Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3450/11.3TBVFX.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: PARTES COMUNS
FRACÇÃO AUTÓNOMA
ALIENAÇÃO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Não obstante a obrigação de pagar as contribuições necessárias para custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, consagrada no art. 1424º do Código Civil[1] tenha natureza propter rem, pelas dívidas daí decorrentes só responde aquele que, no período temporal a que as contribuições em falta se reportam, tivesse a qualidade de condómino.
II- Ocorrendo posterior alienação da fração autónoma, por aquelas dívidas responde o alienante, e não o adquirente.
III- Nessa medida, a ata da assembleia de condóminos que consigna os valores em falta constitui título executivo relativamente ao alienante, nos termos do disposto no art. 6°, n° 1, do DL 268/94, de 25/10.
IV- A mesma ata não constitui título executivo no tocante a penalidades aplicadas nos termos previstos no art. 1434º, nº 1 do CC, ou a despesas decorrentes da cobrança dos montantes em falta.
V- Para constituir título executivo, nos termos do referido art. art. 6°, n° 1, do DL 268/94, de 25/10 tem a ata da assembleia de condóminos que indicar com clareza qual o exato montante que seria devido no período temporal em referência.
VI- Sempre que estes limites sejam exorbitados ocorre o vício de falta de título executivo, que pode ser total ou parcial, constituindo motivo para indeferimento limiar do requerimento executivo, em idêntica medida (art. 812º-E, nº 1, al. a) e nº 2, do CPC1961).
[1] Adiante designado pela sigla “CC”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
Em 16-06-2011[1], o Condomínio do prédio sito na Rua …, Lote …, Urbanização …, 2625 Póvoa de Santa Iria, contribuinte fiscal nº … instaurou execução para pagamento de quantia certa contra CF…, contribuinte fiscal n.º … e MJ…, contribuinte fiscal n.º ….
Alega que os executados foram proprietários da fração “E” correspondente ao …º andar Esq. do prédio, que os mesmos não pagaram as contribuições a que estavam obrigados na qualidade de condóminos, e que o montante das quantias em falta foi apurado nas deliberações tomadas nas assembleias gerais de condóminos de 15-03-2007, 20-02-2008 e 01-04-2011.
Indica como montante da quantia exequenda o de € 1.360,23, sendo € 830,00 relativo a “encargos de quotas relativos ao período de Maio de 2007 a Setembro de 2008”, € 350 a título de “despesas relativas a honorários de advogado”; € 25,50 a título de taxa de justiça liquidada, e € 30 a título de despesas com a certidão da fracção; e ainda “juros e demais encargos legais”.
Aberta conclusão com vista à prolação de despacho liminar, em 17-03-2016 foi proferido o despacho com a refª 128008093, cuja cópia se acha a fls. 21, no qual se decidiu nos seguintes termos:
“O Condomínio do Prédio Sito Na Rua … Lote …, identificado nos autos, deduziu contra CF… e MJ… a presente acção executiva dando à execução as actas das Assembleias de Condóminos juntas aos autos, e invocando relativamente aos Executados ainda a qualidade de anteriores proprietários da fracção identificada nos autos.
Dispõe o artigo 6º do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
No entanto decorre da consulta da certidão da C.R.P. relativa à fracção em causa que actualmente a Executada não é proprietária da mesma pelo que quanto a ela as actas das deliberações das Assembleias de Condóminos não servem de título executivo.
Efectivamente as normas legais que atribuem força executiva a determinados documentos não podem ser objecto de interpretação analógica de forma a nelas incluir situação não comtemplada pelo legislador (artigos 10º e 11º do C.C.).
Nestes termos, e de acordo com o disposto nos artigos 734º e 726º, nº1, a), do C.P.C., rejeita-se a execução por manifesta falta de título executivo, declarando-a por conseguinte extinta.
Custas pelo Exequente.
Registe e notifique.”.
Inconformado com tal decisão, veio o exequente dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões[2]:
1- Nos presentes autos de ação executiva comum, através de solicitador/agente de execução, proposta pelo ora Recorrente contra CF… e MJ.., veio a ser proferida Sentença, nos termos da qual o Tribunal “a quo“ rejeita a execução por manifesta falta de título executivo, declarando-a extinta, condenando ainda a exequente nas custas,
2- Por manifesta falta de título executivo, uma vez que entende que as atas de Assembleia de condomínio oferecidas à execução não servem de título executivo contra os executados, por os mesmos, atualmente, ou seja, na data da entrada em Juízo do requerimento executivo, não serem os proprietários da fração, decisão com a qual o recorrente não se conforma, o que motiva o presente recurso.
