Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1786/2008-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: BENFEITORIA
BOA-FÉ
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A Relação pode apreciar oficiosamente a existência de contradição que afecte a decisão da matéria de facto e superar a referida contradição, mediante reapreciação dos meios de prova que foram produzidos na 1ª instância e que se mostram totalmente disponíveis.
2. São de boa fé as benfeitorias realizadas em local cedido verbalmente, com vista a posterior celebração de contrato de arrendamento comercial, tendo o proprietário acompanhado e concordado com a sua realização.

3. Por via dos arts. 289º, nº 3, e 1273º do CC, entregue o local ao proprietário, aquele que realizou as benfeitorias tem direito de ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, pelas benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento do bem.

4. Uma vez entregue o imóvel ao proprietário, não é legítima a invocação do direito de retenção com fundamento no direito de indemnização pelas benfeitorias realizadas.

(A.S.A.G.)

Decisão Texto Integral: D…, Ldª,
propôs a presente acção declarativa com processo ordinário
contra
C…e
M…pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 68.536,49, acrescida de juros de mora à taxa de 12% até integral pagamento.
Alegou que em Setembro de 1999 encetou negociações com o R. C… com vista ao arrendamento de uma fracção, tendo sido acordada uma renda mensal de PTE 150.000$00 durante os primeiros 6 meses do contrato, subindo para PTE 250.000$00 a partir do início do 7º mês.
No início de Novembro de 2000 o R. exigiu um aumento de renda para PTE 350.000$00, alegando que o mesmo estava previsto no contrato-promessa cuja minuta apresentou à A., sustentando a posição de que só celebrava o contrato de arrendamento mediante a fixação da renda de PTE 350.000$00.
Face à falta de acordo e tendo em conta que o aumento de renda se tornou insustentável, a A. deixou de pagar a renda em Dezembro de 2000, tendo sido obrigada a encerrar a sua actividade.
Na altura do encerramento ainda lhe faltava pagar várias prestações do material instalado no estabelecimento, no valor de € 5.005,61 (PTE 1.003.535$00), tendo sido interpelada para pagar uma cláusula penal no âmbito de um contrato de fornecimento de cafés. Deixou ainda de auferir um lucro de € 10.000.
Logo após o acordo verbal celebrado, o R. C… autorizou a A. a fazer obras no local, no que gastou € 29.976,87, tendo a A. direito de ser indemnizada das benfeitorias necessárias e das úteis não removíveis sem detrimento do locado.

Os RR. contestaram alegando que foi acordado que a renda seria aumentada para PTE 350.00000 mensais a partir de 1-1-01.
O encerramento da actividade deve-se ao facto de a A. não ter tido nela sucesso.
As obras que a A. fez na fracção tinham por finalidade adaptar a fracção à actividade a que a pretendia destinar.
Em reconvenção pede a condenação da A. no pagamento das quantias correspondentes aos meses em que ocupou a fracção sem nada pagar.

A A. replicou.

No decurso do julgamento os RR. interpuseram recurso de agravo de um despacho judicial (fls. 255), mas nas contra-alegações da apelação vieram expressamente declarar, nos termos do art. 748º do CPC, que não mantêm interesse em tal agravo.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção, condenando a A. no pagamento da quantia de € 9.352,46 e juros desde a citação (fls. 316).

Apelou a A. e concluiu que:

a) Antes das obras o locado não tinha condições para o desenvolvimento de qualquer actividade que não fosse o armazenamento de bens e, após as obras, ficou dotado de condições a nele ser instalada qualquer actividade.
b) Os RR. arrendaram o locado para actividade diferente da exercida pela A., conforme cópia do contrato de arrendamento junto pelos RR. aos autos em 30-3-05.
c) Deveria o tribunal a quo ter julgado que a totalidade das obras realizadas assumiram a natureza de benfeitorias úteis, uma vez que valorizaram a coisa locada, ou benfeitorias necessárias, porque contribuíram para preservar e conservar o locado, que antes apenas tinha condições para armazém.
d) As benfeitorias realizadas não podem deixar de se considerar como obras que serviram o propósito da conservação e preservação do locado e que aumentaram o valor do locado, que antes apenas tinha utilidade como armazém de materiais e bens.
e) O locado foi dotado pela apelante de condições a nele ser instalado qualquer actividade, o que implica necessariamente a sua natureza de benfeitorias úteis.
f) Deve considerar-se que as benfeitorias realizadas pela apelante tiveram como resultado a preservação, conservação e valorização do locado, o que implica a sua natureza de úteis ou necessárias, nos termos do art. 216° do CC, conjugado com o art. 1273°.
g) A apelante retirou do locado as benfeitorias que conseguiu e cuja retirada foi possível sem que causasse a deterioração ou destruição do locado.
h) Pelas benfeitorias cuja retirada iria provocar destruição ou deterioração do locado possível retirar do locado e que constituem benfeitorias necessárias e úteis, deveria a apelante ter sido indemnizada nos termos previstos e aplicáveis pelos arts. 1273°, nºs 1 e 2, 472° e 479° do CC.
i) Na sentença recorrida julgou-se que, não tendo a apelante demonstrado nos autos o valor que as benfeitorias trouxeram ao património dos RR., era improcedente o pedido de indemnização formulado pela apelante.
j) Todas as benfeitorias realizadas pela apelante são indemnizáveis (nos termos das regras do enriquecimento sem causa) e o valor da indemnização deveria ter sido fixado no valor despendido pela apelante com a realização de tais benfeitorias.
k) O valor do empobrecimento da apelante corresponde ao custo das benfeitorias realizadas no locado dos RR. de € 29.976,87.
l) Não se tendo provado nos autos a valorização que o património dos RR. sofreu, deve considerar-se, para avaliar o enriquecimento sem causa dos RR. quanto às benfeitorias úteis ou necessárias não levantadas do locado o custo das obras/benfeitorias realizadas pela Apelante que corresponde ao seu efectivo empobrecimento.
m) Segundo as regras do enriquecimento sem causa, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível o valor correspondente.
n) Deve julgar-se que o valor do empobrecimento da apelante corresponde ao valor do custo de realização das benfeitorias úteis e necessárias provadas.
o) Deveria o tribunal a quo ter julgado procedente o pedido de indemnização formulado pela apelante, de € 29.967,87 correspondente ao valor do empobrecimento da apelante e, por via do art. 479°, n° 1, do CC, àquilo que os RR obtiverem à sua custa, sem causa.
p) A apelante fez prova que o R. exigiu à A. o pagamento da quantia de PTE 350.000$00 mensais a título de renda a partir de Janeiro de 2001 e que o aumento da renda era condição sine qua non para a celebração do contrato de arrendamento.
q) Da análise dos factos provados sob os n°s 13 a 15 resulta que o R. veio unilateralmente exigir um aumento do valor pago pela apelante pela utilização do locado de PTE 250.000$00 para PTE 350.000$00 e que o pagamento deste aumento a partir de 1-1-01 era condição imprescindível imposta pelo R. para a celebração do contrato de arrendamento que a apelante vinha pedindo fosse formalizado.
r) Por via da conduta do R., a apelante veio a abandonar o locado em 13-1-01 e foi forçada a indemnizar ou compensar fornecedores, tais como o BPI e a Manuel Nabeiro, Ldª.
s) Os RR. actuaram com culpa ao exigirem um aumento de renda, anormal, não acordado e como condição sine qua non para a celebração do arrendamento, tendo com tal facto forçado a apelante a abandonar o locado.
t) Deveria o tribunal a quo ter julgado que foi por culpa dos RR. que o contrato não foi reduzido a escrito, tendo quebrado a confiança, o acordado e a expectativa que a apelante tinha na redução a escrito do contrato de arrendamento.
u) Nos termos dos arts. 483°, n° 1, e 227° do CC, o comportamento dos RR é ilícito e reprovável merecedor de censura e devida sanção na medida dos danos causados à apelante, causa consequente do comportamento dos RR.
v) A sentença recorrida julgou pela procedência parcial da reconvenção, condenando a apelante a pagar aos RR o valor de € 9.352,46, acrescido de juros legais, a título de indemnização pela utilização do locado dos RR.
w) Não tendo sido reconhecida a existência de um arrendamento, o valor devido pela utilização da fracção deve ser apurado pelo tribunal recorrendo a critérios de determinação do valor de tal utilização.
x) O tribunal a quo limitou-se a apurar um determinado valor de € 9.352,46, sem explicar os critérios utilizados na determinação de tal valor e sem que os RR tivessem alegado ou provado o valor que a dita utilização teria.
y) Não poderia o tribunal a quo ter condenado a apelante a pagar uma indemnização aos RR. pela utilização do locado, uma vez que aquela detinha direito de retenção sobre o mesmo, nos termos do art. 754° do CC.
z) O crédito de que a apelante dispõe resulta de despesas feitas por causa da fracção e que são as benfeitorias provadas nos autos e pelo valor provado de € 29.967,87.
aa) Tendo a apelante a obrigação de entregar a fracção aos RR. e dispondo a apelante de um crédito sobre aqueles, derivado de despesas feitas com a fracção foi lícito à apelante recusar a entrega da coisa enquanto o pagamento de tal crédito não seja satisfeito, a apelante exerceu nos termos legais o seu direito de retenção sobre a fracção, recusando a sua entrega até Julho de 2001.
bb) Não há mora da apelante na entrega da fracção, atento o exercício do direito de retenção não devendo a apelante as rendas que foi condenada a pagar aos RR.

Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Matéria de facto:
1. De entre os poderes que a Relação deve exercer oficiosamente conta-se o de sindicar a decisão da matéria de facto, designadamente em casos em que exista contradição, obscuridade, deficiências ou falta de fundamentação, nos termos do art. 712º, nº 4, do CPC.
No caso concreto, confronta-se esta Relação com a contradição entre uma resposta negativa ao quesito 36º e respostas positivas ou restritivas dadas a outros quesitos relacionados com obras realizadas na fracção.
Sobre a aludida contradição foram ouvidas as partes, ao abrigo do art. 3º, nº 3, do CPC, pronunciando-se os RR. no sentido negativo, entendendo que as obras efectuadas pela apelante não importam necessariamente um aumento do valor da fracção, servindo apenas para a actividade que a apelante pretendia exercer na fracção cedida.
A A., ao invés, admite a referida contradição, apesar de não a ter oportunamente invocado.

2. Foi dada resposta não provado ao ponto nº 36º, onde se perguntava se “o valor do local referido em B), após as obras efectuadas pela A., é superior ao valor que tinha antes das obras”.
Todavia, foram considerados provados os seguintes factos:
a) A A. e os RR. acordaram que aquela faria obras na fracção, com vista a dotá-la de condições a nela ser instalada qualquer actividade e ainda de condições para nele ser instalado um estabelecimento de café/pastelaria/snack-bar;
b) Antes das obras a fracção não tinha condições para o desenvolvimento de qualquer actividade que não fosse o armazenamento de bens;
c) As obras foram acompanhadas pelo R. que, por diversas vezes, se dirigiu ao local e garantiu a sua satisfação pelo seu decurso e conclusão;
d) A A. colocou na fracção portas e janelas exteriores em alumínio porque as que lá se encontravam estavam decadentes e podres;
e) Colocou portas interiores em madeira, pavimentos e azulejos nos dois pisos, tectos falsos que permitem esconder a galeria técnica de cabos eléctricos e outros no tecto, instalou cabos e quadros eléctricos, canalização de água e gás adequados e cabos e tomadas eléctricas e telefónicas;
f) Construiu duas casas de banho, uma no r/c e outra no piso superior, com zona de duche e vestiário;
g) No piso superior que era totalmente aberto, criou três divisões com paredes em gesso cartonado;
h) Na fracção a A. fez estucagens, pintura, polimento e envernizamento;
i) Nas referidas obras a A. gastou € 29.967,87 (PTE 6.009.822$00);
j) As obras realizadas pela A. destinaram-se a adaptar o local à finalidade a que a A. destinava a fracção;
l) Quando a A. abandonou a fracção retirou os autoclismos e os restantes equipamentos que tinha colocado, tendo deixado sinais visíveis disso no chão, paredes e azulejos.

3. Existe contradição de respostas quando têm conteúdo logicamente incompatível, não podendo subsistir ambas utilmente (Ac. do STJ, de 4-2-97, no Proc. nº 458/96, da 1ª Secção).
Como se decidiu no Ac. da Rel. de Évora, de 6-10-88, BMJ 380º/559, tal contradição pode revelar-se entre uma determinada resposta e a restante factualidade provada no seu conjunto (sobre a matéria cfr. também Alberto dos Reis, CPC anot., vol. IV, pág. 553).
Aceita-se que o facto de alguém despender determinada quantia com a realização de obras em bem alheio não significa necessariamente que lhe acrescente idêntico valor.
Porém, no caso concreto, a mera leitura da decisão da matéria de facto revela uma contradição evidente entre aquela resposta totalmente negativa e as que se reportam às obras realizadas e respectivas circunstâncias.
A contradição manifesta-se particularmente quando se estabelece o confronto entre aquela resposta negativa e o facto de a A. ter colocado “portas e janelas exteriores, em alumínio”, sabendo-se que “as que lá se encontravam, estavam decadentes e podres”.
Como parece evidente, independentemente do destino que a A. pretendeu dar à fracção, tendo a fracção sido entregue aos RR. apetrechada de novas “portas e janelas exteriores em alumínio”, não pode deixar de valer mais do que se mantivesse as “portas decadentes e podres”. Apenas se mostra necessário determinar o quantum valorativo.
Os exemplos da contradição lógica multiplicam-se quando se constata que, antes das obras, a fracção apenas tinha condições para o “armazenamento de bens”, e que, depois de realizadas, o espaço ficou dotado de “condições para nele ser instalado um estabelecimento de café/pastelaria/snack-bar”, sendo neste estado que foi entregue aos RR.
Também viola as mais elementares regras da lógica conceber uma resposta totalmente negativa sobre o referido aumento de valor da fracção (ainda que não quantificado), em contraposição com a comprovação de que foram colocadas portas interiores em madeira, novos pavimentos e azulejos nos dois pisos, tectos falsos com função de galeria técnica para ocultar cabos eléctricos e outros no tecto, ou, ainda mais, quando se verifica que um local que antes apenas poderia ser destinado para armazenar bens, passou a estar equipado com novos “cabos e quadros eléctricos, canalização de água e gás adequados e cabos e tomadas eléctricas e telefónicas” que, servindo qualquer dos destinos normais de uma fracção autónoma de um prédio urbano situado no núcleo histórico da capital, não poderão deixar de se repercutir numa valorização do espaço. Um espaço com novas canalizações e com nova instalação eléctrica vale necessariamente mais do que valeria se essa alterações não tivessem sido introduzidas.
Outro tanto se diga do facto de a A. ter feito na fracção “estucagens, pintura, polimento e envernizamento”.
Em suma, um local que assim foi e ficou renovado (ademais com autorização, acompanhamento e manifestações de satisfação do próprio R.) representa necessariamente uma mais-valia em comparação com a situação anterior. Mais-valia que nem sequer deixaria de existir ainda que teoricamente os RR. voltassem a aplicar a fracção a armazenamento de bens. Com efeito, mesmo nesta hipótese, que os factos, aliás, não comprovam, não poderíamos deixar de concluir que um armazém dotado de tais beneficiações valeria mais do que um armazém totalmente despido delas e com o ar de abandono que antes tinha.
Assim, considerando que nenhuma das partes suscitou a menor questão relacionada com a identificação e caracterização das obras realizadas, nem existe qualquer polémica sobre o estado em que a fracção se encontrava quando, em Julho de 2001, foi entregue aos RR., anula-se, por contradição, a resposta ao quesito 36º.

4. Nestas circunstâncias, e uma vez que, nos termos do art. 712º, nº 4, do CPC, estão disponíveis todos os elementos que puderam ser apreciados no tribunal a quo, basta proceder à sua valoração.
A este respeito, não poderão deixar de ser considerados, desde logo, os factos que se apuraram e que já foram mencionados a respeito da caracterização dass obras realizadas e das respectivas circunstâncias objectivas e subjectivas.
Sendo certo que a A. retirou da fracção os equipamentos do estabelecimento e os autoclismos dos sanitários, nela permaneceram as demais benfeitorias realizadas, entre as quais se destacam duas casas de banho, portas e janelas exteriores, portas interiores em madeira, pavimentos e azulejos nos dois pisos, tectos falsos, canalizações de água e gás, cabos e tomadas eléctricas e telefónicas, divisórias no piso superior em gesso cartonado, estucagens, pintura, polimento e envernizamento dos materiais.
Releva ainda o facto de, depois de a A. ter entregue a fracção, a mesma ter sido objecto de um contrato de arrendamento cuja cópia consta de fls. 234 e 235, de onde decorre que, em 23-2-03, cerca de 18 meses depois, a mesma foi destinada a “cibercafé e actividades conexas a telecomunicações” pela renda inicial de € 1.250, passando para € 1.350 em Março de 2004 e para € 1.500 a partir de Março de 2005, ficando, a partir daí, sujeita aos aumentos decorrentes de coeficientes legais.
Relevante, em termos de apreciação da matéria do quesito 36º sobre a  valorização da fracção, é ainda o facto de nas obras referidas a A. ter despendido a quantia de € 29.967,87.
As obras realizadas pela A. destinaram-se a adaptar o local à actividade de “café-pastelaria-snack-bar” a que a A. a destinou. Todavia, ainda que não exista perfeita similitude entre tal actividade e o destino que lhe foi dado pelo arrendatário subsequente, este mantém alguma proximidade, ao menos no que concerne ao “cibercafé”.
Como estabelecimento comercial aberto ao público, bem diverso de um mero local de armazenamento de bens, é do conhecimento geral que o seu licenciamento está dependente de requisitos relacionados com a higiene e a segurança, para o que muito daquilo que a A. realizou pôde ser aproveitado.
A comparação entre o estado da fracção antes das obras (como decorre das fotografias de fls. 61 e 62) e depois delas (fotografias de fls. 68 a 76) revela bem os efeitos que as modificações operadas determinaram na valorização da mesma. Efeitos esses que, embora atenuados, não deixam de se confirmar quando se estabelece a comparação entre um local onde se amontoava material obsoleto e caixotes (como se vê por aquelas primeiras fotografias) e depois de ter sido desocupado pela A. (cfr. fotografias de fls. 63 a 67), mesmo com as consequências que são visíveis quando se analisam as fotografias juntas pelos RR. a fls. 125 a 127, inclusive depois de a A. ter retirado os aparelhos dos interruptores e das tomadas, como se vê pelas fotografias juntas pelos RR. a fls. 124, ou de terem sido retirados os autoclismos.
Para efeitos de reponderação da resposta ao quesito 36º, são ainda relevantes os depoimentos de algumas testemunhas que tiveram contacto com a situação, conhecedoras do local antes e depois das obras realizadas, que emitiram declarações coincidentes com aquilo que também se extrai das regras da experiência quando nos confrontamos com obras de adaptação de um local que era destinado a armazenamento de bens, fechado ao público, a um estabelecimento comercial onde se vendiam e manipulavam alimentos e bebidas.
Ora, neste campo, a testemunha P… arrolada pelos próprios RR., cujo depoimento gravado pôde ser apreciado, ainda que não tenha conseguido quantificar a valorização, não deixou de declarar que houve benefícios para a fracção que foram aproveitados para a actividade posterior, tendo bastado aos novos arrendatários fazer obras de readaptação, mantendo, na generalidade, as beneficiações que a A. realizara.
Depoimento semelhante foi prestado pela testemunha L…., funcionário do R. e que também revelou conhecer o local, onde trabalhou antes de o mesmo ter sido transformado em armazém, tendo referido especialmente a valorização que resultou da implantação de novas portas e janelas exteriores e dos quartos de banho.
Tais depoimentos coincidem, no essencial, com o depoimento prestado por A…, sócio-gerente da A. Posto que, atenta a sua qualidade, não deva ser ignorado o interesse indirecto na demanda, o depoimento que prestou acaba por se enquadrar na linha dos já referidos.
Todos os referidos depoimentos se conformam ainda com as regras de experiência que esta Relação também teve de ponderar.

5. Nestes termos, depois de feita a ponderação de todos os meios de prova referidos que se mostram acessíveis, não é possível quantificar a repercussão positiva das benfeitorias referidas na esfera dos RR. no momento em que a fracção lhes foi entregue pela A.
Mas de modo algum se explica uma resposta inteiramente negativa que foi dada ao quesito 36º,
Entre uma e outra alternativa, está ainda acessível uma terceira, mais ajustada às concretas circunstâncias, fixando que houve uma valorização da fracção, ainda que não concretamente quantificada.
Assim, em resposta ao referido quesito 36º, esta Relação responde da forma seguinte:
“Provado que em Julho de 2001, quando a A. entregou aos RR. a fracção, depois de nela ter realizado as obras referidas nas respostas aos quesitos 20º, 23º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º e 34º, com o valor global de € 29.967,87, a mesma tinha um valor superior ao que tinha antes das obras, sendo a diferença de valor de dimensão não apurada”.

6. Factos provados:

1. A A. tem por objecto o comércio de produtos de pastelaria e cafetaria – A);
2. Para exercer a sua actividade interessou-se por uma fracção autónoma designada pela letra C, sita na R…., em Lisboa, propriedade dos RR. – B);
3. Em Setembro de 1999 a A. encetou negociações com o R. C… com vista ao arrendamento da fracção referida em 2., tendo sido acordada uma renda mensal de PTE 150.000$00 durante os primeiros 6 meses do contrato, passando o valor da renda a ser de 250.000$00 a partir do 7º mês de vigência do acordo – 1º, 2º e 3º;
4. A A. aceitou este plano de rendas de “boa-fé” (sic) e na convicção de que o contrato seria reduzido a escrito – 4º;
5. A A. e os RR. acordaram que aquela faria obras no local referido em 2., com vista a dotá-lo de condições a nele ser instalado qualquer actividade e dotá-lo ainda de condições para nele ser instalado um estabelecimento de café/pastelaria/snack-bar – 20º;
6. Antes das obras, o local não tinha condições para o desenvolvimento de qualquer actividade que não fosse o armazenamento de bens – 21º;
7. As obras foram acompanhadas pelo R. C… que, por diversas vezes, se dirigiu ao local e garantiu a sua satisfação pelo decurso e conclusão da obra – 22º;
8. A A. colocou no local referido em 2. portas e janelas exteriores, em alumínio porque as que lá se encontravam estavam decadentes e podres – 23º;
9. Colocou portas interiores em madeira, e pavimentos e azulejos nos dois pisos que constituem o locado; colocou tectos falsos que permitem esconder a galeria técnica de cabos eléctricos e outros no tecto; instalou cabos e quadros eléctricos e canalização de água e gás adequados e cabos e tomadas eléctricas e telefónicas – 24º, 25º, 26º, 28º, 29º e 30º;
10. A A. construiu no local referido em 2. duas casas de banho, uma no r/c e outra no piso superior, com zona de duche e vestiário – 31º;
11. O piso superior no local referido em 2. era totalmente aberto e nele criou a A. três divisões com paredes em gesso cartonado – 32º e 33º;
12. No local referido em 2. a A. fez estucagens, pintura, polimento e envernizamento – 34º;
13. Nas obras que realizou no local referido em 2. a A. gastou € 29.967,87 (PTE 6.009.822$00) – 37º;
14. Em Julho de 2001, quando a A. entregou aos RR. a fracção, depois de nela ter realizado as obras referidas nas respostas aos quesitos 20º, 23º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º e 34º, com o valor global de € 29.967,87, a mesma tinha um valor superior ao que tinha antes das obras, sendo a diferença de valor de dimensão não apurada – 36º (facto aditado);
15. As obras realizadas pela A. no local referido em 2. destinaram-se a adaptar o local à finalidade a que a A. destinava a fracção - 39º;
16. A A. pagou o montante correspondente às rendas acordadas até Novembro de 2000 – 5º;
17. O R. C… passou e entregou à A. os recibos de fls. 30 a 40 – C);
18. Os RR. enviaram à A. a carta datada de 6-11-00, conforme doc. de fls. 43 e 44, onde referem, além do mais, que a renda relativa ao mês de Janeiro de 2001 será, “como contratualmente acordado para o segundo ano, de PTE 350.000$00 por mês” – 13º;
19. A A. e o R. C… tiveram uma reunião em 13-11-00 – F);
20. O R. exigiu à A. o pagamento da quantia de PTE 350.000$00 mensais a título de renda, a partir de Janeiro de 2001, e disse à A. que estava já acordada essa quantia – 7º e 8º;
21. O R. comunicou à A. que o aumento da renda era condição sine qua non para a celebração do contrato de arrendamento – 11º;
22. Em Dezembro de 2000, a A. deixou de pagar as quantias acordadas – D);
23. Os RR. colocaram no local referido em 2. um escrito no qual pode ler-se "Aluga-se ou trespassa-se" – G);
24. A A. deixou de laborar no local referido em 2. em 13-1-01 – 14º;
25. Quando a A. deixou de laborar tinha por pagar prestações mensais referentes ao contrato de leasing que celebrou para aquisição do equipamento que instalou no locado referido em 2. no montante de € 5.005,61 (PTE 1.003.535$00) – 16º;
26. A A. efectuou o pagamento dessa quantia ao BPI Leasing-Sociedade de Locação Financeira, SA, em 1 e 30-8-01 – 17º;
27. O material instalado no local referido em 2. foi adquirido tendo em vista a respectiva amortização com os resultados da actividade a desenvolver naquele local – 18º;
28. A fornecedora de café, Manuel Reis Azinhais Nabeiro, Ldª, solicitou à A. o pagamento de uma indemnização no montante de € 13.630,03 por incumprimento do contrato a partir de Janeiro de 2001 – 19º;
29. No dia 15-7-01 a A. entregou aos RR. a chave do local referido em 2. – E);
30. Quando a A. abandonou a fracção referida em 2. retirou os autoclismos que tinha colocado e os restantes equipamentos que tinha colocado, tendo deixado sinais visíveis disso no chão, paredes e azulejos – 41º.

III – Decidindo:
1. A apelação da A. suscita as seguintes questões:
a) Apreciar se existe direito de indemnização por benfeitorias realizadas e que não foram levantadas;
b) Apreciar se existe direito de indemnização pelo facto de os RR. se terem condicionado a celebração do contrato de arrendamento à fixação da renda de PTE 350.000$00;
c) Apreciar se existe obrigação da A. de pagar alguma quantia pela retenção da loja até à sua entrega.

2. Quanto às benfeitorias:
2.1. Não há qualquer dúvida quanto à natureza das obras levadas a cabo pela A. e que ficaram na fracção depois de a ter entregue aos RR.
Em Julho de 2001 a fracção foi restituída aos RR., depois de a A. ter procedido ao levantamento dos equipamentos com que tinha apetrechado o estabelecimento comercial que nele funcionou durante cerca de um ano.
Antes de a fracção ter sido cedida à A. para o exercício da actividade comercial, os RR. autorizaram-na a realizar as obras de adaptação do espaço, as quais, aliás, foram acompanhadas pelo R. que expressou a sua aceitação. Desse acordo resultou que a A. faria obras com vista a dotar o local de condições a nele ser instalada qualquer actividade e dotá-lo ainda de condições para nele ser instalado um estabelecimento de café/pastelaria/snack-bar.
Para além do equipamento que a A. levou consigo aquando da desocupação, e que não está em causa neste pedido de indemnização, a A. colocou no local portas e janelas exteriores, em alumínio, porque as que lá se encontravam estavam decadentes e podres; colocou portas interiores em madeira, pavimentos e azulejos nos dois pisos que constituem o locado, tectos falsos que permitem esconder a galeria técnica de cabos eléctricos e outros no tecto; instalou cabos e quadros eléctricos, canalização de água e gás adequados e cabos e tomadas eléctricas e telefónicas; construiu duas casas de banho; sendo o piso superior totalmente aberto, criou três divisões com paredes em gesso cartonado; fez estucagens, pintura, polimento e envernizamento.
Antes das obras, o local não tinha condições para o desenvolvimento de qualquer actividade que não fosse o armazenamento de bens, sendo que todas as obras realizadas se destinaram a adaptar o local à finalidade a que a A. destinava a fracção.

2.2. Estamos perante uma situação que se enquadra nos arts. 289º, nº 3, e 1273º do CC.
A cedência da fracção ocorreu ao abrigo de um acordo verbal de arrendamento afectado por vício formal, já que não foi respeitada a escritura pública legalmente imposta pelo art. 1029º, nº 1, al. b), do CC. Ao abrigo de tal acordo, a A. efectuou o pagamento das prestações convencionadas e efectuou obras de adaptação da fracção a um estabelecimento comercial, o que originou despesas. Se acaso o contrato fosse válido, tais benfeitorias teriam o tratamento dado pelo art. 1046º do CC.
Estamos, assim, perante benfeitorias realizadas de boa fé.
Por via do disposto no art. 289º, nº 3, do CC, e da remissão feita para os arts. 1269º e segs., deve ter-se em consideração o disposto no art. 1273º, onde se reconhece ao possuidor (e, por via do primeiro preceito, ao contratante que realiza benfeitorias ao abrigo de um contrato nulo) o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias e o de proceder ao levantamento das benfeitorias úteis que possam ser levantadas sem detrimento da coisa. Havendo detrimento, é-lhe reconhecido o direito de indemnização quantificado pelas regras do enriquecimento sem causa.

2.3. Atenta a definição de benfeitorias constante do art. 216º, nº 3, do CC, todas as que a A. reclama neste processo têm a natureza de benfeitorias úteis.
Posto que não se tenham mostrado indispensáveis para evitar a perda, destruição ou deterioração da fracção, delas resultou um aumento do valor da fracção. Daí que, em relação a todas as obras referidas, a A. tenha o direito de indemnização se e na medida em que as benfeitorias não puderam ser levantadas sem detrimento da fracção.
Refere Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, pág. 257, relativamente a tais benfeitorias, que o interessado tem “primariamente o direito de as levantar, ou seja de as separar da coisa. O direito ao levantamento cessa, porém, se a separação não puder ser feita materialmente ou se implicar danos para a coisa principal”.
Segundo Antunes Varela, na anot. ao art. 1273º do CC, a possibilidade de detrimento deve ser apreciada objectivamente pelo tribunal na falta de acordo entre os interessados.
Neste contexto, não se aceita a afirmação dos RR. no sentido de impor invariavelmente ao interessado a alegação do facto de a retirada das benfeitorias causar detrimento na fracção como condição necessária para o reconhecimento do direito de indemnização.
Tal conclusão pode ser extraída da análise dos factos provados, de onde decorre, com toda a evidência, que causaria detrimento na fracção a retirada das portas e janelas exteriores, já que, a partir de então, a fracção ficaria totalmente desprotegida.
Mas a ocorrência de detrimento resultante da retirada das benfeitorias revela-se ainda relativamente a outras obras.
Quanto ao tecto falso, não é legítimo afirmar, como se faz na sentença, que era possível retirá-lo para concluir que a despesa correspondente não relevaria para efeitos de indemnização. Tendo sido instalado para esconder cabos que passavam no tecto, a negação da qualidade de benfeitoria útil contraria as regras de experiência. Além de os respectivos materiais não poderem ser utilmente aplicados noutro espaço, da sua retirada resultaria uma degradação da fracção, ficando esta, a partir de então, com as canalizações ou demais tubagens à mostra, logo, deteriorada.
Tendo em conta o modo como a fracção se apresentava no momento em que a A. a restituiu aos RR., mais evidente é ainda o detrimento da fracção decorrente de uma eventual retirada dos pavimentos e azulejos que nela foram colocados (totalmente inaproveitáveis), dos quadros eléctricos, das canalizações de água e gás e dos cabos e tomadas eléctricas e telefónicas à criação de 3 divisões no piso superior, à estucagem, pintura e polimento. O mesmo se diga das portas interiores em madeira e das duas casas de banho que foram construídas.
Por conseguinte, relativamente a todas as obras realizadas e equipamentos instalados na fracção e que não foram removidos pode concluir-se, nos termos do art. 1273º, nº 2, ex vi art. 289º, nº 3, do CC, que a A. tem direito de obter dos RR. o valor de tais benfeitorias calculado com base nas regras sobre enriquecimento sem causa.

2.5. Que regras são essas afinal?
Contra o que afirma a A., o valor a reclamar não tem que corresponder necessariamente ao valor das despesas realizadas.
Na determinação do valor não pode o interessado receber mais do que o investido, correspondente, afinal, ao seu empobrecimento. Por outro lado, o valor a receber não deve superar o enriquecimento que tiver existido que, aliás, pode ser inferior ao valor do investimento feito.
Como refere Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 414, o enriquecimento, em situações de realização de despesas que aproveitam a terceiro, deve medir-se pelo valor das benfeitorias no património do enriquecido, o que não coincide necessariamente com o valor das referidas despesas.
Explica Antunes Varela, na anotação aos arts. 1273º e 479º do CC, que a medida da restituição está sujeita a dois limites: ao do custo, correspondente ao empobrecimento, e ao do enriquecimento do titular. Esclarece depois que apenas deve ser restituído aquilo com que efectivamente o beneficiário se acha enriquecido. No mesmo sentido Júlio Gomes, citando Rui Alarcão, em O Conceito de Enriquecimento, pág. 327.
Trata-se, aliás, de matéria que não suscita discussão na doutrina ou na jurisprudência, sendo decorrência do que se dispõe expressamente nos arts. 473º e 479º, nº 1, do CC.

2.6. Por conseguinte, com o limite máximo de € 29.967,87, correspondente ao montante despendido pela A., esta terá o direito de receber dos RR. a quantia equivalente ao diferencial entre o valor que a fracção teria sem as obras referidas nos pontos 5., 8., 9., 10., 11. e 12. da decisão de facto e o valor que tinha quando foi entregue aos RR. em Julho de 2001, considerando ainda o facto referido no ponto 40.
Como não existem elementos para quantificar tal valor, relegar-se-á a sua determinação para liquidação da sentença, nos termos do art. 661º do CPC.

3. Quanto à responsabilidade civil por violação de regras da boa fé:
3.1. A A. invoca o seu direito de ser ressarcida dos prejuízos decorrentes da não celebração do contrato de arrendamento relacionados com os encargos que teve de suportar com o pagamento de bens locados, com a cláusula penal devida a um fornecedor e com os lucros cessantes.
Em termos meramente abstractos, qualquer indemnização apenas poderia encontrar apoio nas regras da responsabilidade pré-contratual, nos termos do art. 227º do CC, sendo necessário provar a violação das regras da boa fé.
Tal não sucede no caso concreto.

3.2. Provou-se que foi verbalmente acordada uma renda mensal de PTE 150.000$00 durante os primeiros 6 meses do contrato, passando a ser de PTE 250.000$00 a partir do 7º mês de vigência do acordo. Por seu lado, não se provou o facto alegado pelos RR. de que, a partir de Janeiro de 2001, a renda passaria para PTE 350.000$00.
Apesar disso, não é possível concluir, sem mais, que os RR. tenham violado as regras da boa fé, quebrando expectativas legítimas criadas na esfera da A. quanto à outorga formal do contrato nos termos que pretendia.
Na verdade, a resposta negativa ao quesito resultante da alegação dos RR. não implica que se considere necessariamente provado o seu contrário, ou seja, que os RR. exigiram, sem qualquer fundamento negocial, que a renda fosse fixada em PTE 350.000$00 como condição para a outorga do contrato. A este respeito, a audição dos depoimentos oralmente prestados em audiência é bem elucidativa quanto aos riscos de afirmações precipitadas a partir da mera enunciação dos factos provados e não provados.
Importante para o efeito seria a prova de que os RR. modificaram injustificadamente as condições em que se propuseram formalizar o contrato, o que não decorre da matéria provada. Só em tais circunstâncias ganharia relevo o facto de os RR., depois de a A. ter sido levada a realizar obras de vulto que representaram despesas de montante apreciável, a terem confrontado com exigências mais gravosas.
Mas, como se disse, não é possível concluir que os RR. tenham quebrado legítimas expectativas criadas na esfera jurídica da A. quanto ao desenlace das negociações encetadas.
Aliás, pode também ver-se no caso concreto um reflexo da falta de diligência da A. no tratamento de um assunto tão importante quanto a outorga de um contrato de arrendamento comercial para cuja celebração a lei exigia escritura pública, avançando para a sua execução e para a realização de um avultado investimento sem que tivesse sido exarado, ao menos, um contrato-promessa integrando as cláusulas que posteriormente ficariam a constar do contrato de arrendamento.
Por outro lado, contra o que foi alegado pela A., não se provou que foi a exigência dos RR. no sentido de exigir uma renda de PTE 350.000$00 a determinar a cessação da actividade e a posterior entrega da fracção, depois de terem procedido ao levantamento do equipamento que nela instalaram para o exercício da actividade de restauração.

3.3. Nestes termos, improcede a apelação quanto a esta vertente indemnizatória, quer por falta de prova da violação das regras da boa fé, quer por falta de prova da existência de um nexo de causalidade entre a cessação da actividade e a exigência formulada pelos RR.

4. Quanto ao direito de retenção conexo com as prestações devidas pela ocupação da fracção:
4.1. Pretende ainda a A. que se julgue improcedente a reconvenção, alegando que nada tem a pagar aos RR. pela retenção da fracção entre o momento em que deixaram de pagar as “rendas” e aquele em que procederam à entrega da fracção, uma vez que seriam titulares de um direito de crédito com direito de retenção acoplado.
Não é possível dar-lhe razão.

4.2. Quem estiver obrigado a entregar uma coisa pode recusar legitimamente o cumprimento dessa obrigação, desde que detenha sobre  a coisa direito de retenção, direito real de garantia necessariamente acoplado a um direito de crédito, que se insira nos arts. 754º e 755º do CC. Invocando legitimamente tal direito de retenção, fica desresponsabilizado pelos danos que a retenção determine na esfera do interessado.

Para além da função de garantia do pagamento do crédito, o direito de retenção constitui uma forma de pressão legítima que pode levar a contraparte a cumprir a sua prestação e a satisfazer os interesses do retentor.
Só que, no caso concreto, a invocação do direito de retenção surgiu apenas na réplica quando já tinha sido entregue a coisa.
Além disso, a invocação de um anterior direito de retenção surge em contracorrente com a alegação de que a demora na entrega da coisa se ficou a dever ao facto de o locador financeiro do equipamento implantado no estabelecimento se ter atrasado na sua recolha.
Por fim, não há notícias de que, entre a data em que deixou de pagar a “renda” acordada e aquela em que lhes entregou a fracção a A. tenha reclamado dos RR. qualquer crédito correspondente a benfeitorias que servisse de justificação para a retenção da fracção.
Deste modo, não é legítimo invocar, neste processo, um direito de retenção, nem a sua invocação exime a A. da obrigação de compensar os RR. pela retenção da fracção.

4.3. Uma vez que o espaço foi fruído pela A. ao abrigo de um acordo estabelecido com os RR., ainda que ferido de nulidade formal, e tendo em consideração que o tempo de uso não pode naturalmente ser restituído, a A. responde na medida do valor que foi convencionado pelas partes, nos termos e para efeitos do art. 289º, nº 1, do CC.

A quantia exigida pelos RR. representa, na realidade, o “valor correspondente” ao uso da sua fracção de que a A. beneficiou.
Manter-se-á, por isso, a sentença na parte em que julgou procedente a reconvenção.


IV – Em conclusão:
Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença que se substitui pela seguinte:
a) Julga-se parcialmente procedente a acção, condenando os RR. a pagar à A., com o limite máximo de € 29.967,87, a quantia correspondente ao diferencial entre o valor que a fracção teria sem as obras referidas nos pontos 5., 8., 9., 10., 11. e 12. da decisão de facto (ponto 6. deste acórdão) e o valor que tinha quando, em Julho de 2001,  foi entregue aos RR., considerando ainda o facto referido no ponto 30., a determinar em liquidação de sentença.
b) Tal quantia será compensada com a quantia devida pela A. aos RR., no valor de € 9.352,46, com juros de mora à taxa legal, desde a data em que a A. foi notificada da reconvenção.
Custas da apelação e da acção a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 8-4-08

António Santos Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria do Rosário Oliveira Morgado