Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
567/16.1T8VFX.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CRIANÇA AO COLO
DOR
DORMENCIA DO BRAÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1– Resultou provado que a A. ao pegar numa criança, com um ano de idade, ao colo, para proceder à mudança da fralda, sentiu dor e dormência no braço direito.

2  Do laudo unânime dos peritos que integraram a junta médica resulta que a A. apresenta mobilidade dos membros superiores dentro da normalidade e sem amiotrofias.

3 Na falta de prova de um evento naturalístico súbito provocador de lesões e de sequelas valorizáveis no âmbito da TNI deveremos concluir que não estão verificados os elementos que caracterizam o acidente de trabalho ( art. 8º da lei nº 98/2009, de 4 de Setembro).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA, patrocinada pelo Ministério Público, intentou a presente acção declarativa emergente de acidente de trabalho contra a actual “BBB, SA”, pedindo a condenação da R. no pagamento das quantias devidas a título de indemnização por incapacidades temporárias, no valor global de € 937,27, bem como o valor correspondente ao capital de remição da pensão, no montante de € 3.222,86 e € 15,00 de despesas com transportes, acrescidos dos respectivos juros de mora.

A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que não existe acidente de trabalho e nexo causal entre as lesões invocadas pela A. e o evento reportado pela mesma. Mais referiu que a A. foi observada pelos serviços clínicos da R., tendo estes concluído que as lesões que autora apresentava eram decorrentes de doença natural.

Concluiu pela improcedência da acção e pela absolvição da R. do pedido.

Foi proferido despacho saneador e foi seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

Realizou-se Junta médica de avaliação do dano.

Após a realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença.

Os factos provados são os seguintes:
1.No dia 19 de Janeiro de 2016, pelas 11.45 horas, a A. encontrava-se na (…), no local de trabalho, a prestar o seu trabalho de auxiliar de acção educativa para a “BBB,, em execução de contrato de trabalho, com esta celebrado (A).
2.Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., a A., ao pegar numa criança, com um ano de idade, ao colo, para proceder à mudança da fralda, sentiu dor e dormência no braço direito (B).
3.A “BBB” celebrou com a R. contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 10402449, mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, reportados á A., tendo por referência a retribuição anual de € 9.583,00 (€ 626,50 x 14 meses + € 58,00x 14 meses) (C).
4.O evento referido em 2., foi participado à R., que, no âmbito do contrato de seguro referido em 3, prestou assistência à A., em 22 de Janeiro de 2016, tendo-lhe atribuído, nesse dia, alta por entender não haver nexo entre esse evento e as lesões examinadas (D).
5.No âmbito destes autos, a A. foi submetida a exame médico, em 08.11.2016, tendo-lhe sido verificada, como sequela, limitação «da mobilidade conjugada do ombro na extensão com dor no braço face anterior da LPB», e, admitindo o senhor perito médico nexo causal entre o evento e essa sequela, fixou á A. a IPP de 3%, desde a data da consolidação, que fixou em 03.08.2016, conforme relatório de fls. 76-81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (E).
6.A A. suportou os custos com transportes por deslocações a Tribunal, em montante não concretamente determinado (5.º);
7.Os Senhores peritos médicos que integraram a Junta Médica realizada à Sinistrada no dia 20 de Junho de 2017, pronunciaram-se, por unanimidade, no sentido de a A. apresentar mobilidade dos membros superiores dentro da normalidade e sem amiotrofias, não apresentando quaisquer sequelas relacionadas com o evento referido em 1., nem sendo com esse evento compatíveis nem causais, conforme auto de fls. 161-163, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Com base nos factos provados acima indicados, foi proferida sentença que absolveu a R. dos pedidos.