3- O exequente ora recorrente instaurou ação executiva comum contra CF… e MJ… pedindo a condenação destes no pagamento das quotas mensais de condomínio, enquanto antigos proprietários da fração autónoma designada pela letra “E” correspondente ao …º andar direito do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, situado na Rua … Lote …, Urbanização …, freguesia de Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, descrita na …ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira com o número …, relativo ao período em que os mesmos ainda eram proprietários, isto é, entre Maio de 2007 e Setembro de 2009.
4- Nos termos do artigo 1420º nº1 do Código Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, pelo que os executados se encontram obrigados ao pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, na proporção do valor da sua quota, nos termos do disposto no artigo n° 1424° n° 1 do Código Civil, relativamente ao período temporal em que foram proprietários da fração supra identificada.
5- Nos termos do artigo 6°, n° 1, do DL 268/94, de 25/10, a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar a sua quota-parte.
6- Salvo melhor e douta opinião, carece de razão o Tribunal recorrido ao entender que as atas de Assembleias de Condomínio referentes ao período em que os executados eram proprietários da fração não constituem título executivo contra os mesmos a partir do momento em que os mesmos o deixaram de ser.
7- Pois, as atas oferecidas à execução, as quais determinam o montante a pagar por cada condómino em cada ano, consubstanciadas nos documentos n°s 2 e 3 juntos ao requerimento executivo, foram convocadas, realizadas e notificadas aos executados durante o período em que os mesmos eram proprietários da fração, tendo-se tornado, consequentemente, quanto a estes, títulos executivos.
8- O exequente ora recorrente não peticiona aos executados quotas de condomínio que se tenham vencido após a data em que os mesmos deixaram de ser proprietários da fração supra identificada, nem atribui força executiva a atas de assembleia de condómino para as quais os executados não tenham sido convocados e delas notificados enquanto ainda eram proprietários da fração.
9- Estando em causa uma prestação mensal destinada a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços e bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, esta obrigação terá de ser entendida como uma obrigação não ambulatória, ao contrário de outras obrigações “propter rem”.
10- Pelo que, como diz o autor Henrique Mesquita “in” Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, página 316”,” tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção.”
11- O presente entendimento é igualmente sufragado pela Jurisprudência dominante, nomeadamente pelos Acórdãos da Relação do Porto, de 04/06/2006 (proferido no âmbito do processo 0631840) e de 07/09/2007 (proferido no âmbito do processo 0753550), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, e bem assim pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 04.12.14, in Coletânea de Jurisprudência 2004, V,118, dos quais resulta claramente que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um período de tempo anterior à aquisição da fração por parte dos atuais proprietários, pertence ao anterior proprietário.
12- No caso em apreço, foram os anteriores proprietários quem fruiu da fração durante o período que originou as despesas em causa, pelo que deve ser deles a responsabilidade pelo seu pagamento.
13- Não será justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem, durante um período de tempo diverso, por outra pessoa, ou seja pelo anterior proprietário.
14- Por todo o supra exposto, dúvidas não restam que as atas das deliberações da Assembleia de Condomínio constituem títulos executivos contra os executados pois foram convocadas, realizadas e notificadas aos executados ainda na altura em que os mesmos eram proprietários da fração, sendo o valor peticionado respeitante a quotas de condomínio em falta durante o período em que os mesmos eram proprietários da fração, pelo que só a estes compete o seu pagamento.
15- Pelo que a Sentença recorrida viola flagrantemente a disposto no artigo 1420º e 1424º nº 1 do Código Civil, bem como no artigo 6º do DL 268/94, de 25/10, devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento do processo executivo contra os executados.
Admitido o recurso foram os executados citados para os termos da causa e do presente recurso, não tendo apresentado contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- DO DIREITO  PROCESSUAL APLICÁVEL
O requerimento executivo que deu início à presente execução deu entrada em juízo em 15-06-2011. Nesta data vigorava o Código de Processo civil de 1961, na redação resultante da Lei n.º 29/2009, de 29-06.
Ainda antes de o processo ser apresentado à Mmª Juíza a quo para despacho liminar (o que aconteceu em 16-03-2016 – vd. fls. 21 – refª 128008093) entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº 42/2013, de 26-06.
Nos termos do disposto no art. 6º, nº 1 desta Lei, o CPC2013 aplica-se às execuções pendentes à dada da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-09-2013 – vd. art. 8º da mesma lei.
Não obstante, será necessário atender à ressalva constante do nº 3 do mesmo art. 6º, que estabelece que “O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo, e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor“.
Como explica LAURINDA GEMAS[3], deste preceito resulta que as matérias do título executivo, das formas do processo executivo, do requerimento executivo e da fase introdutória dos processos instaurados antes da entrada em vigor do CPC2013 se regulam pelos arts. 46º a 52º, 465º, 466º, 675º-A; e 810º a 812º-F do CPC1961.
Cremos, contudo, que o art. 45º do CPC1961 também se aplica ao caso vertente, na medida em que rege expressamente sobre a função do título executivo, pelo que está também abrangido pelo âmbito de aplicação do art. 6º, nº 3 da Lei preambular do CPC2013.
Também o regime dos recursos interpostos de decisões que tenham sido proferidas a partir da data da entrada em vigor do CPC2013 é o previsto neste código - neste sentido cfr. LAURINDA GEMAS, ob. e lug. cits., pp. 39-41, e ac. STJ de 21-05-2014 (Maria dos Prazeres Beleza), p. 44/1999-A.E2.S1.
No caso vertente, como já referimos, o requerimento executivo deu entrada em juízo muito antes da entrada em vigor do CPC2013, mas foi apresentado para prolação de despacho liminar já depois da entrada em vigor deste diploma, pelo que se conclui que as matérias referentes ao título executivo, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória do processo se regem pelo CPC1961, enquanto que a restante tramitação da execução, bem como o presente recurso se regem pelas normas do CPC2013.

III - QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC2013, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[4]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil[5]).
Não obstante, ressalvadas as referidas questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[6].
No caso em análise, a única questão a decidir reside em determinar se as atas da assembleia de condóminos dadas à execução constituem títulos executivos relativamente aos ora executados.

IV- OS FACTOS
Os factos a considerar são os constantes do relatório que antecede, bem como os que adiante se indicam:
1. A aquisição da fracção “E” do prédio urbano sito na Urbanização …, Lte …, freguesia de Póvoa se Santa Iria, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n.° …/… foi inscrita a favor de CF… e MJ… pela ap. 31 de 17-11-2000[7];
2. A aquisição da mesma fração identificada em 1., foi inscrita a favor de Banco Santander Totta, S.A. pela ap. 4516 de 08-10-2009, por dação em pagamento feita por CF… e MJ…[8].
3. Na “acta número onze” da assembleia geral de condóminos no prédio identificado em 1., datada de 15-03-2007, que constitui o doc. nº 2 junto com o requerimento executivo e cuja cópia se acha a fls. 8 a 11, consta, nomeadamente ter sido aprovado o orçamento para o ano de 2007, sendo a “quota mensal” respeitante à fração E de € 30,00, num total anual de € 360,00.
4. Na “acta número doze” da assembleia geral de condóminos no prédio identificado em 1., datada de 20-02-2008, que constitui o doc. nº 3 junto com o requerimento executivo e cuja cópia se acha a fls. 11 v. a 14, consta, nomeadamente que o “condómino CC…” tem em “dívida” a quantia de € 200,00 ter sido aprovado o orçamento para o ano de 2008, sendo a “quota mensal” respeitante à fração E de € 30,00, num total anual de € 360,00.
5. Na “acta número quinze” da assembleia geral de condóminos no prédio identificado em 1., datada de 01-04-2011, que constitui o doc. nº 4 junto com o requerimento executivo e cuja cópia sse acha a fls.  consta, nomeadamente o seguinte:
“Ponto n.° 5. - Ainda sobre as dividas de quotizações existentes no condomínio, após terem os condóminos presentes analisado a questão, votaram estes a favor e por unanimidade em atrtuir todos os poderes á administraçáo do prédio para accionar judicialmente os condóminos em falta. Intentando a competente acção, representando o condomínio em juizo e em todos os actos necessários à concretizaçáo da cobrança coerciva dos montantes em falta Assim, e para esse efeito se descrimina em seguida a fracção cujo proprietário deverá ser accionado judicialmente, bem como os respectivos montantes em faltá 
— a) O Sr. CF…, anterior proprietário da fracção “E” correspondente ao …° piso porta direita, è devedor ao condomínio das comparticipações relativas as Quotas Maio a Dezembro 2007, no valor de 200,00€; Quotas Janeiro a Dezembro 2008, no valor de 360,00€: Quotas Janeiro a Setembro 2009, no valor de 270,00€; perfazendo um total global no montante 830.00€ (oitocentos e trinta ouros), assim como as dívidas subsequentes que venham a existir até á propositura da competente acção. A este montante deverá acrescer todas as despesas inerentes, designadamente a honorários de advogado no montante de 350,00€, taxa de justiça. despesas, juros e demais encargos legais.”

V- OS FACTOS E O DIREITO
A - Do título executivo
Estabelece o art. 45º do CPC1961 que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Como ensina LEBRE DE FREITAS[9], “(…) o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da acção executiva» (art. 45-1), isto é o tipo de acção (…) e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela (55-1), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (arts. 803 a 805), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível (art. 802).”.
