Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2899/14.4TTLSB.L1-A-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
COLIGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Nos casos de coligação à pluralidade de sujeitos corresponde também uma pluralidade de pedidos, ainda que a causa de pedir possa ser a mesma, pelo que a actividade jurisdicional se dirige aqui à definição, mais individualizada, desses alegados direitos de cada uma das partes coligadas.

II. Através da presente acção pretendem os AA. a condenação da R. a pagar a cada um deles - individualmente – o seguinte: i) o valor que lhes é devido mensalmente a título dos complementos de reforma dos AA., retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até Dezembro de 2013; ii) o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma que a partir de Janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar a cada um dos AA., nos valores indicados por cada um deles, acrescidos de juros de mora desde a data do vencimento de cada um até integral pagamento; iii) indemnização por danos morais, a determinar individualmente (na medida em que os eventuais danos são mais ou menos graves, nalguns casos incluindo “ideias desesperadas, e até mesmo suicidárias”.

III. Embora assentando numa causa de pedir comum – a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos AA. pela Ré, a partir de Janeiro de 2014, com fundamento no art.º 75.º da LOE 2014, consubstanciando, na perspectiva destes um acto ilícito por violação dos princípios constitucionais que apontam – o certo é que estão em causa uma pluralidade de pedidos, respeitantes aos direitos individuais de cada um dos autores, que até poderiam ser exercidos individualmente por cada um deles, mas que optaram por os exercer em coligação, nos termos permitidos pelo artigo 36.º do NCPC.

IV. E, se assim é, como cremos, tem necessariamente aplicação o n.º 5.º do art.º 530.º, do NCPC, estabelecendo que [5] “Nos casos de coligação, cada autor (..) é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:



I. RELATÓRIO:


I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, os autores adiante mencionados:

- AA e outros
Vieram intentar a acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra:

- Metropolitano de Lisboa, EP.

Pedem que julgada a acção procedente seja a Ré condenada nos termos seguintes:

 a) A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos AA., retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até Dezembro de 2013;
b) A pagar a cada um dos AA. o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma que a partir de Janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar a cada um dos AA., nos valores supra indicados, acrescidos de juros de mora desde a data do vencimento de cada um até integral pagamento;
c) A pagar a cada um dos AA., a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, igualmente acrescido dos competente juros de mora desde a data da citação da R. até integral pagamento;
d) Na integralidade das custas e em procuradoria condigna.

Para sustentarem os pedidos alegam, no essencial, a Ré, a partir de Janeiro de 2014, e sob a invocação do art.º 75° da Lei n° 83-C/2013, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, a Ré cessou unilateralmente o pagamento o pagamento do complemento da pensão de reforma ao qual se encontrava, e se encontra, juridicamente vinculada, por virtude dos direitos a tais complementos expressamente consagrados nos IRCTs sucessivamente aplicáveis e aplicados na Ré, direitos esses que ela, até Dezembro de 2013, sempre respeitou.

Conduzindo tal conduta a cortes no valor bruto da pensão recebida que, nalguns casos, chegam a ultrapassar os 60%.

Não tendo os trabalhadores de todo dado qualquer acordo ou consentimento seu à retirada ou eliminação desse mesmo direito da sua esfera jurídica.

Pondo em causa esta em si mesma, e violando assim o art° 56°, n° 3 da CRP, o qual garante - e de forma directa e imediata, e não derivada da lei ordinária - o direito à contratação colectiva, e com um mínimo de conteúdo útil (ou "conteúdo essencial").

Com grave e totalmente infundamentada violação do princípio da protecção da confiança, enquanto decorrência do Estado de direito, consagrado, como é sabido, no art° 2° da CRP.

E, consubstanciando, também, uma  inconstitucionalidade material do referido art° 75° da LOE-2014, por violação do princípio da igualdade consagrado no art° 13° da CRP.

O 1° A. recebia, a título de complemento de pensão de reforma, que deixou de receber a partir de Janeiro de 2014, o que perfaz presentemente o montante em falta de 820,46 x 6 = 4.922,76;
O 2° A. - 644,87 x 6 = 3.869,22
O 3° A. - 369,05 x 6 = 2.214,30
O 4° A. - 803,97 x 6 = 4.823,82
O 5° A. - 548,89 x 6 = 3.293,34
O 6° A. - 511,75 x 6 = 3.070,50
O 7° A. - 1.072,84 x 6 = 6.497,04
O 8° A. - 652,77 x 6 = 3.916,62
O 9° A. - 1.124,08 x 6 = 6.744,48
O 10° A. - 762,87 x 6 = 4.577,22
O 11° A. - 608,63 x 6 = 3.651,78
O 12° A. - 757,44 x 6 = 4.544,64
O 13° A. - 551,51 x 6 = 3.309,06
O 14° A. - 1.515,41 x 6 = 9.092,46
O 15° A. - 742,15 x 6 = 4.452,90
O 16° A. - 499,46 x 6 = 2.996,76
O 17° A. - 452,04 x 6 = 2.712,24
O 18° A. - 503,00 x 6 = 3.018,00
O 19° A. - 181,51 x 6 = 1.089,06
O 20° A. - 727,57 x 6 = 4.365,42 021°A.-1.135,90x6=6.815,40
O 22° A. - 906,29 x 6 = 5.437,74
O 23° A. - 915,32 x 6 = 5.491,92
O 24° A. - 1.246,24 x 6 = 7.477,44
Montantes esses de que, acrescidos dos respectivos juros de mora conforme já supra referenciado, a Empresa Ré se encontra em dívida para com os AA. e deve ser condenada a pagar-lhes, bem como todos os relativos aos meses seguintes até integral pagamento.

Por outro lado, submetidos à situação de verem as disponibilidades financeiras - com base nas quais fizeram todas as sua principais opções e definiram os seus compromissos e obrigações de natureza económica - serem súbita e drasticamente diminuídas, os AA. sentiram-se, e sentem-se, marcadamente revoltados e traídos na sua confiança, bem como muito vexados e humilhados e, mais do que isso, profundamente angustiados, desde logo por não saberem de todo qual irá ser o seu futuro e dos seus familiares mais próximos, receando fundadamente não poderem prover à satisfação das suas necessidades essenciais.

O que lhes determinou, entre outras consequências psico-somáticas, uma profunda ansiedade, perturbações do sono, irritabilidade, tendência para o isolamento e, inclusive, nalguns casos, ideias desesperadas, e até mesmo suicidárias.

Tal é a profunda transformação da normalidade das suas vidas, quer a nível pessoal e familiar, quer social, que esta conduta ilícita da R. lhes causou, sendo esses danos de enorme gravidade e reiteração, já que, a não ser feita entretanto cessar a conduta ilícita que os determinam, verificar-se-ão durante, pelo menos, mais de cinco anos, pelo que não é possível determiná-los e muito menos quantifica-los em toda a sua extensão.

Por essas razões, não podem os AA liquidar o valor da indemnização a título de ressarcimento dos danos morais, indemnização que, todavia, não pode a empresa ré deixar de ser condenada.

I.2 Apresentados os autos, pela Senhora Juíza foi proferido o despacho que se passa a transcrever:

- “Com a petição inicial, os autores juntaram o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, no montante de € 612,00.
Contudo, verifica-se que este montante não corresponde à taxa de justiça devida no presente processo, uma vez que ocorre um caso de coligação activa, facultada aos 24 (vinte e quatro) autores pelo disposto no art. 36.º n.º 1 e 2 NCPC porquanto, os mesmos, com base numa relação jurídica distinta, formularam pedidos distintos contra a ré.
Dispõe no art. 530.º n.º 5 NCPC, "(N)os casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, sendo o valor desta fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais."
Em consequência e, no pressuposto que em coligação cada autor paga a respectiva taxa de justiça, dispõe o art. 13.º n.º 7, aI. a) do RCP que a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B para as partes coligadas.
Ora uma vez que os autores procederam ao pagamento de quantia equivalente a uma taxa de justiça - € 612,00 - deverá esta ser associada ao primeiro autor considerando-se assim quanto a este liquidada a mesma, devendo os demais autores proceder cada um ao pagamento da taxa de justiça correspondente.
Assim, nestes termos e ao abrigo do disposto no art. 560.º NCPC, deverão o 2º autor e seguintes, individualmente proceder ao pagamento das taxas de justiça em falta, sob pena de aplicação, por analogia, do disposto no art. 570.º n.ºs 3 a 7 NCPC».

I.3  Inconformados com essa decisão, os AA. apresentaram recurso de apelação, o qual foi devidamente admitido, mas determinado-se, incorrectamente, a subida nos próprios autos.

Apresentados os autos ao relator, nessa consideração e nos termos do disposto nos artigos 652.º n.º 1 al. a), foi determinada a correcção do modo de subida, cumprindo-se o disposto no art.º  653.º n.º 2 do CPC.

Consequentemente, instruído o presente apenso, os autos principais baixaram à 1.ª instância.

I.3.1 Com as alegações os recorrentes apresentaram as respectivas conclusões delas constando o seguinte:
(...)
I.4 O Digno Magistrado do Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado nos termos que seguem:

-« I - Os AA, coligados, intentaram uma acção com o mesmo objecto/pedido principal: o de que a Ré seja condenada a cessar de imediato o não pagamento dos complementos de pensões de reforma devidos aos AA (alínea a) da p.i.).
E é apenas na decorrência desse pedido principal e comum a todos os AA. - e caso o mesmo venha a proceder - que são efectuados os pedidos das alíneas b) e c), esses, sim, individualizáveis e susceptíveis de contabilização
Assim sendo, afigura-se-me que o valor da acção deverá ter por referência o pedido principal, pelo que, nos termos do art. 303°, n° 1 do CPC (tratando-se de acção sobre interesses imateriais), será de e 30.000,01.

II - E tratando-se, no caso, de uma coligação activa, a taxa de justiça deverá ser paga, nos termos do disposto no artigo 530, n° 5, do CPC, pelo que cada um dos autores será responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, sendo o valor desta fixado nos termos da tabela I-B (que é metade da tabela I-A), por força do disposto no artigo 13°, n° 7, al. a) do Regulamento das Custas Judiciais».

Os AA responderam reiterando a posição defendida nas alegações de recurso.

1.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso:

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão que se colocam para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao ter considerado que os AA. litigam em coligação activa e, consequentemente, que cada um deles deve proceder individualmente ao pagamento da taxa de justiça.

II. FUNDAMENTAÇÃO:

II. 1 - MOTIVAÇÃO DE FACTO:

Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório, relevando ainda deixar consignado que na certidão das peças que instruem o presente recurso consta que o “valor da acção principal é de € 541 709,06”.

II. 2 - MOTIVAÇÃO DE DIREITO:

A questão fulcral é a de saber se os AA. devem pagar uma única taxa de justiça ou, como entendeu o Tribunal a quo, cada um deles deve pagar individualmente a sua própria taxa de justiça.
A divergência assenta nos diferentes entendimentos quanto à natureza da posição processual dos AA. e consequente aplicação do disposto no art.º 530.º do CPC. O tribunal a quo partiu da consideração que estes litigam em coligação activa, enquanto aqueles pretendem sustentar que litigam em litisconsórcio voluntário.

O artigo 530.º do CPC, com a epígrafe “Taxa de Justiça”  (correspondente ao art.º 447.º-A CPC do pretérito CPC) dispõe, no que aqui interessa, o seguinte:

[1]- A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
(..)
[4] Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.
[5] Nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
(..)».

Como se elucida no acórdão desta Relação, de 24/03/2011 [proc.º 891/09.0TBLNH.L1-2, ONDINA CARMO ALVES, disponível em www.dgsi.pt], a taxa de justiça é uma tributação aplicável no âmbito judicial como contrapartida pela prestação de serviços de justiça e é fixada em função do valor e complexidade do processo, sendo devido o pagamento da taxa de justiça pelo impulso processual de cada parte. A parte processual é a pessoa ou cada uma das pessoas que pede a composição do litígio, ou contra quem ela é pedida. Os sujeitos processuais são, ao invés, as pessoas que podem integrar uma parte ou uma pluralidade de partes.

Do confronto entre os n.ºs 4 e 5, do art.º 530.º do NCPC, resulta com clareza que a lei não regula de forma uniforme as figuras do litisconsórcio e da coligação. A taxa de justiça é paga por cada parte ou sujeito processual, mas no caso de litisconsórcio, seja ele necessário ou voluntário, a responsabilidade pelo pagamento recai sobre o primeiro litisconsorte, tendo este direito de regresso sobre os outros. Diversa é a solução no caso da coligação, cabendo a cada uma das partes, na medida em que aqui assumem autonomia entre si, a obrigação de pagar a taxa que individualmente for devida.

Sobre a coligação de autores e réus, rege o artigo 36.º do NCPC, correspondendo, sem qualquer alteração, ao artigo 30.º do pretérito diploma, dispondo, na parte que aqui interessa, o seguinte:

- [1] «É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
(..)».

E, no que respeita ao litisconsórcio voluntário, rege o artigo  32.º, com aquela mesma epígrafe (correspondente ao art.º 27.º do pretérito CPC), estabelecendo o seguinte.

[1] «Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.

[2] Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade».

Como observam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “No litisconsórcio, há uma pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida; na coligação, à  pluralidade das partes corresponde a pluralidade relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os fundamentos destes   [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 161].

A propósito das características da coligação, em lição a que o tempo não retira plena validade,  escreveu Alberto dos Reis que os autores juntam-se “(..)  não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada”, ocorrendo uma “multiplicidade de pedidos e colectividade de litigantes” [Comentário, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pág. 146]. Também nas suas palavras, “A coligação traduz-se praticamente na acumulação de acções conexas[Código de Processo Civil anotado, vol I, 3ª edição reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 99].

A coligação pressupõe, pois, uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade de pedidos que são formulados diferentemente por cada um dos autores ou contra cada um dos réus [neste sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex-Edições Jurídicas, 1995, p. 87/88].

Parafraseando o acórdão desta Relação de 03/11/2011, “nos casos de coligação à pluralidade de sujeitos corresponde também uma pluralidade de pedidos, ainda que a causa de pedir possa ser a mesma, pelo que a actividade jurisdicional se dirige aqui à definição, mais individualizada, desses alegados direitos de cada uma das partes coligadas [proc.º 825/09.1TBLNH-A.L1-6, Desembargador AGUIAR PEREIRA, disponível em www.dgsi.pt].
   
Através da presente acção pretendem os AA. a condenação da R. a pagar a cada um deles - individualmente – o seguinte: i) o valor que lhes é devido mensalmente a título dos complementos de reforma dos AA., retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até Dezembro de 2013; ii) o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma que a partir de Janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar a cada um dos AA., nos valores indicados por cada um deles, acrescidos de juros de mora desde a data do vencimento de cada um até integral pagamento; iii) indemnização por danos morais, a determinar individualmente (na medida em que os eventuais danos são mais ou menos graves, nalguns casos incluindo “ideias desesperadas, e até mesmo suicidárias”.

Por conseguinte, embora assentando numa causa de pedir comum – a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos AA. pela Ré, a partir de Janeiro de 2014, com fundamento no art.º 75.º da LOE 2014, consubstanciando,  na perspectiva destes um acto ilícito por violação dos princípios constitucionais que apontam – o certo é que estão em causa uma pluralidade de pedidos, respeitantes aos direitos individuais de cada um dos autores, que até poderiam ser exercidos individualmente por cada um deles,  mas que optaram por os exercer em coligação, nos termos permitidos pelo artigo 36.º do NCPC.

E, se assim é, como cremos, tem necessariamente aplicação o n.º 5.º do art.º 530.º, do NCPC, estabelecendo que [5] “Nos casos de coligação, cada autor (..) é responsável pelo pagamento da respetiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais”.

O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo  DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 72/2014, de 02/09, estabelece, no que aqui releva, o seguinte:

i) [Artigo 6.º Regras gerais]

[1] A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

ii) [Artigo 11.º Regra geral]

A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.

iii)  [Artigo 13.º Responsáveis passivos]

[1] A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais.

(..)

[7] A taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B para:
a) As partes coligadas;

iv) [Artigo 14.º Oportunidade do pagamento]

[1] O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo:
a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil;

Da conjugação do n.º 5.º do art.º 530.º, do NCPC, com estas disposições do RCP, resulta, pois, que cada um dos autores coligados deveria, com a apresentação da petição inicial, ter comprovado o pagamento da taxa de justiça devida individualmente, sendo o respectivo valor determinado pelo valor da causa e em conformidade com o disposto na Tabela I –B.

Não tendo os AA. observado este procedimento e sendo certo que o pagamento da taxa de justiça é condição para desencadear o impulso processual, não poderia a Senhora Juíza deixar de intervir, para fazer respeitar este  regime legal.

Insurgem-se os AA. quanto ao valor da acção considerado, mas parecem esquecer que foram eles próprios que indicaram o valor da acção e, diga-se de passagem, incorrectamente. Na verdade, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a esse ponto, nem de resto era o momento próprio para o fazer. Por isso, recaindo sobre os AA o dever de indicarem o valor da acção, foi nessa base que decidiu a questão.

Como é consabido, o valor da acção não é determinado pela vontade destas, mas antes pela aplicação das normas legais atinentes ao valor da causa, nomeadamente, as constantes nos artigos 296.º e segts. do NCPC.

Conforme decorre do art.º 296.º n.º1, o valor da causa monetariamente expresso representa a utilidade imediata do pedido.

Quando o pedido tem por objecto uma quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário. Nos outros casos, isto é, quando se pretenda obter um benefício diverso, há que encontrar o equivalente pecuniário a esse benefício, sendo então esse o valor da causa (n.º 1, do art.º 297.º do CPC).

Cumulando-se vários pedidos na mesma acção, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles e, caso, sejam pedidos juros, atende-se apenas aos já vencidos (n.º2, do art.º 297.º).

Para a fixação do valor, atende-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal (n.º1, do art.º 299.º).

Sujeitas a uma norma específica estão as acções cujo objecto verse sobre direitos não patrimoniais, isto é, as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, cujo valor é sempre equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, com o propósito de garantir o recurso para esse tribunal (art.º 303.º 1, do CPC).

Os AA. decidiram fazer uso desta norma, indicando como valor da acção € 30 000,001,  mas não como dissemos mal, pois contrariamente ao que afirmam, não estamos aqui face a “uma questão una e de carácter imaterial”.

É nítido que todos os pedidos cumulados por cada um dos autores se reconduzem a um valor pecuniário: o pagamento dos complementos que na sua perspectiva foi indevidamente cancelado, foi liquidado pelos AA. na petição inicial e para ai remetem no primeiro pedido; a reposição dos pagamento daquele complemento, em caso de procedência da acção, traduzir-se-á num determinado valor que será possível de quantificar na sentença; e, os pedidos de danos não patrimoniais, caso venham a ser atendidos, serão necessariamente fixados em equivalente pecuniário.

Pretender defender que estão aqui em causa “interesses imateriais” não tem cabimento e, salvo o devido respeito, a norma não pode ser interpretada de modo a permitir contornar as regras sobre a fixação do valor da causa.

Por isso, quando indicaram esse valor, os AA deveriam ter ponderado todas as consequências que daí poderiam advir ao cumprirem o dever de indicação do valor da causa.

Mas como se disse, é consabido que o valor da causa não é fixado pelo livre arbítrio das partes. A lei processual estabelece que “Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes” (art.º 306.º1, CPC), sendo o momento próprio, em regra, no despacho saneador (n.º2, do mesmo artigo).

Acresce, como também é consabido, que o valor pode ser discutido, através do incidente regulado nos artigos 308.º e seguintes do CPC.

No caso consta certificado que o “valor da acção principal é de € 541.709,06”.

Não se sabe, nem releva para esta decisão, saber como se chegou à fixação desse valor e se o mesmo está definitivamente fixado.

A menos que entretanto tenha sido fixado valor diverso por decisão transitada em julgado, na sequência de eventual incidente para fixação do valor da acção, aquele será o valor a considerar para cumprimento pelos AA. do pagamento e demonstração da taxa de justiça em falta.

Concluindo, improcede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida, mas concretizando-se, pelas razões mencionadas, que o valor a considerar para cumprimento da mesma será o que estiver fixado para a acção.

            III. DECISÃO:

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida, mas concretizando-se que o valor a considerar para cumprimento da mesma será o que estiver fixado para a acção.
Custas pelos recorrentes
           
Lisboa, 15 de Julho de 2015
           
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Celina Nóbrega

Decisão Texto Integral: