Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21346/17.3T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA COMPENSAÇÃO
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Sumário: Desconhecendo-se se o valor entregue pelo R. corresponde à compensação devida ao trabalhador por extinção do posto de trabalho, importa assentar os elementos que permitem calcular a mesma, devendo para tal, previamente, produzir-se a prova pertinente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


O A. impugnou o despedimento por extinção do posto de trabalho.

A R. contestou e arguiu, designadamente, a presunção da aceitação do despedimento, nos termos do art.º 366/4 do CT, por o A. ter recebido a compensação que a empregadora lhe fez chegar, nada devolvendo, o que extingue o seu direito de impugnar o despedimento.

O A. respondeu à exceção e reconveio.

Prosseguindo os autos, foi proferido saneador sentença que julgou procedente a invocada exceção e consequentemente absolveu a R. do pedido.
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O A. não se conformou e recorreu, concluindo (em suporte que não permite o seu tratamento informático) que:
b.- A R. não pôs à disposição a compensação por antiguidade; o exercício da presunção é feito em abuso de direito, 334/3, Código Civil; a sentença viola os princípios dos art.º 16, 17, 18 e 20 da CRP e ainda 53 e 58.
d, e, g, h, i. A carta de 4.8.17 não discrimina os montantes de cada um dos valores a que o A. teria direito, nomeadamente a compensação do art.º 366, ex vi 372 do CT, proporcionais de férias vencidas e não gozadas; proporcionais de subsídio de Natal, salários devidos, subsídio de alimentação. Limitou-se a transferir € 18.728,89 para a conta do A. sem discriminação dos valores e o modo de cálculo, o que o impedia de tomar posição sobre a quantia em causa. Para relevar, o valor da compensação deve corresponder ao que resulta do art.º 366.
j.- Assim, não pôs à disposição do A. a compensação de antiguidade
k.- A doutrina tem entendido que o art.º 366 é de muito duvidosa constitucionalidade
o.- A decisão recorrida é materialmente inconstitucional
t. e ss. Há abuso de direito ao prevalecer-se deste instituto
Remata pedindo que se substitua a decisão recorrida por outra que declare inverificada a exceção de presunção inilidível de que o A. aceitou o despedimento.
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A R. não contra-alegou.
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O DM do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da confirmação da sentença. Nota nomeadamente que a argumentação do A. de que os valores não estavam corretos e de que a sua situação económica não lhe permitia a devolução é irrelevante e que a não aceitar o despedimento o A. sempre teria de devolver logo o valor da compensação, coisa que não fez.

Não houve resposta ao parecer.

Foram colhidos os competentes vistos.
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II–
A)– É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC.
Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se se verifica a aludida exceção por a R. não ter discriminado os valores nos termos referidos pelo A., se a R. agiu em abuso de direito e se, de todo o modo, o regime legal consagrado no art.º 366 é inconstitucional.
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Factos provados.
O Tribunal a quo deu por assentes os seguintes factos, que não foram postos em crise:
1– A aqui Empregadora remeteu ao aqui Trabalhador, que a recebeu, a missiva cuja cópia se mostra junta a fls. 13, verso, a 14 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datada de 11 de julho de 2017, com o seguinte teor:
“(…) Assunto: Despedimento por extinção do posto de trabalho
Exmo. Senhor,
Vimos comunicar a intenção de proceder ao despedimento de V. Exa., em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho, nos termos do nº1 do art. 369º do Código do Trabalho.
A extinção do posto de trabalho radica na redução efectiva da actividade e na necessidade imperiosa de adaptar os custos da empresa ás actuais condições de mercado. Com efeito, desde 2013 que a empresa sofre uma evidente redução da sua facturação, trabalhando atualmente a cerca de 30% da sua capacidade, com uma acumulação sensível de passivo. A redução dos custos da empresa é uma necessidade de sobrevivência.
A BBB, Lda ressente-se da situação de crise prolongada que o país atravessa. Há assim, motivos de mercado e estruturais da própria empresa que impõe a necessidade da extinção de um posto de trabalho de …, sem o que a empresa não sobreviverá.
O critério que presidiu à escolha do posto a extinguir, baseia-se na necessidade de polivalência e de capacidade de adaptação horária e funcional que a actividade da empresa exige.
V. Exa. poderá emitir o seu parecer fundamentado no prazo de dez dias a contar da data da presente comunicação, nos termos do nº1 do art. 370º do Código do Trabalho.
Com os melhores cumprimentos, (…)”;
2– O Trabalhador respondeu à missiva descrita no ponto anterior por missiva cuja cópia se mostra junta a fls. 17, verso, a 20 dos presentes autos que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3– A Empregadora remeteu ao Trabalhador, que a recebeu, a missiva cuja cópia se mostra junta a fls. 2, verso, a 3 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, com o seguinte teor:
“(…) Assunto: Despedimento por extinção do posto de trabalho
Exmo. Senhor,
Vimos comunicar o seu despedimento por extinção do posto de trabalho nos termos do art. 371º do Código do Trabalho, com os fundamentos que se enunciam.
A extinção do posto de trabalho radica na redução efectiva da actividade e na necessidade imperiosa de adaptar os custos da empresa ás actuais condições de mercado. Com efeito, desde 2013 que a empresa sofre uma evidente redução da sua facturação, trabalhando actualmente a cerca de 30% da sua capacidade, com uma acumulação sensível de passivo. A redução dos custos da empresa é uma necessidade de sobrevivência.
A BBB,  Lda ressente-se da situação de crise prolongada que o país atravessa. Há assim, motivos de mercado e estruturais da própria empresa que impõe a necessidade da extinção de um posto de trabalho de operador de máquina encadernação e acabamento, sem o que a empresa não sobreviverá.
Verificam-se os requisitos previstos no nº 1 do art. 368º do Código do Trabalho, designadamente a inexistência de culpa do empregador e a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho.
O critério que presidiu à escolha do posto a extinguir, baseia-se na necessidade de polivalência e de capacidade de adaptação horária e funcional que a actividade da empresa exige, sendo que nesses items é o trabalhador com pior avaliação de desempenho como é do seu perfeito conhecimento.
O trabalhador pronunciou-se sobre o despedimento, concluindo que ‘o despedimento é ilegal e tem caráter persecutório’.
Conclusões que a empresa não aceita, sendo de referir que os factos alegados no parecer do trabalhador são, no entendimento da empresa falsos, designadamente os constantes dos pontos 15,16 e 22 a 26, conforme se provará se vier a ser necessário.
A ACT elaborou relatório sobre a extinção do posto de trabalho, concluindo que os requisitos do art. 368º, nº 1 do Código Trabalho ‘se encontram preenchidos’; em relação aos requisitos do art. 368º, nº 2 do Código Trabalho, o relatório afirma que os mesmos não se encontram provados ‘nesta sede’. Ora, é convicção da empresa que em sede própria efetuará tal prova, se vier a ser necessário.
O contrato de trabalho cessará no dia 19 de outubro de 2017, conforme o aviso prévio previsto no art. 365º do Código do Trabalho.
A empresa pagará a compensação de € 16.531,52 devida pela antiguidade do contrato de trabalho, sem prejuízo dos créditos emergentes da cessação do contrato.
A compensação e os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho serão pagos por transferência bancária no dia 19 de outubro de 2017. (…)”
4– A Empregadora transferiu para a conta bancária do Trabalhador, em 19 de outubro de 2017, a quantia de €18.728,89;
5– O Trabalhador não procedeu à devolução da quantia descrita em 4), nem a colocou à disposição da Empregadora.
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C)–De Direito
Transcreve-se ainda a fundamentação de direito da decisão recorrida:
"(...) Está em causa saber se o facto de o Trabalhador não ter devolvido a compensação que recebeu da Empregadora constitui uma presunção inilidível de que aceitou o despedimento, conforme sustentado pela Ré.
Um dos direitos que assiste ao trabalhador que veja cessar o contrato de trabalho em virtude de despedimento por extinção de posto de trabalho é o de lhe ser paga uma compensação. O pagamento da compensação, assim como de outros créditos vencidos ou exigíveis pelo trabalhador em virtude da cessação do contrato de trabalho é um dos requisitos da licitude do despedimento coletivo (cfr. art.º 384º, al. d), do Código do Trabalho de 2009, na redação introduzida pela Lei n.º 23/2012, de 25.06, em vigor à data). Estabelecendo o art.º 366º, n.º 4, ex vi art.º 372º, do Código do Trabalho de 2009 (na redação introduzida pela Lei n.º 69/2013, de 30.08, em vigor à data) que “Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo”. Na Lei de Cessação do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), dispunha o seu art.º 23º, n.º 3, na versão original, que “O recebimento pelo trabalhador da compensação a que se refere o presente artigo vale como aceitação do despedimento”. Como consequência, o trabalhador que aceitasse a compensação ficava impossibilitado de requerer a suspensão judicial do despedimento, tal como de o impugnar (cfr. art.º 25º, n.º 2, do mesmo diploma legal. Era então entendimento dominante, embora não uniforme, que o n.º 3, do art.º 23.º, estabelecia uma presunção absoluta ou juris et de jure, logo, inilidível (cfr. n.º 2 do art.º 350.º do Código Civil). O recebimento da compensação correspondia, sem mais, à aceitação do despedimento. Tal opção legislativa foi posteriormente afastada com a eliminação do n.º 3, do art.º 23º LCCT, operada pela Lei n.º 32/99, de 18 de Maio.

Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, em 01.12.2003, foi revogada a LCCT, vindo o art.º 401.º, n.º 4 a retomar parcialmente aquela solução originária, já que agora o texto da lei, ao não fazer qualquer menção expressa em contrário, permite concluir que se passou a consagrar uma presunção ilidível, por aplicação do n.º 2, do art.º 350º do Código Civil. Com efeito, nos termos do disposto nesta norma do Código Civil, em regra, as presunções legais têm natureza relativa, só sendo juris et de jure quando a lei proibir a admissibilidade de prova em contrário. Por conseguinte, o recebimento da compensação faz operar a presunção legal de aceitação do despedimento, mas ela pode ser ilidida, não ficando precludida a possibilidade de impugnação do despedimento.

Porém, como assinala Pedro Furtado Martins (in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição, Principia, Cascais, 2012, pág. 361) “(...) ficou por esclarecer o que seria necessário para que o trabalhador afastasse a presunção e, mais concretamente, se bastaria para o efeito que declarasse expressamente que não aceitava o despedimento, caso em que o mero recebimento da compensação, não excluiria a possibilidade de impugnação judicial”.

Com o Código do Trabalho de 2009, o legislador manteve a presunção nos mesmos termos e procurou resolver aquela dúvida, passando a exigir expressamente que o trabalhador, para a ilidir, em simultâneo, entregue ou ponha à disposição do empregador, por qualquer forma, a totalidade da compensação pecuniária recebida, no art.º 366º, n.º 5, ex vi art.º 372º do Código do Trabalho de 2009.

Decorre assim do aludido art.º 366º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2009 que a ilisão da presunção de aceitação do despedimento exige a devolução ou a colocação à disposição da entidade empregadora do montante da compensação recebida, não se bastando com quaisquer tomadas de posição no sentido da não aceitação pelo trabalhador, ou mesmo com a simples impugnação do despedimento. Sobre esta questão v.g., entre outros, Acórdãos do STJ de 17.03.2016 (Relator: Ana Luísa Geraldes) e 16.06.2015 (Relator: Melo Lima), ambos in http://www.dgsi.pt/jstj. No fundo está subjacente a esta norma o princípio de que a aceitação da compensação é incompatível com a rejeição do despedimento. A exigência da disponibilização da compensação até ao termo do prazo do aviso prévio como pressuposto da licitude do despedimento visa garantir ao trabalhador o recebimento desta forma de indemnização pela cessação lícita da relação de trabalho e desempenha um elemento redutor da conflituosidade inerente ao despedimento. A disponibilização da compensação é uma forma de demonstração de boa fé da entidade empregadora e da sujeição da mesma aos parâmetros legais no recurso a esta forma de cessação da relação de trabalho e não visa a resolução dos problemas sociais associados ao desemprego dos trabalhadores. Ela decorre da obrigação da reparação dos danos sofridos pelo trabalhador decorrentes da perda do seu posto de trabalho associada a motivos de natureza objetiva não decorrentes de um ato ilícito e de culpa do empregador.

Esta disponibilização também exige boa fé por parte do trabalhador que, caso não aceite o despedimento, deverá devolvê-la ou colocá-la à disposição do  empregador, de imediato, ou logo que da mesma tenha conhecimento, inibindo-se da prática de quaisquer atos que possam ser demonstrativos do apossamento do quantitativo que lhe foi disponibilizado. Na verdade, conforme decorre do art.º 126º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, o “empregador e o trabalhador, no cumprimento das respetivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé”. A retenção da compensação por parte do trabalhador quando não concorde com o despedimento coletivo de que é objeto seria manifestamente contrária ao princípio da boa fé, decorrente daquela norma como princípio geral. Com efeito, a disponibilização da compensação não visa antecipar o pagamento de quaisquer indemnizações a que o trabalhador se sinta com direito decorrente de uma eventual ilicitude do despedimento, ou resolver os problemas sociais derivados do despedimento, não conferindo o sistema jurídico qualquer direito sobre esse quantitativo ao trabalhador despedido que pretenda impugnar o despedimento e não concorde com o mesmo.

Alega o Trabalhador que a invocação da presunção de aceitação do despedimento por parte da Empregadora constitui abuso de direito e implica ou determina a inaplicabilidade da presunção. Para aferir da legitimidade ou ilegitimidade do exercício de um direito, a lei fornece três conceitos: boa fé, bons costumes e o fim social e económico do direito (art.º 334º do Código Civil). A boa fé pode ser encarada objetivamente (como norma de conduta) ou subjetivamente (como estado de espírito). É a face objetiva deste conceito que está contemplada no art.º 334º do Código Civil. Enunciando-o, o legislador apela à ética jurídica que exige que cada um proceda de modo honesto e leal, mantendo nas relações com os outros a palavra dada e a confiança. Será de acordo com esta normatividade exterior - conteúdo do princípio da boa fé objetivado pela convivência social – que o julgador irá preencher valorativamente o correspondente conceito jurídico (boa fé, enquanto conceito indeterminado). Quanto aos bons costumes, há que entendê-los como um conjunto de regras de convivência que num dado tempo e lugar as pessoas honestas e corretas aceitam partilhar. Esse conjunto de normas constitui a ordem pública moral. Será, assim, contrário aos bons costumes o exercício de um direito que viole normas elementares impostas pelo decoro social. Por último, sabido que cada direito possui uma função instrumental própria, que justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício, deve tal exercício respeitar a finalidade social ou económica tida em vista pelo legislador na regulamentação do respetivo instituto. Se os limites em que a lei encerra o exercício do direito forem ultrapassados (de forma manifesta), há abuso do direito. A manifestação mais clara do abuso do direito - e para a qual apela a aqui R. - é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança (exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões). Do que se trata de saber é se, no circunstancialismo apurado, a invocação da presunção de aceitação do despedimento pela Empregadora é abusiva. A resposta, adiante-se, é negativa. Com efeito, por um lado, é o próprio legislador quem a fornece, ao estabelecer a invocada presunção. Por outro lado, contrariamente ao invocado pelo Trabalhador, não poderia existir qualquer dúvida quanto ao valor da compensação paga, pois foi-lhe expressamente comunicado que esta se cifraria em € 16.531,52 (cfr. ponto 3) dos Factos Provados), sendo para efeitos de devolução irrelevante quer a forma como esse cálculo foi efetuado, quer se o valor pago estava corretamente calculado, quer a situação económica do Trabalhador e o conhecimento desta por parte da Empregadora. Não tendo o Trabalhador procedido à devolução ou disponibilização à Empregadora da quantia desta recebida a título de compensação pelo despedimento por extinção de posto de trabalho de que foi alvo, forçoso é concluir que este não ilidiu a presunção prevista no art.º 366º, n.º 4, ex vi art.º 372º, do Código do Trabalho de 2009 e aceitou tal despedimento".
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Ora, vejamos.
A primeira questão consiste em saber se a R. pagou a compensação, na medida em que efetuou um depósito na conta do A. sem que tenha discriminado ponto por ponto a que valores se refere.
Esta linha de argumentação do A. é, salvo o devido respeito, um tanto curiosa, tanto mais que também alude a boa fé e a abuso de direito da parte da R. ao querer prevalecer-se da exceção em causa. E porquê curiosa? É que o A. recebe a quantia de 16.531,52 € da parte da R., a título, diz esta, de "compensação de devida pela antiguidade do contrato de trabalho"; não esboça, que se veja, um protesto e nem o menor esforço no sentido de restituir essa verba que, a não lhe ser devida a título de compensação pertence à empregadora; defende que tal quantitativo não pode ser considerado compensação pois que ele, A., ignora o preciso montante que lhe é devido. Se a verba não lhe era devida, devolvia-a, e se não aceitava o despedimento, devolvia-a também; aceitar a verba entregue como compensação e ainda assim não abrir mão dela é que não.

De todo o modo, cumpre saber se pode valer como compensação um valor entregue ao trabalhador a esse título, o qual nada objeta e não a restitui, isto não obstante a empregadora deixar de discriminar como apurou montantes, o que é compensação de antiguidade e o que são outros créditos eventualmente devidos e não pagos, como férias e subsídio de Natal.

Vejamos. O art.º 366/1 não faz perder o caráter de compensação a uma quantia entregue a esse título, de boa fé, nos termos e para os efeitos do aludido preceito, mesmo que possa existir algum acerto a efetuar no que toca a outros créditos (neste sentido, escreve Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4ª ed., que, relativamente a outros créditos laborais, "só se incluem aqui créditos não litigiosos e cujo montante esteja apurado", pag. 350 - o que milita no sentido de que é fácil calcular o valor da compensação, não valendo, pois, dúvidas que possam existir quanto a outros créditos laborais). De resto, não é especialmente difícil apurar o montante devido pela cessação do vínculo, correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, e proporcionalmente por cada fração de ano de antiguidade, com o limite mínimo de três meses de retribuição base e diuturnidades (art.º 366, n.º 1, 2 e 3, ex vi art.º 372 do Código do Trabalho), pelo que o trabalhador bem podia sindicar o seu acerto (assim como a R. podia apresentar os elementos que presidiram ao seu cálculo).

Há, no entanto, uma questão relevante que cumpre apreciar e que se prende com a oportunidade do conhecimento da questão em apreço.

Primeiro: o que é a compensação de antiguidade? Sem perder tempo com a explicação da sua natureza e fins, cabe referir que é um montante destinado a ressarcir de algum modo o trabalhador pela perda da antiguidade decorrente do despedimento, o qual é apurado nos termos acima referidos (anos e fração de anos de antiguidade x retribuição base + diuturnidades). Só isto é que corresponde à compensação: como diz Pedro Furtado Martins, op. cit., 389, "requer-se a colocação à disposição da totalidade dos montantes em dívida".
Segundo: a R. pagou a compensação? O saneador sentença diz que sim, porquanto a R. entregou ao A. 16.531,52 € a esse título (o trecho relevante é o segmento final acima transcrito: "contrariamente ao invocado pelo Trabalhador, não poderia existir qualquer dúvida quanto ao valor da compensação paga, pois foi-lhe expressamente comunicado que esta se cifraria em € 16.531,52 (cfr. ponto 3) dos Factos Provados), sendo para efeitos de devolução irrelevante quer a forma como esse cálculo foi efetuado, quer se o valor pago estava corretamente calculado, quer a situação económica do Trabalhador e o conhecimento desta por parte da Empregadora. Não tendo o Trabalhador procedido à devolução ou disponibilização à Empregadora da quantia desta recebida a título de compensação pelo despedimento por extinção de posto de trabalho de que foi alvo, forçoso é concluir que este não ilidiu a presunção prevista no art.º 366º, n.º 4, ex vi art.º 372º, do Código do Trabalho de 2009 e aceitou tal despedimento".
A verdade, porém, é que o A. impugnou logo esse valor, afirmando que auferia 1263,54 € (montante que corresponde ao valor mencionado nos recibos juntos pela R.) e que presta a sua atividade para a R. desde 15.10.99. Ora, se ponderarmos aquele valor por cerca de 18 anos de antiguidade (já que no despedimento é de 4.8.17) facilmente chegamos a um valor que ultrapassa bem os 20.000,00 €.
A terceira pergunta a que importa responder, em face disto, é esta: é certo que a quantia entregue corresponde à compensação, quando nem sequer está assente a antiguidade do autor (e, verdade se diga, a douta decisão também não deu por provado o valor da retribuição base, ainda que os elementos disponíveis e a posição das partes apontem para aquele montante de 1263,54 €/ mês)?
Cremos que não: não se pode afirmar neste momento que tal valor está correto. Certamente por isso a douta decisão recorreu a um argumento formal: se a R. lhe chamou compensação, o A. tinha de a devolver. Contudo, não basta a R. chamar-lhe compensação; é preciso que o seu valor corresponda ao montante previsto no art.º 366, n.º 1 a 3, do Código de Processo do Trabalho. Ou seja: nesta altura desconhece-se se o valor entregue pelo R. corresponde à dita compensação: primeiro importa assentar os elementos, acima exarados, que permitem calcular a mesma. Para tal há que produzir-se previamente a prova pertinente.
O que implica a anulação da douta decisão recorrida, devendo os autos prosseguir, desde logo para apurar a antiguidade e o vencimento do autor (se a tal não obstar outro motivo), elementos necessários para que a exceção da aceitação do despedimento possa ser decidida.
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A R. suscita a inconstitucionalidade desde regime da compensação/presunção. Não obstante o exposto supra, não vislumbramos a mesma, sendo que seguimos a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, consagrada nomeadamente no acórdão de 16.11.2017 (relator Ferreira Pinto), disponível em www.dgsi.pt, que decidiu que "I) As normas contidas nos n.ºs 5 e 6, do artigo 366º, do CT/2009, na redação dada pela Lei n.º 23//2012, de 25 de junho, interpretadas no sentido de que a exceção perentória da aceitação do despedimento por parte do trabalhador faz funcionar a presunção legal nelas estabelecida, não são materialmente inconstitucionais por não violarem o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva e o direito à segurança no emprego, consagrados nos artigos 20º e 53º, ambos da Constituição da República Portuguesa, por não serem direitos absolutos. II) O legislador ao estabelecer que, no despedimento coletivo, se presume que o trabalhador que receber a compensação do empregador aceita o despedimento, não está a dificultar ou a prejudicar, arbitrária e desproporcionalmente, o acesso desse trabalhador aos tribunais e a uma efetiva tutela jurisdicional. III) Com efeito, o trabalhador para se furtar a essa presunção e para impugnar judicialmente o seu despedimento sem a cominação prevista no n.º 6 [atualmente n.º 5] tem apenas que rejeitar essa compensação", remetendo-se no mais para as considerações aí expendidas.
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O A. arguiu ainda o abuso de direito da R., questão que se nos afigura prejudicada pela anulação da decisão recorrida.

III. DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal anula a decisão recorrida e determina a prossecução da ação, se outro motivo não houver que a tal obste.
Custas do recurso pelo vencido a final.



Lisboa, 24.10.2018


Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega