Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
354/14.1T8CSC.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: UNIÃO DE FACTO
DIREITO DE HABITAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.–A prova realizada num anterior processo – ainda que a decisão tenha transitado em julgado - apenas pode ser considerada em outro processo – tal como o foi neste caso – como um princípio de prova a ser analisado com a demais prova ali produzida e a ser atendida segundo a livre convicção do julgador.

II.–A verificação da exceção do caso julgado pressupõe, assim, uma tríplice realidade: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, nos precisos limites e termos em que julga - artigos 581.º, n.º 2 e 621.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

III.–Não há lugar à verificação da exceção dilatória do caso julgado entre matérias de facto fixadas em diferentes processos, mas sim, entre decisões, verificados que sejam os requisitos identificados nos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil Revisto, reportados à tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:      Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


António ... ... instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra José João da ... ..., pedindo a condenação deste a reconhecer que o A. é o proprietário da fração autónoma melhor descrita em 12 da petição inicial, e a entregar-lha livre de pessoas e bens.

Pediu ainda que o Réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação ilegítima daquele imóvel, no valor de € 1.000,00 mensais desde a data de citação e até efetiva entrega do imóvel.

Para o efeito alegou, em resumo, que é legítimo proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, melhor descrita em 12 da petição inicial, que lhe adveio por morte da sua irmã Maria Manuela ..., anterior proprietária do imóvel.

Mais referiu que o Réu reside na fração sem qualquer título e recusa-se a sair dela bem como a entregar as respetivas chaves, sendo certo que não celebrou com aquele qualquer contrato ou negócio que legitime tal situação.

A atuação do Réu impede-o de usar e dispor do bem que é seu, estando este impossibilitado de obter pelo menos € 1.000,00 mensais caso arrendasse a fração. Conclui pela detenção ilícita que o Réu vem fazendo do aludido imóvel e pela procedência dos pedidos.

Em contestação o Réu referiu, no essencial, que desde 1982 vive em união de facto com a irmã do A. na fração que este reclama nos autos, da qual era a sua proprietária, residência que manteve até ao falecimento da companheira, ocorrido em 30-08-2008, e após este.

Por esse facto assiste-lhe o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto, ou seja nos próximos dezoito anos.

Com base em tal factualidade, o Réu deduziu ainda reconvenção onde requer seja “declarado e reconhecido o direito a habitar a casa de morada de família”.

Conclui pela improcedência da ação quanto à restituição do imóvel ao A. e ao pedido de condenação em indemnização, e pela procedência da reconvenção.

O A. apresentou resposta pugnando pela nulidade da reconvenção uma vez que entende que quer esta, quer o pedido reconvencional, são ineptos. A assim não se entender, pugnou pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho de aperfeiçoamento da contestação, com vista à concretização do conceito «união de facto», o que o Réu cumpriu mediante articulado de fls. 79.

Dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, foram verificados os pressupostos processuais da instância, e foi admitida a reconvenção, julgando-se improcedente a exceção de ineptidão.

Delimitou-se o objeto do litígio e os temas da prova, sem reclamações.

Após procedeu-se à realização de Audiência de Julgamento tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:

Nos termos vistos, julgando a ação parcialmente procedente, bem como a reconvenção parcialmente procedente, decide-se:

A)Reconhecer o Autor António ... ... como proprietário, e condenar-se o R. José João da ... ... a reconhecer tal direito, sobre a fração autónoma destinada a habitação, designada pela Letra “R” correspondente ao 9º andar, lado direito do Bloco A, do prédio urbano situado na Rebelva, Rua do Lima, n.º 75, inscrito na ficha n.º 195/19850626 da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito sob o art. 2273 da matriz predial urbana da freguesia da Parede.

B)Absolver o R. dos pedidos de restituição da fração ao A., bem como do pagamento do valor de 1.000,00 euros desde a data de citação até efetiva entrega do imóvel;

C)Reconhecer ao R. José João da ... ... o direito de habitar a fração identificada em A) pelo período de dezasseis anos, contados de 30-08-2008.

Custas a cargo do Autor e do Réu, na proporção de 70% para o 1º e 30% para o segundo, atento o vencimento e decaimento”.

Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1.–(A)-Consta do Relatório da Sentença Recorrida (Aqui 8°) que o Réu apresentou pedido reconvencional nos seguintes termos:

“Por esse facto assiste-lhe o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto, ou seja por 18 anos.”

2.–(B)-Todavia, tal como consta no pedido, em sede de Contestação, aquilo que foi requerido sim foi:

«Nestes termos, e nos demais de Direito que o Douto Tribunal suprirá, deve:

–O pedido do Autor ser declarado improcedente por manifestamente desadequado e violador do pressuposto processual de Interesse em Agir;

–Ser declarado e reconhecido o Direito a Habitar a Casa de Morada de Família.»

3.–(C)–Para mais, no artigo 22° da Contestação, consta:

“22º.–Deste modo, e por todo o exposto, deve assim o douto Tribunal vir reconhecer o Direito a Habitar a Casa de Morada de Família nos próximos 18 anos.” (Sublinhado nosso)

4.–(D)–Pelo que deve ser alterada e corrigida a Douta Sentença nesta parte, ficando sim a constar que:

“Por esse facto assiste-lhe o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto, ou seja, nos próximos 18 anos.”

Isto pelo seguinte:

5.–(E)–Consta da Sentença Recorrida que ficou provado que pelo menos desde 1992 o Réu viveu com a irmã do Autor, Maria Manuela ... O... ..., na fração descrita em 19°, da qual era proprietária, até ao falecimento desta.

6.–(F)–Sucede que não pode o Recorrente conformar-se com a presente decisão uma vez que:

7.–(G)–Como ficou claro pelas gravadas Declarações do Autor, quando questionado sobre factos pessoais e íntimos, que foram prestadas de forma espontânea e objetiva, este respondeu que começou a viver com Maria M... O... ... em 1978, ainda em Torres Vedras, e depois, na casa objeto do litígio, desde 1980.

