Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO FALTAS AO TRABALHO SUSPENSÃO PREVENTIVA DE FUNÇÕES | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA | ||
Sumário: | I– Não constituem faltas injustificadas as ausências ao serviço do trabalhador, desde o dia 10/5/2016 até 31/12/2016, durante 161 dias úteis de trabalho, que foram dadas por força da medida de suspensão preventiva de funções que lhe foi aplicada pelo juiz de instrução no final do 1.º interrogatório de arguido, que teve lugar no âmbito do inquérito crime que foi deduzido contra ele e contra um seu colega de trabalho e que, já tendo acusação formulada pelo MP, ainda não foi julgado por sentença crime transitada em julgado. II– Essas faltas encontram-se legalmente cobertas e justificadas pelo disposto na parte final da alínea d) do número 2 do artigo 249.º do CT/2009. III– As faltas em questão, ainda que justificadas, não obrigam ao pagamento de qualquer retribuição ao dito trabalhador faltoso, perante o disposto nos artigos 255.º, número 1, 295.º, número 1 e 296.º, números 1 e 3 do CT/2009, dado determinarem, desde logo, a suspensão do contrato de trabalho desde o início da suspensão preventiva de funções, face à previsibilidade de que a sua duração irá exceder o prazo de 1 mês. IV– Tais 161 faltas ao serviço, por terem sido dadas em cumprimento de uma obrigação legal e terem de ser juridicamente consideradas como justificadas, não se traduzem numa qualquer infração disciplinar e não podem constituir assim fundamento legítimo de justa causa de um despedimento lícito. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa. I–RELATÓRIO: AAA, caixa bilheteiro, contribuinte fiscal n.º 1..............0, residente na (…) Lisboa, veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor, em 16/5/2017, ação especial regulada nos artigos 98.º-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora: BBB, S.A., CIF n.º (…) e com sede na (…) Lisboa. * Designada data para Audiência de Partes, por despacho de fls. 11, que se realizou, com a presença das partes (fls. 20) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 13 e 16, por carta registada com Aviso de Recepção - não foi possível a conciliação entre as mesmas. Regularmente notificada para o efeito, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento bem como o original do procedimento disciplinar, conforme ressalta, respectivamente, de fls. 21 a 31 e 32 e 33 e dos autos apensos por linha, tendo sustentado, muito em síntese, os fundamentos que motivaram o despedimento do trabalhador. * Notificado para o efeito, o Autor contestou a motivação do Réu pela forma expressa no articulado de fls. 35 a 54, na qual deduziu defesa por exceção e por impugnação, bem como reconvenção. O seu petitório final traduziu-se no seguinte: «Nestes termos e nos melhores de Direito e, sempre como mui douto suprimento de V. Ex.ª deverá a presente contestação ser julgada procedente por provada, e em consequência: a)-Ser declarada a ilicitude do despedimento, e consequentemente ser o Autor reintegrado no seu posto de trabalho ou a Ré ser condenada ao pagamento de indemnização substitutiva da reintegração. b)-Ser a Ré condenada a pagar ao Autor as remunerações que se vencerem desde a data do despedimento até à prolação da sentença. c)-Ser a reconvenção declarada procedente por provada e em consequência ser a Ré condenada ao pagamento dos créditos laborais devidos no valor de € 3.570,15 referentes ao salário do mês de maio, férias e subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal adquiridos no ano da suspensão de funções. d)-Custas cargo da Ré. e)-Requerer a gravação da audiência final» * A entidade empregadora respondeu, a fls. 57 a 61 dos autos, pronunciando-se sobre a matéria de exceção e impugnando o pedido reconvencional. Concluiu o seu articulado nos seguintes moldes: «a)- Sejam julgadas improcedentes as exceções alegadas pelo Autor na contestação, considerando-se lícito o despedimento do Autor; b)- Seja a Ré absolvida do pedido reconvencional formulado pelo Autor, considerando-se lícito o seu despedimento.» * Foi proferido, a fls. 90 e 91, despacho saneador, onde foi admitido o pedido reconvencional do Autor, dispensada a realização da Audiência Preliminar (Prévia) assim como da fixação da base instrutória, considerada válida e regular a instância, tendo-se finalmente admitido os róis de testemunhas apresentados pelas partes (fls. 27 e 52/53) e mantida a data já designada para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento. Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta das respetivas atas (fls. 99 e 100), não tendo havido produção de prova testemunhal, por as partes a haverem dispensado (assim como às alegações finais), face aos documentos pelas mesmas juntos e ao teor dos despachos judiciais a esse respeito produzidos e que mereceram a concordância dos ilustres mandatários daquelas. * Foi então proferida a fls. 101 a 120 e com data de 23/03/2018, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes: “IV– Pelos fundamentos expostos, o tribunal decide: a)- Declarar lícito o despedimento do trabalhador, e, em consequência, absolver a entidade empregadora dos pedidos formulados por via de ação. b)- Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelo trabalhador, e, em consequência, condenar a entidade empregadora a pagar-lhe o montante de € 2.958,58 relativamente a férias e subsídio de férias e o montante de € 57,24 relativamente a subsídio de refeição. Custas pelo trabalhador relativamente à ação (art.º 527.º do C. P. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe venha a ser concedido. Custas pelo trabalhador e pela entidade empregadora quanto à reconvenção, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário que venha a ser concedido ao trabalhador. Nos termos do disposto no art.º 98º-P, n.º 2 do C. P. Trabalho, fixo o valor da causa em 8.828.07 €, sendo 5,077,92 € correspondentes à ação [6 x 846,32 € = 5.077,92 €), de acordo com o disposto no art.º 305.º do C. P. Civil, por considerar que ao pedido de reintegração deve ser atribuído o valor correspondente a seis meses de retribuições, tendo em conta o disposto no art.º 40.º, n.º 2 do C. P. Trabalho e conforme se considerou nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.04.2002, proferido no processo n.º 006704, e de 23.02.11, proferido no processo nº 437/10.7TTLSB.L1-4] e 3.750,15 € correspondentes à reconvenção (art.º 305.º do C. P. Civil).” * O Autor AAA, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 122 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 162 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com o efeito meramente devolutivo. * O Apelante apresentou, a fls. 124 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: (…) * A Ré não apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, apesar de notificada para esse efeito. * O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 168 a 171), não tendo as partes se pronunciado acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito. * Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir. II–OS FACTOS Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância, nos seguintes moldes: «1- O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 12.10.1998, sendo que atualmente exerce funções de Caixa-bilheteiro na Caixa Local, na (…). 2- No dia 11 de Abril de 2017, o Autor foi despedido pela Ré, com invocação de justa causa, na sequência do processo disciplinar n.º D-25/2017. 3- Aquando do despedimento o Autor auferia ao serviço da Ré a remuneração base mensal de € 746,30, acrescida dos montantes mensais de € 100,02 de “anuidades e diuturnidades”, € 118,40 de isenção de horário de trabalho, € 154,03 de subsídio diferencial e € 29,37 de abono para falhas. 4- Por despacho de 27.01.2017 foi determinado pela Ré a instauração de procedimento disciplinar ao ora Autor, “…por no ano civil de 2016 ter faltado injustificadamente (161 dias) ao serviço…”. 5- Em 30.01.2017, o instrutor do processo disciplinar nº. D-25/2017, deduziu NOTA DE CULPA contra o Autor, cujo teor integral consta de fls. 11 e 12 do processo disciplinar apenso, dando-se aqui a mesma por integralmente reproduzida. 6- A Ré enviou ao autor a Nota de Culpa por carta registada com A/R em 31.01.2017, a qual foi recebida pelo autor no dia 01.02.2017. 7- O Autor, através de mandatário judicial, apresentou Resposta à Nota de Culpa, datada de 15.02.2017, a qual foi remetida à Ré por carta registada em 16.02.2017, cujo teor integral consta de fls. 17 a 21 do processo disciplinar apenso, dando-se aqui a mesma por integralmente reproduzida. 8- No dia 02.03.2017, o instrutor do processo disciplinar elaborou o Relatório Final constante de fls. 26 a 30 do processo disciplinar apenso, dando-se aqui o mesmo por integralmente reproduzido. 9- No dia 22.03.2017, os representantes da empresa e os representantes dos trabalhadores na Comissão de Disciplina elaboraram separadamente os respetivos pareceres sobre o processo disciplinar, dando-se aqui tais pareceres por reproduzidos como constam de fls. 31 do processo disciplinar apenso. 10- No dia 22.03.2017, o Diretor do Gabinete Jurídico e de Contencioso entregou à Comissão de Trabalhadores cópia integral do processo disciplinar, tendo a Comissão de Trabalhadores emitido o respetivo parecer em 24.03.2017, dando-se aqui tal parecer por reproduzido como consta de fls. 34 do processo disciplinar apenso. 11- Em 28.03.2017, pelo Conselho de Administração da Ré foi tomada a decisão de despedimento do Autor, cujo teor integral consta fls. 36 a 39 do processo disciplinar apenso, bem como de fls. 5 a 8 dos autos, e se dá aqui por integralmente reproduzido. 12- A Ré enviou ao Autor comunicação datada de 07.04.2011 a notificá-lo da decisão de despedimento com justa causa proferida no processo disciplinar D-25/2017, acompanhada de cópia da decisão, por carta registada com A/R em 10.04.2017, a qual foi recebida pelo Autor no dia 11.04.2017, dando-se aqui tal comunicação por reproduzida como consta de fls. 40 do processo disciplinar apenso. 13- No ano civil de 2016, o Autor faltou ao trabalho nas seguintes datas: – Maio– 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 27, 30 e 31; – Junho– 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29 e 30; – Julho– 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28 e 29; – Agosto– 1, 2,3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31; – Setembro– 1,2,5,6,7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30; – Outubro– 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28 e 31; – Novembro - 2,3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29 e 30; – Dezembro– 2, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30. 14- No dia 10 de Maio de 2016, o trabalhador, ora Autor, apresentou-se no seu local de trabalho e só não prestou o seu trabalho porque foi detido para primeiro interrogatório, o que veio a suceder no dia seguinte, no âmbito do processo-crime com o n.º (…), que corria termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, facto de que a Ré teve conhecimento nesse dia. 15- A partir de 11.05.2016, o trabalhador, ora Autor, não compareceu ao trabalho, porque no processo-crime com o n.º (…), que correu termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Ação Penal de Lisboa, por despacho datado de 11/05/2016, no âmbito de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos dos artigos 192.º, 193.º, 196.º, 199.º, n.º 1, al. a) e 2 e art.º 200.º, al. a) e d) do C. P. Penal, foi-lhe aplicada, tal como ao colega (…), as seguintes medidas de coação: “Termo de Identidade e Residência, já prestado; Suspensos das funções públicas que exercem atualmente, como funcionários da “BBB, SA”, bem como com as seguintes proibições: Proibição de contactos entre si e com os demais trabalhadores do departamento “Caixa Local” da BBB, sito na (…), bem como com todos os que aí exerceram funções no período em causa nos autos ou seja desde 1 de Janeiro de 2015 até ao presente e ainda com a Proibição de entrar na referida estação da BBB de (…) Lisboa, consignando-se ainda que a referida proibição de contactos dos arguidos com pessoas mencionadas abrange o contacto por qualquer meio ou por qualquer interposta pessoa”; tal despacho foi comunicado à ré nesse dia por “fax” no âmbito do referido processo-crime. 16- Em 17.05.2017, no processo-crime com o n.º (…) que correu termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, foi deduzida Acusação contra o ora Autor, bem como contra o colega (…), na qual lhe é imputada a “…prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, p. e p pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao artigo 386.º, n.º 2, do mesmo diploma legal”, dando-se aqui tal despacho de acusação por integralmente reproduzido como consta de fls. 77 a 83 dos autos, o qual foi notificado à Ré no âmbito do referido processo-crime por carta expedida no dia 18.05.2017. 17- A Ré pagou ao Autor a retribuição relativa ao trabalho que este prestou até 10.05.2016, inclusive os duodécimos relativos a subsídio de férias e de Natal de 2016, que eram pagos mensalmente com o vencimento. 18- Os valores das contas finais (ilíquidos) constantes dos recibos de fls. 97 e 98 dos autos e do documento de folha 94 dos autos (líquidos) ainda não foram pagos ao trabalhador pela Ré. 19- O trabalhador ainda não entregou à Ré os cartões LISBOA VIVA e o de identificação da empresa. xxx II.2– Com interesse para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos: 1- O Autor auferia o valor mensal de € 15,00 a título de subsídio inerente à categoria de motorista. (art.º 15.º da contestação) 2- A Ré não procedeu ao pagamento da remuneração do trabalho efetuado até ao dia 10.05.2016, nem ao pagamento dos proporcionais do subsídio de férias e de Natal de 2016. (art.º 62.º e 65.º da contestação) xxx As restantes alegações dos articulados não constantes do elenco da matéria provada e não provada consideram-se irrelevantes, uma vez que consubstanciam matéria de direito ou conclusiva, além de simples considerações, nada acrescentando à factualidade descrita e relevante no presente processo». [[1]] * III–OS FACTOS E O DIREITO É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC). (…) * B–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO (…) C–OBJECTO DO RECURSO – ILICITUDE DO DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA Abordemos agora a única questão de direito que o Apelante levanta nas suas conclusões e que se centra na inexistência de justa causa de despedimento. D–REGIME LEGAL APLICÁVEL Abordemos então esta outra problemática do presente recurso, chamando, desde logo, à colação o estatuído nos artigos, 128.º, 328.º, 351.º e 357.º do Código do Trabalho de 2009, na parte que para aqui releva: Artigo 128.º Deveres do trabalhador 1– Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a)-(…) b)-Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c)-(…) h)-Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; g)- (...) 2–(…) Artigo 328.º Sanções disciplinares 1– No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções: a)- (…) f)- Despedimento sem indemnização ou compensação. 2– (…) Artigo 351.º Noção de justa causa de despedimento 1–Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 2– Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a)- (…) d)-Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto; e)- (…) g)-Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; h)- (…) 3– Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Artigo 357.º Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador 1– (…) 4– Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade. 5– (…) A Ré, na sua decisão disciplinar também invoca para fundar o Acordo de Empresa de 2009, muito embora não concretize o mesmo no procedimento disciplinar nem nenhuma das partes identifique, por seu turno, nos articulados apresentados na ação a qual dos cinco AE que foram publicados nesse ano no Boletim do Trabalho e Emprego [[2]], se querem referir. Inexistem também nos autos factos alegados e dados como provados que nos indiquem se o Autor está inscrito em alguma associação sindical e a estar, em qual. Esta deficiência de alegação, que não foi oportunamente suprida, ao abrigo do artigo 27.º, alínea b) do CPT, pelo tribunal recorrido, só se acha mitigada, de alguma maneira, pela circunstância do trabalhador ter no referido procedimento disciplinar indicado o Sindicato Nacional dos Motoristas como Comissão de Disciplina (fls. 25 desse procedimento) e ainda pelo facto de haver no que toca às cláusulas abaixo reproduzidas e que se mostram elencadas na Decisão Disciplinar de Despedimento uma identidade de texto que nos consente transcrever a redação do Acordo de Empresa firmado entre a Ré BBB e o dito (….) Possuem essas cláusulas convencionais o seguinte teor: Cláusula 5.ª Obrigações do trabalhador O trabalhador obriga-se a: a)- Fornecer à empresa o trabalho para que foi contratado e nas condições estabelecidas neste acordo; b)- Observar os horários e demais normas destinadas ao normal funcionamento dos serviços, desde que estabelecidos de harmonia com este acordo; c)- (…) Cláusula 32.ª Faltas - Princípios gerais 1– Considera-se falta a não comparência ao serviço durante um dia completo de trabalho. 2– (…) Cláusula 34.ª Faltas injustificadas 1– Consideram-se faltas injustificadas as dadas pelo trabalhador sem observância do estabelecido neste acordo e como tal justamente classificadas pela empresa. 2– (…) Cláusula 47.ª Poder disciplinar 1– Considera-se infração disciplinar a violação de algum dos deveres consignados neste acordo, bem como dos decorrentes do contrato individual de trabalho. 2– (…) Cláusula 50.ª Sanções disciplinares 1– As infrações nos termos deste acordo poderão ser objeto das seguintes sanções, de acordo com a gravidade dos factos: a)- (…) d)- Despedimento com justa causa. 2– (…) Cláusula 53.ª Justa causa de despedimento 1– Considera-se justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Ter-se-á sempre em conta a possibilidade de correção do indivíduo em função da análise do comportamento anterior do trabalhador, juntamente com a gravidade e consequências da falta cometida. 2– Poderão, nomeadamente, constituir motivos de justa causa os seguintes comportamentos do trabalhador: a)-(…) d)-O desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado; e)-(…) f)-Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 faltas seguidas ou 10 faltas interpoladas; g)-(…)» Este foi o quadro legal e convencional sobre o qual a Ré e depois a sentença recorrida fundou, juridicamente, a justa causa do despedimento do Autor. E–FACTOS RELEVANTES Os factos dados como provados, a este respeito, são os seguintes: «1– O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 12.10.1998, sendo que atualmente exerce funções de Caixa-bilheteiro na Caixa Local, na (…). 2– No dia 11 de Abril de 2017, o Autor foi despedido pela Ré, com invocação de justa causa, na sequência do processo disciplinar n.º D-25/2017. 4– Por despacho de 27.01.2017 foi determinado pela Ré a instauração de procedimento disciplinar ao ora Autor, “…por no ano civil de 2016 ter faltado injustificadamente (161 dias) ao serviço…”. 5– Em 30.01.2017, o instrutor do processo disciplinar nº. D-25/2017, deduziu NOTA DE CULPA contra o Autor, cujo teor integral consta de fls. 11 e 12 do processo disciplinar apenso, dando-se aqui a mesma por integralmente reproduzida. 6– A Ré enviou ao autor a Nota de Culpa por carta registada com A/R em 31.01.2017, a qual foi recebida pelo autor no dia 01.02.2017. 7– O Autor, através de mandatário judicial, apresentou Resposta à Nota de Culpa, datada de 15.02.2017, a qual foi remetida à Ré por carta registada em 16.02.2017, cujo teor integral consta de fls. 17 a 21 do processo disciplinar apenso, dando-se aqui a mesma por integralmente reproduzida. 8– No dia 02.03.2017, o instrutor do processo disciplinar elaborou o Relatório Final constante de fls. 26 a 30 do processo disciplinar apenso, dando-se aqui o mesmo por integralmente reproduzido. 9– No dia 22.03.2017, os representantes da empresa e os representantes dos trabalhadores na Comissão de Disciplina elaboraram separadamente os respetivos pareceres sobre o processo disciplinar, dando-se aqui tais pareceres por reproduzidos como constam de fls. 31 do processo disciplinar apenso. 10– No dia 22.03.2017, o Diretor do Gabinete Jurídico e de Contencioso entregou à Comissão de Trabalhadores cópia integral do processo disciplinar, tendo a Comissão de Trabalhadores emitido o respetivo parecer em 24.03.2017, dando-se aqui tal parecer por reproduzido como consta de fls. 34 do processo disciplinar apenso. 