Assim, sempre que a obrigação exequenda não se mostre devidamente acobertada por um título executivo, ou exceda os seus limites, verifica-se o vício de falta de título executivo, o qual pode ser total ou parcial.
Sendo manifesta a falta de título executivo, tal constitui fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 812º-E, nº 1, al. a) do CPC1961) ou, caso o vício seja detetado posteriormente, mas antes de ocorrer o primeiro ato de alienação de bens penhorados, legitima a rejeição da execução (art. 734º do CPC2013).
Quer o indeferimento do requerimento executivo, quer a rejeição da execução poderão ser totais ou meramente parciais – vd. art. 812º-E, nº 2 do CPC1961.
No caso vertente, a execução tem por títulos executivos as atas de três assembleias de condóminos.
Trata-se de documentos a que lei especial reconhece natureza executiva, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 46º, al. d) do CPC1961 e 6º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25-10.
Com efeito, estabelece o primeiro preceito que “à execução (…) podem servir de base (…) os documentos a que, por disposição legal, seja atribuída força executiva”, enquanto que o segundo dispõe que “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Esta última disposição legal confere, pois, a natureza de título executivo às atas das reuniões da assembleia de condóminos.
Como é sabido, a referida assembleia é um órgão do condomínio, ao qual compete a gestão de edifício constituído em propriedade horizontal, nos termos regulados nos arts. 1414º e segs. do Código Civil[10].
A propriedade horizontal é uma forma especial de propriedade referente a edifícios constituídos por frações autónomas (art. 1415º do CC) e partes comuns (art. 1421º do CC), em que cada condómino é proprietário de uma ou mais fracções e comproprietário das partes comuns (art. 1420º, nº 1 do CC).
Nos termos do disposto no art. 1430º, nº 1 do CC, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos (1431º do CC) e a um administrador, e o citado art. 6º do DL 268/94 atribui a natureza de título executivo às atas de tais assembleias.
Porém, o mesmo preceito procede a uma clara delimitação objetiva e subjetiva do título executivo em apreço.
Assim, e no que diz respeito à delimitação objetiva, estabelece a disposição legal em análise que os créditos suscetíveis de titulação são os relativos às “contribuições devidas ao condomínio” ou a “quaisquer despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns”.
Como diz ABRANTES GERALDES[11], “é claro que tal exequibilidade está delimitada pelas obrigações expressamente referidas na lei”.
Mas que obrigações serão essas?
Trata-se das despesas a que se refere o art. 1424º, do Código Civil, que tem por epígrafe “Encargos de conservação e fruição”, e que no seu nº 1 estabelece que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.
Da conjugação destes dois preceitos resulta, de forma clara que a ata da assembleia de condóminos não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular, mas apenas no que respeita àqueles a que se reporta o art. 1424º, nº 1 do CC, a saber os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
A este propósito tem sido abundantemente debatida na jurisprudência a questão de saber se a ata da assembleia de condóminos constitui título executivo relativamente a créditos provenientes de penas pecuniárias aplicadas pelo condomínio nos termos previstos no art. 1434º, nº 1 do CC[12] e as despesas judiciais, incluindo honorários de advogado suportadas pelo condomínio devido a ações judiciais em que litigue contra condóminos.
Em sentido afirmativo se pronunciaram os seguintes acórdãos[13]:
- RL 09-07-2007 (Arnaldo Silva), p. 9276/2007-7
- RP 24-09-2013 (Mª João Areias), p. 7378/11.9YYPRT-A.P1
- RL 20-02-2014 (Olindo Geraldes), p. 8801/09.8TBCSC-A.L1-2
- RP 24-02-2015 (Mª Amália Santos), p. 6265/13.0YYPRT-A.P1
- RG 22-10-2015 (Jorge Teixeira), p. 1538/12.2TBBRG-A.G1
- RP 17-05-2016 (José Carvalho), p. 2059/14.4TBGDM-A.P1
- RG 02-03-2017 (Jorge Teixeira), p. 2154/16.5T8VCT-A.G1
No sentido oposto, decidiram os seguintes arestos:
- RG 08-01-2013 (Paulo Barreto), p. 8630/08.6TBBRG-A.G1
- RC 04-06-2013 (Arlindo Oliveira), p. 607/12.3TBFIG-A.C1
- RP 16-12-2015 (Ana Lucinda Cabral), p. 2812/13.6TBVNG-B.P1
- RC 07-02-2017 (Emídio Francisco Santos), p. 454/15.0T8CVL.C1
- RP 07-05-2018 (Carlos Querido), p. 9990/17.3T8PRT-B.P1
- RL 11-12-2018 (Eduardo Petersen Silva), p. 2336/14.3T8OER-A.L1-6
Em sentido concordante com esta última tese se pronunciou igualmente RUI PINTO[14], para quem “esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias de condomínio, como o pagamento de penas pecuniárias fixadas pela assembleia do condomínio, nos termos do art.º 1434.º do CC. […] as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento”. E de forma idêntica se pronunciaram ANA PRATA E OUTROS[15].
Adiantamos desde já que subscrevemos na íntegra a segunda das teses acima enunciadas, por nos convencerem os argumentos invocados na sua sustentação.
Para tanto, socorremo-nos da fundamentação do já referido ac. RP de 07-05-2018, que acompanhamos na íntegra, a qual, depois de transcrever o art. 703º do CPC2013 (que corresponde ao art. 46º do CPC1961, sendo as diferenças de redação entre ambos inócuas para a decisão da questão em análise), discorre nos seguintes termos: 
“Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada [Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017 (A Execução de Dívidas de Condomínio), pág. 196].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.
Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.
Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.
E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?
Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».
O artigo 1424.º do Código Civil define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[16], nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.
Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.
Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
(…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.
O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis[3] - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina[4].
E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.
Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.
Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.
Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum.”

Por outro lado, como acima expusémos, a norma do art. 6º do DL 268/94 também contém importantes referências no tocante à delimitação subjetiva do título executivo que instituiu. Com efeito, ali se referem contribuições devidas ao condomínio e o pagamento de serviços que não devam ser suportados por este, e se consigna expressamente que a ata da assembleia de condóminos “constitui título executivo contra o proprietário que deixa de pagar”.
Daqui resulta então que o credor a quem o título aproveita é o condomínio, e que o devedor contra quem a ata vale como título é o condómino em falta.
Estamos pois perante um documento que vale como título executivo relativamente a créditos que o condomínio detenha sobre um condómino relativamente a despesas ou comparticipações previstas no art. 1424º do CC, ou seja, despesas que decorrem da titularidade do direito real de propriedade sobre uma fração autónoma.
Tal significa que o título executivo em apreço se reporta a obrigações reais, também apelidadas de propter rem.
Nas palavras de MENEZES CORDEIRO[17], podemos “definir a obrigação «propter rem» como sendo aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente («intuitu personae», mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um direito real sobre a coisa (…)
Não interessa, nesta categoria das obrigações «propter rem», a identidade da pessoa obrigada; é de considerar apenas a causa da obrigação e a titularidade do direito real onerado.
No mesmo sentido aponta JOSÉ ALBERTO VIEIRA[18]: “Por situações jurídicas propter rem ou ob rem entendem-se aquelas cujo sujeito activo ou passivo se determina em atenção à titularidade de um direito real. Dito de outra forma, o sujeito activo ou passivo da situação jurídica propter rem é o titular de um direito real.”
Ora, a circunstância de se verificar entre as obrigações propter rem e o direito real um tão estreito vínculo permite questionar o seu destino em caso de transmissão desse direito, no que respeita às obrigações propter rem já vencidas no momento em que opera a transmissão: acompanham o direito (sequela)? Ou mantêm-se na esfera jurídica do alienante?
Em bom rigor, esta questão só nos interessa relativamente à concreta espécie das obrigações propter rem que nos ocupa, ou seja, no tocante às despesas e contribuições a que se reporta o art. 1424º do CC, visto que só relativamente a estas o art. 6º, nº 1 do DL 268/94 confere a natureza de título executivo às atas da assembleia de condóminos.
Como dá conta M. HENRIQUE MESQUITA, na sua tese de doutoramento denominada “Obrigações Reais e Ónus Reais”[19], a doutrina dominante à data em que escreveu tal obra sustentava que “a obrigação propter rem se transmite sempre para o subadquirente do direito real a cujo estatuto esteja geneticamente ligada”.
Porém, o insigne mestre sustentou em termos muito convincentes, que a solução a conferir a este problema não tem necessariamente que ser unívoca, antes se justifica distinguir diversas situações, com soluções também elas distintas.
E no caso concreto das despesas a que se reporta o art. 1424º do CC indicou o ilustre professor dois exemplos, para os quais propôs soluções diversas.
Assim, primeiramente, refere o mesmo autor a situação de um edifício cujo telhado foi danificado por um ciclone obrigando a reparações indispensáveis e urgentes, tendo o administrador do condomínio adjudicado o necessário contrato de empreitada. Tendo entretanto sobrevindo a transmissão da titularidade de uma das frações autónomas, e tendo tal sucedido antes do início das obras, defende o prof. HENRIQUE MESQUITA ser razoável imputar ao adquirente da fração a obrigação de participar na despesa, por considerar que o mesmo “não podia ignorar o encargo a que ficava sujeito”[20].