(Gravação 20160524152217_3548759_2871329 – Minutos: 01:45 – 03:20)

8.–(H)–A própria testemunha Maria do S... M..., porteira há 24 anos à data do julgamento (Desde 1992), confirmou que eles já lá se encontravam a residir quando foi morar no prédio descrito em 19°.

9.–(I)–Não disse a testemunha Maria do S... M... em sede de audiência de discussão e julgamento que o Réu e Maria Manuela... O... ... começaram a viver no imóvel desde 1992.

(Gravação 20160524142702_3548759_2871329 – Minutos: 00:01 – 01:44; 02:00 – 04:27; 13:25 – 13:40; 14:30 – 15:55)

10.–(J)–Sobre a factualidade em causa, declara o tribunal ad quo que sopesou ainda a certidão de fls. 133 e seguintes referente à sentença proferida no proc. N.° 950/09.9TBCSC do extinto 4° juízo cível do tribunal de Cascais, transitada em julgado 10-09-2010, tendo sopesado quanto aos factos provados o que ali se apurou quanto à união de facto do Réu e da falecida Maria Manuela.

11.–(K)–Todavia, não justifica o tribunal ad quo os motivos que levaram a desconsiderar o ponto n° 3 dos Factos Provados da Sentença identificada supra que diz o seguinte:

“3.Pelo menos desde o ano de 1982, o autor viveu com a falecida Maria Manuela de O... ..., até à data da morte desta, na mesma habitação, sita na Rua do L..., B...-A, T... 4, 9º DTO, Rebelva, Parede.”

12.–(L)–Limitou-se apenas, de forma simplista e omissa, o tribunal ad quo a dizer que a mesma sentença foi valorada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova; não cumprindo, nesta parte o Douto Dever de Fundamentação (Cfr. 607° n° 2, 3 e 4).

13.–(M)–E este Dever de Fundamentação do Poder Judicial não se esgota numa mera referência a qualquer princípio de direito, por mais essencial ou fundamental que este seja para a nossa sociedade de direito. Mal andaria a Justiça se assim fosse, uma vez que só necessitaria de fundamentar qualquer decisão sua com base no princípio da livre apreciação da prova, promovendo assim obscuras e ininteligíveis decisões – algo intolerável num estado de direito como o nosso.

14.–(N)–Ao não precisar o tribunal ad quo o porquê de afastar o mesmo facto, violando assim o Dever de Fundamentação que lhe é essencial, violou também o valor e o alcance de sentença transitada em julgado (Cfr. 619°, 621° e 622° do CPC).

15.–(O)–Senão vejamos, ainda que as partes sejam diferentes no presente processo e no processo N.° 950/09.9TBCSC do extinto 4° juízo cível do tribunal de Cascais, transitada em julgado 10-09-2010, o pedido do aqui Recorrido à data consubstanciava-se no seguinte:

a.- Reconhecimento da situação de união de facto entre o aqui Recorrente e Maria Manuela de O... ... desde Março de 1980 até 30 de Agosto de 2008;

b.- E, em consequência, atribuição das prestações por morte da referida beneficiária Maria ..., no âmbito do regime de segurança social, previsto no D.L. n° 322/90, de 18/10.

16.–(P)–Ora, resulta da mesma Sentença identificada supra que ficou provado nos autos que “3. Pelo menos desde o ano de 1982, o autor viveu com a falecida Maria Manuela de O... ..., até à data da morte desta, na mesma habitação, sita na Rua do Lima, Bloco-A, Torre 4, 9º DTO, Rebelva, Parede.”

17.–(Q)–Estamos, pois, perante uma situação que, transitada em julgado, se encontrava ao abrigo do alcance dos efeitos do caso julgado; sendo, in casu, este efeito a oponibilidade perante terceiros de uma decisão judicial.

18.–(R)–O mesmo entendimento tem o Supremo Tribunal de Justiça que declarou por Acórdão, em 27/01/2005 (Proc. 04B4286.dgsi.Net) o seguinte:

“I–O tribunal está vinculado à solução adotada por decisão judicial anteriormente transitada. II – As questões que constituem antecedente lógico da decisão judicial estão abrangidas pelo caso julgado.”

19.–(S)–Em 14/03/2006, no processo 05B358.dgsi.Net, declarou também em Acórdão o STJ que:

“A força do caso julgado abrange não só as questões diretamente decididas na parte dispositiva da decisão, mas, outrossim, as preliminares que, decididas expressamente na fundamentação da sentença, constituem antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.”

20.–(T)–Nestes termos, deve também esta parte decisória da sentença ser alterada e corrigida; declarando o Venerando Tribunal Ad Quem que:

a)-O Réu viveu durante 26 anos em união de facto com a falecida Maria Manuela de O... ..., desde 1982 até 2008;

b)-Assiste nestes termos ao Réu Recorrente o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto a contar desde 30-08­2008;

c)-Ou seja, assiste, in casu, ao Réu Recorrente o direito real de habitação na fração durante os próximos 18 anos; uma vez que deve ser deduzido aos 26 anos o período de 8 anos em que o Réu Recorrente tem vindo a habitar o imóvel descrito em 19º.

Conclui, assim, pela substituição da decisão recorrida por Acórdão que declare que:

a)-O Réu viveu durante 26 anos em união de facto com a falecida Maria Manuela de O... ..., desde 1982 até 2008;

b)–Assiste nestes termos ao Réu Recorrente o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto a contar desde 30-08-2008;

c)–Assiste, in casu, ao Réu Recorrente o direito real de habitação na fração durante os próximos 18 anos; uma vez que devem ser deduzidos aos 26 anos o período de 8 anos em que o Réu Recorrente tem vindo a habitar o imóvel descrito em 19º.

Não foram apresentadas contra-alegações de recurso, facto a que não foi alheio a precária situação económica do A. – fls, 181/ss dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II.–FACTOS PROVADOS.

1.–Por sucessão hereditária, o Autor é proprietário da fração autónoma designada pela Letra “R” correspondente ao 9º andar, lado direito do Bloco A, do prédio urbano situado na Rebelva, Rua do Lima, n.º 75, inscrito na ficha n.º 195/19850626 da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito sob o art. 2273 da matriz predial urbana da freguesia da Parede.

2.–O Réu detém as chaves da fração identificada em 1º, recusando a entrega das mesmas ao A.

3.–O A. não celebrou com o R. qualquer acordo negocial relativamente ao imóvel id. em 1º.

4.–O A. não tem podido usar o referido imóvel.

5.–A fração é composta de três assoalhadas.

6.–Pelo menos desde 1992 o Réu viveu com a irmã do A., Maria Manuela de O... ..., na fração descrita em 1º, da qual era proprietária, até ao falecimento desta.

7.–O R. e a Maria Manuela de O... ... viveram na referida fração partilhando a mesma cama, tomando as refeições em conjunto, partilhando conversas de cama, beijos carinhos e demais intimidades, como se de marido e mulher se tratassem.

8.–O R. recebia o seu correio na morada da fração identificada em 1º, e cuidava da falecida Maria Man... quando esta se encontrava doente, e ela dele, auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia.

9.–O casal constituído pelo R e pela Maria Manuela eram tratados pelas pessoas que com eles se relacionavam como se fossem marido e mulher.

10.–Maria Manuela de O... ... nasceu em 1-08-1938, e veio a falecer em 30-08­2008 no estado de divorciada, por sentença transitada em julgado a 21-06-1979, intestada, e sem ascendentes ou descendentes vivos.

11.–O Réu nasceu em 20-03-1952, e encontra-se divorciado por sentença transitada em julgado a 19-02-1982.

12.–No Concelho de Cascais o R. não possui imóveis em seu nome.

13.–O R. tem atualmente 64 anos de idade, e trabalha por conta própria na venda de brindes publicitários, sem vencimento ou rendimentos fixos.

14.–Com relevância à boa decisão da causa, não se logrou provar:

A)–Que o A. auferiria uma renda mensal de 1.000,00 euros, caso arrendasse a fração descrita em 12.

B)–Que o Autor fosse visita regular da irmã e do R. na fração identificada em 12, e que sempre os reconheceu como marido e mulher;

A restante matéria articulada por A e R. não mencionada como provada ou não provada trata-se de matéria que configura unicamente juízos conclusivos ou matéria de direito (cfr. arts. 4.º a 9.º da p.i., e 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 15.º a 19.º da contestação), sendo por isso matéria irrespondível nesta sede (cfr. Acórdãos do tribunal da Relação de Lisboa de 6-03­2012 e de 2-07-2013, consultados em www.dgsi.pt).

15.–Motivação da Decisão de Facto apresentada pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância:

“O juízo probatório positivo alcançado pelo Tribunal na fixação dos factos provados e não provados fundou-se na análise conjunta e crítica da prova, sopesando-se toda a prova documental junta aos autos bem como as declarações prestadas em julgamento, tudo à luz das regras da razão e dos princípios gerais da experiência comum, e de acordo com os princípios da livre apreciação da prova.

Concretizando.

O facto descrito em 1.º sustentou-se na Certidão da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais junta como doc. 1 à p.i., constante de fls. 9 e segts, a qual faz prova plena do direito de propriedade do A., bem assim, que o mesmo lhe adveio por falecimento da anterior proprietária, sua irmã, Maria Manuela de Oliveira ..., o que motivou igualmente a propriedade a favor desta dada por provada em 62.

A este propósito o R. esclareceu que reside na fração aqui em causa, juntamente com a falecida, desde pelo menos o ano de 1980 ou 1982, e que pouco tempo após o falecimento de Maria Manuela o A. deslocou-se à fração, juntamente com outras pessoas, pretendendo que o R. saísse do imóvel e lhe entregasse as chaves, ao que este se recusou por entender assistir-lhe o direito a habitar na fração. Mais declarou que ante a sua recusa o A. retirou-lhe as chaves da casa à força e obrigou-o a sair dela, no seguimento do que veio a pedir ajuda à porteira do prédio, a quem relatou o ocorrido, pelo que esta lhe facultou uma chave da fração de que dispunha, com a qual veio a entrar na habitação, mudando posteriormente a fechadura.

Por sua vez, tais declarações foram confirmadas pela testemunha Maria do S... M..., porteira do prédio aqui em causa há 24 anos, que corroborou a ocorrência descrita pelo R. Assim, não subsistem dúvidas da prova de tal matéria, bem assim, por consequência, o descrito em 4º dos factos provados, ou seja, residindo o R. na fração o A. não tem podido usar o referido imóvel .

O descrito em 3º foi confessado pelo R. no seu articulado de contestação, não se tendo apurado matéria em contrário.

O descrito em 5º foi confirmado quer pelo A., quer pelo R., e ainda pela testemunha Maria do S... M..., todos eles com conhecimento direto da composição da fração, o 1º e 3ª por se deslocarem à mesma, o 2º por nela residir.

Para dar como provada a matéria vertida nos arts. 6º a 9º o tribunal sustentou-se, em particular, no depoimento da testemunha Maria do S... M..., porteira há 24 anos do prédio onde se insere a fração descrita em 1º , e residente no rés-do-chão desse mesmo imóvel desde essa data, a qual prestou declarações de forma inteiramente imparcial, objetiva e séria, com conhecimento direto da factualidade, e sem qualquer interesse direto ou indireto na causa.

Esclareceu esta testemunha que há 24 anos assumiu funções de porteira e foi residir para o r/ch do prédio onde vive o R., sendo que nessa altura já o R. residia com a falecida Maria Manuela no 9º andar.

Desde esse período que sempre viu o R. e a falecida a viverem juntos como se fossem um casal, e sempre os viu juntos a sair e a voltar para casa, a darem passeios, a irem às compras, e nos demais atos do dia-a-dia de vida em comum de um casal, declarando que o não só a Maria Manuela mas também o R. recebia toda a sua correspondência naquela morada.

Mais referiu que a partir de certa data, que não pôde precisar, a Maria Manuela ficou muito doente e acamada, com doença do foro oncológico, pelo que passou o R. a ir às compras para a casa sozinho, bem como era ele que levava e trazia a falecida aos tratamentos e aos médicos, assim como que a apoiou, cuidando dela.

Declarou que era a própria que passava a ferro a roupa da Maria Manuela e a roupa do R., a pedido da 1ª, esclarecendo que quando tinha a roupa passada a ia entregar a casa deles ao 9º andar.

Por esse facto, chegou a ver a falecida e o R. deitados na mesma cama, num período em que a primeira estava acamada, ficando o casal no quarto por ali terem uma televisão, assim como chegou a ver que o R. teve períodos em que dormia no sofá da sala, em alturas da doença da companheira em que esta precisava de dormir sozinha por força da doença e da medicação e tratamentos.

Nessas visitas, Maria do S... M... declarou que via o R. e a falecida a tratarem-se com carinho, como se fossem marido e mulher, e a própria depoente nunca pôs em causa que não o fossem, sendo certo que a própria falecida conversava muito consigo por ser pessoa idosa e permanecer em casa o dia todo, e falava-lhe do R. como se fosse o seu marido ou companheiro, tendo-se referido a ele, algumas vezes, dizendo que era um bom companheiro.

As declarações da testemunha Maria do S... M... foram coincidentes com as prestadas, a este propósito, pelo R. no seu depoimento nos termos do art. 466º do NCPC, pelo que se valorou igualmente as declarações do R. ao abrigo do principio da livre apreciação da prova, nos termos das quais aquele confirmou que viveu maritalmente com a falecida Maria Manuela mesmo antes da década de oitenta, vivendo inicialmente o casal em casa dos pais dele, sendo que para a fração dos autos foram viver sensivelmente no ano de 1980 ou 1982, ali ficando a viver até ao falecimento daquela, e após este.

Declarou o R. que desde essa altura sempre viveu com a Maria Manuela como se fossem casados entre si, e esclareceu que costumavam passar os natais com os seus pais, na residência destes no Seixal, até ser diagnosticado um cancro no pulmão à falecida.

Situou o aparecimento do cancro sensivelmente no ano de 2004 e o grave declínio da saúde da companheira a partir daí, passando esta a ficar em casa sozinha nos natais, por não poder sair e apanhar frio, dado que o R. também não podia deixar os seus pais, já idosos, sozinhos nessa quadra. Neste contexto esclareceu que no dia 24 de Dezembro ia jantar com os pais ao Seixal, e regressava após para junto da falecida, que jantava normalmente uma refeição preparada pela testemunha Maria do S... M....

Estas declarações do R. foram igualmente sopesadas para contextualizar as declarações da testemunha Maria do Sameiro, quando afirmou que a falecida costumava passar a noite da consoada sozinha, sendo a depoente quem costumava levar-lhe qualquer coisa para comer, entendendo-se que, neste contexto, a circunstância da irmã do A. passar a noite da consoada sozinha e não com o R., não permite concluir ou sustentar que não viviam em união de facto, conforme pugnou o A. nas suas alegações em julgamento.

Sobre a factualidade em causa, o tribunal sopesou ainda a certidão de fls. 133 e seguintes referente à sentença proferida no proc. N.º 950/09.9TBCSC do extinto 4º juízo cível do tribunal de Cascais, transitada em julgado 10-09-2010, tendo-se sopesado quanto aos factos provados o que ali se apurou quanto à união de facto do R. e da falecida Maria Manuela, o que foi valorado ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

Além dos elementos probatórios referidos, o tribunal sopesou ainda os depoimentos das testemunhas João ... dos S... e Rui ... V..., ambos amigos do A., bem como o da companheira do A. Ana M... O... B..., no sentido de não infirmarem ou porem em causa a factualidade dada por assente em 6º a 9º, dada a inconsistência dos seus depoimentos, insuscetíveis de confirmação quanto a declarações que imputam à falecida, e em face da ausência de conhecimento direto sobre os factos, que revelaram.

Na verdade, declarou o 1º que não conhecia bem a irmã do A., tendo acompanhado este à fração onde aquela morava uma ou duas vezes antes do seu falecimento, e dessas deslocações nunca viu o R., embora tivesse visto pertences deste, esclarecendo que a irmã do A. lhes disse que o R. morava consigo, mas não maritalmente.

Rui ..., por sua vez, também se deslocou pontualmente à referida fração, declarando que a irmã do A. lhes transmitiu viver com o R., mas não como casal.

E a companheira do A., que também declarou que a falecida lhe assegurou convictamente que não tinha nenhum relacionamento com o R., nas inúmeras e regulares visitas que lhe fazia a casa, foi contraditada por Maria do S..., que declarou que nem o A. nem aquela visitavam a falecida Maria Manuela.

Do confronto entre o depoimento da companheira do A., que se mostrou parcial e manifestamente a favor do companheiro em detrimento do rigor dos factos em que interveio, e o prestado por Maria do Sameiro, o tribunal deu preferência e prevalência a este ultimo, por se entender que as suas declarações foram prestadas de forma inteiramente imparcial, objetiva e séria, com conhecimento direto da factualidade, e sem qualquer interesse direto ou indireto na causa.

De assinalar, por outro lado, que a versão apresentada por Ana M... O... B..., que a apresentou como lhe tendo sido transmitida pela falecida - de que esta havia contratado o R. como uma espécie de «empregado» ou «moço de recados» a quem competia ajudar na limpeza da casa e nas compras em troca de dormida – é de todo inverosímil e desafia a lógica e as regras da experiencia comum nesta matéria, além de ser desprovida de qualquer elemento concreto de prova.