A A. recorreu e formulou as seguintes conclusões:
O que de todo o processo com precisão decorre é que a Autora, por força do trabalho que executava, foi acometida de uma dor e dormência no braço direito, o que lhe causou o quadro descrito na Ecografia e RM, que o sr perito obrigatoriamente integrou na Tabela Nacional de Incapacidades;
Assim sendo, verifica-se todo o circunstancialismo exigido para a configuração de um acidente como de trabalho, pois é inquestionável que as lesões apresentadas pela sinistrada são decorrentes do evento ocorrido aquando da sua prestação de trabalho, sendo que opinião contrária, como a assumida pela Seguradora, levaria a negar a essência da Regulamentação dos Acidentes de Trabalho, dar resposta aos acidentes que ocorrem aquando e por força da relação de trabalho;
Pelo que não podemos deixar[1] de discordar dos fundamentos que ditaram a absolvição, nomeadamente quando se refere que:
A “Apenas se encontra demonstrado que a A. ao pegar numa criança de um ano de idade ao colo, sentiu dor e dormência no braço direito, nada se tendo logrado demonstrar sobre as circunstâncias que determinaram essa situação – sentir dor e dormência do braço – nomeadamente se existiu um efectivo traumatismo (movimento brusco e violento que causou impacto no organismo da A.), ou sentiu-se mal, ou deu um mau jeito, em decorrência da movimentação e actividade própria de qualquer pessoa que pega numa criança ao colo e se movimenta. Deste modo, encontra-se, desde logo, inviabilizada a afirmação de que se tratou de um evento súbito, externo e resultante da prestação do trabalho;
A.1.- Como se viu, foi um acontecimento externo à Autora e conexo com a sua actividade laboral que causou o quadro supra mencionado;
B Por outro lado, também não resultou demonstrado que esse evento assuma características de «lesivo». Ou seja, que esse evento naturalístico – ter pegado na criança ao colo –, tenha determinado uma lesão corporal à A. que, por sua vez, lhe determinou uma sequela, com redução na sua capacidade de trabalho ou de ganho;
B.1-  Como acima se referiu, determinou dor e dormência que por sua vez lhe causaram as lesões supra;
C Efectivamente, atenta a matéria de facto provada nos autos, não se encontra determinado um evento infortunístico – embate, pancada, queda, ou mesmo esforço violento ou força de pressão – que tenha determinado as referidas dores e dormência do braço direito, nem sequer, que essas dores, tenham determinado a sequela que tenha sido afirmada pelos senhores peritos médicos que realizaram a junta médica;
C.1-  Demonstrada, porque é evidente ser necessária força para levantar uma, quanto mais várias crianças de 1 ano;
DAcresce que não está provado que esse invocado evento naturalístico – força despendida para pegar numa criança de um ano de idade ao colo – tenha razão, fundamento, ou causa, externa, e que tenha provocado lesões no braço direito, pelo que não estão demonstradas todas as características legalmente exigidas para ser considerado como «acidente», para os efeitos legalmente estabelecidos no âmbito da caracterização do mesmo como «acidente de trabalho», porquanto apesar de ter ocorrido, em termos de tempo e espaço, no âmbito da prestação de trabalho e no local do trabalho, o mesmo não provocou lesão correspondente à sequela que nem sequer foi verificada e examinada à A.;
D.1- Foi examinada e constatada, conforme perícia medica singular realizada no âmbito destes autos;
E Atente-se que mesmo que se pudesse admitir que a A. fez um esforço para além do razoável – ao pegar na criança ao colo – e se pudesse considerar esse esforço como um evento naturalístico exterior ao organismo físico da A. e causa das referidas dores no braço, o certo é que não se encontra, sequer, demonstrado que essa lesão – dores no braço –, determinou, directa e necessariamente, uma sequela, valorizável no âmbito da TNI;
E.1- Transcreve-se a anotação anterior;
F Ora, não resultando demonstrada, imediatamente a seguir ao evento, qualquer lesão no corpo no estado geral de saúde da A. causada por esse mesmo evento, encontra-se prejudicada a afirmação da própria existência de um acidente de trabalho porquanto inexiste evento que «produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença», nos termos do disposto no n.º 1 do art. 8.º e 10.º, n.º 2 da NLAT ;
F.1- O que se demonstrou, sendo certo que nem sequer é necessário que a lesão se verifique de imediato ao evento, sob pena de ficarem de fora dos acidentes de trabalho variadíssimas situações, como o caso de distensões musculares, entorses, que não podem deixar de integrar-se nos acidentes de trabalho e a causa nem por isso é completamente estranha à constituição orgânica. Na verdade, como refere Maria de Deus Cruz Silva, Três Temas de Direito do Trabalho, Cadernos do CEJ, 1987, “por causa externa à vítima entende-se um facto que nada tem a ver com a sua constituição orgânica,.. temos os exemplos de hérnias, entorses, distensões musculares que não podem deixar de integrar-se nos acidentes de trabalho e contudo não resultam de causa exterior, mas de esforço realizado pelo trabalhador”.

