Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1195/08.0TYLSB.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE
JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O critério determinante da concorrência indicado no art. 254º, n.º 2, do C.S.C., ainda que meramente formal, tem que ser completado pela apreciação da influência que, na realidade, a actividade pessoal do gerente pode ter sobre a actividade da sociedade protegida.
2. Decorre da experiência comum que, por vezes, a escolha de alguns consumidores, quanto aos estabelecimentos de restauração existentes em centros comerciais, é orientada por critérios aleatórios como o tempo de espera e o tempo disponível, pela preferência gastronómica do momento ou até pela mera curiosidade.
3. Tendo-se provado que o gerente de uma sociedade comercial, que tem por objecto social exclusivo o investimento, exploração, operação e gestão de restaurantes de uma determinada marca, sendo o conceito comercial subjacente a essa marca o de venda de comida saudável, constituiu uma outra sociedade, da qual é o único sócio, que tem por objecto a actividade de restauração e estabelecimentos localizados nos mesmos centros comerciais, tendo ainda utilizado conhecimentos relativos a fornecedores que lhe advinham das suas funções, para beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais concedidas à sociedade protegida, conclui-se ter o mesmo violado o dever fundamental de lealdade, na vertente da não concorrência.
4. Não se deve chancelar como abusiva a conduta da requerente/apelante, ao ter silenciado perante a missiva do ora apelado - onde este dava conta de estar a programar dar início à exploração, por conta própria, de estabelecimentos de restauração, a abrir tendencialmente em centros comerciais -, tanto mais que não se provou, nem tal foi sequer alegado, que aquela tivesse feito crer ou dado a entender a este que estaria na disposição de permitir a abertura dos estabelecimentos de restauração.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. “M, Lda., intentou a presente acção especial, nos termos do disposto no art. 1484°-B do Código de Processo Civil, contra JV e S Lda, peticionando que seja decretada:
- A suspensão imediata do requerido JV do cargo de gerente da sociedade S, Lda., sem audiência prévia deste, com perda do direito à remuneração e demais regalias financeiras pelo exercício daquele cargo, ordenando-se a entrega à sociedade da respectiva viatura de serviço, telemóvel e computador;
- A destituição do requerido JV de gerente da sociedade S Lda. com fundamento em justa causa por violação grave dos deveres gerais de cuidado e de lealdade e do dever especifico de não concorrência com a sociedade.
Para tanto, alegou em síntese que em 18 de Março de 2005, M, Lda. e JV constituíram a sociedade S, Lda., com o objecto social exclusivo de investimento, exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia "VC", sob o regime de franchising, sendo actualmente, requerente e requerido os únicos sócios; que foram nomeados gerentes no contrato de sociedade, o sócio JV e o não sócio RS (este era à data sócio gerente da soc. R. C. S, Lda), tendo-se estipulado que a sociedade se obriga em todos os actos e contratos pela assinatura conjunta de dois gerentes; que o gerente e não sócio RS ficou expressamente autorizado a exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade requerida; que o sócio JV não foi autorizado a desenvolver actividade concorrente com a da sociedade; que, com data de 14 de Julho de 2008, JV dirigiu uma carta à sociedade requerida na qual a informava que programava vir a realizar a exploração de estabelecimentos de restauração; que em 23 de Julho de 2008, JV constituiu uma sociedade unipessoal por quotas denominada JV, Lda., que tem por objecto a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de Franchising, prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele, exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas; que em 30 de Julho de 2008 reuniu a Assembleia Geral de sócios da requerida, tendo sido deliberado nomear um terceiro gerente, com vista a garantir o normal funcionamento da sociedade; que o requerido votou contra essa deliberação; que este convocou para o dia 11 de Agosto de 2008 uma assembleia geral da requerida com vista à destituição com justa causa do gerente RS, não obstante não ignorar que tal destituição apenas seria possível por via judicial; que o requerido abriu um estabelecimento de restauração no centro comercial DVA, na cidade do P.; que nos últimos meses o requerido nunca se encontrava nos escritórios da sociedade; que este usou os meios da sociedade requerida e o período de férias por esta remunerado, para abrir o seu estabelecimento comercial de restauração no referido centro comercial; que usou o computador, o servidor de correio electrónico da sociedade e os fornecedores desta para contactos e negociações de fornecimento e instalação de equipamento e prestação de serviços para o seu estabelecimento comercial "H3"; que usou o seu telemóvel de serviço, propriedade da sociedade requerida e com facturação paga por esta, para contactos com os sócios e gerentes da sociedade comercial "CL.", titular da referida marca "H"; que usou a sua viatura de serviço, propriedade da sociedade requerida e respectiva via verde, paga pela sociedade requerida, para deslocações alheias à actividade e interesses da sociedade e de carácter estritamente pessoal; que na negociação dos contratos com fornecedores, utilizou a informação que detinha sobre os preços praticados pelos ditos fornecedores com a sociedade requerida, pretendendo beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais; que o requerido encontra-se presentemente a desenvolver uma actividade na área da restauração, em regime de franchising e sob o conceito de comida saudável, concorrencial à actividade da sociedade requerida, tendo acesso a informação de natureza confidencial sobre a actividade desta; e que através da sociedade da sua titularidade abriu no Centro MS um outro “H”.  
Por despacho de fls. 265/266 foi o requerimento inicial indeferido relativamente à requerida sociedade.
Citado, o requerido deduziu oposição, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou a prescrição do direito fundado no exercício de actividade concorrente, por terem decorrido mais de 90 dias contados do conhecimento, por todos os sócios, da actividade por si exercida (art. 254º, n.º 6, do CSC). Invocou ainda o abuso de direito, por a autora ter recebido a carta a comunicar-lhe que iria dar início, por conta própria, à exploração de estabelecimentos de restauração e não manifestou oposição .
Por impugnação alegou que a actividade exercida pela sociedade por si constituída não é concorrencial com a actividade da S que os mercados alvos de um e do outro produtos vendidos pelas sociedades são totalmente diferentes; que a utilização pelos gerentes da S do telemóvel e veículo para uso pessoal é uma constante, uma prática normal e não existe qualquer limitação fixada pela sociedade, à utilização; que o know-how do requerido é indissociável da sua pessoa; que os preços praticados pelos fornecedores da S, maxime, de vegetais, têm uma expressão praticamente nula no "menu" da sociedade constituída pelo requerido e podem ser adquiridos, a preços extremamente competitivos em estabelecimento "cash and carry". Pugnou pela improcedência da acção.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas.
Após foi elaborada a resposta à matéria de facto (fls. 271 a 279) e proferida sentença, na qual se julgou improcedente a acção e a ré foi absolvida dos pedidos contra ela formulados.
Inconformada, veio a requerente interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
(…)

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida em conformidade com o supra exposto quer em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito.
            Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
(…)
III. O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da recorrente, pelo que as questões a decidir resumem-se a saber:
- se é caso de altera a matéria de facto fixada em 1ª instância;
- se há, ou não, justa causa para a suspensão/destituição do requerido das funções de gerente.
*

IV. Da impugnação da matéria de facto:
(…)

V. Da questão de mérito:
No caso em apreciação encontramo-nos em presença de uma acção de suspensão e destituição de gerente.
Dispõe o art. 257º, n.º 5, do CSC, que se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pode ser decidida em acção intentada pelo outro.
E o n.º 6 prescreve que constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade parra o exercício normal das respectivas funções.
De sua vez, o art. 64 do CSC estatui que:
1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
2 - Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.
E, como se assinala na sentença recorrida, os gerentes ou administradores têm ainda o dever, nos termos do art. 254º, n.ºs 1 e 5, do citado diploma legal, de não exercerem, por conta própria ou alheia, de actividade concorrente com a da sociedade, constituindo tal exercício justa causa de destituição.

Intencionalmente, o legislador não nos revelou a noção de “justa causa”, deferindo para a doutrina e para a jurisprudência o aprofundamento da melhor elaboração da determinação deste conceito.
Como se refere no Ac. do STJ de 15/05/2013 (in www.dgsi.pt) a “justa causa” preconizada no n.º 6 do art. 257.º do C. S. Comerciais pode definir-se como toda a acção praticada pelo gerente que merece a abominação generalizada dos demais associados e que, devido à reprobabilidade individual daquela sua conduta, faz desaparecer a habitual segurança e boa-fé que antes e até aí existia, deste modo tornando impraticável a prossecução desta habitual ligação funcional e, inexoravelmente, reclamada para uma fortalecida administração da sociedade.
 “A justa causa de destituição do gerente pode analisar-se nos seguintes pressupostos:
- ilicitude: a violação dos deveres de gerência, sejam eles deveres específicos legais (por ex., a proibição de concorrência ou o dever de relatar a gestão), deveres específicos estatutários (por ex., convocar os sócios com certa periodicidade) ou deveres genéricos (por ex., actuar com lealdade, com urbanidade e com respeito pela integridade patrimonial da empresa ou dos seus sócios);
- culpa: o juízo de censura inerente às violações perpetradas; esta, perante a violação de deveres específicos, presume-se, nos termos do artigo 799º/1, do Código Civil).
Quanto aos danos: não têm de ser efectivos: apenas potenciais.”cfr. Menezes Cordeiro, in Manual de Direito das Sociedades, II volume, pag. 417.
Quebrar a confiança no gerente equivale ao predomínio de uma incerteza sobre o modo por que, no futuro, ele irá desempenhar as suas funções. (…) O juízo de quebra corresponde a uma síntese entre a ilicitude, a culpa e o concreto significado que in casu assumam, por um lado e, por outro, a valoração que tudo isso suscite, num prisma de equilíbrio normal e prudente. Consequência natural da quebra relevante de confiança é a inexigibilidade da continuação da situação da gerência, inexigibilidade essa que advém de uma ponderação global do sistema, expressa pela fórmula tradicional “boa fé” – pag. 418.
*
A requerente fundou o seu pedido de suspensão e destituição do requerido:
-  Na violação do dever especial de não concorrência;
- Na utilização de meios e informações da sociedade S para a prossecução da referida actividade, bem como na assumpção de comportamentos prejudiciais à sociedade.

Quanto ao dever de não concorrência:
Exarou-se na sentença recorrida que:
“Entende-se como concorrente com a da sociedade (de que o requerido é gerente) qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
(…)
No caso concreto temos que o objecto social exclusivo da sociedade S é o investimento, exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia "VC", sob o regime de franchising, sendo que a sociedade S sempre se dedicou à exploração de restaurantes da marca "V..".
Por outro lado, a sociedade JV Lda., de que é sócio único JV tem por objecto "a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de Franchising; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele; exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas" e exerce actividade de venda de comida sob a marca "HG".
Aplicando os supra referidos conceitos à situação dos autos, temos que a actividade da sociedade JV Lda., só pode considerar-se efectivamente "concorrente" da actividade da sociedade S se, além de abrangida no objecto contratual desta, estiver de facto a ser exercida por ela.
Ora, o objecto contratual da sociedade S é o investimento, exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia "VC", sob o regime de franchising e a actividade exercida pela sociedade P é a venda de comida sob a marca "HG".
Diga-se ainda que, um consumidor que procura uma loja da "VC", em que os produtos servidos consistem em sumos de frutas, saladas e sopas, não vê numa hamburgueria ( em que se publicita a venda de 200g pura carne de novilho 10% fresca, grelhado com sal marinho, no ponto escolhido, com batatas frescas ou arroz thai" e apresenta as opções: grelhado; com molho; champignon; tuga; benedict; cheese; french e bread; batatas fritas frescas e não congeladas e esparregado) uma alternativa.
Como explica Raul Ventura, obra citada, pág.60, "O critério formal tem que ser não só esclarecido como também completado pela apreciação da influência que, na realidade, a actividade pessoal do gerente pode ter sobre a actividade da sociedade".
Do exposto resulta claro que a actividade da sociedade P não é concorrente da actividade da sociedade S, nos termos e para os efeitos previstos no art.254 o do CSC, não só porque não há coincidência entre o objecto social e a actividade prosseguida, mas também porque na prática não se verifica um desvio de clientela, já que os consumidores que, tipicamente, procuram os estabelecimentos explorados pela S, não verão nos estabelecimentos explorados pela P uma alternativa.
Assim, temos que concluir que o requerido não está a exercer actividade concorrente com a da sociedade de que é gerente”.
Contrapõe, porém, a apelante que:
- A sociedade S, Lda., da qual o Apelado é sócio-gerente, e a sociedade P, actual FH, de que o Apelado é sócio único têm ambas por objecto a actividade de restauração, em regime de franchising, que exercem no mesmo espaço geográfico - food court de centros comerciais -, pelo que têm natureza concorrencial;
- Não obstante, entendeu-se na sentença recorrida que, atenta as diferentes ementas dos estabelecimentos comerciais de ambas as sociedades, não existia coincidência entre o objecto social e a actividade prosseguida por ambas, para além de não existir desvio de clientela já que os consumidores "que, tipicamente, procuram os estabelecimentos comerciais da S, não verão nos estabelecimentos explorados pela P uma alternativa";
- Ora, fazer depender a natureza concorrente ou não das actividades de restauração prosseguidas pela S, Lda., e pela P/FH do Apelado, as diferenças nas ementas - sumos, saladas e frutas vs hamburguers e actualmente saladas - das marcas exploradas nos respectivos estabelecimentos comerciais, situados, por sinal, na mesma área geográfica, constitui uma restrição interpretativa que não cabe nem na letra, nem no espírito da citada norma legal;
- Identicamente, presumir, como se presume na sentença recorrida, que não existe desvio potencial de clientela porque os consumidores serão tendencialmente diversos, é uma presunção que a experiência comum ilide, porque as mais das vezes a escolha dos consumidores nos food courts dos centros comerciais é orientada por critérios tão aleatórios como o tempo de espera e o tempo disponível, já para não falar na preferência gastronómica do momento.
Vejamos.
Nos termos do n.º 2 do art. 254º do C.S.C., entende-se por concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
Ora, provou-se que a S -, Lda. tem como objecto social exclusivo o investimento, exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia "VC", sob o regime de franchising, sendo que o conceito comercial subjacente à marca "VC" é o de venda de comida saudável; e que a sociedade JV Lda constituída pelo requerido a 23/07/2008, e da qual é o único sócio, tem por objecto "a exploração e gestão de estabelecimentos comerciais destinados à actividade de restauração e/ou actividades similares, com a possibilidade de recurso à utilização de marca em regime de Franchising; prestação de serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele; exercício de quaisquer actividades que sejam acessórias, instrumentais ou complementares às supra enunciadas".
Assim, ambas as sociedades têm por objecto a actividade da restauração.
E os respectivos estabelecimentos, independentemente da sua denominação, são estabelecimentos de restauração, pois que se destinam a prestar, mediante remuneração, serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele.

É certo que, como nos dá conta Raúl Ventura (Sociedades por Quotas, Vol. III, pag. 60), o critério meramente formal expresso no art. 254º, n.º 2, do CSC, tem que ser não só esclarecido como também completado pela apreciação da influência que, na realidade, a actividade pessoal do gerente pode ter sobre a actividade da sociedade protegida.
Nesta matéria provou-se que em 16 de Setembro de 2008, o requerido abriu uma loja da marca HG, no C. Comercial . .. (em frente da loja que a sociedade S detém no mesmo centro comercial) e posteriormente abriu uma outra no Centro Comercial …Shopping em .. (onde a marca VC também explora um estabelecimento de restauração).
Apurou-se também, que os produtos servidos, nos restaurantes "VC", consistem em sumos de frutas, saladas e sopas, enquanto que a marca H. publicita: "nem .. / / not so fast food - 200g pura carne de novilho 10% fresca, grelhado com sal marinho, no ponto escolhido, com batatas frescas ou arroz thai" e apresenta as opções: grelhado; com molho; champignon; tuga; benedict; cheese; french e bread. Publicita ainda batatas fritas frescas, e não congeladas e esparregado.
Esta diferenciação de produtos e a circunstância de se ter provado que os clientes que, num dado momento, procuram uma salada ou uma sopa, não vêem uma hamburgueria como alternativa, determinou que na sentença recorrida se tivesse concluído no sentido de que a actividade da JV Lda não é concorrente da actividade da S, Lda.
Acompanhando, neste ponto, a apelada, dissentimos do entendimento assim expresso na sentença.
Com efeito, como é do conhecimento geral, existem vários factores que, a cada momento, são susceptíveis de interferir na escolha alimentar dos consumidores.
E decorre da experiência comum que existem clientes de estabelecimentos de restauração que muitas das vezes apenas procuram um local onde possam tomar rapidamente uma refeição, independentemente do tipo de comida que aí é servida, e outros ainda determinam a sua escolha pela mera curiosidade. Como salienta a apelante nas suas conclusões, “as mais das vezes a escolha dos consumidores nos food courts dos centros comerciais é orientada por critérios tão aleatórios como o tempo de espera e o tempo disponível, já para não falar na preferência gastronómica do momento”.
Assim, para este tipo de consumidores, os estabelecimentos explorados pela sociedade de que o requerido é o único sócio oferecem ao público bens que, em determinadas ocasiões, podem substituir os oferecidos pelos estabelecimentos explorados pela soc. S, Lda.
Nessa medida, a actividade da soc. P é susceptível de afectar a actividade da sociedade protegida (S, Lda), o que é potenciado pela proximidade dos respectivos estabelecimentos de restauração, sendo que, nos termos da lei, o que se pretende prevenir é, precisamente, a mera possibilidade de provocar dano.
Sendo assim, conclui-se pela existência de concorrência entre as actividades desenvolvidas pelas duas sociedades.