Assim, no essencial, as 3 testemunhas indicadas revelaram não possuir quaisquer conhecimentos diretos sobre esta matéria-união de facto do R. e falecida-, limitando-se a imputar afirmações à falecida, sendo igualmente certo que se nos afigura improvável que a irmã do A., sem conhecer ou possuir quaisquer familiaridades com as testemunhas João ... dos S... e Rui ... V..., fosse privar com estas, num 1º ou 2º contacto, discorrendo sobre a sua vida pessoal.

Por ultimo, importa referir que não se atribuiu qualquer credibilidade às declarações do A., prestadas nos termos do art. 466º do NCPC, na parte em que este nega a união de facto existente entre o R. e a sua irmã, uma vez que o mesmo se escuda ou sustenta, apenas, nas alegadas confidencias que a falecida lhe fazia no âmbito das quais lhe negou ter qualquer relacionamento com o R., confidencias que mantinha com esta quando a visitava regularmente na fração onde ela morava, já que a testemunha Maria do Sameiro, com a razão de ciência já supra assinalada para onde se remete, negou de forma perentória que o A. visitasse a irmã, antes pelo contrário, esclarecendo que nunca viu o A. ou no prédio ou na casa da irmã em vida desta, e a própria falecida referia que o irmão nunca a visitava. Também o Réu nas suas declarações, e pese embora o vertido na contestação, veio a afirmar que o A. nunca visitava a irmã, e em vida desta nunca receberam na fração visitas daquele, o que foi positivamente valorado ao abrigo da livre apreciação da prova.

A este propósito importa assinalar que, segundo esclarecimentos do Autor, este e a falecida não eram irmãos germanos mas consanguíneos, o que permite compreender e corrobora a versão de Maria do S... quanto à falta ou pouco relacionamento entre os irmãos, e a ausência de visitas por parte do A. à irmã falecida.

Esta a convicção do tribunal para dar como provados os factos descritos em 6º a 9º (alegados em sede de aperfeiçoamento da contestação, nos termos do articulado de fls. 79 dos autos).

O facto descrito em 10º sustentou-se na certidão do Assento de nascimento referente a Maria Manuela de O... ... junta a fls. 118, o descrito em 11º na certidão do Assento de nascimento referente ao Réu junta a fls. 122, e o vertido em 12º na certidão da Repartição de Finanças de Cascais junta a fls. 115, todos eles documentos autênticos e valorados como tal nos termos do art. 607º, nº 4 do NCPC.

Relativamente aos factos não provados, sobre o descrito na alínea A) não foi produzido qualquer meio de prova que o confirmasse, por esse ou qualquer outro valor, limitando-se as testemunhas a declarar não saber montantes.

Por outro lado, as declarações do A., desacompanhadas de quaisquer outros elementos, não se afiguram idóneas e suficientes para o tribunal dar como assente os valores que adiantou, tanto mais que referiu terem-lhe sido transmitidos por terceiro que não conhecia, sequer, a fração em causa.

Não provada, por isso, tal matéria.

Quanto ao descrito na al. B), tal matéria foi contraditada pelo conjunto dos meios de prova que sustentaram os factos provados, em particular quanto à união de facto, para onde se remete.

Esta a convicção do tribunal”.

III.–FUNDAMENTAÇÃO.

O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.

O Apelante acaba por apenas colocar uma questão de Direito à consideração deste Tribunal de recurso que, na sua apreciação, prende-se com o pedido de alteração da matéria de facto dada como Provada pelo Tribunal no Ponto 5 da sua Fundamentação de Facto. Alterada esta factualidade, alterada fica, automaticamente, a decisão de Direito.

E essa questão de Direito prende-se diretamente com a pretendida alteração da matéria de facto indicada nestes autos por, na ótica do Apelante, estarmos perante factualidade que está a coberto de caso julgado formado em anterior ação judicial, já transitada, e que ali identifica. 

Refere ainda que a sentença proferida e aqui em análise ao não valorar o alcance do caso julgado formado naquela anterior decisão transitada em julgado, apenas a valorando “ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova”, não cumpriu o dever de fundamentação que lhe é imposto pelo artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil Revisto.

Paralelamente indica ainda depoimentos prestados em Audiência e cuja análise impunham, como ali defende, uma distinta decisão, nos termos que ali indica.

Vejamos cada uma destas questões.

Sendo incontornável que o questionar da matéria de facto inscreve-se como uma prorrogativa de que as partes gozam, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil Revisto, deve a sua impugnação obedecer ao cumprimento de determinadas regras processuais, para que possa ser atendida.

Assim, e como é pacífico, nestas situações estamos perante uma reapreciação da prova que tem por escopo permitir que o Tribunal de recurso emita um juízo crítico sobre a adequação entre a prova realizada em 1.ª Instância e a matéria de facto dada como provada, cumprindo à parte reclamante expor a sua discordância por referência aos termos daquela decisão e fundamentação nos temos do disposto nos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil Revisto.

Por uma questão de lógica, deveria este Tribunal iniciar a apreciação das questões colocadas pela apreciação da matéria de facto e, decididas as mesmas, proceder a análise das questões jurídicas - artigos 607.º e 608.º do Código de Processo Civil Revisto. No entanto, como acima já se frisou, neste caso, a matéria de Direito está conexionada com a matéria de facto devendo, assim, tal análise seguir em paralelo.

Nesta ordem de prioridades, vamos iniciar a análise da factualidade dada como provada e não provada pelo Tribunal de 1.ª Instância procedendo, para o efeito, à análise da prova documental existente nos autos e à audição da prova testemunhal produzida em Audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 607.º e 663.º do Código de Processo Civil Revisto.

Para uma melhor compreensão, este Tribunal de recurso irá proceder à transcrição do Ponto de facto controvertido e à proposta de resposta apresentada pele Apelante.

No Ponto 6 dos Factos Provados da sentença em análise foi fixada a seguinte factualidade:

“Pelo menos desde 1992 o Réu viveu com a irmã do A., Maria Manuela de O... ..., na fração descrita em 1º, da qual era proprietária, até ao falecimento desta”.

Fundamentação apresentada pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância para justificar esta factualidade:

Para dar como provada a matéria vertida nos arts. 6º a 9º o tribunal sustentou-se, em particular, no depoimento da testemunha Maria do S... M..., porteira há 24 anos do prédio onde se insere a fração descrita em 1º , e residente no rés-do-chão desse mesmo imóvel desde essa data, a qual prestou declarações de forma inteiramente imparcial, objetiva e séria, com conhecimento direto da factualidade, e sem qualquer interesse direto ou indireto na causa.

Esclareceu esta testemunha que há 24 anos assumiu funções de porteira e foi residir para o r/ch do prédio onde vive o R., sendo que nessa altura já o R. residia com a falecida Maria Manuela no 9º andar.

Desde esse período que sempre viu o R. e a falecida a viverem juntos como se fossem um casal, e sempre os viu juntos a sair e a voltar para casa, a darem passeios, a irem às compras, e nos demais atos do dia-a-dia de vida em comum de um casal, declarando que o não só a Maria Manuela mas também o R. recebia toda a sua correspondência naquela morada.

Mais referiu que a partir de certa data, que não pôde precisar, a Maria Manuela ficou muito doente e acamada, com doença do foro oncológico, pelo que passou o R. a ir às compras para a casa sozinho, bem como era ele que levava e trazia a falecida aos tratamentos e aos médicos, assim como que a apoiou, cuidando dela.

Declarou que era a própria que passava a ferro a roupa da Maria Manuela e a roupa do R., a pedido da 1ª, esclarecendo que quando tinha a roupa passada a ia entregar a casa deles ao 9º andar.

Por esse facto, chegou a ver a falecida e o R. deitados na mesma cama, num período em que a primeira estava acamada, ficando o casal no quarto por ali terem uma televisão, assim como chegou a ver que o R. teve períodos em que dormia no sofá da sala, em alturas da doença da companheira em que esta precisava de dormir sozinha por força da doença e da medicação e tratamentos.
Nessas visitas, Maria do S... M... declarou que via o R. e a falecida a tratarem-se com carinho, como se fossem marido e mulher, e a própria depoente nunca pôs em causa que não o fossem, sendo certo que a própria falecida conversava muito consigo por ser pessoa idosa e permanecer em casa o dia todo, e falava-lhe do R. como se fosse o seu marido ou companheiro, tendo-se referido a ele, algumas vezes, dizendo que era um bom companheiro.

As declarações da testemunha Maria do S... M... foram coincidentes com as prestadas, a este propósito, pelo R. no seu depoimento nos termos do art. 466º do NCPC, pelo que se valorou igualmente as declarações do R. ao abrigo do principio da livre apreciação da prova, nos termos das quais aquele confirmou que viveu maritalmente com a falecida Maria Manuela mesmo antes da década de oitenta, vivendo inicialmente o casal em casa dos pais dele, sendo que para a fração dos autos foram viver sensivelmente no ano de 1980 ou 1982, ali ficando a viver até ao falecimento daquela, e após este.

Declarou o R. que desde essa altura sempre viveu com a Maria Manuela como se fossem casados entre si, e esclareceu que costumavam passar os natais com os seus pais, na residência destes no Seixal, até ser diagnosticado um cancro no pulmão à falecida.

Situou o aparecimento do cancro sensivelmente no ano de 2004 e o grave declínio da saúde da companheira a partir daí, passando esta a ficar em casa sozinha nos natais, por não poder sair e apanhar frio, dado que o R. também não podia deixar os seus pais, já idosos, sozinhos nessa quadra. Neste contexto esclareceu que no dia 24 de Dezembro ia jantar com os pais ao Seixal, e regressava após para junto da falecida, que jantava normalmente uma refeição preparada pela testemunha Maria do S... M....

Estas declarações do R. foram igualmente sopesadas para contextualizar as declarações da testemunha Maria do S..., quando afirmou que a falecida costumava passar a noite da consoada sozinha, sendo a depoente quem costumava levar-lhe qualquer coisa para comer, entendendo-se que, neste contexto, a circunstância da irmã do A. passar a noite da consoada sozinha e não com o R., não permite concluir ou sustentar que não viviam em união de facto, conforme pugnou o A. nas suas alegações em julgamento.

Sobre a factualidade em causa, o tribunal sopesou ainda a certidão de fls. 133 e seguintes referente à sentença proferida no proc. N.º 950/09.9TBCSC do extinto 4º juízo cível do tribunal de Cascais, transitada em julgado 10-09-2010, tendo-se sopesado quanto aos factos provados o que ali se apurou quanto à união de facto do R. e da falecida Maria Manuela, o que foi valorado ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

Além dos elementos probatórios referidos, o tribunal sopesou ainda os depoimentos das testemunhas João ... dos S... e Rui ... V..., ambos amigos do A., bem como o da companheira do A. Ana Maria O... B..., no sentido de não infirmarem ou porem em causa a factualidade dada por assente em 6º a 9º, dada a inconsistência dos seus depoimentos, insuscetíveis de confirmação quanto a declarações que imputam à falecida, e em face da ausência de conhecimento direto sobre os factos, que revelaram.

Na verdade, declarou o 1º que não conhecia bem a irmã do A., tendo acompanhado este à fração onde aquela morava uma ou duas vezes antes do seu falecimento, e dessas deslocações nunca viu o R., embora tivesse visto pertences deste, esclarecendo que a irmã do A. lhes disse que o R. morava consigo, mas não maritalmente.

Rui ..., por sua vez, também se deslocou pontualmente à referida fração, declarando que a irmã do A. lhes transmitiu viver com o R., mas não como casal.

E a companheira do A., que também declarou que a falecida lhe assegurou convictamente que não tinha nenhum relacionamento com o R., nas inúmeras e regulares visitas que lhe fazia a casa, foi contraditada por Maria do S..., que declarou que nem o A. nem aquela visitavam a falecida Maria Manuela.

Do confronto entre o depoimento da companheira do A., que se mostrou parcial e manifestamente a favor do companheiro em detrimento do rigor dos factos em que interveio, e o prestado por Maria do S..., o tribunal deu preferência e prevalência a este ultimo, por se entender que as suas declarações foram prestadas de forma inteiramente imparcial, objetiva e séria, com conhecimento direto da factualidade, e sem qualquer interesse direto ou indireto na causa.

De assinalar, por outro lado, que a versão apresentada por Ana M... O... B..., que a apresentou como lhe tendo sido transmitida pela falecida - de que esta havia contratado o R. como uma espécie de «empregado» ou «moço de recados» a quem competia ajudar na limpeza da casa e nas compras em troca de dormida – é de todo inverosímil e desafia a lógica e as regras da experiencia comum nesta matéria, além de ser desprovida de qualquer elemento concreto de prova.

Assim, no essencial, as 3 testemunhas indicadas revelaram não possuir quaisquer conhecimentos diretos sobre esta matéria-união de facto do R. e falecida-, limitando-se a imputar afirmações à falecida, sendo igualmente certo que se nos afigura improvável que a irmã do A., sem conhecer ou possuir quaisquer familiaridades com as testemunhas João ... dos S... e Rui ... V..., fosse privar com estas, num 1º ou 2º contacto, discorrendo sobre a sua vida pessoal.

Por ultimo, importa referir que não se atribuiu qualquer credibilidade às declarações do A., prestadas nos termos do art. 466º do NCPC, na parte em que este nega a união de facto existente entre o R. e a sua irmã, uma vez que o mesmo se escuda ou sustenta, apenas, nas alegadas confidencias que a falecida lhe fazia no âmbito das quais lhe negou ter qualquer relacionamento com o R., confidencias que mantinha com esta quando a visitava regularmente na fração onde ela morava, já que a testemunha Maria do S..., com a razão de ciência já supra assinalada para onde se remete, negou de forma perentória que o A. visitasse a irmã, antes pelo contrário, esclarecendo que nunca viu o A. ou no prédio ou na casa da irmã em vida desta, e a própria falecida referia que o irmão nunca a visitava. Também o Réu nas suas declarações, e pese embora o vertido na contestação, veio a afirmar que o A. nunca visitava a irmã, e em vida desta nunca receberam na fração visitas daquele, o que foi positivamente valorado ao abrigo da livre apreciação da prova.

A este propósito importa assinalar que, segundo esclarecimentos do Autor, este e a falecida não eram irmãos germanos mas consanguíneos, o que permite compreender e corrobora a versão de Maria do S... quanto à falta ou pouco relacionamento entre os irmãos, e a ausência de visitas por parte do A. à irmã falecida.

Esta a convicção do tribunal para dar como provados os factos descritos em 6º a 9º (alegados em sede de aperfeiçoamento da contestação, nos termos do articulado de fls. 79 dos autos)”.

Alteração pretendida pelo Réu/Apelante:

“O Réu viveu durante 26 anos em união de facto com a falecida Maria Manuela de O... ..., desde 1982 até 2008”.

Argumentos apresentados pelo Réu/Apelante para justificar o seu pedido de alteração:

- Depoimento de parte prestado pelo mesmo em que afirma que vivia com a falecida Maria Manuela desde 1978;

- Depoimento prestado por Maria do S... M..., porteira do prédio em causa há cerca de 24 anos e que confirmou que quando para ali trabalhar e viver já o Réu e a Maria Manuela ali viviam, sendo certo que nesse depoimento nunca referiu que o tinham passado a fazer a partir de 1992;

- A desconsideração da certidão junta aos autos, referente à sentença proferida no Proc. N.° 950/09.9TBCSC do extinto 4° Juízo Cível do Tribunal de Cascais, transitada em julgado, sentença em que consta como Ponto 3 nos Factos Provados a seguinte materialidade:

“3. Pelo menos desde o ano de 1982, o autor viveu com a falecida Maria Manuela de O... ..., até à data da morte desta, na mesma habitação, sita na Rua do Lima, Bloco-A, Torre 4, 9º DTO, Rebelva, Parede.”

Sendo que, como afirma, o Tribunal recorrido ignorou tal realidade, limitando-se a afirmar que essa mesma sentença “foi valorada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova” com o que não cumpriu, nesta parte o dever de Fundamentação ínsito no artigo 607.° n.°s 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil Revisto.

Conhecendo desta questão, desde já se regista que a sentença proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância tem uma extensa e pormenorizada análise da prova, tendo observado os princípios legais que regem essa matéria e tendo em conta todos os elementos de prova referidos pelo aqui Apelante, com o que cumpriu, integralmente, o dever de Fundamentação imposto por lei e ao qual corresponde o direito de defesa das partes, constitucionalmente garantido.

O que aqui está em causa não é, como o pretende o Apelante, uma ausência de análise da prova e da sua consideração mas sim, uma distinta interpretação da mesma, o que não constitui qualquer nulidade, antes se traduzindo num distinto posicionamento em termos de aplicação do Direito.
 
Como ali é referido, o depoimento de parte prestado pelo Réu, desacompanhado que foi de outras provas, não foi capaz de alterar a factualidade dada como provada e que assentou nos depoimentos ali indicados e nas razões minuciosamente enunciadas e objeto de cuidadosa análise, conforme já acima se deixou transcrito. A apreciação das declarações prestadas pelo Réu foram livremente apreciadas pelo Tribunal, nada havendo a censurar nesta análise – artigo 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil Revisto.

Também em relação ao depoimento prestado pela porteira do prédio em causa nos autos, positivamente valorado pelo Tribunal de 1.ª Instância, foi retirado como matéria atendível a afirmada vida em comum existente entre o Réu e da falecida Maria Manuela e a respetiva data em que a depoente tomou conhecimento dessa realidade, o que contribuiu para estabelecer o início da contagem daquela união, na ausência de outros elementos que pudessem alterar esse momento temporal.

Como podemos constatar pelo depoimento desta testemunha, prestado em Audiência de Julgamento no ano de 2016, esta refere que exercia a sua atividade como porteira no prédio dos autos há já 24 anos, correspondendo, assim, o início desta sua atividade ao ano de 1992, ano que foi o considerado na sentença em apreciação para a contagem do início da vida em comum entre o Apelante e a mencionada Maria Manuela. Nessa data, conforme a mesma depoente afirmou, já ali vivia o Réu e a falecida Maria Manuela, muito embora desconhecesse desde quando o faziam.

Com estes elementos, não era possível ao Tribunal de 1.ª Instância proceder ao retrocesso temporal a uma outra data, para fixar o início da vida em comum entre o Apelante e a falecida Maria Manuela.

A prova produzida em Audiência não foi, assim, capaz de conduzir, com segurança, a fixação de uma outra data para o início desta união de facto o que determinou o recurso à expressão “pelo menos desde 1992…”, constante do mencionado Ponto 6.
 
E foram precisamente estes factos que permitiram a fixação da matéria constante do Ponto 6 dos Factos Provados, nos termos em que o foi, ou seja, que:

“Pelo menos desde 1992 o Réu viveu com a irmã do A., Maria Manuela de O... ..., na fração descrita em 1º, da qual era proprietária, até ao falecimento desta”.

Defende ainda o Apelante que essa pretendida alteração de facto quanto ao mencionado Ponto 6 deveria ter lugar por recurso aos factos que foram dados como provados em ação instaurada contra o ISSS - Centro Nacional de Pensões, em cuja sentença, transitada em julgado, consta no Ponto 3 dos Factos Provados, que:

“Pelo menos desde o ano de 1982, o autor viveu com a falecida Maria Manuela de O... ..., até à data da morte desta, na mesma habitação, sita na Rua do Lima, Bloco-A, Torre 4, 9º DTO, Rebelva, Parede.”

Ao não ter sido atendida esta realidade, defende que foi violado o caso julgado formal sem que o Tribunal tivesse apresentado qualquer fundamentação para esse desrespeito legal.

Salvo o devido respeito, também quanto a este ponto, não assiste razão ao aqui Apelante.

Com efeito, não podemos falar em violação do caso julgado entre factos dados como provados numa ação – ainda que com decisão transitada em julgado -, e os factos dados como provados em uma outra ação, posterior àquela.

O conceito e requisitos do caso julgado estão perfeitamente identificados nos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil Revisto, reportados que são aos sujeitos, causa de pedir e pedido.

É assim que a verificação da exceção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de um litígio já decidido por sentença que não admite recurso ordinário, com o que se pretende evitar “que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” - artigos 580.º e 628.º do Código de Processo Civil Revisto.

A verificação da exceção do caso julgado pressupõe, assim, uma tríplice realidade: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, nos precisos limites e termos em que julga - artigos 581.º, n.º 2 e 621.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.
 
Ora, a simples comparação entre os sujeitos processuais nas duas ações em análise permite-nos, desde logo, concluir pela não verificação desta exceção.

Com efeito, no já mencionado Proc. 950/09.9TBCSC a ação tinha sido instaurada pelo aqui Réu contra o ISSS - Centro Nacional de Pensões e visava a concessão de uma prestação por morte da falecida Maria Manuela, tendo por causa de pedir a união de facto existente entre ambos; nesta ação, o Réu deduz pedido reconvencional contra o A. António ... ..., pedindo o reconhecimento do seu direito real de habitação sobre um imóvel de que aquele é proprietário, com base na união de facto com a falecida Maria Manuela.

Os sujeitos em cada uma destas ações são distintos e distinto é o pedido formulado em cada uma delas.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentações, sempre se dirá que não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, exigida por lei.

Acresce que, a prova realizada num anterior processo – ainda que a decisão tenha transitado em julgado - apenas pode ser considerada em outro processo – tal como o foi neste caso – como um princípio de prova a ser analisado com a demais prova ali produzida e a ser atendida segundo a livre convicção do julgador.

Diga-se, aliás, que se desconhece a prova que foi realizada na anterior ação referida pelo Réu, instaurada contra o ISSS - Centro Nacional de Pensões, ação essa que foi julgada improcedente e na qual não foram identificados os meios de prova que serviram à convicção ali formada (trata-se de sentença proferida antes da entrada em vigor do atual CPC Revisto).

Seja como for, e como já acima se referiu e volta-se a sublinhar, não há lugar à verificação da exceção dilatória do caso julgado entre matérias de facto fixadas em diferentes processos, mas sim, entre decisões, verificados que sejam os requisitos identificados nos artigos 580.º e 581.º do Código de processo Civil Revisto, reportados que são à tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido.

Improcede, pois, a pretendida alteração da matéria de facto mantendo-se a redação do ponto 6 dos Factos Provados da sentença em apreciação.

Refere ainda o Apelante que no relatório da sentença em análise verifica-se um erro uma vez que está mencionado que foi pedido, em contestação/reconvenção, o reconhecimento do direito real de habitação na fração dos autos por dezoito anos quando, na verdade, o que pediu naquela peça processual foi que fosse reconhecido esse direito por igual período ao da união de facto, ou seja, nos próximos dezoito anos (contados da data de apresentação daquele articulado).

Tratou-se de um lapso manifesto, que está já corrigido no relatório deste acórdão, que não influenciou na decisão da causa e que, como tal, não acarretou qualquer prejuízo ao Réu, aqui Apelante.

No mais, fixado que se encontra na sentença em análise o período considerado como de união de facto entre o aqui Réu/Apelante e a falecida Maria Manuela, e corretamente considerado o direito real de habitação respeitante à fração identificada nos autos em benefício daquele durante esse mesmo período, verifica-se que foi realizada correta subsunção do Direito aos factos e que, como tal, deve a sentença manter-se, na íntegra.

IV.–DECISÃO.

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação e mantém-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pelo Apelante.


              
Lisboa, 17 de Outubro de 2017


Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
Maria da Conceição Saavedra