Contudo, para o mesmo autor, recorrendo ao mesmo exemplo, se a transmissão da fração ocorrer depois da conclusão das obras no telhado do edifício, sem que o condómino alienante tivesse pago, como devia, a sua quota-parte do preço da empreitada, não obstante a natureza propter rem da obrigação, a responsabilização do adquirente seria manifestamente injusta, porquanto, por um lado, o mesmo não dispunha, ao tempo da transmissão, de elementos objetivos que lhe permitissem antever a sua responsabilização e por outro lado também porque ao comprar a sua fração no estado em que a mesma e o edifício se encontravam seria de presumir que todas as despesas que tivessem levado uma e outro a esse estado de conservação já se mostrassem incluídas no preço da venda, pelo que a sua responsabilização no pagamento de uma parte do preço daquela empreitada equivaleria a pagar duas vezes.[21]
Assim, conclui o mesmo autor que neste segundo caso não deve o adquirente da fração autónoma ser responsabilizado, antes devendo sê-lo o alienante.
O mesmo autor pugna por idêntica solução no que respeita às vulgarmente designadas quotizações de condomínio, ou seja as prestações periódicas destinadas a custear as despesas correntes do condomínio[22]. Também quanto a estas o ilustre professor invoca o argumento da previsibilidade, acrescentando que as referidas quotizações correspondem à contrapartida pelo uso e fruição das partes comuns do edifício.
Cremos que esta é a solução que melhor se adequa ao tipo de créditos a que se reporta o art. 6º, nº 1 do DL 268/94, pelas razões que o referido autor bem sustentou e ainda por outro argumento, fundado na própria interpretação do citado preceito o qual, como é sabido, provém de diploma muito posterior à publicação da obra do insigne mestre.
Com efeito, o mencionado preceito reporta-se, expressamente, ao “ proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido”.
Ora, o proprietário que deixou de pagar no prazo estabelecido é aquele que deveria ter pago em devida altura, ou seja, aquele que se considera devedor no momento em que a obrigação se venceu.
Em consequência, concluímos que em caso de transmissão de fração autónoma, a responsabilidade pelo pagamento de contribuições para despesas referentes a períodos temporais decorridos antes da transmissão é do alienante da mesma fração, e não do adquirente da mesma.
A esta tese aderiu ARAGÃO SEIA[23], sustentando que “Embora o proprietário da fracção a venha a alienar será sempre o responsável pelo pagamento das prestações que se encontrarem vencidas à data da transacção, pois referem-se em regra à contrapartida pelo uso e fruição da fracção a que respeitam.”
E mais recentemente, também SANDRA PASSINHAS[24] sufragou o mesmo entendimento, nos seguintes termos: “Coloca-se uma questão importante quando o condómino vende a sua fracção autónoma, estando em atraso no pagamento das contribuições devidas ao condomínio. Parece-nos que não se deve onerar o adquirente da fracção autónoma com uma despesa que ele muitas vezes desconhece, e que não corresponde a nenhuma vantagem real para si.”
Neste sentido se pronunciaram os seguintes arestos:
- RP 06-04-2006 (Oliveira Vasconcelos), p. 0631840
- RP 07-09-2007 (Sousa Lameira), p. 07S3550 [25]
- RL 04-12-2004 (Azadinho Loureiro), p. 5265/04[26].
- RP 07-07-2016 (José Igreja de Matos), p. 5741/13.0YYPRT-A.P1
- RE 06-07-2018 (Conceição Ferreira), p. 8632/15.6T8STB-A.E1
Finalmente, cremos que do citado art. 6º, nº 1 do DL 268/94 também resultam requisitos de clareza e precisão no que diz respeito à definição dos elementos que devem constar na ata para que a mesma possa constituir título executivo.
Na verdade, tal ata terá que permitir quantificar, de forma clara, os montantes e os prazos de vencimento das obrigações em mora. Daí que a jurisprudência saliente que para que constitua título executivo a mesma tem que documentar a aprovação de uma deliberação da qual resulte uma obrigação pecuniária para o condómino e o respetivo montante, não bastando que dela resulte uma mera relação de dívidas ao condomínio.
Neste sentido cfr. os acs.RP 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1 e RC 23-01-2018(António Robalo), p. 7956/15.7T8CBR-A.C1.

B - Da suficiência do título
Na posse das conclusões acima enunciadas estamos já em condições de tomar posição acerca da questão jurídica suscitada no caso em apreço e consequentemente formular juízo crítico sobre a decisão recorrida.
Permitimo-nos, contudo, sublinhar que a questão jurídica a equacionar e decidir é a da exequibilidade do título dado à execução independentemente dos fundamentos acolhidos na decisão recorrida.
Tal significa que este Tribunal não está limitado à análise dos argumentos jurídicos invocados naquela decisão nem aos esgrimidos pelo recorrente, podendo confirmar ou revogar a decisão com fundamento diverso .
Assim, caso divisemos outros fundamentos para considerar que a ata apresentada como título carece de força executiva, não deixaremos de os considerar.
No caso vertente, o exequente, que é o condomínio de um prédio urbano demandou os executados CC… e MJ…, por terem tido a qualidade de condóminos de uma fração autónoma que vieram a alienar, sendo que o registo da aquisição dessa fração pelo adquirente da mesma, que não é parte na execução, foi lavrado no registo predial em 08-10-2009[27].
Como se afere da leitura do requerimento executivo em confronto com as atas apresentadas como títulos executivos, os créditos exequendos dizem respeito a encargos com quotizações de condomínio relativas à fracção de que os executados foram proprietários respeitantes aos períodos de maio a dezembro de 2007, janeiro a dezembro de 2018, e janeiro a setembro de 2009[28]; acrescidas de despesas com honorários de advogado (€ 350), taxa de justiça liquidada (€ 25,50), e emissão de certidão de registo predial junta com o requerimento executivo (€ 30,00).
Tratando-se, como se trata, de encargos anteriores à transmissão da fração autónoma de que os executados foram proprietários, à luz do critério acima enunciado, não temos dúvidas em concluir que do ponto de vista subjetivo, as atas da assembleia de condóminos dadas à execução constituem título executivo relativamente aos executados.
E não nos impressiona a circunstância de a ata mais recente ostentar a data de 01-04-2011, na medida em que a mesma se limita a constatar o facto de os executados permanecerem em mora relativamente às quotizações referentes ao período de maio de 2007 a dezembro de 2009. Para nós o que revela não é a data da realização da assembleia de condóminos, mas a do vencimento da obrigação exequenda.
Daqui emerge a nossa clara discordância relativamente à argumentação vertida na decisão recorrida, onde se considerou que as atas dadas à execução não constituem título executivo por os executados já não deterem a qualidade de condóminos.
Contudo, essa constatação não nos conduz, sem mais, à procedência do presente recurso.
Na verdade, cumpre ainda verificar se no caso vertente foram respeitados os limites objetivos acima gizados.
E neste particular a nossa resposta é apenas parcialmente positiva.
Com efeito, desde logo verificamos que o exequente peticionou o pagamento das quantias de € 350,00 a título de honorários de advogado; € 25,50 a título de taxa de justiça liquidada e € 30,00 a título de despesa decorrente da certidão de registo predial junta com o requerimento executivo.
Ora, como vimos, o art. 6º, nº 1 do DL 268/94 não pode ser interpretado como atribuindo às atas da assembleia de condóminos a natureza de título executivo no que toca a honorários de advogado e despesas judiciais. Assim sendo, nesta parte entendemos que se verifica o vício da falta parcial de título executivo, pelo que quanto a estes créditos é de confirmar a decisão recorrida.
Importa porém salvaguardar que esta decisão não faz precludir a faculdade de o exequente reclamar as quantias a que tem direito a título de custas de parte, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais e com os limites decorrentes desse regime.
Quanto aos créditos relativos a quotizações, da leitura do requerimento executivo resulta que vêm peticionados os seguintes:
- € 200, relativos ao período de maio a dezembro de 2007
- € 360 relativos ao ano completo de 2008
- € 270 relativos ao período de janeiro a setembro de 2009
No que diz respeito às quotizações de 2007, verificamos que o valor anual correspondente à fração de que os executados foram titulares foi fixada na ata da assembleia de condóminos com o número 11, documento apresentado como doc. nº 2 junto com o requerimento executivo, onde consta que o valor da contribuição anual devida pelos executados nesse ano seria de € 360,00, a que corresponderia uma quota anual de € 30,00. Portanto, estando em falta oito meses, no valor total de € 240,00, e resultando das atas nº 12 e 15 (docs. nºs 3 e 4 juntos com o requerimento executivo) que deste montante persistia em falta a quantia global de € 200,00, concluímos que quanto a este crédito não ocorre o vício de falta de título executivo.
 O mesmo se dirá, mutatis mutandis, relativamente ao crédito de € 360,00, que, como decorre da mesma ata nº 15 diz respeito às quotizações relativas a todo o ano de 2008. Esta conclusão mostra-se em consonância com o teor da ata nº 12, da qual consta que no referido ano o valor da quotização mensal relativa à fração de que os executados foram titulares era de € 30,00, perfazendo um total anual de € 360.
Já no que diz respeito ao crédito exequendo de € 270,00, peticionado a título de quotizações referentes aos meses de janeiro a setembro de 2009, não podemos concluir nesse sentido, na medida em que apesar da na ata nº 15 se ter feito constar que tal montante estava em falta, a verdade é que a exequente não apresentou à execução a ata da assembleia de condóminos que fixou o valor da contribuição relativa à fração de que os executados foram titulares no que respeita ao mesmo ano (2009), sendo certo que a ata nº 15 não menciona esses dados, apenas se limita a constatar que está em falta o montante de € 270,00 relativo ao período de janeiro a setembro daquele ano.
Em consequência, embora por razões diversas das que motivaram o despacho recorrido , concluímos que também relativamente a este crédito se verifica o vício da falta de título executivo.
C – SÍNTESE CONCLUSIVA
Do supra exposto, resulta que o presente recurso improcede no que respeita à rejeição liminar do requerimento executivo quanto aos créditos emergentes de despesas judiciais e quotizações relativas ao ano de 2009 e respetivos juros de mora, mas deve ser julgado procedente quanto aos créditos emergentes de quotizações relativas ao período de maio a dezembro de 2007, no valor de € 200,00 e de janeiro a dezembro de 2008, no valor de € 360 e respetivos juros de mora.
Nesta conformidade, e em consequência, cumpre revogar (parcialmente) o despacho recorrido, devendo o Tribunal a quo proferir novo despacho liminar em consonância com o supra decidido.

VI- DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes nesta 7ª Vara Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação parcialmente procedente, e em consequência:
a) Confirmar o despacho recorrido, embora com fundamento diverso, na parte em que indeferiu liminarmente o requerimento executivo no que diz respeito aos seguintes créditos exequendos, embora sem prejuízo do regime legal das custas de parte:
i. € 350,00 a título de honorários de advogado;
ii. € 25,50 de taxa de justiça liquidada
iii. € 30,00 relativos a certidão de registo predial
b) Confirmar o despacho recorrido, também com fundamento diverso, quanto ao crédito de € 270, relativo a quotizações referentes ao período de janeiro a setembro de 2009, e respetivos juros de mora;
c) No mais, revogar o despacho recorrido, devendo o Tribunal a quo proferir novo despacho liminar em que diligencie pelo prosseguimento da execução quanto aos demais créditos exequendos (€ 200,00 referentes a quotizações relativas ao período de maio a dezembro de 2007; € 360,00 referentes a quotizações relativas ao período de janeiro a dezembro de 2008; e respetivos juros de mora).
Custas por exequente e executados, na proporção resultante do ora decidido.

Lisboa, 22 de janeiro de 2019 [29]

Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa

[1] Cfr. certificado aposto na última página do requerimento executivo, a fls. 20
[2] Fls. 22 a 29 (refª 22394278).
[3] “O novo CPC e as normas transitórias constantes da Lei n.º 41/2013, de 26/06”, in “O novo processo civil – Caderno I - Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil”, e-book publicado pelo CEJ, 2ª ed., dezembro 2013, disponível emhttp://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil_2edicao.pdf
[4] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-116.
[5] Adiante designado pela sigla “CPC”.
[6] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 116.
[7] Certidão de registo predial que constitui o doc. nº 1 junto com o requerimento executivo.
[8] Certidão de registo predial que constitui o doc. nº 1 junto com o requerimento executivo.
[9] “A acção executiva – Depois da reforma”, Coimbra Editora, 2004, p. 35.
[10] Adiante designado pela sigla “CC”.
[11] “Títulos executivos”, in Revista Themis, IV./4 (2003), pp. 35-66, a p. 66.
[12] Trata-se de “penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia, ou das decisões do administrador”.
[13] Adiante indicados por ordem cronológica.
[14] “A execução de dívidas do condomínio”, in “Novos estudos  de Processo Civil”, Petrony, 2017, p. 192.
[15] “Código Civil Anotado”, vol. II, Almedina, 2017, p. 261.
[16] Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1987, p. 431.
[17] “Direitos Reais”, LEX ed., 1993 (reimpressão da ed. de 1979), p. 367.
[18] “Direitos Reais”, Almedina, 2016, p-. 94.
[19] “Obrigações Reais e ónus reais”, Almedina, 1990, pp 316 ss.
[20] Ob. cit. pp. 317-319.
[21] Ob. cit, pp. 319-32.
[22] Ob. cit., pp. 321-323.
[23] “Propriedade horizontal – Condóminos e condomínios“, 2ª Ed., Almedina, 2012, p. 125.
[24] “Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª Ed., Almedina, 2002, p. 310.
[25] Inédito.
[26] CJ tomo V, pp. 118 ss.
[27] Ponto 2. dos factos provados.
[28] Vd. tb. pontos 3. a 5. dos factos provados.
[29] Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.