Resumindo:
No dia 19 de Janeiro de 2016, pelas 11.45 horas, a Autora encontrava-se na (…), no local de trabalho, a prestar o seu trabalho de auxiliar de acção educativa para a “BBB”, em execução de contrato de trabalho, com esta celebrado;
Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., ao pegar numa criança, com um ano de idade, ao colo, para proceder à mudança da fralda, sentiu dor e dormência no braço direito. A “BBB” celebrou com a R. contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 10402449, mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, reportados á A., tendo por referência a retribuição anual de € 9.583,00 (€ 626,50 x 14 meses + € 58,00x 14 meses) (C);
O evento referido em 2., foi participado à R., que, no âmbito do contrato de seguro referido em 3, prestou assistência à A., em 22 de Janeiro de 2016, tendo-lhe atribuído, nesse dia, alta por entender não haver nexo entre esse evento e as lesões examinadas;
No âmbito destes autos, a Autora foi submetida a exame médico, em 08.11.2016, tendo-lhe sido verificada, como sequela, limitação «da mobilidade conjugada do ombro na extensão com dor no braço face anterior da LPB», e, admitindo o senhor perito médico nexo causal entre o evento e essa sequela, fixou à A. a IPP de 3%, desde a data da consolidação, que fixou em 03.08.2016, conforme relatório de fls. 76-81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
De acordo com o conceito base definido na lei, acidente de trabalho é aquele que: ocorra no local e tempo de trabalho: produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença: de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte;
No caso em apreço, está demonstrada a ocorrência de um evento súbito, estranho á Autora, que atingiu a sua integridade física, provocando-lhe lesões – a dor e dormência no braço direito resultante de ter pegado numa criança, que lhe provocou as lesões descritas no exame médico;
Ou seja, as lesões apresentadas pela Autora ocorreram no seu local e tempo de trabalho, sendo consequência directa e necessária da actividade que exercia por conta da Ré;
Os factos supra descritos integram assim um acidente de trabalho;
Conforme assente no exame médico em supra referenciado;
Que por preciso e consentâneo com todo o circunstancialismo deve prevalecer sobre o realizado pela Junta Médica;
A ser postergado, por incongruente e não fundamentado;

E, assim, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora as quantias peticionadas nos artigos 28, 30, 31, ou seja:
a)- € 201, 24, de IPP;
b)- 3 222.86, de Capital de Remição;
c)- € 633, 54, de ITA;
d)- € 303,73, de ITP;
e)- € 15,00, de transportes.

Terminou, pugnando pela procedência do recurso e pela substituição da sentença recorrida por outra que considere verificada a existência de um acidente de trabalho, condenando a Ré nos pedidos formulados.

A R. contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1- A douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, objecto do recurso interposto pelo recorrente, não merece qualquer reparo.
2- O primeiro requisito para que exista um acidente de trabalho é a ocorrência de um acidente, independentemente da verificação dos restantes requisitos espaciais, temporais e causais, o que não se verifica nos autos.
3- Um determinado evento apenas pode ser considerado um acidente de trabalho quando não resulte de uma circunstância própria do trabalhador, sendo necessário que exista uma relação com a actividade profissional desenvolvida.
4- Nos autos apenas ficou demonstrado que a recorrente sentiu uma dor.
5- A Recorrente pugna pela valorização da perícia singular realizada nos autos, em detrimento da Junta Médica, entendimento contra o qual a Recorrida se insurge, porquanto a Junta Médica foi composta também por um perito médico em representação da Recorrente, além de que o resultado da mesma foi unânime.
6- Outra não podia ser a conclusão senão que a dor que a Recorrente experienciou decorre de um processo endógeno, não tendo qualquer relação com a sua actividade profissional.
7- Não sendo a dor considerada um acidente, por maioria de razão, a mesma não pode ser considerada um acidente de trabalho.
8- No âmbito dos presentes autos, também não se encontra verificado outro requisito essencial à qualificação de um acidente de trabalho : o nexo de causalidade.
9- No tempo e local de trabalho apenas foram constatadas as queixas de dor da Recorrente, queixas essas que não podem ter sido muito fortes, pois a Recorrente terminou a sua jornada de trabalho.
10- Não é possível caracterizar o evento participado como acidente de trabalho, na medida em que os restantes pressupostos de que o acidente de trabalho depende - espacial, temporal e nexo causal não se encontram reunidos.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso.
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IIImporta solucionar no âmbito do presente recurso se estão reunidos os elementos que caracterizam o acidente de trabalho.
*

IIIApreciação

Os factos provados são os acima indicados.
A sentença recorrida considerou que não ocorreu um acidente de trabalho, com a seguinte fundamentação :
« (…) É actualmente dominante, e pacífico, o entendimento segundo o qual para se afirmar a existência de um «acidente» é necessário que ocorra um evento, naturalístico, anormal, em geral súbito, ou pelo menos de duração curta e limitada, com origem externa, e que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano.
Como se consignou no aresto da 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 30.05.2012, no processo n.º 159/05, disponível em www.dgsi.pt, citando o acórdão do mesmo Tribunal de 08.02.95, «o acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal. Assim, aquele evento naturalístico há-de resultar duma relação de trabalho; a lesão corporal, perturbação funcional ou doença tem de resultar daquele evento; e a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho devem ter por causa a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença. Tem por isso que se tratar dum evento lesivo, isto é, dum facto anormal, produtor de lesão física ou psíquica, aparente ou não aparente, interna ou externa, profunda ou superficial».
Após proceder ao elenco das várias posições doutrinárias, sobre as características do referido evento naturalístico (de Feliciano Tomás Resende a Carlos Alegre), conclui-se, no aresto que se está a citar, que «o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência dum acidente, entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que lhe provoque uma lesão na saúde ou na sua integridade física e que este evento ocorra no tempo e no local de trabalho».
Deste modo, a afirmação do «acidente» exige que se encontre demonstrada a ocorrência de um evento naturalístico, com maior ou menor intensidade de violência, de carácter anormal, súbito (por inesperado) e externo à própria pessoa (de origem estranha à constituição orgânica da vítima), que produza, em termos físicos ou psíquicos, lesões, perturbações, ou a própria morte.
Efectuadas estas considerações, revertemos as mesmas à apreciação da situação concreta destes autos.

Atenta a factualidade adquirida nos mesmos, com relevância para apreciação da existência do acidente, encontra-se provado, sob os n.ºs 1, 2, 5 e 7, que:
- No dia 19 de Janeiro de 2016, quando a A. se encontrava no tempo e a desenvolver tarefas para a R. empregadora, ao pegar numa criança ao colo, sentiu dor e dormência no braço direito e, tendo sido assistida pelos serviços clínicos da R., em 22.01.2016, foi-lhe atribuída alta por se entender que não existia nexo causal entre as lesões examinadas e aquele evento.
- No âmbito destes autos, no exame médico singular realizado à A. foi admitido o nexo causal entre as lesões examinadas e sequelas delas decorrentes e o evento reportado e no exame realizado pela junta médica, não foram determinadas quaisquer lesões e sequelas à A., assim como foi afirmada a não compatibilidade entre as lesões e sequelas referidas no exame singular e o evento verificado.

Atenta esta factualidade, verifica-se que está demonstrada a existência, à data do evento reportado nos autos, de um vínculo laboral entre A. e BBB e que o referido evento ocorreu no tempo e no local em que a A. prestava a sua prestação de trabalho para a mesma pelo que, à partida, estaríamos perante uma situação susceptível de ser enquadrada como acidente de trabalho, nos termos do disposto no art. 8.º e 9.º, n.º 1, al. h), da NLAT.
Acontece, porém que, em relação ao evento propriamente dito, apenas se encontra demonstrado que a A. ao pegar numa criança de um ano de idade ao colo, sentiu dor e dormência no braço direito, nada se tendo logrado demonstrar sobre as circunstâncias que determinaram essa situação – sentir dor e dormência do braço-nomeadamente se existiu um efectivo traumatismo (movimento brusco e violento que causou impacto no organismo da A.), ou sentiu-se mal, ou deu um mau jeito, em decorrência da movimentação e actividade própria de qualquer pessoa que pega numa criança ao colo e se movimenta. Deste modo, encontra-se, desde logo, inviabilizada a afirmação de que se tratou de um evento súbito, externo e resultante da prestação do trabalho.
Por outro lado, também não resultou demonstrado que esse evento assuma características de «lesivo». Ou seja, que esse evento naturalístico – ter pegado na criança ao colo –, tenha determinado uma lesão corporal à A. que, por sua vez, lhe determinou uma sequela, com redução na sua capacidade de trabalho ou de ganho. E isto porque se encontra demonstrado que a A. só três dias após esse evento foi assistida nos serviços clínicos da R., que não verificou qualquer lesão ou sequela que tenha sido reportada como decorrente desse evento relatado pela mesma.
Efectivamente, atenta a matéria de facto provada nos autos, não se encontra determinado um evento infortunístico – embate, pancada, queda, ou mesmo esforço violento ou força de pressão – que tenha determinado as referidas dores e dormência do braço direito, nem sequer, que essas dores, tenham determinado a sequela que tenha sido afirmada pelos senhores peritos médicos que realizaram a junta médica.
Acresce que não está provado que esse invocado evento naturalístico – força despendida para pegar numa criança de um ano de idade ao colo – tenha razão, fundamento, ou causa, externa, e que tenha provocado lesões no braço direito da A., pelo que não estão demonstradas todas as características legalmente exigidas para ser considerado como «acidente», para os efeitos legalmente estabelecidos no âmbito da caracterização do mesmo como «acidente de trabalho», porquanto apesar de ter ocorrido, em termos de tempo e espaço, no âmbito da prestação de trabalho e no local do trabalho, o mesmo não provocou lesão correspondente à sequela que nem sequer foi verificada e examinada à A..
Vale isto por dizer que não ficou demonstrado que o evento reportado nos autos como «acidente», se revelou adequado a produzir o dano examinado à A., nem que este decorreu de sintomatologia e adequação temporal com esse evento.
Atente-se que mesmo que se pudesse admitir que a A. fez um esforço para além do razoável – ao pegar na criança ao colo –, e se pudesse considerar esse esforço como um evento naturalístico exterior ao organismo físico da A. e causa das referidas dores no braço, o certo é que não se encontra, sequer, demonstrado que essa lesão – dores no braço –, determinou, directa e necessariamente, uma sequela, valorizável no âmbito da TNI
Ora, não resultando demonstrada, imediatamente a seguir ao evento, qualquer lesão no corpo no estado geral de saúde da A. causada por esse mesmo evento, encontra-se prejudicada a afirmação da própria existência de um acidente de trabalho porquanto inexiste evento que «produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença», nos termos do disposto no n.º 1 do art. 8.º e 10.º, n.º 2 da NLAT. Efectivamente, no caso, nem sequer há lugar à aplicação da presunção estabelecida no n.º 1 do art. 10.º da LAT, competindo à A. demonstrar que a lesão sofrida foi consequência directa do evento reportado.
Competindo à A. provar – por se tratar de circunstâncias essenciais e fundamentadoras do direito que nestes autos pretendia exercer – não só o evento correspondente ao acidente bem como o nexo causal entre esse evento e a lesão mas, ainda, o nexo causal entre essa lesão e a existência de sequela, e não o tendo feito, tem, necessariamente, de improceder o pedido pela mesma efectuado.
E isto porque a A. não logrou demonstrar, como lhe competia, os factos que fundamentam, nos termos legalmente exigidos, o direito que invocou.
Deste modo, necessário se mostra concluir que, no caso, não se encontram verificados os referidos pressupostos legais para a afirmação de um acidente de trabalho, do nexo causal entre o evento e a lesão e entre esta e sequelas examinadas à A. e danos daí decorrentes.
Não estando, desde logo, afirmada, no caso em apreço, a existência de um acidente e a lesão dele decorrente, base primordial de que sempre teria de se partir para proceder à sua caracterização como «acidente de trabalho», nos termos e para os efeitos do estabelecido no art. 8.º da NLAT, encontra-se prejudicada a apreciação de qualquer outra questão.
Concluindo: por falta de fundamento legal para a afirmação da ocorrência do acidente de trabalho, face ao regime estabelecido na NLAT, o que determina, desde logo, a não apreciação das restantes questões suscitadas nos autos, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC (mormente a responsabilidade e a proporção da reparação, entre as RR.), tem a presente acção de improceder.»

Vejamos.

O art. 8º da lei nº 98/2009, de 4 de Setembro estabelece o conceito de acidente de trabalho.

São elementos do acidente de trabalho : a existência de uma relação jurídico-laboral entre o trabalhador e o dador de trabalho;  a ocorrência de um evento em sentido naturalístico; a lesão, perturbação funcional ou doença; a morte ou redução da capacidade de ganho ou de trabalho, o nexo de causalidade entre o evento e as lesões; o nexo causal entre as lesões e a morte ou incapacidade.

A noção de “local de trabalho” e de “tempo de trabalho” ( onde se incluem também as interrupções normais ou forçosas de trabalho) é-nos dada pelo nº 2 do mesmo preceito legal.

À luz destes normativos legais, vejamos se o caso subjudice reúne os indicados elementos que preenchem o conceito de acidente de trabalho.

Conforme refere Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª edição, págs. 36 e 37 : « (…) A verdade é que, nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente (…) Já a subitaneidade permite distinguir o acidente da doença, caracterizada esta por uma evolução lenta, e confere ao acidente a possibilidade importante de ser datável, até ao minuto, mesmo que a lesão corporal resultante da causa exterior se manifeste muito mais tarde.»

O acto de pegar numa criança, com um ano de idade, ao colo, para proceder à mudança da fralda e a sensação de dor e dormência no braço direito que acompanhou este acto não são suficientes para concluirmos que ocorreu um evento súbito causador de lesões e sequelas.

Não foi apurado qualquer movimento brusco por parte da A. e o Tribunal a quo acolheu o laudo unânime dos senhores peritos no sentido de não fixar sequelas valorizáveis no âmbito da TNI.

Com efeito, o senhores peritos pronunciaram-se  no sentido de a A. apresentar mobilidade dos membros superiores dentro da normalidade e sem amiotrofias, não apresentando quaisquer sequelas relacionadas com o evento referido em 1.

Referiu ainda o Tribunal a quo que não resultou provado que o acto de pegar numa criança de um ano tenha provocado lesões.

A sentença recorrida valorizou o laudo unânime dos peritos que integraram a junta médica e não considerou o anterior exame médico efectuado.

A prova pericial é apreciada livremente pelo Tribunal ( art. 389º do Código Civil e art.489º do CPC). Na falta de elementos que apontem em sentido diverso, o Tribunal não deverá  afastar-se do laudo pericial.

Entendemos, por isso, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece reparo.

Assim e por não estarem reunidos os elementos que caracterizam o acidente de trabalho, improcederá o presente recurso de apelação.
*

IVDecisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Sem custas, por delas estar isenta a recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 24 de Janeiro de 2018


Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos      

                                                                  
[1]Constava por lapso : “não podemos de discordar”.