Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6340/15.7T8OER-A.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL QUE DELIBERE SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGAÇÃO
Sumário: A acta da assembleia geral que tenha deliberado a distribuição de lucros, é título executivo, à luz dos critérios previstos no art.º 46.º n.º1 c) do Código de Processo Civil de 1961.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
                              
Carlos A. S.A. instaurou execução para pagamento de quantia certa contra:
Parque E. de R., Lda, ambos melhor identificados nos autos.
Foi apresentado como título executivo a “Acta nº 25da Assembleia Geral da Executada (datada de 22-III-13).
A Executada apresentou embargos que, por despacho de 28-IV-16, foram liminarmente admitidos Nos seus embargos a executada excepciona a “inexequibilidade do título” – por a acta não se encontrar assinada pela devedora, e por não constituir documento que importe constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária.
Respondeu a Exequente que uma deliberação dos sócios é um “negócio jurídico unilateral plural”, e que a acta contém “uma única declaração de vontade da embargante com relevância jurídica”.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador- sentença, no qual se julgaram os embargos procedentes e, consequentemente, declarou-se extinta a execução.
Mais se decidiu suspender o prosseguimento da execução até ao trânsito em julgado do saneador sentença.

Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1) As deliberações dos sócios são decisões adoptadas pelo órgão social de formação de vontade (a colectividade dos sócios) e imputáveis juridicamente à sociedade;
2) As deliberações dos sócios devem ser registadas em instrumentos apropriados que lhes confiram um formalismo adequado e que permitam aos interessados, durante um prazo legal mínimo, o acesso às decisões mais relevantes que os sócios tomem;
3) Tais instrumentos correspondem às actas lavradas ou impressas em livros próprios ou em instrumentos avulsos, nos termos dos art.ºs 63.º e 248.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), relativamente às sociedades comerciais por quotas, como é o caso da embargante;
4) A aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, a atribuição de lucros e o tratamento de prejuízos dependem de deliberação dos sócios, conforme determinado pelo art.º 246.º, n.º 1, alínea e), do CSC, pelo que o órgão competente para deliberar sobre tais actos é a assembleia geral de sócios, nos termos dos art.ºs 65.º, n.ºs 1 e 5, 263.º, n.º 1, e 376.º, ex vi do art.º 248.º, n.º 1, todos do CSC;
5) À luz do disposto no art.º 250.º, n.º 3, do CSC, as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se contando como tal as abstenções;
6) A deliberação dos sócios, reunidos em assembleia geral, que aprova o relatório de gestão, as contas do exercício e a distribuição de lucros produz directamente efeitos em relação a terceiros – nomeadamente, em relação aos sócios por quem sejam distribuídos dividendos – na medida em que, a colectividade dos sócios, ou seja, a Assembleia Geral, representa a sociedade;
7) No caso concreto dos autos, a embargada deu à execução a Acta n.º 25 da Assembleia Geral da embargante, realizada no dia 22/03/2013 (vide n.º 3 junto ao requerimento executivo), a qual está assinada por todos os sócios da embargante e consubstancia, designadamente, as deliberações dos sócios que aprovaram por maioria, com abstenção da embargada:
a) o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2012, que evidenciam um resultado líquido positivo (lucro) de € 397.767,00;
b) que, desse resultado líquido positivo, acrescido de € 2.233,00, a retirar da rubrica Reservas Livres, fossem distribuídos como dividendos pelos sócios, na proporção das quotas detidas em 31 de Dezembro de 2012, € 400.000,00 (quatrocentos mil euros);
8) A referida acta constitui assim, documento particular, assinado pelo devedor (no caso, por todos os sócios da embargante, ou pelos representantes dos sócios, reunidos em Assembleia Geral, dotada, por isso, de poderes de representação orgânica), que formaliza uma declaração de vontade da embargante no sentido da constituição duma obrigação pecuniária (ou seja, a distribuição de dividendos pelos sócios, no total de € 400.000,00), cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, nos termos do art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC/1961;
9) De acordo com as cláusulas constantes da mencionada acta, a distribuição dos dividendos pelos sócios foi determinada na proporção das quotas detidas em 31 de Dezembro de 2012;
10) Tal proporção encontra-se expressa no ponto 18 do anexo às demonstrações financeiras que integram os documentos de prestação de contas assinados pelos gerentes da embargante e aprovados na mesma Assembleia Geral da embargante (vide doc. n.º 4 junto ao requerimento executivo), e reflecte o teor das inscrições e menções do registo comercial da embargante relativamente às quotas detidas pelos seus sócios em 31/12/2012 (vide doc. n.º 2 junto ao requerimento executivo);
11) À luz do disposto no art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961 (CPC/1961), a acta da assembleia geral que tenha deliberado a distribuição dos dividendos constitui título executivo bastante para a respectiva cobrança judicial;
12) Por força da decisão constante do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23/09/2015 (publicado no DR, 1.ª série, n.º 201, de 14/10/2015), a norma do art.º 703.º do CPC/2013 e do art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26.06, não é aplicável à acta n.º 25 da Assembleia Geral da embargante de 22/03/2013 (cfr. doc. n.º 3 junto ao requerimento executivo), que, por isso, mantém a característica da exequibilidade que lhe era conferida pelo art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC/1961;
13) Em 31 de Dezembro de 2012, a embargada era, como continua a ser, titular de uma quota no capital social da embargante, no valor nominal de € 98.250,00 (noventa e oito mil, duzentos e cinquenta euros), representativa de 15% desse mesmo capital social (cfr. doc. 2, Insc. 4, Ap. 01/20040806 e Insc. 9, Ap. 96/20080418, e doc. n.º 4, pág. 28, ponto 18, juntos ao requerimento executivo);
14) A parte da embargada nos lucros da embargante, que foram distribuídos relativamente ao exercício de 2012, corresponde à quantia de € 60.000,00 (€ 400.000,00 x 15% = € 60.000,00), da qual a Embargada veio peticionar, na acção executiva a que respeitam os embargos dos presentes autos, o montante de capital de € 29.999,50, acrescido de juros moratórios legais vencidos e vincendos;
15) A acta dada à execução, junta como documento n.º 3 ao requerimento executivo, corresponde ao documento escrito que obrigatoriamente, nos termos dos art.ºs 63.º, n.º 1, e 248.º, n.º 6, ambos do CSC, corporiza ou consubstancia a deliberação tomada pelos sócios da Embargante, em representação desta, reunidos em Assembleia Geral no dia 22 de Março de 2013, através da qual se constituiu a obrigação da Embargante de distribuir como dividendos pelos sócios a quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), na proporção das quotas detidas em 31 de Dezembro de 2012;
16) Caso assim se não entenda, a mencionada acta corresponde, pelo menos, a um documento particular que importa o reconhecimento da obrigação pecuniária, a cargo da Embargante, de distribuir como dividendos pelos sócios a quantia de € 400.000,00, na proporção das quotas detidas em 31/12/2012;
17) A mencionada Acta n.º 25, da Assembleia Geral da Embargante reunida no dia 22/03/2013, constitui documento particular que importa a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC/1061;
18) A mencionada obrigação pecuniária é determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas constantes da referida Acta n.º 25, conforme exigido nos termos do art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC/1061;
19) A quantificação da obrigação exequenda consubstanciada na acta da Assembleia Geral da embargante de 22/03/2013, relativamente à distribuição dos lucros do exercício de 2012 (cfr. doc. n.º 3 junto ao requerimento executivo) processa-se através de simples cálculo aritmético, na proporção das quotas detidas pelos sócios em 31/12/2012, estando essa proporção expressamente indicada no ponto 18 do anexo às demonstrações financeiras em 31 de Dezembro de 2012 (cfr. doc. n.º 4 junto ao requerimento executivo), em consonância, aliás, com as inscrições e menções registrais respeitantes às quotas dos sócios da embargante, constantes da certidão permanente do registo comercial junta como doc. n.º 2 ao registo comercial;
20) A concreta distribuição dos dividendos resulta do teor do título executivo, pois no mesmo consta expressamente que tal distribuição seria efectuada na proporção das quotas detidas pelos sócios da Embargante (entre os quais, a Embargada) em 31/12/2012, o que se revela, aliás, em consonância com o critério legal de participação dos sócios nos lucros da sociedade estabelecido no art.º 22.º, n.º 1, do CSC;
21) A Embargada dispõe de título executivo - a acta n.º 25 da Assembleia Geral da Embargada, de 22/03/2013 (cfr. doc. n.º 3 junto ao requerimento executivo) – que é demonstrativo da existência de obrigação pecuniária da Embargante que é certa, líquida e exigível, e determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas nele constantes, pelo que nada obsta à execução da obrigação constante desse título na acção executiva a que se referem os embargos de executado dos presentes autos, a qual não implica qualquer limitação do direito de defesa da Embargante, que foi plenamente exercido por via da dedução do embargos de executado dos presentes autos;
22) No caso dos autos, a obrigação exequenda é de prazo certo, por força do disposto no art.º 217.º, n.º 2, do CSC, pelo que o crédito da embargada à sua parte dos lucros da embargante se venceu decorridos 30 dias sobre a deliberação de atribuição de lucros tomada na Assembleia Geral da embargante realizada no dia 22/03/2013;
23) A embargante, em rigor, não impugnou a exigibilidade da obrigação exequenda, mas sim a sua existência, com fundamento em pretensa compensação extrajudicial de créditos que pretende ver reconhecida nos embargos que deduziu – pretensa compensação essa que não ocorreu nos termos descritos pela embargante, nem foi objecto da decisão do saneador-sentença proferido em 08/11/2017.
24) O conceito de inexigibilidade pressupõe a existência da obrigação;
25) Deixando o art.º 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução, não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva;
26) Para obter a suspensão da execução sem prestar caução, nos termos do art.º 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC, não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra prevista no n.º 1, alínea a), da mesma norma, no sentido de a suspensão depender de prestação de caução;
27) Não se verificam, pois, os requisitos previstos no art.º 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC, para que pudesse ser determinada a suspensão da execução sem prestação de caução, nem, salvo o devido respeito, o saneador-sentença os identifica, limitando-se a transcrever, para esse efeito, a supra identificada disposição legal; 28) Não se justifica, por isso, a suspensão da execução sem prestação de caução, pelo que tal pretensão da embargante deveria ter sido indeferida;
29) O saneador-sentença viola as normas constantes do art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC/1961 e do art.º 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC/2013;
30) O saneador-sentença deveria ter interpretado e aplicado a norma constante do art.º 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC/1961 no sentido de reconhecer a exequibilidade do título dado à execução pela Embargada – a acta n.º 25 da Assembleia Geral da Embargante de 22/03/2013 – na medida em que a mesma corresponde a documento particular, assinado pelo devedor, que importa a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dela constantes;
31) O saneador-sentença deveria ter interpretado a norma constante do art.º 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC/2013, no sentido de não se justificar a suspensão da execução sem prestação de caução, por falta da verificação dos requisitos previstos nessa mesma norma, pelo que não a deveria ter aplicado ao caso dos autos.
Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, devendo, consequentemente, ser revogado o saneador-sentença proferido em 08/11/2017 e substituído por douto Acórdão que julgue os embargos improcedentes e determine o prosseguimento da acção executiva a que os mesmos respeitam, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!
A Executada apresentou contra – alegações pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

II - OS FACTOS

A questão a resolver é de natureza jurídica, sendo que os elementos relevantes para a decisão constam do relatório, destacando-se porém, para melhor esclarecimento, o seguinte:

1- É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“Nos seus embargos a executada excepciona a “inexequibilidade do título” – por a acta não se encontrar assinada pela devedora, e por não constituir documento que importe constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária.
Respondeu a exequente que uma deliberação dos sócios é um “negócio jurídico unilateral plural”, e que a acta contém “uma única declaração de vontade da embargante com relevância jurídica”.
Importa apreciar (não estando em causa o eventual direito de crédito da exequente sobre a embargante, mas, sim, a forma do seu exercício) - estabelecendo o artigo 46º do anterior CPC (na redacção do DL 226/08 de 20-XI) que “À execução apenas podem servir de base: (…) c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto; (…).”
No presente caso, a acta da Assembleia Geral da embargante apresentada como título executivo (que aprovou a distribuição de dividendos pelos sócios na proporção das quotas detidas em 31-XII-12), não se mostra assinada pela executada (mas, sim, pelos sócios presentes na Assembleia) – e tanto basta para concluir que não pode servir de base à presente execução.
Por outro lado, a “aplicação de resultados do exercício” não constitui o reconhecimento de uma obrigação pecuniária – não resultando do próprio documento qual o montante de “dividendos” que caberia à exequente, e não sendo lícito, à luz da regra supra citada, “complementar” o título executivo com outros documentos, como um “Relatório e Contas” (e uma certidão comercial).
A exequente reconhece que a concreta distribuição de dividendos resulta, não do teor do título executivo, mas do “ponto 18 do anexo às demonstrações financeiras que integram os documentos de prestação de contas assinados pelos gerentes da embargante e aprovados na mesma Assembleia geral”.
 Fica, assim, prejudicada a apreciação da excepção de extinção da dívida por compensação.
Importa apreciar o pedido de suspensão da execução - estabelecendo o nº 1 do artigo 733º do CPC que “O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: (…) c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
Face à decisão supra, justifica-se, nesta fase, suspender o prosseguimento da execução até ao trânsito em julgado do presente saneador –sentença.”

2- Da acta da assembleia geral da embargante, de 22-03-2013, dada à execução, resulta que foi aprovado por maioria, com abstenção da embargada:
O relatório de gestão e contas do exercício de 2012 que evidenciam um resultado líquido positivo de € 397.767,00
A distribuição de dividendos pelos sócios na proporção das quotas detidas em 31 de Dezembro de 2012, no valor de € 400.000,00.

III - O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são as seguintes:

1- Saber se a acta da assembleia geral de sociedade comercial constitui título executivo no caso em que aprova a distribuição de dividendos pelos sócios.
               
2- Suspensão da execução

O art.º 703.º do Código de Processo Civil (CPC), na versão vigente, que entrou em vigor em 2013, veio suprimir do elenco legal de títulos executivos, a modalidade prevista no artigo 46.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil de 1961, nos termos do qual era conferida força executiva aos “documentos particulares, assinados pelo devedor que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.
No presente caso, uma vez que o documento dado à execução é datado de Março de 2013, antes portanto da entrada em vigor da actual versão do CPC, a exequibilidade de tal documento será apreciada à luz daquele art.º 46.º n.º1 c)[1] .
Assim, de acordo com aquele normativo legal, para que um documento particular possa assumir a qualidade de título executivo, necessário se torna que do mesmo conste a “assinatura do devedor”.
Ora, no caso em apreço, ou seja, numa acta relativa às deliberações tomadas em assembleia geral de sócios duma sociedade comercial, as assinaturas constantes da mesma são as dos sócios presentes na assembleia de harmonia com o disposto no art.º 248.º n.º6 do Código das Sociedades Comerciais (CSC): “ as actas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado”. As assinaturas constantes da acta são as dos sócios, em função da sua presença na assembleia e não enquanto investidos do poder de vincular a sociedade. Com efeito, nos termos do art.º 260 .º n.º4 do CSC são os gerentes que vinculam a sociedade, “em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”.
No caso de o devedor ser uma sociedade comercial, para que esta se considere obrigada terá de ser nos termos do disposto no art.º260.º n.º4 do CSC, ou seja, a assinatura terá de ser dos gerentes com a indicação de que o fazem nessa qualidade.
Assim, aparentemente, poderíamos ser levados a concordar com a decisão recorrida que, de forma algo simplista, conclui que o documento dado à execução não se mostra assinada pela executada (mas, sim, pelos sócios presentes na Assembleia) e, por conseguinte, não reúne as condições exigidas pelo art.º 46.º n.º1 c) para que possa ser considerado título executivo.
Porém, aprofundando um pouco mais a questão veremos que, atenta a natureza e regime jurídico aplicável à distribuição de dividendos, a conclusão terá de ser outra.
Conforme estipula o art.º 246 n.º1 e) do CSC:
“1 - Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato indicarem:
(…)
e) A aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício,
a atribuição de lucros e o tratamento dos prejuízos;”  
É com a deliberação social de distribuição que o lucro se torna dividendo, que o direito do sócio ao lucro se determina e materializa podendo então designar-se por direito ao dividendo, tornando-se então o sócio titular de um direito de crédito equiparável ao direito de um qualquer terceiro credor, sobre a própria sociedade.
Trata-se, pois de um direito que nasce com aquela deliberação e que, portanto, só existe a partir dela.”[2]
Portanto, se a lei atribui aos sócios competência exclusiva, para deliberar sobre o direito ao dividendo, tratando-se de uma competência legal imperativa, nunca essa decisão poderia advir de uma decisão dos gerentes da sociedade. Por conseguinte, se apenas a deliberação dos sócios é legalmente adequada para fazer nascer o direito do sócio ao dividendo, tornando-se então o sócio titular de um direito de crédito, sobre a própria sociedade, não faria sentido considerar que o documento não constitui título executivo porque não está assinado por quem, afinal, não tem competência para definir esse direito de crédito.
Cremos que o raciocínio da decisão recorrida é meramente formal e não resiste a uma análise mais profunda do regime legal aplicável à atribuição de lucros que é o direito que está em causa.
Tal como aponta a Apelante, citando Paulo. Paulo Olavo Cunha[3], “uma deliberação dos sócios é uma declaração que, sendo juridicamente imputável à sociedade, é formada pela manifestação de vontades do núcleo de titulares de participações sociais, ou seus representantes, detentor do maior número de votos ou de um número de votos que perfaça um certo montante mínimo (maioria qualificada)”.     
De acordo com o mesmo Autor, “em termos técnicos (ontológicos), a deliberação dos sócios constitui um negócio jurídico unilateral plural, de que resulta efectivamente, uma única declaração de vontade com relevância jurídica. Ainda que haja vontades sobrepostas – no sentido de que ainda que as mesmas sejam divergentes -, do resultado final não irá afirmar-se qualquer divergência, prevalecendo as declarações de voto maioritariamente emitidas no sentido que faz vencimento.”

Podemos assim concluir que, no caso em apreço, a acta da assembleia geral que aprovou a distribuição de dividendos pelos sócios deve considerar-se que se encontra “assinada pelo devedor”.
Por outro lado, da acta da assembleia geral consta que “a distribuição de dividendos pelos sócios na proporção das quotas detidas em 31 de Dezembro de 2012, no valor de € 400.000,00”. Está perfeitamente determinado o valor devido a título de dividendos, sendo perfeitamente determinável, por simples cálculo aritmético o valor devido a cada um dos sócios, em função da respectiva proporção das quotas detidas.
Concluímos, assim, que deve ser reconhecida a exequibilidade do título dado á execução, ao abrigo do art.º 46.º n.º1 c) do CPC de 1961, ou seja, da acta da assembleia geral de sociedade comercial que aprova a distribuição de dividendos pelos sócios.
Procedem, pois, as conclusões da Apelante. A execução deve prosseguir seus termos legais.

2-A decisão recorrida entendeu justifica-se, nesta fase, suspender o prosseguimento da execução até ao trânsito em julgado do presente saneador –sentença, ao abrigo do disposto no art.º 733.º n.º1 c) do CPC.
Em face da decisão ora proferida fica sem suporte legal tal decisão, pelo igualmente se revoga a mesma.

IV-DECISÃO

Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogando o saneador – sentença proferido, determinar que os autos prossigam os seus termos legais, designadamente apreciando-se a questão da extinção da dívida por compensação, que não se aprecia neste Tribunal nos termos do art.º 665.º n.º 2 e 3 do CPC, por depender de prova a produzir.

Custas pela Executada.

Lisboa, 28 de Junho de 2018

Maria de Deus Correia

Nuno Sampaio

Maria Teresa Pardal

[1] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015 de 23.09.2015 que determinou que a supressão da categoria dos documentos particulares como títulos executivos não deveria prejudicar a força executiva dos documentos particulares que, emitidos antes da entrada em vigor da lei nova, da mesma gozassem, ao abrigo do art.º 46.º do CPC de 1961.
[2] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. por Jorge Coutinho de Abreu, Vol.III, Almedina, p. 334.
[3] Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 2006, pág. 463.