste facto refere-se: “O ponto 17 foi considerado provado tendo em conta o extracto bancário junto pelo A. a fls. 54. e ss.”.
Vejamos, quer a impugnação desse facto efectuada pelo recorrente, bem como pelo recorrido.
Em primeiro lugar do extracto da conta á ordem no banco réu do autor, quer a junta a fls. 54 e 55, quer ainda no período mais alargado e junta a fls. 66 vº a 68, não resulta que tenha existido em concreto qualquer resgaste de um depósito a prazo no dia 25/10/2004 para compra de títulos denominados “SLN Mais 2004”. Com efeito, de tais extractos resulta sim que a 14/09/2001 existiu um depósito no valor de 2.734.870€, e a 17/09/2001 uma transferência desse mesmo valor. De relevância ainda existe uma transferência no valor de 82.309,55€, e uma subscrição denominada “PTYBPDH006” correspondente a títulos no valor de 87.390,29€ no dia 20/06/2003. E reportado a esta compra o que se verifica dos extractos, quer os juntos a fls. 54 e ss. quer os juntos a fls. 66 vº e ss. e reportado ao mesmo período é que a 22/102004 operou-se uma transferência no valor de 92.078,28€, e no dia 25/10/2004 a compra no valor de 100.000€ do título “PTSLNREMAIS”. Da análise de tal documento resulta ainda que desde 25/10/2004 até 02/09/2008, existiram subscrições várias no produto referido – PTYBDP, e ainda o pagamento dos juros reportados à compra em causa. Acresce que com data de 26/08/2008 operou-se na conta o resgaste de “BPNIMO” no valor de 114.000€.
Ora, tal como refere a recorrida (artº 636º nº 2 do CPC) não resulta de tal extracto que tenha sido resgatado um depósito a prazo, nem existe correlação entre o comprovativo de um depósito a prazo contratado pelo A. junto do banco réu e cuja cópia se encontra a fls. 53 vº e a transferência que determinou a compra de tais obrigações. Pois o valor de 100.000€ da compra, advém de uma transferência no valor de 92.078,28€ e um depósito no valor de 8.000€, a 22/10/2004.
Quanto ao aditamento pretendido pelo recorrente, ou seja que tal tenha sido “sem autorização ou consentimento do A.” e que tal resulta dos depoimentos e da ausência de boletim de subscrição, sendo eu apenas o banco réu poderia materialmente realizar tal operação.
Ora, do teor dos depoimentos resulta sim que nenhuma das testemunhas afirmou que tivesse tido intervenção no acto de compra em concreto, dizendo apenas o que ocorreria nos casos de venda de tais obrigações, mas sem que circunstanciassem a venda efetuada ao autor. Logo, concluímos tal como consta da motivação da sentença que “nada relevou no sentido de saber em que circunstâncias foi feito o movimento de aquisição do produto financeiro em causa”. Aliás ouvida a esposa do autor a mesma afirmou que foi o depósito a prazo efectuado a 22/10/2004 e reflectido no documento de fls. 53 vº que terá servido de base a tal compra. Ora, no extracto relativo à compra em concreto não existe correlação com tal depósito, aliás nem é verosímil que o A. com data de 22/10/2004 tenha contratado com o réu o depósito a prazo, por 366 dias, no valor de 100.000€ e que tenha sido esse valor em depósito a prazo que tenha servido á compra, pois esta foi feita nos termos sobreditos, inclusive com o depósito em numerário de parte do valor.
Todavia, dos documentos dúvidas não há que tal compra foi feita, mas desconhecendo-se em concreto se foi ou não com autorização e consentimento do A. pois a prova não é suficiente para concluir dessa forma, e a dúvida da realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja ao autor – artº 417º do CPC.
Na verdade, é o A. que ao longo da sua petição inicial acaba por não concretizar a responsabilidade que pretende assacar ao réu, o que se transmite à prova que em concreto deveria ter produzido. E tal indefinição é ainda mais patente na resposta à contestação, pois se por um lado afirma que nunca consentiu ou autorizou tal operação, por outro lado afirma que entre o próprio e o réu se estabeleceu uma relação contratual mediante a qual o réu actuou perante o A. como intermediário financeiro, invocando o incumprimento dos deveres do réu nessa qualidade. É essa dualidade e falta de concretização que é transversal a toda a ação, que determina também a ambiguidade da prova, pois não logrou provar de que forma foi feita a venda, mas pretende-se valer desta para assacar a responsabilidade contratual á ré. Mas por outro lado afirma a sua falta de consentimento e imputa ao réu um ilícito criminal consubstanciado no crime de abuso de confiança. Logo, pretende que ambas as responsabilidades resultem da mesma factualidade é incompatível, pois ou não existe autorização ou esta não foi esclarecida, uma anula a outra, ou mais concretamente a existência de falta de autorização é prévia, não havendo que discutir que a “autorização” não foi obtida de forma informada, pois esta é negada ab initio.
Tal fundamentação é plenamente válida para os factos que o recorrente pretende que sejam considerados provados e elencados nos pontos 1, 12, 13 e 14 dos “factos não provados”, pois estes têm como pressuposto a tal atuação do réu como intermediário que o A. acaba por contrariar com a ausência de vontade em tal atuação.
Quanto aos pontos 2 e 15 dos factos não provados, os mesmos estão contidos no ponto 19 dos factos provados, e da prova ouvida nada mais resulta.
Resta por fim o ponto 16. do elenco dos factos não provados, referindo o recorrente que tal ponto do seguinte teor: «O A. ao receber os juros do seu dinheiro estava convencido que o mesmo estava aplicado em depósito a prazo.», deveria ter sido julgado provado. Fundamenta tal pretensão na circunstância de sendo o A. titular de um depósito a prazo, nada existe nos autos que nos permita concluir de outro modo e seria razoável, de acordo com as regras da experiência, que o A. estivesse convencido que a remuneração do seu dinheiro fosse proveniente de tal depósito a prazo e de nenhuma outra aplicação. Dizendo ainda que tal se infere dos elementos constantes dos autos, nomeadamente o documento nº 6, junto com a petição inicial.
Ora, o doc. Nº 6 junto com a petição inicial constitui a contratação entre A. e réu de um depósito prazo tal como referido supra. Todavia, nenhuma correlação é feita entre este documento e a aquisição em causa nos autos, aliás nem o valor da transferência da data mais próxima corresponde ao valor da aquisição, sendo esse valor complementado com um depósito em numerário. Quanto ao pagamento dos juros, questão especifica do facto em causa, do teor dos extractos não resulta nada sobre o eventual convencimento ou não do A., pois neste existe a discriminação do pagamento dos juros reportado às obrigações adquiridas, e a partir de 24/10/2008 e até 24/04/215 passou a referir-se a  “pagamento de cupão SLNRMAIS”. Logo, da prova e face ao exposto, tal como decidiu o tribunal a quo tal facto não resulta em concreto provado.
Por tudo o exposto, apenas haverá que considerar alterado o ponto 17. dos factos provados, expurgando do mesmo a referência ao resgaste do depósito a prazo dado que tal não resulta da documentação.
Assim, o ponto 17., passará a ter a seguinte redacção:
«17. No dia 25/10/2004, o Banco Réu debitou na conta à ordem do A. a quantia de €100.000,00, para a compra de título ”SLN Mais 2004».
Deste modo, apenas se altera o facto provado nos termos sobreditos, declarando-se improcedente o recurso quanto à matéria de facto na parte restante.
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III. O Direito:
Consolidada que está a questão da matéria de facto e tendo por base a alteração operada no ponto 17. Importará aferir se é de considerar procedente o recurso. 
Conclui o recorrente que o A. era titular de uma conta de depósitos a prazo no Banco Réu no valor de € 100.000,00 até ao dia 25 de Outubro de 2004. Com efeito, dos factos provados resulta tal facto, mas esta tendo por base o documento de fls. 53 vº foi constituído no dia 25/10/2004 e não existe correlação deste com a compra das obrigações SLN 2004, evidenciadas no âmbito da conta á ordem do A. no banco Réu.
Como se refere na sentença ora sob recurso «Alega o A. um conjunto de factos, que havemos de concluir, são contraditórios entre si. Se por um lado afirmam ter o Banco indevidamente procedido à aquisição em seu nome de um produto financeiro, sem que o A. tenha dado autorização para o efeito e, por via disso pedem a devolução do capital indevidamente investido, por outro lado, alegam a violação por parte do Banco dos seus deveres enquanto intermediário financeiro, pois que não lhes foram comunicadas ou explicadas as características do produto em causa, ocultando-lhe deliberadamente informações pelo que do mesmo modo, resultaria a obrigação do Banco R. de lhes restituir os montantes investidos na compra de obrigações subordinadas SLN Rendimento-Mais 2004
Todavia, em nada releva a questão da relação que se estabeleceu entre A. e R. aquando da abertura de conta, pois esta não tem como correlação a compra das obrigações SLN 2004.
Resulta da facticidade a ter em conta que o A. é, há mais de 15 anos cliente do R., onde é titular da conta nº8737756.10.001.
No início do ano de 2004, a “S…, SGPS, S.A.” decidiu emitir um empréstimo obrigacionista, denominado “SLN, Rendimento Mais 2004” por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00, cada”; Cfr. docs. de fls.41 v e ss.  Na nota interna emitida pela SLN consta “o Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações subordinadas a dez anos, denominada “SLN-Rendimento Mais 2004” (…). A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo.” Cfr. doc. de fls.41 v. e ss. 15. Na pág. 2 de tal documento consta: “Capital garantido:100% do capital investido”.
Os funcionários do Banco R. estavam instruídos para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a ficha técnica ou nota informativa que constitui o doc. de fls.44 e ss.
Apenas se logrou provar que no dia 25/10/2004, o Banco Réu debitou na conta à ordem do A. a quantia de €100.000,00, para a compra de título ”SLN Mais 2004”.
Na sua actividade enquanto instituição financeira o banco réu exerce também a sua actividade de intermediação financeira, que se traduz na colocação no mercado de obrigações de uma terceira entidade, designadamente pondo ao seu dispor serviços de investimento e gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições e, mais concretamente, serviços de consultoria para investimento em valores mobiliários – ver artigos 289º e 291º, c) do Código de Valores Mobiliários (CVM).
Mas é certo que, dadas as especificidades da actividade bancária, sobre os bancos impendem especiais deveres de zelo e diligência perante os seus clientes, plasmados em regulamentação própria.
A este propósito refere-nos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2008, disponível em www.dgsi.pt, que “os Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar profissionalmente actos bancários. E a referência ao carácter profissional da sua actividade significa, antes de mais, que se trata de uma prática habitual – o banco não se limita à prática de actos bancários ocasionais ou isolados, mas sim à sua prática em cadeia, em sequência articulada – lucrativa, isto é, que visa a obtenção de lucros, de proventos, assentando, por isso, numa organização empresarial – e tendencialmente exclusiva, do ponto em que só pode ser exercida por certas entidades (as instituições de crédito, categoria em que se englobam) que, em princípio, só devem exercer a actividade bancária (e não qualquer outra, ou mais qualquer outra)”.
“Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes”.
“O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) contém mesmo um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (artigos 73º a 76º)”.
“A competência técnica (artigo 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.
“No tocante às relações com os clientes (artigo 74.º) vem referenciado o dever de adopção, por parte do banqueiro, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados”.
“E quanto ao critério de diligência (artigo 76.º), também referenciando o banqueiro enquanto instituição, aponta ele para o modelo do banqueiro criterioso e ordenado, no que pode ver-se a recuperação, com fins bancários, da figura do bonus paterfamilias, prudente, ordenado e dedicado”.
Por seu lado, o artigo 7º do CVM, no seu nº 1 estabelece que “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários”.
Por sua vez, o artigo 304º nº 1 dispõe que “os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo os mesmos, de acordo com o n.º 2, nas relações com todos os intervenientes no mercado, observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.
Ainda, de acordo com o nº 3 da mesma disposição legal, na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar e, na versão do Decreto-Lei 357-A/2007, concretizando-se a experiência do cliente por referência ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado.
Cabe ainda dizer que, sob a epígrafe “deveres de informação” preceitua o artigo 312º, nº 1 do CVM, que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, devendo, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal a extensão e a profundidade da informação (…) ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
Como se refere no Ac. da RP de 1/02/2018 ( in endereço da net referido): “O padrão de conduta exigido ao intermediário financeiro é um padrão que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família previsto no artigo 487º, nº 2 do Código Civil devendo, antes, como bem observa Gonçalo Castilho dos Santos na obra A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, “agir como um “diligentissimus pater familiae”, seguindo cuidados especiais que só as pessoas muito diligentes observam”.
Deverá ainda considerar-se que estando em causa factos que ocorreram em 2004, é a versão então vigente do CVM que interessa, e não aquela que foi introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10. Acresce ainda, no essencial, o Regulamento da CMVM nº 12/2000.
Quanto à forma dispõe o art. 327º do CVM que: “1. As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito, devendo no primeiro caso ser reduzidas a escrito pelo recetor ou fixadas por este em suporte fonográfico.
Releva igualmente o teor do Regulamento da CMVM nº 12/2000, elaborado ao abrigo dos poderes regulamentares previstos no art. 319º, al. a), do CVM, em cujo art. 52º se prescreve que:
“1 – O intermediário financeiro pode substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserções das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo dos elementos mencionados no artigo seguinte.
2 – Quando as ordens recebidas sejam fixadas em suporte fonográfico, este assegura níveis adequados de inteligibilidade, durabilidade e autenticidade”.
Tais formalidades têm que se compaginar com a regra específica prevista no art. 4º do CVM, segundo o qual: “A exigência ou a previsão de forma escrita, de documento escrito ou de redução a escrito, feita no presente Código em relação a qualquer ato jurídico praticado no âmbito da autonomia negocial ou do procedimento administrativo considera-se cumprida ou verificada ainda que o suporte em papel ou a assinatura sejam substituídos por outro suporte ou por outro meio de identificação que assegure níveis equivalentes de inteligibilidade, de durabilidade e de autenticidade”.
Ora, de tais preceitos resulta que a exigência de forma escrita quanto á actuação do banco réu neste caso não é uma formalidade ad substantiam, mas sim e apenas uma formalidade ad probationem.
Porém, no caso dos autos apenas se prova que foi efetuada tal operação, sem que resulte evidenciado se a mesma tinha na sua génese uma ordem do Autor, e a ausência de prova escrita sobre tal operação, face às disposições do CVM não determinam a nulidade do ato.
Mas a questão que ora se coloca nem sequer se prende com a aplicação do CVM, pois dos factos não resulta que entre o A. e o réu tenha existido um contrato de intermediação financeira, ambiguidade criada pelo Autor ao afirmar que em momento algum proferiu qualquer ordem ou deu o seu consentimento na operação financeira levada a cabo – a aquisição de obrigações SLN2004.
Mas constituía obrigação do réu a sua redução a escrito, conforme resulta dos citados preceitos – o art. 327º, nº 1, do CVM, e os arts. 52º e 53º do Regulamento – e na ausência dessa prova apenas pode concluir pela inexistência da ordem ou consentimento do autor – artº 346º do CC. Ou seja a falta de consentimento não resultou da prova dos factos tal como pretendia o recorrente, mas resulta do ónus da prova aplicável ao caso, pois recaindo a obrigação a escrito da ordem dada verbalmente sobre o intermediário financeiro que a recebe, a ausência dessa prova determina que o réu não tenha logrado provar que a compra das obrigações têm como suporte uma ordem do A.
Mas ao contrário do pretendido pelo recorrente a questão não se coloca como uma situação em que se prova a actuação do réu como intermediário financeiro e a violação das suas obrigações nesse âmbito. O que poderá existir é uma actuação ilícita do réu. 
No caso dos autos e apesar de inexistir prova da prática autorizada de tal actuação por parte do réu, haverá que considerar a atuação do autor após o conhecimento de tal operação.
Na sentença a quo, e ainda que face á alteração da matéria de facto não se tenha provado que existiu um resgaste de uma conta a prazo para a aquisição das obrigações, mantém-se a fundamentação da mesma, ou seja «A causa de pedir consubstanciada na petição inicial foi a ilicitude do lançamento a débito, na conta de que o A. era titular, do montante de € 100.000,00, por subscrição das referidas obrigações e na alegada circunstância de nunca o A. ter subscrito ou dado “instruções ao R. para em seu nome, subscrever qualquer papel comercial” pois que o A. alega, em primeira linha, não ter subscrito qualquer produto financeiro. Ou seja, está em causa uma suposta responsabilidade civil do réu por conduta a si imputável, pelo que nessa medida é indiferente que se fale, em violação de deveres de conduta no âmbito de uma relação contratual bancária ou no âmbito de um contrato de intermediação financeira. Ora, dos factos dados como provados, apenas se conseguiu apurar que, de facto, da conta de depósito do A. saíram €100.000,00 e foram investidos na compra das obrigações SLN 2006( 2004).Ficou por apurar, porquanto nenhuma prova foi feita a respeito, em que circunstâncias tal aconteceu. Não se tendo apurado em que circunstâncias a subscrição foi efectivada, e considerando a alegação do R., não há que apreciar da obrigação do Banco em esclarecê-lo sobre as características do produto – os esclarecimentos sempre pressuporiam a consideração na petição inicial, ainda que a título subsidiário, da efectividade da ordem de subscrição o que o A. não admite. E, de facto, da matéria de facto apurada, resultou que da conta de depósito do A. foi retirada a quantia de €100.000,00 que foi utilizada para a subscrição de Obrigações SLN 2006 (2004).»
Concluindo pela ilicitude do ato na sentença recorrida e por aplicação do instituto de abuso de direito, fundamenta-se da seguinte forma: «Porém, não é irrelevante o facto de o próprio A. ter alegado que se deu conta que que o seu dinheiro não estava aplicado em depósito a prazo em finais de 2008, quando comunicou ao Banco que necessitava de dinheiro e que pretendia que o colocassem à ordem, tendo o Banco nessa altura comunicado que tal não era possível, porque estava aplicado em obrigações a dez anos. Com efeito, alega o A., que nessa ocasião constatou que o seu dinheiro havia sido utilizado pelo Banco Réu na compra de títulos SLN Rendimento Mais 2004, que desconhecia o que tal poderia significar.
Não obstante, e provado está, o A. conformou-se com a situação –veja-se a alegação constante do art.72º da petição inicial conjugada com o alegado no art.95º do mesmo articulado. Na verdade, o R. quando em finais de 2008 tomou conhecimento da aplicação, nada fez, mantendo-se a receber os juros que semestralmente lhe eram pagos, conforme consta do extracto bancário junto pelo próprio A. a fls.54 e 55.
Havemos de concluir, assim, que não fora a crise financeira e a ruptura financeira da entidade emitente das obrigações, o A. teria recebido o capital investido na data prevista, como foi recebendo os respectivos juros, sem pôr em causa afinal, a execução da aplicação que lhe rendia uma taxa remuneratória vantajosa.
Sendo assim, concluímos estar em face de um verdadeiro abuso de direito.(…) Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se as condutas dos pretensos abusantes foram no sentido de criar, razoavelmente, uma expectativa factual, sólida, de que não poriam em causa o negócio de subscrição do produto financeiro em causa.
Ora, ao terem conhecimento em 2008 da subscrição do produto, e continuando a receber os juros resultantes da aplicação em causa, havemos de concluir que criaram no Banco a expectativa e confiança de que não iriam não poriam em causa o negócio.
Para o Prof. Menezes Cordeiro, “o venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo”. Cfr. Ac. STJ, de 15.5.2007, www.dgsi.pt) e Menezes Cordeiro - Da Boa Fé no Direito Civil,45,ROA, 58º, 1998, 964.
(…)E de facto, o que se verifica em face da matéria de facto dada como provada é que o A, com a propositura da presente acção, agiu em contradição com o comportamento que assumiu desde 2008, momento em que ficou ciente de que não tinha o seu dinheiro aplicado em depósito a prazo, e se conformou com a situação, recebendo os juros que lhe foram sendo pagos, não tendo reagido contra esse satus quo.(…)Temos assim que, no caso dos autos e conforme se anotou, o A. conformou-se desde 2008 com a situação, vindo a propor a presente acção em 2017 e após a ruptura financeira da entidade emitente. Da matéria de facto provada resulta que o A., violou, afinal, os princípios da boa fé e da confiança que o R. nele depositou, actuando em situação de abuso de direito. Em face do exposto, a presente acção terá, necessariamente, de improceder. Prejudicado fica, assim, o conhecimento da excepção de prescrição.»
Com efeito, na sentença depois de se concluir pela ilicitude do ato praticado pelo réu, estabelece-se que a falta do exercício do direito pelo A. logo que teve conhecimento de tal ato, em 2008, determinou a actuação em violação dos ditames da boa fé, e logo, em abuso de direito na modalidade de venirem contra factum proprium.
Entendemos, porém, que os factos dados como provados não determinam a actuação do A. em abuso de direito na modalidade referida.
Senão vejamos.
Dos factos resulta que o A., pelo menos em final de 2008, deu conta da aplicação referida na compra de obrigações SLN 2004, quando comunicou ao Banco que necessitava de dinheiro e que pretendia que o colocassem à ordem. Os referidos títulos encontram-se ainda hoje, depositados na carteira de títulos do A., junto do Banco Réu, e a “S…” actual “G…SGPS”, não pagou as obrigações na data do seu vencimento, em 24 de Outubro de 2014. Acresce que o A. foi recebendo periodicamente (semestralmente) os juros do valor aplicado, ou seja, tendo por base tal aplicação.
A circunstância de tais obrigações não terem sido pagas não determina por si só a impossibilidade do seu pagamento, pois sempre o A. poderá reclamar o seu crédito junto da insolvência da entidade emitente – a actual “G… SGPS”.
Por outro lado, tendo o ato sido praticado pelo réu sem consentimento do A. poderíamos considerar ter existido um negócio efectuado pelo réu, enquanto depositário e no âmbito das funções de entidade financeira, mas sem poderes de representação do A., aplicando-se o estatuído no artº 268º do CC.
Acresce que aplicando-se este instituto, da factualidade aludida retira-se, em nosso entender, a existência de ratificação tácita por parte do Autor do negócio celebrado em seu nome pelo banco, pois confrontado com a aquisição em 2008, actuou conformando-se com a mesma, recebendo os respectivos juros, pelo que produzir-se-iam os seus normais efeitos translativos em relação ao Autor.
Mas ainda que considere a ilicitude do ato, a inércia do A. confrontado com a actuação do réu, não constitui uma actuação de venirem contra factum proprium, nos termos constantes da sentença.
O abuso de direito constitui um dos institutos de concretização da boa fé objectiva, e este surgiu para designar situações nas quais uma pessoa que agira fundamentalmente nos termos de um direito subjectivo, tal direito não veio a ser reconhecido por anomalias no seu exercício, tendo evoluído no sentido de ser considerado o exercício inadmissível de posições jurídicas, de feição germânica. Assim, a concretização deste instituto passou a centrar-se no estudo analítico de diversos problemas típicos para os quais a boa fé promova uma solução justa, em detrimento do que resultaria do direito estrito, e é com base nesse estudo que surgem figuras parcelares de comportamentos inadmissíveis, nomeadamente o afirmado na sentença recorrida. Seguindo de perto os ensinamentos de Menezes Cordeiro ( in “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo I pág. 258 e ainda “Teoria Geral do Direito Civil” 1º volume AAFDL, pág. 372 e ss. ) verifica-se em concreto em nosso entender, a figura da suppressio que se reconduz à surrectio, sendo que na primeira o exercente deixa passar um tal lapso de tempo sem exercer o seu direito que, quando o faça, contraria a boa fé, e na segunda por força da boa fé, o exercente vê, contra ele ou em termos que ele deva respeitar, formar-se um direito que,  de outro modo, não existiria, ou seja esta última é o inverso do mesmo fenómeno. Mas como bem refere o mesmo autor: «As suppressio/surrectio funcionam, perante os quatro elementos da tutela da confiança: a situação de confiança; a justificação; o investimento da confiança; a imputação da confiança ao titular. A diferenciação em face do factum proprium está na ausência de factum: apenas abstenção”( ob. Cit. Pág. 260).
No caso dos autos os factos dados como provados apenas têm na sua base a repercussão no tempo, e a ausência de exercício por parte do A. do seu direito confrontado em 2008 com a compra pelo réu das obrigações, cujo valor peticiona agora a título indemnizatório.
Logo, os factos não nos permitem fazer um juízo seguro sobre a tutela da confiança e boa fé, mas caso se opte pela existência de um facto ilícito a repercussão do tempo tem de ser apreciada em termos de prescrição do direito.
É certo que a ré alega a prescrição mas tendo por base as regras aplicáveis à situação do contrato de intermediação financeira, situação criada pelo próprio autor na ambiguidade alegada em sede de petição inicial. Porém, é o próprio A. em sede de resposta à contestação e na parte relativa à prescrição, que vem invocar que sendo o facto ilícito ( reconduzindo-o ao crime de abuso de confiança ), o prazo a aplicar não é o alegado pelo réu. Acresce que o tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artº 5º nº 3 do CPC.
Donde, considerando a subsunção dos factos e o comportamento do réu à ilicitude e à responsabilidade civil decorrente de tal atuação, verificar-se-ia a prescrição prevista no artº 498º nº 1 do CC, pois desde a data do conhecimento da actuação do réu – 2008- e a interposição da acção- 2017, decorreram mais de três anos, pelo que o direito do A. encontra-se prescrito.
Improcede, portanto, a apelação, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes com os invocados na sentença a quo.            
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, ainda que com fundamentos diversos, mantenho a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

Gabriela Fátima Marques

Adeodato Brotas

Gilberto Jorge