Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2931/16.7T9LSB.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
INSOLVÊNCIA
PEDIDO CÍVEL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIMENTO
Sumário: Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência de uma sociedade, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.° do C.P.C., na esteira do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 1/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2013.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



1– No Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 5, Processo Comum Singular n.º 2931/16.7T9LSB, onde são arguidos A…, Unipessoal Ld.ª e B…, foram estes julgados e condenados pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. p. nos termos dos artºs. 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 e 107.º, todos do RGIT, nas penas de, respectivamente, 240 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €uros e 120 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €uros.

O Instituto da Segurança Social, IP., por sua vez, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação destes no pagamento do montante de 35.329,74 €uros, acrescido dos respectivos juros.

Todavia, julgando procedente o referido pedido, apenas no pagamento da indemnização foi condenada a arguida B…, pois que, relativamente à sociedade arguida A…, tendo sido, entretanto, proferida sentença, já transitada em julgado, a declarar a sua insolvência, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e) do C.P.C., ex vi art.º 4.º do C.P.P.

Porém, com a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, na parte em que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, não se conformou o Instituto da Segurança Social, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, o qual sustenta no facto de, também em relação à sociedade arguida, dever ser proferida a respectiva decisão condenatória, pois que, pese embora a autonomia material entre a causa crime e a cível, o tratamento formal unitário justifica-se, do mesmo modo que entende dever ser absolvida do pagamento das respectivas custas.

Da respectiva motivação extraiu o recorrente as seguintes conclusões:
“(...)
1.°- O objeto do recurso prende-se com a seguinte questão: A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ter julgado extinto o pedido de indemnização civil deduzido contra a demandada A…, Unipessoal, Lda. por entender que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a ação que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente, deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.°, alínea e), do Código de Processo Civil e pelo facto de ter condenado o ISS, IP no pagamento das custas civis, na proporção do decaimento.
2.°- Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço e incorreu em manifesto erro de apreciação.
3.°- Cumpre então saber se o pedido cível em processo penal é absolutamente equiparável a uma acção declarativa, o que, a verificar-se, envolveria a obrigatoriedade do reconhecimento do crédito se processar no processo de insolvência.
4.°- No caso, a parte demandante civil surge no processo penal por força do princípio da adesão (art.° 71.° do Código de Processo Penal), uma vez que o lesado só pode fazer valer os seus direitos, em separado perante o tribunal civil, nas situações - excepcionais - previstas no art. 72.°, n.° 1 do Código de Processo Penal.
5°- No caso de indemnização fundada na prática de crime, o lesado não é livre de optar pela jurisdição e processo civis, mesmo que considere serem os que melhor servem o seu direito. Acha-se obrigado à disciplina do processo penal e a aceitar o desvio às regras gerais da competência do juiz penal, que pode, então, conhecer também da causa cível.
6.°- A causa crime e a causa cível mantêm alguma autonomia material, que não se elimina por terem de ser conhecidas e tratadas num mesmo processo. Este tratamento formal unitário deve-se a razões de economia de meios e de esforços, e serve ainda a uniformização de decisões sobre uma mesma questão de facto. Mas justifica-se também pela especial conexão, ou precisando, pela peculiar conjugação da matéria penal com a matéria cível, que leva a parte penal a influir na decisão cível.
7°- Pense-se, por exemplo, na determinação da matéria de facto que realiza o “facto (penalmente) ilícito” (no processo penal, obtida à luz de princípios de prova que inexistem no processo civil), na relevância de determinados elementos penalmente típicos (como o dolo penal e o seu grau de intensidade) na quantificação da indemnização, entre outros. Tudo itens a apurar em processo‑crime, de acordo com as regras e princípios do processo penal, e que vão integrar também a decisão em matéria cível.
8.°- De tudo resulta que a conexão obrigatória não tem um fundamento exclusivamente formal, antes se justificando, igualmente, por razões materiais.
9.°- As regras processuais penais impõem-se então na tramitação do processo conjunto - sendo a acção cível que é recebida no processo penal e não o inverso -, o que sucede por razões decorrentes do estatuto de demandado/arguido, do exercício e reconhecimento das garantias de defesa, das diferenças existentes nos direitos probatórios penal e civil, particularmente nos princípios de prova na vertente da apreciação (in dúbio pro reo, presunção de inocência, inexistência de repartição de ónus de prova).
10.°- Assim, as nuances processuais no conhecimento da causa cível enxertada justificam-se na medida em que a forma civil se deve compatibilizar, respeitando-o, com o estatuto do demandado que é também arguido. Simultaneamente, cumpre garantir ao lesado a tutela dos seus direitos - tutela que obteria através do recurso ao processo civil - pois o art. 20.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa assegura a todos o acesso ao direito e garante-lhes o recurso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos.
11.°- O objecto da causa cível fundada na prática do crime é, desde logo, o facto ilícito (ao lado do dano, do nexo causal e da imputação daquele ao agente). A responsabilidade civil por facto ilícito não pode deixar de incluir o conhecimento - de facto e de direito - de todos os pressupostos da responsabilidade civil, o que implica o conhecimento do facto ilícito que constitui, aqui, também um crime.
12.°- O lesado civil tem direito - constitucionalmente assegurado, repete-se -, a ver a sua pretensão apreciada por um tribunal - a totalidade da sua pretensão e não apenas parte dela. A decisão sobre a responsabilidade civil não assenta somente no reconhecimento da existência de danos e do seu quantum. Ao lesado civil tem de ser processualmente assegurada a ampla discussão de toda a matéria (factual e jurídica) relevante para decisão cível, particularmente a causa de pedir do pedido que formula. Sendo ainda certo que, no processo penal e na maioria dos casos, lhe bastará alegar e provar os danos, o que se deve à possibilidade de aproveitamento de uma actividade probatória desenvolvida pelo Ministério Público, justificativa da própria figura da adesão obrigatória.
13.°- Existem, pois, razões de ordem material que fundamentam a conexão e a adesão obrigatória, não existindo outras que, no reverso, impeçam a dedução do pedido cível contra arguido insolvente, em processo penal.
14.°- Esta solução também em nada colide com a natureza e o fundamento do próprio processo de insolvência, como processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
15.°- Na verdade, o demandante-credor sempre terá de vir a reclamar o seu crédito no processo de insolvência, o que garantirá a salvaguarda da igualdade de oportunidade de todos os credores perante uma insuficiência de património do devedor.
16.°- Assim, identificam-se na causa penal razões materiais que justificam a conexão obrigatória - que a justificam materialmente, não apenas formalmente, insiste-se - e o consequente conhecimento da causa cível no processo penal, nos casos de responsabilidade civil emergente de crime.
17.°- A única questão sobrante é a de saber se esta posição, que se adopta, contraria o AUJ n.° 1/2014, que fixou a jurisprudência seguinte:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.° do C.P.C.” (D.R. n.° 39, Série I de 2014 - 02 - 25).
18.°- Este Acórdão mereceu já juízo de constitucionalidade (Ac. Tribunal Constitucional n.° 42/2014, DR 11.02.2014). Estava ali em causa o prosseguimento de acção declarativa tendente ao reconhecimento de direitos laborais (créditos salariais e direitos indemnizatórios do trabalhador).
19.°- A questão decidenda foi equacionada como sendo a de saber se a sentença transitada, que declara a insolvência da ré-empregadora, determina, ou não, a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, de acção declarativa pendente contra a insolvente.
20.°- Ora, o Acórdão não tratou, não aflorou, não analisou e não se pronunciou sobre o pedido cível deduzido em processo-crime, sendo certo que não são identificáveis aqui certas homologias que ali (nos direitos processuais civil e laboral) se reconhecem. Também materialmente as duas situações são distinguíveis, não sendo o mesmo considerar-se que o juiz da insolvência pode reconhecer os créditos de trabalhadores e o decidir-se que este pode conhecer também do crime e dos seus elementos típicos. Por último, a instância laboral, todo o processo laboral, se extinguiria por força da inutilidade superveniente da lide, já o mesmo não sucedendo com a acção penal que acolheu o pedido cível, a qual teria sempre de prosseguir para conhecimento do crime e dos seus autores.
21.°- Pelas razões desenvolvidas, considera-se que o “pedido cível deduzido em processo penal” não corresponde a uma “acção declarativa” no sentido e para os efeitos constantes do AUJ n.° 1/2014. Razão pela qual, no caso sub judice, o Acórdão não obsta à improcedência da excepção invocada em recurso, inexistindo uma inutilidade superveniente da lide.
22.°- Tendo resultado provado a existência de ilícito criminal quanto a ambos os arguidos demandados, consubstanciado na apropriação das contribuições deduzidas nos salários dos trabalhadores e gerente, o pedido de indemnização cível cuja causa de pedir se funda na prática de um crime (cf. artigo 71.° do CPP) foi julgado procedente.
23.°- No caso vertente, porque se provou que os arguidos/demandados cometeram os factos ilícitos nos quais se fundava o pedido cível enxertado nesta ação, verificam-se os pressupostos da indemnização com base na responsabilidade extracontratual.
24.°- O artigo 497.°, n.° 1 do Código Civil determina que se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
25.°- O princípio geral previsto no citado preceito legal é o da solidariedade da responsabilidade civil. E este princípio geral não é afastado pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) - Lei n.° 15/2001 de 5 de junho.
26.°- A responsabilidade civil da sociedade arguida pelo incumprimento das contribuições devidas à Segurança Social constitui uma responsabilidade por facto ilícito (artigo 483.°, n.° 1 do CC) que tem como pressupostos a existência de um ato ilícito, a culpa do agente, a existência de prejuízos indemnizáveis e um nexo de causalidade entre o ato ilícito e o prejuízo.
27.°- A responsabilidade civil pressupõe a existência de um dano reparável, que no caso vertente se concretizou na não entrada dos fundos contributivos devidos pelos arguidos/demandados, nos cofres da Segurança Social. A indemnização pelo dano sofrido com o não pagamento consiste, precisamente, na reposição das contribuições não entregues, acrescida de juros mora respectivos.
28.°- Ora, estando em causa a responsabilidade civil emergente da prática de crime, todos os co-autores são solidariamente responsáveis, nos termos do disposto no artigo 497.°, 1, do Código Civil.
29.°- O demandante, ora recorrente foi lesado com a conduta criminosa dos arguidos (e continua lesado uma vez que não foi ressarcido dos prejuízos que aquela conduta lhe causou) - e o pedido cível que o recorrente deduziu tem por finalidade a reparação dos mencionados prejuízos derivados da prática de um crime.
30.°- A causa de pedir do pedido de indemnização cível formulado nos autos em crise é constituída pelos mesmos factos que preenchem os pressupostos da responsabilidade criminal dos arguidos.
31.°- A responsabilidade civil dos arguidos demandados pelo incumprimento das contribuições devidas à Segurança Social constitui uma responsabilidade por facto ilícito (artigo 483.°, n.° 1 do CC) que tem como pressupostos a existência de um ato ilícito, a culpa do agente, a existência de prejuízos indemnizáveis e um nexo de causalidade entre o ato ilícito e o prejuízo.
32.°- No caso vertente, a mencionada responsabilidade concretizou-se na não entrada dos fundos contributivos devidos pelos demandados, nos cofres da Segurança Social, sendo que, a indemnização pelo dano sofrido com o não pagamento consiste, precisamente, na reposição das contribuições não entregues acrescida dos respectivos juros de mora.
33.°- De igual forma, a circunstância do recorrente ter reclamado créditos no processo de insolvência da sociedade arguida/demandada, não é impeditivo da procedência do pedido de indemnização civil contra ela deduzido no processo criminal, nem é determinativo da condenação condicional dos demandados civis (cf. Acórdão da Relação do Porto de 22.06.2011, Processo n.° 378/05.0TALSD, disponível in www.dgsi.pt).
34.°- A reclamação de créditos no processo de insolvência e o pedido cível formulado, são realidades distintas que respeita à natureza e origem dos respectivos objectos, bem como relativamente ao pedido e à causa de pedir.
35.°- O direito de crédito da Segurança Social não é um direito satisfeito pelo facto de ter sido reclamado, em sede de processo de insolvência, nem tal é garantia de que venha a ser. Pelo que o Estado pode e deve socorrer-se de todos os meios legais ao seu dispor para ver satisfeitos os seus créditos, sendo o pedido de indemnização cível, claramente um desses meios.
36.°- Nesse sentido, o Acórdão do STJ n.° 1/2013, proferido no Processo n.° 1187/09.2TDLSB.L2-A.SI­3.ª - Recurso de Fixação de Jurisprudência - ao estabelecer que “sendo certo que o ISS, I, pode instaurar processo de execução fiscal, possuindo para tal título executivo (...) reunidos que sejam os necessários requisitos, nada impede que faça uso de faculdade conferida em processo penal, do princípio de adesão”.
37.°- Como decorre do exposto, a douta sentença recorrida deve ser revogada na parte em que o tribunal “a quo” decidiu julgar extinto o pedido de indemnização civil deduzido contra a arguida/demandada A…, Unipessoal, Lda. por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.°, alínea e) do Código de Processo Civil e que o condenou no pagamento das custas civis, na proporção do decaimento, devendo ser substituída por outra na qual a mencionada arguida/demandada seja condenada solidariamente (artigo 497.°, n.° 1 do CC) ao pagamento das contribuições não entregues acrescida dos respetivos juros de mora.
38.°- Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, na perspectiva do ora recorrente, encontram-se inobservados na douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal “a quo” por errada interpretação e aplicação da lei os seguintes preceitos legais: artigos 7.°, 105.°, 107.° do RGIT, artigos 483.° e 497.°, n.° 1, ambos do Código Civil e artigos 71.°, 77.° e 377.° todos do Código de Processo Penal, e artigo 128.°, n.° 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser a sociedade arguida/ demandada A…, Unipessoal, Lda condenada solidariamente, ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, acrescida dos respetivos juros de mora e revogada a condenação do recorrente no pagamento das custas civis, na proporção do decaimento (…)”.
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Notificado da interposição do recurso, não apresentou o Ministério Público qualquer “resposta”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Neste Tribunal, no que ao objecto do recurso diz respeito, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “visto”.
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
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2– Cumpre apreciar e decidir:
É o objecto do presente recurso, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, o saber-se se o tribunal “a quo” deveria, ou não, ter proferido, também, decisão condenatória relativamente à sociedade arguida, tendo por objecto o pedido de indemnização civil contra si formulado, pese embora tenha sido declarada insolvente, e, bem assim, o decidir-se da justeza da condenação em custas.

Na parte em que releva para o conhecimento do objecto do recurso, foi a seguinte, no essencial, a decisão recorrida:
 “(…)
III– Fundamentação
III.1- Factos provados:
Da produção da prova e da discussão da causa o Tribunal considerou provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
1)A sociedade arguida A…, Unipessoal, Lda é uma sociedade
por quotas que tem por objecto o comércio, importação e exportação de têxteis, vestuário, calçado, acessórios de moda e outros complementos, representações, serviços de consultadoria de imagem, montagem de montras, palestras e conferências. Contudo, não procedeu ao pagamento das mesmas à Segurança Social nos prazos estipulados na lei, ou seja até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diziam respeito;

2)A arguida B…, exerceu e exerce a
função de gerente de facto e de direito da sociedade arguida desde 2 de Agosto de 2006;

3)No período compreendido entre Fevereiro de 2011 a Janeiro de 2012 e
Junho de 2012 a Dezembro de 2014, a arguida B…, agindo em representação da sociedade arguida A…, Unipessoal, Lda, deduziu do valor das remunerações pagas aos trabalhadores por conta de outrem as respectivas quotizações devidas à Segurança Social, no valor total de €35.329,74 (trinta e cinco mil, trezentos e vinte e nove euros e setenta e quatro cêntimos), a saber:

(…)
4)A arguida B…, enquanto representante legal da sociedade
arguida, não procedeu ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, nem no prazo legalmente previsto para o efeito, nem nos 90 dias subsequentes ao termo do prazo legal;

5)Notificada nos termos do disposto no artigo 105°, n.°4, al. b) do Regime
Geral das Infracções Tributárias, a arguida B…, enquanto legal representante da sociedade arguida A…, Unipessoal, Lda, não liquidou o valor em dívida nos 30 dias subsequentes à sua notificação;

6)A arguida B…, sabia que as contribuições deduzidas das
remunerações auferidas pelos trabalhadores por conta de outrem constituíam um crédito da Segurança Social e que, ao não as entregar, obtinha um benefício indevido;

7)A arguida B…, enquanto representante legal da sociedade arguida A…, Unipessoal, Lda e actuando em nome desta, previu e quis, deduzir das remunerações pagas aos trabalhadores por conta de outrem e as contribuições impostas por lei, nos períodos supra referidos, as quais não entregou à Segurança Social, no prazo devido, utilizando esse montante em proveito próprio e/ou daquela sociedade arguida;
8)Sabia a arguida B…, agindo por sua iniciativa e enquanto
representante legal da sociedade arguida, que tal conduta lhe estava vedada por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiu de a realizar;

9)Actuou sempre de forma idêntica, por um lado confrontada com a
dificuldade de gestão dos escassos recursos económicos disponíveis na sociedade e, por outro, animada pela confiança obtida pelo sucesso das suas primeiras actuações e vendo a sua conduta facilitadas pela ausência de qualquer interpelação ou exigência de entrega do valor das prestações retidas a partir da data dos seus vencimentos, aproveitando-se da não intervenção imediata dos serviços de fiscalização da Segurança Social;

*

Ficou ainda provado quanto à sua situação pessoal que:
10) A sociedade arguida A..., Unipessoal, Lda foi declarada
insolvente em 20.07.2015, por sentença da mesma data transitada em julgado em 17.08.2015;

11) A sociedade arguida A..., Unipessoal, Lda mantém-se inactiva
desde 20.07.2015, sem trabalhadores ou qualquer actividade comercial e, encontra-se em fase de liquidação;

12) No período referido em 3), a sociedade arguida A...,
Unipessoal, Lda tinha, pelo menos, dezassete funcionários, para além da sua gerente, a arguida B…, colectados para efeitos de contribuições à Segurança Social e desempenhar funções em quatro lojas diferentes;

13) A sociedade arguida A..., Unipessoal, Lda tem os seguintes
antecedentes criminais:

13.1)- uma condenação no processo n.° 1162/14.5IDLSB por decisão datada
de 21.04.2015, do J13 do Juízo Criminal Local de Lisboa, transitada em julgado em 10.09.2015, pela prática, em 01.04.2013, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105°, n.° 1, 2, e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa à razão diária de €10,00 (dez euros), perfazendo um montante total de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros);

14) B…, nasceu em…, veio para Lisboa com os pais, onde viveu desde tenra idade;
15) É licenciada em Gestão Hoteleira, entrou no mercado de trabalho na área da hotelaria e depois tornou-se gerente de loja;
16) Posteriormente, em 2006 adquiriu as lojas da sociedade arguida que já existiam e abriu uma quarta loja em 2011, altura em que se iniciaram as suas dificuldades de solvabilidade;
17) Reside em casa dos pais, com estes, que são reformados, uma irmã, actualmente desempregada, e a filha, menor de sete anos de idade;
18) Contribui para as despesas da habitação com cerca de €200,00 (duzentos euros), embora receba também ajuda dos pais para fazer face às despesas diárias;
19) Não recebe pensão de alimentos para a sua filha, embora o progenitor assegure o pagamento de todas as despesas da menor.
20) Actualmente, desempenha funções como consultora, aufere cerca de €620,00 (seiscentos e vinte euros) mensais;
21) Paga mensalmente à Administração Tributária a quantia de cerca de €98,00 (noventa e oito euros) por conta de um acordo prestacional realizado para liquidar montantes devidos a título de imposto não pago no mesmo período, por conta da sociedade arguida;
22) Confessou integralmente e sem reservas os factos;
23) Verbalizou arrependimento sincero e manifesta vontade de liquidar as importâncias em dívida;
24) B…, tem os seguintes antecedentes criminais:
24.1)- uma condenação no processo n.° 1162/14.5IDLSB por decisão datada de 21.04.2015, do J13 do Juízo Criminal Local de Lisboa, transitada em julgado em 10.09.2015, pela prática, em 01.04.2013, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105.°, n.°1, 2, e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), perfazendo um montante total de €720,00 (setecentos e vinte euros), já extinta pelo integral cumprimento;
*

Mais se apurou para efeitos de pedido de indemnização cível deduzido que:
25) A importância referida em 3) permanece por liquidar ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Lisboa.
*

III. 2 Factos não provados:
O Tribunal não considerou não provados factos com interesse para a boa decisão da causa.
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III.3 Motivação da decisão de facto:
Para apurar a factualidade assente, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo a “explicitação do processo de formação da convicção do tribunal” - acórdão da Relação de Coimbra n.° 680/98 de 02 de Dezembro, por forma a permitir uma compreensão “do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” ­acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 406/99 3AS de 12 de Maio, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Esse processo de convicção do Tribunal formar-se-á, não só com os “[...] dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, [...] “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos [...]” - acórdão da Relação de Coimbra de 10.01.2005, disponível in www.dgsi.pt.
Tendo em conta as considerações que se acaba de tecer, consigna-se que, na formação da sua convicção, o Tribunal fundou-a com base na apreciação crítica da prova feita em audiência de julgamento, designadamente, as declarações prestadas pela arguida B…, o que conjugou, designadamente, com a seguinte prova documental:
- relatório preliminar de 29.12.2015 de fls. 3 a 17;
- notificações do artigo 105.°, n.° 4, b) do RGIT de fls. 18 a 20; 23 a 31; 32 a 39; 84 e 85;
- certidão permanente do registo comercial de fls. 40 a 40 vs, 169 a 172;
- documentos de fls. 56 a 58; 62 a 75;
- extracto de remunerações de fls. 87 a 92;
- certificado de registo criminal de fls. 111 a 113; 114 a 115; 167 a 168.
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A arguida B…, prestou declarações de sentido confessório, esclarecendo a sua motivação, as razões do não pagamento das contribuições em causa, e os contornos em que a actividade da sociedade se desenrolava (inicialmente com muito sucesso, mas após 2011, em face da conjuntura económica, com dificuldades nos pagamentos e no cumprimento das obrigações decorrentes da actividade). Instada, não concretizou os valores concretamente em dívida, por deles já não ter memória, tendo esclarecido ao Tribunal que deixou de efectuar os pagamentos, porque a sociedade deixou de ter meios para os garantir em prazo. Referiu, ainda, que, inicialmente, efectuou um acordo de pagamentos prestacionais com a Segurança Social que pretendia cumprir, não obstante, tomou a decisão de alocar os rendimentos ao pagamento dos salários dos trabalhadores, de alguns fornecedores indispensáveis para manter a actividade da sociedade em detrimento do acordo celebrado, pois não tinha fundos suficientes para pagar tudo. Disse ainda que a sociedade arguida foi entretanto declarada insolvente e cessou a sua actividade.
No mais, confirmou o número de trabalhadores da empresa à data, a forma como era efectuada a facturação dos serviços prestados, a circunstância da sociedade se encontrar sem qualquer actividade, desconhecendo se a mesma já foi liquidada.
A arguida prestou declarações de forma credível, logrando convencer o Tribunal da sua veracidade, na medida em que relatou os factos revelando conhecimento directo, desde logo, assumindo a responsabilidade pela prática dos factos, esclarecendo a conjuntura da sua actuação, que se revelou credível em face da demais prova existente nos autos e produzida em audiência.
Desta forma, apurou-se, da prova produzida em audiência de julgamento, o objecto social da sociedade arguida, o regime contributivo, a categoria de gerente da arguida e o exercício de facto e de direito dessa função à data dos factos (cfr. declarações da arguida, e os documentos seguintes: 40 a 40 vs, 169 a 172). - factos 1) e 2)
Por outro lado, apurou-se também a não entrega das cotizações devidas à Segurança Social pelos arguidos através das declarações da arguida que em nome pessoal e na qualidade de gerente da sociedade, confessou de forma integral e sem reservas e, portanto de livre vontade e fora de qualquer coacção, os factos descritos na acusação, designadamente que, embora consciente de que deveria entregar os montantes que reteve ao longo daqueles períodos, durante o exercício da actividade da sociedade arguida e na qualidade de gerente desta, nunca o fez pois a empresa tinha uma actividade sazonal, marcada pela crise económica do sector, o que a tornava incapaz de cumprir as obrigações assumidas perante a banca, as Finanças e a Segurança Social, os trabalhadores e os fornecedores, o que determinou a alocação dos montantes recebidos a título de cotizações da Segurança Social para o pagamento das dívidas que entretanto se foram acumulando e que tiveram tratamento privilegiado em detrimento de outras, ou seja, as relacionadas com salários, matérias-primas e fornecedores. Referiu que a opção de não liquidar as quantias devidas à Segurança Social no momento em que as mesmas se tornavam exigíveis era comum e consciente no âmbito da gestão dos recursos que possuía, pois entendia ser mais importante pagar aos seus trabalhadores e fazer face a outras despesas da sociedade (fornecedores, matérias-primas, etc.) em detrimento daquela - estes factos decorrem também corroboradas pelo teor dos documentos: relatório preliminar de fls. 3 a 17, documentos de fls. 56 a 58; 62 a 75, extracto de remunerações de fls. 87 a 92). - factos 3) e 4)
A notificação para pagamento voluntário das quantias devidas resulta assente o teor dos documentos de fls. 18 a 20; 23 a 31; 32 a 39; 84 e 85. - facto 5)
O conhecimento das obrigações que sobre os arguidos impendiam de entrega das referidas cotizações, e a intenção da arguida gerente, ao actuar da forma descrita, resultaram igualmente das suas declarações que esclareceu que, embora não tenha obtido qualquer beneficio próprio com tais montantes, alocou tais quantias ao pagamento de outras dívidas da sociedade arguida, após ponderação que fez à data quanto à possibilidade de incumprir outras obrigações, tais como não pagar salários, impostos, facturas de fornecedores, e até - no limite - encerrar a actividade por falta de liquidez ou não pagar contribuições à Segurança Social na data em que as mesmas eram devidas, com vista à sua liquidação em momento posterior (como habitualmente fazia), tendo optado por esta última alternativa, de forma consciente (sabia que a conduta era proibida) e com vista a assegurar as demais responsabilidades da sociedade arguida, o que fez, visando pagar as cotizações devidas à Segurança Social em momento posterior, embora não o tenha conseguido até à declaração de insolvência da arguida. - factos 6) a 9)
Assim, da prova realizada em audiência de julgamento resulta que a arguida gerente praticou em nome e representação da sociedade arguida os factos de que vêm acusados, de forma consciente de que o fazia em violação do estipulado na lei e das consequências dessa actuação. Apesar disso, ponderou as consequências do não pagamento das cotizações à Segurança Social e resolveram utilizar esse dinheiro para fazer face aos demais encargos da sociedade arguida, evitando assim despedimentos, incumprimentos contratuais e, eventual, interrupção e/ou cessação da sua actividade em função das dificuldades de tesouraria que a mesma atravessava à data.
Pelo exposto, não resultam dúvidas ao Tribunal de que os factos constantes da acusação foram praticados pela arguida, na qualidade de representante legal (gerente) da própria sociedade, concluindo-se pelo prejuízo da Segurança Social, que ascende ao montante de, pelo menos, €35.329,74, acrescido de juros até à presente data, como de resto, foi confirmado pela própria arguida por reporte à documentação existente nos autos. - facto 25).
A actual situação de insolvência da sociedade arguida, o número de trabalhadores que mantinha à data dos factos e, bem assim, a sua situação de inactividade actual, resultaram assentes com base nas declarações prestadas pela arguida B…, e, ainda, do teor dos documentos: certidão permanente do registo comercial de fls. 40 a 40 vs, 169 a 172. - factos 10) a 12)
Quanto à situação familiar, económica e social da arguida B…, a mesma resultou assente das suas próprias declarações. - factos 14) a 23)
O passado criminal dos arguidos resultou assente do teor dos seus certificados de registo criminal de fls. 111 a 113; 114 a 115; 167 a 168. - factos 13) e 24). (…)”.
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“(…)
Existindo processo de insolvência da sociedade arguida, importa ainda atender ao regime previsto para a reclamação de créditos que venham a ser graduados em sentença naquele processo de insolvência.
Na verdade, cremos que o princípio universalista da insolvência consagrado no artigo 1.°, n.° 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ao estatuir que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores, colhe a sua razão de ser no interesse de igualação de todos os credores perante o património do insolvente, mediante um único concurso para todos eles, sujeitos a um critério homogéneo, assim se evitando desigualdades ou até actos de conluio, por força de posições ou sucessos processuais díspares em cada uma das acções onde as dívidas fossem apreciadas. Há, por outro lado, evidente interesse de celeridade e de congregação dos actos de verificação do património do insolvente, que convergem na consagração de um regime de plenitude da instância falimentar.
Assim sendo, tendo sido decretada a insolvência do devedor, por sentença transitada em julgado, caso tenha sido proferida sentença de graduação de créditos no âmbito da qual o crédito peticionado tenha sido verificado e graduado, deixa de ter interesse o prosseguimento de acção cível para o reconhecimento do direito de crédito, pois a decisão que se viesse a proferir reconhecendo tal crédito de nada serviria se o mesmo não fosse reclamado naquele processo através de relação de créditos a apresentar pelo administrador da insolvência, nos termos previstos no artigos 128.° e 129.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), ou ulteriormente nos prazos previstos no artigo 146.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. - cfr., neste sentido, de entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2013; de 25.03.2010; da Relação de Coimbra de 16.12.2015; da Relação de Guimarães de 21.11.2016; de 22.02.2011; da Relação de Évora de 24.02.2015; (aplicável no caso em que há adesão da acção cível em processo penal; pese embora, este entendimento esteja longe de ser considerado uniforme, em face da constante produção jurisprudencial a respeito do tema, cremos que será de sentido majoritário), disponíveis in www.dgsi.pt.
Acresce ainda a jurisprudência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 1/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2013, que veio fixar entendimento jurisprudencial no sentido de que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.° do C.P.C.
Finalmente, o artigo 277.°, e) do Código de Processo Civil (anterior artigo 287.° do Código de Processo Civil) estabelece que a instância se extingue, designadamente, quando haja impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, i. e., “[...] quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do Autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. […]” - LEBRE DE FREITAS, JOSé, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.1, Coimbra Editora, pg. 512.
Ora, no caso dos autos, verifica-se que o Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Lisboa deduziu pedido de indemnização cível peticionando o pagamento da quantia de €35.329,74 (trinta e cinco mil trezentos e vinte e nove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora até ao integral pagamento.
Assim, em relação à sociedade arguida, uma vez que a mesma foi declarada insolvente por decisão transitada em julgado, impõe-se, em face do exposto, declarar extinta a instância por inutilidade. Pelo exposto, julga-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide no que se refere à sociedade arguida A…, Unipessoal, Lda, no que se reporta ao pedido de indemnização civil deduzido, nos termos do disposto no artigo 277.°, e) do Código de Processo Civil.(…)”.
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*

Está em causa no presente recurso, primeiramente, a decisão proferida pelo tribunal “a quo” na parte em que, relativamente à arguida A…, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e) do C.P.C., ex vi art.º 4.º do C.P.P..

Ora, nesta parte, começa-se por se afirmar que se concorda com a decisão recorrida, cujos fundamentos se acolhem.

Depois, também a mesma decisão se impõe à luz do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08 de Maio, cujos argumentos se mostram suficientemente sustentados e a todos vinculam, sendo que esta instância de recurso de outros fundamentos também não dispõe para dele divergir.

Efectivamente, à luz da doutrina do acórdão em causa, na interpretação que do mesmo aqui se faz, independentemente de se estar perante uma acção declarativa ou um pedido de indemnização civil enxertado em processo penal, proferida que seja sentença a declarar a insolvência do devedor todos os demais processos pendentes haverão de ser apensados a este, que é tido como um processo de execução universal.

Assim, seja qual for o tipo de acção ou processo pendente (até, por maioria de razão, nas acções do foro laboral, concretamente visadas no mesmo acórdão [inexistindo qualquer previsão diferenciada para as acções do foro laboral], onde a defesa dos interesses dos trabalhadores assume relevância maior), proferida que seja sentença, transitada em julgado, a declarar a insolvência do respectivo devedor, deixa de existir qualquer interesse prático na prossecução de uma acção declarativa ou no conhecimento de um pedido de indemnização formulado num processo penal, pois que o respectivo crédito haverá, sempre, de ser reclamado no processo de insolvência se se quiser obter o seu pagamento, conforme art.º 90.º do CIRE: - “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.

Diz-se no mesmo acórdão, transcrevendo-se Maria Adelaide Domingos, que “o carácter universal e pleno da reclamação de créditos determina uma verdadeira extensão da competência material do tribunal da insolvência, absorvendo as competências materiais dos Tribunais onde os processos pendentes corriam termos, já que o Juiz da insolvência passa a ter competência material superveniente para poder decidir os litígios emergentes desses processos na medida em que, impugnados os créditos, é necessário verificar a sua natureza e proveniência, os montantes, os respectivos juros, etc. (…)” (sublinhado nosso).

Por outro lado, quanto à pretensão de o aqui recorrente, ainda assim, ver reconhecido o seu crédito na sentença proferida nos presentes autos, como se diz, também, no citado acórdão, “esta mesma sentença valerá, apenas, inter partes, mais não constituindo do que um documento para instruir o requerimento da reclamação/verificação de créditos (art.º 128.º, n.º 1), não dispensando o recorrente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nem o isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter de aí fazer toda a prova relativa à sua existência e conteúdo” (sublinhado nosso).

Finalmente, dir-se-á que um pedido de indemnização enxertado num processo penal ou uma acção declarativa autónoma visam, exactamente, alcançar o mesmo objectivo, isto é, o reconhecimento da existência, ou não, de um dano e do consequente dever de indemnizar. Constituem, sim, é meios diferentes de alcançar esse mesmo objectivo, prevalecendo as razões de economia processual quando o direito a indemnização emerge da prática de um crime. Porquê dois processos autónomos se são os mesmos factos que estão em causa e se neles radica o mesmo e único dever de indemnização!?

Não merece reparos, por isso, nesta parte, a decisão recorrida, sendo que, como atrás se referiu, sufragando-se a doutrina fixada no Acórdão n.º 1/2014, sempre se nos impõe obediência à mesma.

Quanto ao imposto pagamento das custas, encontra-se a respectiva decisão fundamentada nos termos da lei, razão por que outra não podia ter sido proferida, ante a extinção da instância, ainda que por circunstâncias supervenientes, não imputáveis ao recorrente.

Impõe-se, pois, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
 
3– Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..
Notifique.



Lisboa, 8 de março de 2018


Almeida Cabral
Fernando Estrela