Por outra via, importa salientar não consubstanciar uma situação de abuso de direito a propositura pela requerente da presente acção quando anteriormente não respondeu à carta do requerido de 14/07/2008, onde este dava conta de estar a programar dar início à exploração, por conta própria, de estabelecimentos de restauração, a abrir tendencialmente em centros comerciais.
Efectivamente:
Estipula o art. 334º, do C. Civil, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A figura do abuso do direito surge, assim, como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo – cfr. Ac. STJ de 12/06/2012, in www.dgsi.pt.
Uma das manifestações do abuso de direito, que em tese, poderia estar presentes no caso em apreciação, é a proibição do venire contra factum proprium.
Este caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Para que se possa dar por criada uma situação objectiva de confiança torna-se necessário que alguém pratique um facto – o factum proprium – que, em abstracto, seja apto a determinar em outrem uma expectativa da adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com o primeiro e que, em concreto, gere efectivamente uma tal convicção.
Ora, não se deve chancelar como abusiva a conduta da requerente/apelante, ao ter silenciado perante a missiva do ora apelado, tanto mais que não se provou, nem tal foi sequer alegado, que aquela tivesse feito crer ou dado a entender a este que estaria na disposição de permitir a abertura dos estabelecimentos de restauração.
Nada tem, pois, de ilegítimo a propositura da presente acção.



Quanto ao demais circunstancialismo apurado:
Na sentença recorrida entendeu-se, em síntese, que:
Quanto à utilização de informação da sociedade:
Importa desde logo aqui esclarecer que nos parece que apenas a utilização de conhecimentos obtidos no exercício das suas funções, mormente, informações confidenciais sobre a actividade destas, estrutura de pessoal e custos, preços praticados e listas de clientes, no exercício de actividade concorrente, poderá aqui relevar.
No caso em apreço, não podiam os preços praticados pela sociedade S deixar de ser conhecidos pelo requerido, por força do exercício de funções, pelo que é natural que possam ser utilizados por este, também em negociações com terceiros no âmbito do desenvolvimento da actividade da sociedade de que é sócio único.
No entanto não se vê que tal utilização encerre uma conduta desleal para com a sociedade, pois em nada a prejudica ou revela segredos do negócio.
Relativamente ao conhecimento das acções de marketing e contratos celebrados com colaboradores, não se demonstrou que tenha sido utilizado pelo requerido em qualquer momento e para qualquer efeito.
Na medida em que apenas o ilícito aproveitamento, por parte do requerido, de conhecimentos obtidos no exercício e por causa das suas funções de gerente em benefício de sociedade que exerça actividade concorrente poderia aqui revelar uma actuação desleal, o que não se verifica, concluímos que a utilização das informações sobre preços em negociações com fornecedores de outra sociedade que não a S, não comporta a prática de um comportamento violador de qualquer dever do gerente aqui requerido”.
Quanto à utilização de meios da sociedade:
“A questão que se coloca é a de saber se, demonstrada a utilização pelo requerido dos bens que lhe foram atribuídos enquanto gerente da sociedade S, para utilização pessoal, tal consubstancia a violação dos seus deveres enquanto gerente.
Não se demonstrou que qualquer desses bens lhe tivesse sido entregue com a limitação de apenas ser utilizado enquanto estivesse em representação ou ao serviço da S.
Logo, não tendo sido restringida a utilização desses bens, tal significa que o requerido os pode usar, não só no exercício das suas funções, mas também na sua vida pessoal.
Aliás, é comum a atribuição de veículos, telefones, cartões de gasolina, via verde, etc., a gerentes ou funcionários, funcionando essas disponibilidades como uma forma de compensação indirecta pelo trabalho desenvolvido.
Perguntar-se-á, em que medida essa utilização é feita no interesse da sociedade, tendo em vista a utilidade para os sócios e os trabalhadores. Ora, se é certo que nenhuma vantagem parece advir para a sociedade S desta utilização, a verdade é que a obrigação de actuação em prol e no interesse da sociedade não pode impor-se em todos os momentos e estender-se a todos os actos praticados pela pessoa do gerente, designadamente na sua esfera pessoal.
Nessa medida e considerando que nem sempre a utilização daqueles bens o foi no exercício de funções (mas também que não tinha que o ser), não vemos que essa utilização, ainda que não em prol da sociedade S, consubstancie a violação dos deveres de cuidado ou lealdade.
Quanto à assumpção de comportamentos prejudiciais à sociedade:
“Considerando os factos (…) temos demonstrado que a referida "atitude de bloqueio" apenas está ancorada, em termos de factos aprovados, na recusa de assinatura de notas de débito referentes a custos partilhados de estrutura e funcionamento da sociedade e na posição assumida em assembleia-geral pelo requerido.
Diga-se, antes de mais, que o tribunal apenas considerou provado o teor da acta da assembleia e não os comportamentos nela descritos, razão pela qual não serão apreciados.
Resta-nos, portanto, aquilatar se a recusa de autorização para pagamento das notas de débito de custos da estrutura de funcionamento comum, consubstanciam uma atitude contrária aos interesses da sociedade.
Ora, numa primeira análise poderíamos dizer que, pois se a sociedade se tinha comprometido a pagar tais custas a recusa poderia originar responsabilidades acrescidas.
Porém importa considerar que o motivo da recusa foi a invocação de irregularidades nas notas de débito.
Se assim é, e pese embora não se tenha apurado que irregularidades estariam em causa, a verdade é que o fundamento da recusa é legitimo, pois se o requerido entendia que as notas de débito não estavam correctas, na defesa dos interesses da sociedade S, deveria esclarecer as supostas irregularidades antes de aceitar um pagamento indevido.
Não vemos, portanto, aqui uma conduta contrária ao interesse social.
(…)
Da factualidade assente consta também que:
- Nos meses anteriores à entrada em juízo da presente acção, o requerido pouco foi à sede da sociedade.
- À data de entrada em juízo da presente acção a presença do requerido na sociedade S raramente excedia umas horas num único dia por semana.
- Normalmente, na sua deslocação à sociedade S o requerido procura ser ressarcido das despesas em que incorreu ao serviço da sociedade e inteirar-se das actividades e performance da sociedade.
Numa primeira análise diremos que não foi alegado, nem demonstrado, quais eram as concretas funções do requerido na sociedade S, pelo que da sua presença nas instalações da sociedade por períodos curtos não decorre, sem mais, falta de zelo, de interesse ou de disponibilidade.
Noutro prisma e tendo-se provado que o requerido, nas deslocações à sociedade, procurou, no essencial, ser ressarcido das despesas em que incorreu poderíamos estar, aqui sim, perante factos reveladores da falta de falta de zelo, de interesse ou de disponibilidade.
No entanto, não esqueçamos que também ficou demonstrado que nessas mesmas deslocações o requerido procurou inteirar-se das actividades e performance da sociedade, o que revela preocupação com o seu desempenho e não alheamento dos destinos da sociedade.
Acresce que desconhecemos se fora das instalações da sociedade e durante o tempo em que ali não se encontrava, o requerido continuou a desenvolver a actividade que lhe estava acometida, ou seja, a gerência, resolvendo problemas e tomando decisões em nome e em prol da sociedade de que é gerente.
Tudo visto, podemos concluir que de entre os deveres cuja violação se apontou genericamente, não se provou qualquer violação por parte do requerido do dever de lealdade ou do dever de cuidado, com relevo para justificar a quebra da confiança da sociedade no seu gerente que justifiquem a cessação das funções que lhe estão contratualmente confiadas.
Em suma, não ficou provada a prática de quaisquer actos pelo gerente JVque possam ser qualificados como actos de má gestão, violadores dos seus deveres de cuidado e lealdade, e que, por conseguinte, possam ser qualificados como integradores de justa causa para a suspensão e destituição das suas funções.
A presente acção improcede, assim, integralmente”.
Ao invés a apelante contrapõe que:
            - Provou-se que o Apelado usou os meios materiais - viatura, computador e telemóvel - e as informações, inclusive sobre preços e condições comerciais, que tinha enquanto gerente da S, Lda., em prol da sua sociedade P/FH e, por conseguinte, em benefício pessoal, o que constitui uma violação manifesta do dever geral de lealdade do Apelado para com a S, Lda, e para com a sua sócia Apelante;
- Desde 2008, que a S, Lda., suporta mensalmente todos os custos associados aos meios - viatura, telemóvel e computador - postos à disposição do Apelado enquanto seu gerente não para o exercício deste cargo, não para fins meramente pessoais, mas antes para o exercício por este de uma actividade profissional de natureza comercial própria, pelo que a S, Lda., não só tem o prejuízo correspondente, como, melhor ainda, ainda financia indirectamente a actividade paralela do seu sócio-gerente;
- Por outro lado, é do conhecimento comum, que a competitividade de uma empresa assenta, em muito, nos preços e condições comerciais que obtém dos seus fornecedores porque são estes preços e condições que lhe permitem colocar ou não os seus produtos a um preço concorrencial no seu mercado alvo, pelo que, saber à partida tais preços e condições e poder negociar com base nestes, é uma vantagem competitiva que redunda em detrimento da concorrência que opera no mesmo mercado, e tanto bastaria para sustentar a existência de prejuízo para a S, Lda., do uso pelo seu gerente Apelado desta informação nas negociações com os fornecedores da sua sociedade;
- Ademais, contrariamente ao defendido na sentença recorrida, pouco importa se existe ou não prejuízo, porquanto o que é desleal é um gerente usar em benefício próprio meios e informação reservada da sociedade, o que constitui factualidade mais que provada na presente acção;
- Acresce referir que outros comportamentos se demonstraram no sentido da violação pelo Apelado dos seus deveres gerais de cuidado, lealdade e de boa fé enquanto gerente da S, Lda., máxime a sua tentativa de nomeação em assembleia geral de sócios da sociedade S da pessoa que tinha acabado de nomear gerente da sua sociedade unipessoal - VD, ou as várias atitudes de bloqueio e conflito na gestão da sociedade que adoptou - inclusive a tentativa de destituição em assembleia geral do gerente RS - enquanto preparava e montava o exercício da sua actividade comercial própria;
- Foram apurados factos/actos que impossibilitam a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo supõe;
- Na verdade, não é exigível à S, Lda., nem à sua sócia Apelante, que tenha como gerente, com acesso permanente a informação privilegiada e reservada, quem consigo e com a marca VC não só concorre diariamente nos mesmos espaços comerciais, como, inclusive, ainda usa para o efeito, os meios materiais postos à disposição para o exercício do cargo, com um custo mensal de mais de 3.000,00 € entre ordenados e regalias, no que mais não é que um financiamento indirecto da actividade profissional comercial própria do seu gerente.
Vejamos.
Dos factos apurados flui que o requerido utilizou o telemóvel, veículo automóvel e via verde em benefício pessoal, a expensas da sociedade S, Lda.
Certo é que a atribuição da utilização desses bens foi feita pela sociedade sem qualquer restrição, correspondendo tal, como se refere na sentença recorrida, a uma prática comum em Portugal.
Consequentemente, embora tivesse redundado em prejuízo da sociedade, a utilização daqueles bens em benefício pessoal, por si só, não pode fundamentar o pedido de destituição de gerente, pois que era do conhecimento e mereceu aceitação dos sócios.
Porém, apurou-se que o requerido usou o computador, o servidor de correio electrónico da sociedade S e os fornecedores desta para contactos e negociações de fornecimento e instalação de equipamento e prestação de serviços para o estabelecimento comercial "H"; que o requerido usou o seu telemóvel de serviço, propriedade da sociedade S e com facturação paga por esta, para contactos com os sócios e gerentes da sociedade comercial "Café  - Lda.", titular da referida marca "H3"; e que o requerido, nas negociação dos contratos com fornecedores, pretendeu beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais concedidas à sociedade S, dos quais teve conhecimento por força das funções de gerente desta sociedade.
Utilizou assim os bens e informações da sociedade S, Lda no desenvolvimento da actividade da restauração concorrencial com a desta, apesar de, contrariamente ao outro gerente, não ter sido autorizado a desenvolver actividade concorrente com a da sociedade S -Lda.
A gravidade da conduta do requerido/apelado resulta, assim, deste facto, o qual é revelador da violação do dever de lealdade, na vertente da não concorrência.
Efectivamente, como refere J. M. Coutinho de Abreu (in Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedade, pags. 25, 33 e 34), o dever de lealdade é definível como dever de os administradores exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se portanto de promover o seu próprio benefício ou interesses. E é dever de todo o administrador não utilizar em benefício próprio meios ou informações da sociedade. Não pode, assim, o administrador utilizar informação reservada da sociedade (respeitante a processos de produção, projectos de investimento, clientes, etc.) para, por exemplo, dela “abusar” (v. o art. 449º do CSC) ou aproveitá-la em empresa que tenciona constituir.

Ademais, apurou-se que:
- O pessoal administrativo e contabilístico e o equipamento afecto à actividade da sociedade S -, Lda. é o da sociedade R. C. S Lda., partilhando os respectivos custos de funcionamento da estrutura de acordo com uma percentagem mensal apurada em função do cômputo global das vendas mensais de ambas as sociedades e na respectiva proporção.
- O requerido recusou a autorização para pagamento das notas de débito de custos da estrutura de funcionamento comum, emitidas a partir de Março do ano de 2008, invocando a existência de irregularidades que não concretizou.
Ora, a recusa de pagamento de notas de débito da estrutura de funcionamento comum pode originar custos acrescidos para a sociedade (nomeadamente o pagamento de juros de mora).
É certo que o requerido legitimou o seu comportamento na alegação da existência de irregularidades nessa notas de débito.
Porém, enquanto gerente criterioso e ordenado, competia-lhe concretizar as alegadas irregularidades, o que, segundo se apurou, não fez, pelo que se não pode concluir pela legitimidade da sua conduta.

No que toca aos comportamentos do apelado assumidos nas assembleias gerais de 30/07/2008 e de 11/08/2008 (quanto aos requerimentos e pretensões formuladas e maneira como votou os diversos pontos), importa precisar que o mesmo formulou requerimentos e votou em tais assembleias na qualidade de sócio e não de gerente, pelo que a actuação do mesmo naquela qualidade é indiferente para a sorte da presente acção.

Provou-se ainda que nos meses anteriores à entrada em juízo da presente acção (18/10/2008), o requerido pouco foi à sede da sociedade S, não se tendo deslocado às lojas da S - .., desde data não concretamente apurada, mas anterior a Setembro de 2008.
Este facto revela o desligamento do requerido da gestão corrente da S, Lda, por certo decorrente da designação como gerente de MCS S (mulher do gerente RS), com a consequente formação de uma maioria na definição e execução dos actos de gestão da sociedade e, consequentemente, da irrelevância da sua vontade nessa matéria.

Concluindo:
Provado ficou que o requerido, enquanto gerente da S, Lda, não estava autorizado a desenvolver actividade concorrente com a desta sociedade e que o mesmo, ao constituir uma sociedade, e colocar em funcionamento estabelecimentos explorados por esta, utilizando ainda conhecimentos relativos a fornecedores que lhe advinham das suas funções, para beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais concedidas à sociedade S,Lda, violou o dever fundamental de lealdade, na vertente da não concorrência.
O comportamento do requerido/apelado, enquanto gerente, inviabilizou, em termos de razoabilidade, a manutenção da relação de gerência, por a sua conduta afectar gravemente o interesse social e da outra sócia.
Justifica-se, por isso, a sua destituição das funções de gerente.
A procedência, nesta fase processual, deste pedido, extingue a instância atinente ao pedido de suspensão, provisória, do requerido, das funções de gerente (aquela pretensão consome esta última), por inutilidade superveniente da lide – art. 287º, al. e) do CPC (art. 277º al. e) do NCPC).
Procede pois a apelação.
*
            Sumário:
  1. O critério determinante da concorrência indicado no art. 254º, n.º 2, do C.S.C., ainda que meramente formal, tem que ser completado pela apreciação da influência que, na realidade, a actividade pessoal do gerente pode ter sobre a actividade da sociedade protegida.
2. Decorre da experiência comum que, por vezes, a escolha de alguns consumidores, quanto aos estabelecimentos de restauração existentes em centros comerciais, é orientada por critérios aleatórios como o tempo de espera e o tempo disponível, pela preferência gastronómica do momento ou até pela mera curiosidade.
3. Tendo-se provado que o gerente de uma sociedade comercial, que tem por objecto social exclusivo o investimento, exploração, operação e gestão de restaurantes de uma determinada marca, sendo o conceito comercial subjacente a essa marca o de venda de comida saudável, constituiu uma outra sociedade, da qual é o único sócio, que tem por objecto a actividade de restauração (hamburgueria) e estabelecimentos localizados nos mesmos centros comerciais, tendo ainda utilizado conhecimentos relativos a fornecedores que lhe advinham das suas funções, para beneficiar de idênticos preços e demais condições comerciais concedidas à sociedade protegida, conclui-se ter o mesmo violado o dever fundamental de lealdade, na vertente da não concorrência.
4. Não se deve chancelar como abusiva a conduta da requerente/apelante, ao ter silenciado perante a missiva do ora apelado - onde este dava conta de estar a programar dar início à exploração, por conta própria, de estabelecimentos de restauração, a abrir tendencialmente em centros comerciais -, tanto mais que não se provou, nem tal foi sequer alegado, que aquela tivesse feito crer ou dado a entender a este que estaria na disposição de permitir a abertura dos estabelecimentos de restauração.


VI. Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se, julgar procedente a apelação e, em consequência:
a. Revoga-se a sentença recorrida;
b. Julga-se procedente o pedido de destituição do requerido das funções de gerente da sociedade S .., Lda, com fundamento em justa causa;
c. Declara-se extinta a instância atinente ao pedido de suspensão da gerência, por inutilidade superveniente da lide;
d. Condena-se o requerido/apelado nas custas (devidas em 1ª instância e nesta Relação);
e. Notifique.


Lisboa, 1 de Abril de 2014


Manuel Ribeiro Marques - Relator

Pedro Brighton - 1º Adjunto

Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta
Decisão Texto Integral: