Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
499/18.9YRLSB-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: PEDIDO DE EXTRADIÇÃO
FUNDAMENTOS DA OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: PEDIDO DE EXTRADIÇÃO
Decisão: DEFERIDO
Sumário: I- Na oposição que deduz, o extraditando vem impugnar os factos que lhe são imputados no pedido de extradição pela República Popular da China, ora, não incumbe nos presentes autos de extradição apurar se o extraditando praticou ou não os factos que lhe vêm imputados, pois que o processo de extradição não visa o julgamento dos factos que fundamentam o respectivo pedido, mas tão-só avaliar os requisitos legais para essa mesma pretensão do Estado requerente;
II-Tendo em conta o preceituado no art.° 46° n.° 3 da Lei n.° 144/99, de 31/08, essa sindicância probatória está expressamente vedada, sendo que a que haverá que ser produzida face ao preceituado no artigo 55° daquela mesma lei cinge-se à prova dos factos que sejam susceptíveis de integrar os fundamentos dos casos em que a oposição poderá ser procedente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

O Mº.Pº. neste tribunal da Relação, em conformidade com o disposto nos arts. 62° n°2 e 64° n°1 da Lei 144/99 de 31.08, apresentou AA, ( detido a 6/3/2018 na área de jurisdição desta Relação) nascido em …….., na cidade de J………, China, filho de XX, de nacionalidade chinesa, portador do passaporte chinês n° …………..,para audição.
A audição teve lugar no dia 7/3/2018 (acta de fls. 13 destes autos), tendo aquele declarado não aceitar a extradição nem renunciar à regra da especialidade.
Por despacho proferido em acta foi validada a detenção e, ao abrigo do disposto no artigo 38 nº6 da Lei144/99 de 31.8, foi determinada a liberdade provisória, sujeitando-se o detido à medida de coacção de obrigação de apresentação tri-semanal no posto policial da área da sua residência, nos termos do disposto no artigo 198 do C.P.P.
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Em 29/3/2018, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta veio promover o cumprimento do pedido de extradição (Fls.53 a 56 dos autos), nos termos que se transcrevem:
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação vem, nos termos do disposto no art.° 63° n.°s 2 e 3 da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, promover o cumprimento do pedido de extradição do cidadão de nacionalidade chinesa AA, divorciado, nascido a 11 de Julho de 1970, natural de J…….., distrito de G………, China, de nacionalidade chinesa, filho de XX, portador do passaporte chinês n.° ………, emitido em ………. e válido até ……, residente no Ed. ………….., Carcavelos, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1° Ao abrigo do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, assinado em Pequim em 31 de Janeiro de 2007, a República Popular da China (RPC) solicitou a extradição do seu nacional supra identificado, para efeitos de procedimento criminal.
2° Com efeito, como resulta do pedido formal de extradição que se junta e da sua documentação anexa, contra o referido cidadão corre termos, na Agência de Investigação do Crime Económico do Ministério da Segurança Pública da República Popular da China, um processo pela indiciada prática de factos ocorridos entre Outubro de 2012 e Novembro de 2014, que as autoridades chinesas integram como crime de invasão da posição, previsto e punível pelo artigo 271° da Lei Penal da República Popular da China, com pena máxima abstractamente aplicável de 15 anos de prisão, e de um crime de absorção ilegal de depósitos públicos, previsto e punível pelo disposto no artigo 176° da Lei Penal da República Popular da China, com pena máxima abstractamente aplicável inferior a 10 anos de prisão.
3° Os factos em questão, imputados pelas autoridades chinesas ao Extraditando, encontram correspondência na Lei Penal Portuguesa, sendo abstractamente subsumíveis nos tipos legais previstos e puníveis pelo n.° 1 do artigo 224°, pelo artigo 217°, e pela alínea a) do n.° 2 do artigo 218°, todos do Código Penal Português, aos quais correspondem, respectivamente, a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, a pena de prisão até 3 anos e a pena de prisão de 2 a 8 anos, bem como no crime previsto e punido pelo artigo 200° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a que corresponde pena de prisão até 5 anos.
4° Foi emitido mandado de detenção internacional, em 06.02.2015 pelo Subdepartamento Distrital de Shangsheng do Departamento de Segurança Pública Municipal de Hangzhou, China, inserido no Sistema de Informação Oficial da Interpol n.° A-2044/3-2005, publicado em 18/03/2015, a fim de o Extraditando vir a ser colocado à ordem do processo que corre termos na República Popular da China, para procedimento criminal.
5° O pedido formal de extradição foi devidamente apresentado às autoridades portuguesas, tendo Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 28/03/2018, considerado admissível o seu prosseguimento.
6° Não se mostra extinto o procedimento criminal por prescrição, seja nos termos da legislação portuguesa, seja nos termos da legislação da República Popular da China - artigo 87° n.ºs 2 e 3 da Lei Penal da República Popular da China e artigo 118° n.° 1 alíneas b) e c), do Código Penal Português.
7° Não se identificam causas de recusa a que alude o artigo 3° do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, assinado em Pequim em 31 de Janeiro de 2007, nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o Extraditando não é de nacionalidade portuguesa, os crimes que lhe são imputados pelas autoridades da República Popular da China mostram-se previstos no ordenamento jurídico português, e não se verifica qualquer das situações a que aludem os artigos 6° alíneas a) a d), 7° e 8°, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
8° O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades da República Popular da China satisfaz os requisitos dos artigos 1° e 2° n.° 1 al. a) do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, assinado em Pequim em 31 de Janeiro de 2007, incluindo o cumprimento da regra da especialidade consagrada no artigo 14°, em conjugação com o disposto no artigo 31° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
9° Nada de formal ou substancial obsta, pois, à extradição para a República Popular da China do seu nacional AA.
10° Este Tribunal da Relação é o competente para decretar a extradição, nos termos do art. 49° n.° 1 da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
11° O Extraditando foi detido no dia 6 de Março de 2018 e foi colocado em liberdade no dia 7 de Março de 2018, sujeito à medida de coacção de obrigação de apresentação trisemanal.
Nestes termos, requer-se seja proferido o despacho liminar a que alude o artigo 51° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, procedendo-se à audição do Extraditando, seguindo-se os demais termos processuais.
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O extraditando foi de novo ouvido neste tribunal em 11/4/2018 ( acta de fls. 178 e 179), tendo declarado não aceitar a extradição nem renunciar à regra da especialidade, pelo que lhe foi concedido prazo para apresentar a sua oposição, o que fez em 19/4/2018, nos termos de fls. 209 a 231, alegando o que por súmula se resume:
Os crimes imputados não tem correspondência no ordenamento jurídico português, pelo que não tendo sido feito um pedido de extensão da extradição, há violação do princípio da especialidade;
Os factos imputados à luz do ordenamento jurídico português não constituem os crimes de burla, infidelidade ou actividade ilícita de recepção de depósitos, sendo tão só integrantes de incumprimento contratual de dívida;
Ao arguido poderá ser aplicada na Lei Chinesa a pena de prisão perpétua, em abstracto, pelo que deverá aplicar-se o disposto no artigo 6º f) da Lei 144/99, e recusado o pedido de cooperação, uma vez que o estado requerente não ofereceu garantias de que tais penas de carácter perpétuo e duração indefinida não seriam aplicadas ou executadas.
Termina pedindo o provimento da oposição e a consequente recusa do pedido de extradição do requerente.
Solicitou ainda a realização de diversas diligências.
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O Mº.Pº. respondeu à oposição, conforme consta de fls.592 a 621. Deste articulado destacamos as passagens seguintes:
“(…) A incriminação dos factos efectuada por Portugal não condiciona, obviamente, a República Popular da China, e vice-versa. O ordenamento jurídico português não se aplica na China, e vice-versa.
Portugal não alterou a qualificação jurídica da China sobre os factos imputados ao Extraditando. Portugal não "corrigiu" a qualificação jurídica dos factos efectuada pela China. Portugal, perante os factos descritos pela República Popular da China, efectuou a subsunção legal que o seu ordenamento jurídico lhe oferece, não passando o Extraditando a ser sujeito de procedimento penal na China pelos crimes de infidelidade, burla qualificada e actividade ilícita de receção de depósitos e outros fundos reembolsáveis.
(…) A oposição do Extraditando consiste numa contestação dos próprios factos que lhe são imputados e que fundamentam o pedido, procurando demonstrar que se reconduzem a questões meramente civilistas.
Com efeito, na oposição que deduz, o Extraditando vem manifestamente impugnar os factos que lhe são imputados no pedido de extradição pela República Popular da China. Ora, não incumbe aos presentes autos apurar se o Extraditando praticou ou não os factos que lhe vêm imputados, pois que o processo de extradição não visa o julgamento dos factos que fundamentam o respectivo pedido.
Na verdade, em face do preceituado no art.° 46° n.° 3 da Lei n.° 144/99, de 31/08, essa sindicância probatória está expressamente vedada, sendo que a que haverá que ser produzida face ao preceituado no artigo 55° daquela mesma lei cinge-se à prova dos factos que sejam susceptíveis de integrar os fundamentos dos casos em que a oposição poderá ser procedente. Em face do que, improcede a impugnação efectuada pelo Extraditando.”
Foram realizadas diligências probatórias (despacho de fls. 658).
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O extraditando na sua oposição invoca questões sobre a matéria relativa aos factos que integram os ilícitos que originam o pedido da extradição, o que lhe está vedado nos termos do disposto no artigo 46-3 da Lei 144/99, como seja o entendimento de que não constituem crime em face da Lei portuguesa e que o MP fez uma errada qualificação dos factos quando os integrou nos crimes de burla, infidelidade e actividade ilícita de recepção de depósitos.
Convoca ainda a possibilidade de aplicação, na China, de uma pena de prisão perpétua, mas sem qualquer apoio em concreto, pois nada aponta nesse sentido, no pedido formulado pelas autoridades chinesas.
Igualmente nada aponta no sentido do desrespeito pelos acordos e convenções dos direitos fundamentais dos arguidos.
Portanto, não obstante o entendimento manifestado, inexistem nos autos elementos que fundamentem a procedência da oposição deduzida.
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Assim, e
Tendo em conta as diligências e toda a vasta documentação dos autos, consideramos assente:
-- O Extraditando, é pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal pelo Estado Contratante República Popular da China (art. 1° do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, aprovado por Resolução da Assembleia da República n.° 31/2009, publicado no D.R. n.° 84/2009, Série I de 30/04/2009), encontrando-se a correr termos contra o mesmo na Agência de Investigação do Crime Económico do Ministério da Segurança da República Popular da China, um processo pela indiciada prática de factos ocorridos entre Outubro de 2012 e Novembro de 2014, que as autoridades chinesas integram como crime de invasão da posição, previsto e punível pelo artigo 271° da Lei Penal da República Popular da China com pena máxima abstractamente aplicável de 15 (quinze) anos de prisão, e como crime de absorção ilegal de depósitos públicos, previsto e punível pelo artigo 176° da Lei Penal da República Popular da China com pena máxima abstractamente aplicável até 10 (dez) anos de prisão.
-- Os factos imputados pelas autoridades chinesas ao extraditando encontram correspondência no nosso ordenamento jurídico penal, nomeadamente nos artigos 224, 217 e 218 do C.P. e art. 200 do Regime Geral das instituições de crédito e Sociedades Financeiras.
-- O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal e mostra-se junto aos autos.
-- O pedido de extradição encontra-se devidamente instruído pela forma legalmente exigida pelo do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição aprovado por Resolução da Assembleia da República n.° 31/2009, publicado no D.R. n.° 84/2009, Série I de 30/04/2009, e bem assim pela forma referida nos artigos 23° e 44°, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
-- Não se identificam causas de recusa a que alude o artigo 3° do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o Extraditando não é de nacionalidade portuguesa, os factos que lhe são imputados pelas autoridades da República Popular da China mostram-se previstos no ordenamento jurídico português, e não se verifica qualquer das situações a que aludem os artigos 6°, 7° e 8°, da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
-- Não se encontra pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objecto (art.º 18º/1 da Lei 144/99, de 31/08).
-- As consequências graves que a extradição teria para a vida do extraditando expostas na oposição que deduziu no sentido de que toda a sua situação familiar, laboral, social e económica será posta em causa, não relevam no caso, uma vez que nada nos autos aponta no sentido de se prever uma qualquer violação ou desrespeito pelos direitos fundamentais do extraditando no seu regresso à China.[1]
-- O extraditando tem 49 anos de idade e não alegou nem está demonstrado que padeça de qualquer grave problema de saúde.
Certamente a sua extradição do terá consequências perturbadoras da sua vida familiar, laboral, social e económica, (embora tenha  estado civil de divorciado, terá  constituído família) por ter a sua vida organizada em Portugal, no entanto esta situação não era imprevisível porque o foi conscientemente e para se furtar à acção da justiça do seu país, prejudicando a investigação, fixando-se em Portugal.
Se assim se não entendesse, estaria descoberto o processo de se assegurar a impunidade do agente do crime, obstaculizando ao processo de extradição, mesmo que aquele fosse da maior gravidade, afrontando-se princípios de confiança, respeito mútuo e reciprocidade que presidem ao processo de cooperação accionado. É, pois, de deferir a presente extradição, uma vez que, como acima vimos a dizer nada de formal ou substancial obsta, pois, à extradição para a República Popular da China do seu nacional AA.
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Nestes termos, acordamos em deferir o requerido pedido formulado e, consequentemente, autorizar a extradição, para a China, de AA, para aí ser julgado pelos crimes constantes do pedido formulado pelo Ministério Público.
Sem custas (artigo 73º/1 da Lei nº 144/99, de 31/08), sem prejuízo do disposto no artigo 26º/2-a) do mesmo diploma.
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Notifique.
Dê conhecimento, por fax, ao GNI (Interpol).
Após trânsito passe entregue os competentes mandados.
D.N..
Elaborado em computador e integralmente revisto pela relatora (art.º 94º/2 do CPP).

Lisboa, 28 /11/2019
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[1]Na absoluta concordância com o alegado pela SRª Procuradora Geral Adjunta: “Com efeito, a República Popular da China, que, justifica-se afirmar, é um Estado democrático, oferece reciprocidade também nesta matéria, por força das Convenções que ratificou e que até são comuns a Portugal.
A China ratificou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes — Convenção das Nações Unidas de 10 de Dezembro de 1984 assinada em Nova Iorque e ratificada por Portugal em 9 de Fevereiro de 1989 e pela China em 4 de Outubro de 1988.
Nesta Convenção, que a República Popular da China se obrigou a respeitar, encontram-se estabelecidos os direitos humanos a respeitar pelo sistema prisional da China e as formas de os fazer valer em caso de desrespeito.
Nomeadamente, nesta Convenção, que a China se obrigou a respeitar, consta a definição de tortura, as medidas a tomar por cada Estado Membro para que ela não se verifique, as medidas a tomar para a punir, bem como o assegurar do direito de queixa a todos os que aleguem ter sido submetidos a tortura e o de ter o seu caso apreciado e o direito a reparação, bem como que nenhuma declaração comprovadamente obtida sob tortura possa ser admitida como prova em qualquer processo, excepto contra pessoa acusada de tortura como prova de que tal declaração foi dada — cfr. o art. 14°-, bem como o compromisso de cada Estado Parte de impedir outros actos que constituam tratamento ou penas cruéis (art. 16°), e cria, pelo seu art. 17°, um Comité Contra a Tortura constituído por dez peritos eleitos pelos Estados Partes, Comité este que, nos termos do art. 19°, fiscalizará e apreciará relatórios sobre as medidas que os Estados Partes Apendix II, são respeitados todos os elementos que permitem falar em garantia de direitos e processo justo e equitativo.”