11– Em 28.03.2017, pelo Conselho de Administração da Ré foi tomada a decisão de despedimento do Autor, cujo teor integral consta fls. 36 a 39 do processo disciplinar apenso, bem como de fls. 5 a 8 dos autos, e se dá aqui por integralmente reproduzido. 12– A Ré enviou ao Autor comunicação datada de 07.04.2011 a notificá-lo da decisão de despedimento com justa causa proferida no processo disciplinar D-25/2017, acompanhada de cópia da decisão, por carta registada com A/R em 10.04.2017, a qual foi recebida pelo Autor no dia 11.04.2017, dando-se aqui tal comunicação por reproduzida como consta de fls. 40 do processo disciplinar apenso. 13– No ano civil de 2016, o Autor faltou ao trabalho nas seguintes datas: – Maio– 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 27, 30 e 31; – Junho– 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29 e 30; – Julho– 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28 e 29; – Agosto– 1, 2,3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31; – Setembro– 1,2,5,6,7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30; – Outubro– 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28 e 31; – Novembro– 2,3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29 e 30; – Dezembro– 2, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30. 14– No dia 10 de Maio de 2016, o trabalhador, ora Autor, apresentou-se no seu local de trabalho e só não prestou o seu trabalho porque foi detido para primeiro interrogatório, o que veio a suceder no dia seguinte, no âmbito do processo-crime com o n.º (…) , que corria termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, facto de que a Ré teve conhecimento nesse dia. 15– A partir de 11.05.2016, o trabalhador, ora Autor, não compareceu ao trabalho, porque no processo-crime com o n.º (…) , que correu termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Ação Penal de Lisboa, por despacho datado de 11/05/2016, no âmbito de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos dos artigos 192.º, 193.º, 196.º, 199.º, n.º 1, al. a) e 2 e art.º 200.º, al. a) e d) do C. P. Penal, foi-lhe aplicada, tal como ao colega (…), as seguintes medidas de coação: “Termo de Identidade e Residência, já prestado; Suspensos das funções públicas que exercem atualmente, como funcionários da “BBB, SA”, bem como com as seguintes proibições: Proibição de contactos entre si e com os demais trabalhadores do departamento “Caixa Local” da BBB, sito na Estação de (…) , bem como com todos os que aí exerceram funções no período em causa nos autos ou seja desde 1 de Janeiro de 2015 até ao presente e ainda com a Proibição de entrar na referida estação da BBB de (…) em Lisboa, consignando-se ainda que a referida proibição de contactos dos arguidos com pessoas mencionadas abrange o contacto por qualquer meio ou por qualquer interposta pessoa”; tal despacho foi comunicado à ré nesse dia por “fax” no âmbito do referido processo-crime. 16– Em 17.05.2017, no processo-crime com o n.º (…) que correu termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, foi deduzida Acusação contra o ora Autor, bem como contra o colega (…), na qual lhe é imputada a “…prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, p. e p pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao artigo 386.º, n.º 2, do mesmo diploma legal”, dando-se aqui tal despacho de acusação por integralmente reproduzido como consta de fls. 77 a 83 dos autos, o qual foi notificado à Ré no âmbito do referido processo-crime por carta expedida no dia 18.05.2017. (…)» F–NOÇÃO JURÍDICA DE JUSTA CAUSA O Professor JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta da Wolters Kluwer e Coimbra Editora, página 383, a partir da noção geral de justa causa contida no número 1 do artigo 351.º acima transcrito, refere que “a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infracção disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insusceptível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (…) As diversas condutas descritas nas várias alíneas do número 2 do artigo 351.º possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1 para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer acção ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico”. O Professor MONTEIRO FERNANDES, em “Direito do Trabalho”, 14.ª Edição, Almedina, página 612, segundo esse mesmo autor, defende que “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”, ao passo que o Professor JORGE LEITE em “Colectânea de Leis do Trabalho”, página 250 (nota 537 a página 384 da obra de JOÃO LEAL AMADO) sustenta que “a gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjectiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objectivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa” e ainda que “uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável”, isto quanto ao requisito legal da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho. Finalmente, a Professora MARIA ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO [[3]], acerca do «conceito geral de justa causa disciplinar», afirma o seguinte: «A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para despedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT. Estes requisitos, de verificarão cumulativa, são os seguintes: - Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa); - A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa); - A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (…) Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. Estes requisitos justificam as seguintes observações: i)- A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.° 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…) ii)- O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso. iii)- O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral. (...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não e, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos. Em interpretação da componente objetiva da justa causa, a jurisprudência tem chamado a atenção para três aspetos essenciais: i)- O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva (…) ii)- A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. (…) iii)- A impossibilidade de subsistência do vínculo tem que ser imediata: este requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral. Assim, se, apesar de grave, ilícita e culposa, a infração do trabalhador não tiver, na prática, obstado à execução normal do contrato, após o conhecimento da situação pelo empregador, tal execução demonstra que a infração não comprometeu definitivamente o futuro do vínculo contratual. (…) IV.– Por fim, a lei exige que se verifique um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho. (cf., também, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1997, página 820). H–SENTENÇA RECORRIDA Será conveniente auscultar o raciocínio levado a cabo pelo tribunal da 1.ª instância para justificar a verificação de justa causa no caso concreto dos autos, dado tal decisão já se mostrar transitada em julgado no que respeita à exceção perentória de caducidade do procedimento disciplinar que foi invocada pelo trabalhador e que foi julgada improcedente pelo tribunal recorrido. Diz tal sentença, a respeito da verificação da justa causa, o seguinte: «III.2– Da existência de justa causa de despedimento do Autor Da matéria de facto constante do n.º 1 da factualidade acima descrita como provada, bem como das posições das partes vertidas nos articulados, resulta que entre o trabalhador e a entidade empregadora vigorava um contrato de trabalho desde 12.10.1998, desempenhando aquela ultimamente funções de Caixa-bilheteiro. A entidade empregadora fez cessar o contrato de trabalho por decisão de despedimento, com invocação de justa causa, proferida no âmbito de um processo disciplinar, que produziu efeitos a partir do dia 11 de Abril de 2017 (Cfr. n.º 2 dos factos assentes). O contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito (art.ºs 343.º e segs. do Código do Trabalho de 2009, aplicável à situação em apreço por força do art.º 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12.02, que aprovou o aludido código), pode ser revogado por acordo das partes (artigos 349.º e seguintes) e extingue-se por decisão unilateral de uma das partes (cfr. artigos 351.º a 403.º do mesmo código) distinguindo-se, aqui, três situações: a resolução, baseada no incumprimento da contraparte, a resolução por causas alheias à atuação das partes e a denúncia. A resolução com base em incumprimento imputável ao empregador é denominada resolução (art.º 394.º do Código do Trabalho de 2009). Aquela imputável ao trabalhador é designada despedimento com justa causa (art.ºs 351.º e segs. do Código do Trabalho). A entidade empregadora tem poder disciplinar sobre os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço (art.º 329.º do CT). O poder disciplinar consiste na faculdade, atribuída ao empregador, de aplicar, internamente, sanções aos trabalhadores cuja conduta conflitue com os padrões de comportamento da empresa ou se mostre inadequada à correta efetivação do contrato (vide, neste sentido, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª ed., pág. 256). Trata-se, no dizer do professor Pedro Romano Martinez, (...) de uma forma de autotutela que o empregador pode exercer contra o trabalhador, sujeita a fiscalização judicial (Direito do Trabalho I, Lisboa, 1994/95, pág. 453). O sujeito da infração disciplinar é, necessariamente, um trabalhador. O facto traduz-se numa atuação, conduzida pelo agente, que integre a competente previsão disciplinar, podendo consistir na violação de deveres tipificados na lei e na inobservância de deveres genéricos, numa ação ou numa omissão. A culpabilidade implica a presença, no trabalhador, de um juízo de censura reportado à sua atuação. Qualquer das modalidades de culpa, dolo ou negligência, é apta a dar lugar à imputação disciplinar. A ilicitude corresponde à inobservância de deveres jurídicos, seja ignorando imposições, seja atentando contra proibições, sendo que os deveres atingidos podem ser contratuais, convencionais ou legais. O juízo de ilicitude pressupõe, assim, a prévia determinação da conduta exigível, em concreto, ao trabalhador (vide, neste sentido, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, págs. 750 e segs.). A sanção disciplinar a aplicar deve ser, de acordo com o preceituado no art.º 330.º do Código do Trabalho, proporcionada à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais do que uma pela mesma infração. Como faz notar Monteiro Fernandes, resulta destes dados a existência de uma vasta margem de julgamento por parte do empregador: apenas lhe estará, a priori, vedado criar novas sanções, e ultrapassar, dentro de cada tipo ou espécie, o máximo legal. Daí que, no estado atual do regime do poder disciplinar na empresa, se entenda que o critério de valoração (e de controlo) dos juízos disciplinares concretos só pode ser construído a posteriori, como que por via indutiva. O dimensionamento da «pena», em concreto, releva sobretudo do critério objetivado na própria prática disciplinar da organização (Direito do Trabalho, 13ª Ed., Almedina, 2006, págs. 270-271 e 578 e segs.). Vale isto por dizer que às decisões disciplinares a tomar há-de estar subjacente um critério, obedecendo a uma lógica que vincula o empregador a dela se não desviar em decisões subsequentes, quer relativamente ao mesmo trabalhador, quer relativamente a outros trabalhadores da empresa. Uma vez que o despedimento com justa causa é uma sanção disciplinar e foi a sanção que em concreto foi aplicada à autora, cumpre realçar a absoluta necessidade de aquele - despedimento - dever ser precedido por adequado processo, movido pela entidade empregadora. O processo disciplinar destina-se a averiguar a existência da justa causa e a permitir que o trabalhador se defenda dos factos que, integradores de infração de natureza disciplinar, lhe são imputados. Funciona, assim, como requisito essencial da validade e licitude do ato extintivo: se faltar o competente processo, ou caso ele seja nulo, o despedimento é ilícito e poderá ser anulado (art.º 381.º, al. c) do CT). O despedimento também será julgado ilícito se for declarada improcedente a justa causa invocada (al. b), do art.º 381.º do CT), sendo que compete à entidade empregadora fazer prova dos factos constantes da decisão de despedimento (art.º 387.º, n.º 3, do CTR). Nos termos do disposto no art.º 351º, nº 1 do Código do Trabalho, “constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho". No n.º 2 desta disposição legal, exemplificam-se os comportamentos que, assumidos pelo trabalhador, são suscetíveis de integrarem a justa causa de despedimento, desde que, e sempre, se reconduzam aos limites do conceito definido no n.º 1. O conceito de “justa causa de despedimento”, enquanto cláusula geral ou conceito indeterminado, no entendimento da doutrina e da jurisprudência, tem por pressupostos cumulativos: – O comportamento culposo do trabalhador (pressuposto subjetivo); – A impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (pressuposto de natureza objetiva); – O nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Quanto ao pressuposto subjetivo o mesmo pode consubstanciar-se numa ação ou omissão do trabalhador, violadora dos deveres a que está sujeito, e que lhe seja imputável a título de culpa. Sendo o despedimento a mais grave das sanções disciplinares necessário é que tal comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências aferido em termos concretos e objetivos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou trabalhador normal, face à natureza da relação; o grau de lesão de interesse da entidade empregadora, o quadro de gestão da empresa; as relações entre as partes e demais circunstâncias. Por outro lado, o apuramento da "justa causa" corporiza-se, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. No que respeita à interpretação desta componente objetiva de "justa causa", continua a ter plena validade a jurisprudência firmada no domínio do regime anterior, assente nas seguintes vertentes: -A impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de "inexigibilidade" da manutenção vinculística; -Exige-se uma "impossibilidade prática", com necessária referência ao vínculo laboral em concreto; -E "imediata" no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. (Acórdãos do STJ de 8.6.84, AD n.º 274, pág. 1205, de 16.11.98, AD n.º 290, pág. 251, e de 8.7.88, AD n.º 324, pág. 1584 O apuramento deste elemento envolve necessariamente um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida, juízo a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico, o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que radica, in extremis, na quebra e confiança entre a entidade patronal e o trabalhador. (cfr. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, pág. 490 e seguintes). Como refere Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 15.ª Ed., pág. 593 e seguintes, trata-se de “…uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo. (…). O que ela significa - o que significa a referência legal à «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho - é que a continuidade da vinculação representaria (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador. Embora num plano de objetividade, o elemento «impossibilidade prática» reporta-se a um padrão essencialmente psicológico: o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos”. Torna-se necessário, em resumo, que nenhuma outra sanção se revele adequada a sanar a crise contratual. No art.º 351.º, n.º 3 do Código do Trabalho, estabelecem-se como critérios aferidores da justa causa o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes e entre o trabalhador e os seus companheiros e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Assim, intervêm na indagação da "justa causa" de despedimento juízos de prognose e juízos valorativos necessários ao preenchimento individualizado de uma hipótese legal indeterminada, a par, das operações lógico-subsuntivas a que se reporta o ónus da prova (Cfr. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, págs. 511 e seguintes). Nesta conformidade, cabe ao julgador a tarefa de, em cada caso e em cada momento, concretizar a aplicação dessa "cláusula geral" a que a "justa causa" se reconduz. No âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem a jurisprudência salientado o papel da confiança nas relações de trabalho, afirmando a sua forte componente fiduciária e concluindo que a confiança contratual é particularmente afetada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina (Acórdãos do STJ de 5.6.91, AD n.º 359, pág. 1306, de 12.10.97, AD n.º 436, pág. 524 e de 28.1.98, AD n.º 436, pág. 556). No já referido nº 2 do citado art.º 351º do Código do Trabalho de 2009, o legislador enunciou, exemplificativamente, os comportamentos que, assumidos pelo trabalhador, são suscetíveis de integrar a noção de justa causa de despedimento. Todavia, como salienta Abílio Neto, a simples correspondência objetiva aos modelos de comportamentos prefigurados na lei não justifica, só por si, a rutura do vínculo laboral, não dispensando a apreciação dos mesmos factos à luz das circunstâncias em que ocorreram, do nível cultural e social do infrator, do respetivo meio de trabalho e de todas as demais circunstâncias suscetíveis de convencerem da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (Despedimentos e Contratação a Termo, notas e comentários, 1989, pág. 45.). Tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos (art.º 762.º do Código Civil) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Por fim, o nexo de causalidade apontado exige que a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador. No presente caso, verifica-se que o trabalhador/impugnante exercia funções de Caixa-bilheteiro na Caixa Local, na (…) (conforme número 1 dos factos provados). Com interesse para apreciação da justa causa invocada, provou-se que: 13- No ano civil de 2016, o AUTOR faltou ao trabalho nas seguintes datas: – Maio– 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 27, 30 e 31; – Junho– 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29 e 30; – Julho– 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28 e 29; – Agosto– 1, 2,3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31; – Setembro– 1,2,5,6,7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30; – Outubro– 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28 e 31; – Novembro– 2,3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29 e 30; – Dezembro– 2, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30. 14- No dia 10 de Maio de 2016, o trabalhador, ora autor, apresentou-se no seu local de trabalho e só não prestou o seu trabalho porque foi detido para primeiro interrogatório, o que veio a suceder no dia seguinte, no âmbito do processo-crime com o n.º(…) , que corria termos na 9ª Secção do Departamento de Investigação Ação Penal de Lisboa, facto de que a ré teve conhecimento nesse dia. 15- A partir de 11.05.2016, o trabalhador, ora autor, não compareceu ao trabalho, porque no processo-crime com o n.º (…), que correu termos na 9ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, por despacho datado de 11/05/2016, no âmbito de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos dos artigos 192º, 193º, 1969º, 199º,nº1, al. a) e 2 e art.º 200º, al. a) e d) do C. P. Penal, foi-lhe aplicada, tal como ao colega (…), as seguintes medidas de coação: “Termo de Identidade e Residência, já prestado; Suspensos das funções públicas que exercem atualmente, como funcionários da “BBB, SA”, bem como com as seguintes proibições: Proibição de contactos entre si e com os demais trabalhadores do departamento “Caixa Local” da BBB, sito na (…), bem como com todos os que aí exerceram funções no período em causa nos autos ou seja desde 1 de Janeiro de 2015 até ao presente e ainda com a Proibição de entrar na referida estação da BBB de (…) Lisboa, consignando-se ainda que a referida proibição de contactos dos arguidos com pessoas mencionadas abrange o contacto por qualquer meio ou por qualquer interposta pessoa”; tal despacho foi comunicado à ré nesse dia por “fax” no âmbito do referido processo-crime. 16- Em 17.05.2017, no processo-crime com o n.º (…), que correu termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, foi deduzida Acusação contra o ora autor, bem como contra o colega (…), na qual lhe é imputada a “…prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, p. e p pelo artigo 375º., n.º 1, do Código Penal, com referência ao artigo 386º., nº. 2, do mesmo diploma legal”, dando-se aqui tal despacho de acusação por integralmente reproduzido como consta de fls. 77 a 83 dos autos, o qual foi notificado à ré no âmbito do referido processo-crime por carta expedida no dia 18.05.2017. Perante tais factos, defende o autor que as faltas que deu ao trabalho não se deveram a uma decisão livremente tomada por si, nem sabia que tal conduta era violadora das suas obrigações enquanto trabalhador, mas ocorreram porque lhe foi aplicada a medida de coação de suspensão das funções que exercia por decisão judicial tomada no processo-crime com o nº (…), que correu termos na 9.ª Secção do Departamento de Investigação Acão Penal de Lisboa, no qual lhe foram imputados indícios que poderão consubstanciar um crime de peculato. Por sua vez, a ré sustenta que o autor faltou ao trabalho de forma consciente, sabendo que tal conduta é violadora das suas obrigações laborais, porque a impossibilidade de prestar trabalho ocorreu porque o mesmo voluntariamente se colocou na situação que conduziu à sua detenção e consequente sujeição a medidas de coação, em especial, à suspensão das funções públicas que exerce e à proibição de entrar nas instalações da ré. Defende ainda a ré que a imperatividade absoluta do regime de faltas previsto no art.º 250.º do Código do Trabalho, não permite o acolhimento de qualquer outro tipo de falta diferente daquelas que constam do art.º 249.º do mesmo diploma. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.11.2007, proferido no processo nº 7008/2007-4, cujo teor integral pode ver-se em www.dgsi.pt/trl, foi elaborado o seguinte sumário doutrinal. “I– As faltas dadas ao serviço, em número superior a cinco, por motivo de prisão preventiva do trabalhador, em consequência de acusação de crime de homicídio qualificado abuso de confiança e simulação de crime, crime por que veio a ser condenado e que leva a imputar-lhe a responsabilidade de tal prisão, são consideradas como injustificadas, por procederem de comportamento gravemente censurável, constituindo, por isso, justa causa de despedimento. II– Nada impede que o processo disciplinar seja instaurado antes de haver decisão penal condenatória, transitada em julgado. III– Admitir o contrário redundaria numa inversão de valores a ter em consideração numa relação laboral normal e adequada aos interesses do empregador e à generalidade dos trabalhadores ao seu serviço uma vez que quando a entidade patronal pudesse mover o processo disciplinar ela já estaria fora de prazo para tal.” As razões de decidir no caso presente ajustam-se ao decidido pelo TRL, apesar de não estar em causa a prisão preventiva do arguido/trabalhador, mas a medida de coação de suspensão de funções e proibição de entrada nas instalações da ré. Na verdade, a atuação do trabalhador que levou à sua detenção, fortemente indiciada no primeiro interrogatório e posteriormente descrita na acusação, ocorreu no exercício das suas funções de Caixa-bilheteiro, pelo que as faltas ao trabalho decorrentes da medida de coação que lhe foi imposta têm de considerar-se como consequência direta do seu comportamento, que adotou de forma consciente, não podendo desconhecer que daí podia advir a medida de coação aplicada. Assim, as ausências do trabalhador ao serviço ininterruptamente de 10.05.2017 a 30.12.2017, apesar de decorrentes de imposição judicial em processo criminal, têm de haver-se como ausências sem justificação e traduzem-se inequivocamente na violação do dever de assiduidade previsto no art.º 128.º, n.º 1, alíneas b) do Código do Trabalho, com tal magnitude que é inelutável quanto à suscetibilidade de abalar a confiança do empregador relativamente ao trabalhador. Com efeito, tal comportamento, atento o número de faltas ao serviço, impossibilita na prática o empregador de contar com o trabalhador para a realização das tarefas a que contratualmente estava obrigado. Nesta conformidade, impõe-se a conclusão de que os factos acima descritos como provados, integram a previsão do art.º 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho e constituem justa causa de despedimento à luz dos critérios acima enunciados, pelo que a atuação da entidade empregadora ao decidir o despedimento do trabalhador não merece censura, sendo o despedimento lícito. Assim, conclui-se pela total improcedência da presente ação.» I–APRECIAÇÃO DA JUSTA CAUSA DOS AUTOS Ora, face ao descrito quadro legal e à interpretação que a transcrita doutrina faz do mesmo, importa averiguar se as condutas dadas como assentes e imputadas ao Apelante integram ou não o conceito legal de justa causa. Se quisermos sintetizar tais condutas que foram disciplinarmente assacadas ao trabalhador e consideradas pela sua entidade empregadora como suficientemente graves para motivar a cessação do contrato de trabalho que aquela mantinha com o Autor, traduzem-se as mesmas na circunstância de o Apelante não ter comparecido ao serviço, desde o dia 10/5/2016 até 31/12/2016, durante 161 dias úteis de trabalho, dado ter sido suspenso preventivamente de funções na sequência da correspondente medida aplicada pelo juiz de instrução no final do 1.º interrogatório de arguido, que teve lugar no âmbito do inquérito crime que foi deduzido contra ele e contra um seu colega de trabalho e que se mostra devidamente identificado nos autos. Essa medida de coação acha-se prevista no artigo 199.º do Código de Processo Penal que possui a seguinte redação: Artigo 199.º Suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos. 1– Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer outra medida de coação, a suspensão do exercício: a)- De profissão, função ou atividade, públicas ou privadas; b)- Do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de títulos de crédito; Sempre que a interdição do respetivo exercício possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado. 2– Quando se referir a função pública, a profissão ou atividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública, ou ao exercício dos direitos previstos na alínea b) do número anterior, a suspensão é comunicada à autoridade administrativa, civil ou judiciária normalmente competente para decretar a suspensão ou a interdição respetivas. Tal medida de coação, que foi logo comunicada à Ré BBB no final do interrogatório referido e que teve lugar no dia 11/5/2016, terá tido uma duração máxima de 8 meses, dado a acusação do Ministério Público no seio do referido processo-crime se referir a essa anterior extinção e só ter sido deduzida em 17/5/2017, ou seja, cerca de um ano depois da detenção e interrogatório do aqui Autor e não no prazo máximo de 8 meses previsto nos artigos 218.º, número 2 e 215.º, número 1, alínea a) do Código de Processo Penal. [[4]] Impõe-se também chamar à colação o disposto no artigo 203.º desse mesmo diploma legal, que nos aponta as consequências legais que advém da violação por parte do arguido das medidas de coação que lhe foram impostas, ao estatuir o seguinte: Artigo 203.º Violação das obrigações impostas 1– Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coação, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coação previstas neste Código e admissíveis no caso. 2– Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 193.º, o juiz pode impor a prisão preventiva, desde que ao crime caiba pena de prisão de máximo superior a 3 anos: a)-Nos casos previstos no número anterior; ou b)-Quando houver fortes indícios de que, após a aplicação de medida de coação, o arguido cometeu crime doloso da mesma natureza, punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos. Cruzando este regime legal que deixámos transcrito com a factualidade pertinente que também antes deixamos transcrita, constatamos que os referidos 8 meses da medida de suspensão do exercício de funções se esgotaram em 11 de janeiro de 2017, ou seja, já para além do período de faltas injustificadas que foram consideradas pela Ré como justificadoras da justa causa do despedimento de que o Autor foi objeto. O que se passou após o dia 31/12/2016 não se encontra referenciado nos autos, muito embora a alegação que o Autor faz no seu articulado (contestação/reconvenção), pareça indiciar que ele nunca mais terá regressado ao serviço após 10/5/2016 (o mesmo refere no seu artigo 62.° que «O Autor trabalhou até ao dia 10 de maio de 2016»), não sendo o recibo junto a fls. 96, até porque relativo a maio de 2017, tendo o trabalhador sido despedido em 11/4/2017, nada esclarecedor a esse respeito. O Tribunal do Trabalho de Lisboa deu razão à Ré e confirmou esse despedimento, considerando-o lícito, por entender que a circunstância de o recorrente não ter desempenhado a sua atividade profissional por força da ordem judicial de suspensão do desenvolvimento da mesma não lhe justifica a sua ausência prolongada ao serviço da BBB, não apenas por que tal aconteceu na sequência de condutas criminalmente ilícitas e culposas imputadas ao mesmo, em sede do dito inquérito e interrogatório, e que, nessa medida, permitem assacar a ele, em última análise, a responsabilidade subjetiva por tal suspensão e pelas faltas ao serviço dela decorrente [5]. Ora, salvo o devido respeito por tais posições e entendimentos, o cenário demonstrado nos autos não permite as conclusões extraídas pela recorrida assim como depois pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa. Comecemos por contestar a afirmação feita pela Ré e depois pelo tribunal da 1.ª instância de que a situação vivida nos autos pelo trabalhador não encontra cobertura legal nos artigos 248.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, pois basta atentar no número 249.º, número 2, alínea d) de tal diploma legal para aí encontrar a falta justificada motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a cumprimento de obrigação legal como constitui a que se traduz na referida suspensão preventiva de funções do artigo 199.º do CPP. Dir-se-á, todavia, que essa disposição legal só admite como justificadas as referidas faltas desde que essas ausências não sejam devidas a facto imputável ao trabalhador, o que não foi o caso dos autos, pois tal medida coativa foi aplicada no final de um interrogatório de arguido detido e por o juiz de instrução se ter convencido de que estavam reunidos contra o Autor indícios fortes e seguros de que o mesmo terá praticado os crimes que lhe são aí também assacados, conclusão essa reforçada pela posterior acusação deduzida um ano depois pelo MP contra o aqui recorrente, havendo assim que considerar que tal cumprimento da aludida obrigação legal lhe é objetiva e subjetivamente imputável (em termos de culpa), o que afasta a justificação dos referidos 161 dias de faltas. Ora, um entendimento como o que se mostra descrito – e que, convirá dizê-lo, tem também dividido a doutrina e a jurisprudência no que concerne ao trabalhador preso preventivamente e às faltas ao trabalho que o mesmo dá em tais circunstâncias – antecipa e cristaliza um juízo de culpabilidade e censurabilidade sobre a conduta do Autor que os factos, na sua objetividade, não permitem nem consentem, designadamente em nome do princípio da presunção da inocência contemplado no artigo 32.º, número 2, da Constituição da República Portuguesa. A imputabilidade que é referida na alínea d) do número 2 do artigo 249.º não se pode satisfazer, naturalmente, com uma mera conexão material ou objetiva entre a qualidade de trabalhador e o motivo que está na base da sua ausência nem sequer com uma indiciação ou suspeição subjetiva mais ao menos forte (mas ainda reversível, como é o caso dos autos) entre o mesmo e causa das faltas em questão, exigindo antes um nexo de imputação entre a conduta do faltoso e a sua não prestação de trabalho que se mostre caracterizado pela certeza e segurança jurídicas, em termos de ilicitude e culpa do visado na criação do cenário que está na base da sua não comparência ao serviço da sua entidade empregadora (na hipótese dos autos, exige-se uma sentença condenatória do trabalhador que seja imutável e definitiva). Imagine-se que o Autor, no final da fase da Instrução que requereu ou da Audiência de Discussão e Julgamento a que será sujeito no tribunal criminal, vem a ser «despronunciado» (digamos assim) ou a ser absolvido de todas as acusações contra ele formuladas, por despacho ou sentença transitados em julgado. O que fazer então quanto ao trabalhador que, com base em meros prognósticos provisórios e precipitados de ilicitude e culpa, foi entretanto despedido com justa causa, com base em faltas injustificadas? Contrapor-se-á que a empresa fica, de qualquer maneira, deficitária de um trabalhador, no seio da sua organização económica, sem em nada ter contribuído para a verificação da razão ou razões que, ligadas a esse seu funcionário, justificam a sua ausência prolongada, não lhe sendo, assim, exigível que sofra, de forma impotente e passiva, as consequências de diversa ordem derivadas de tal ausência. Dir-se-á que as faltas como as ocorridas nos autos, ainda que justificadas, não obrigam ao pagamento de qualquer retribuição ao dito trabalhador faltoso, face ao disposto nos artigos 255.º, número 1, 295.º, número 1 e 296.º, números 1 e 3 do CT/2009, dado determinarem, desde logo, a suspensão do contrato de trabalho desde o início da suspensão preventiva de funções, face à previsibilidade de que a sua duração irá exceder o prazo de 1 mês. Fala-se, por outro lado e cada vez mais, em contraponto à responsabilidade individual das pessoas singulares, enquanto cidadãos de pleno direito, da responsabilidade social das empresas, afigurando-se-nos que uma situação como a vivenciada nesta ação se pode e deve reconduzir a uma das vertentes por que deve passar tal responsabilidade coletiva da Ré BBB, SA. Não ignoramos os problemas jurídicos que, no que toca aos prazos de caducidade e de prescrição do procedimento disciplinar, são suscitados por situações como a dos autos – suspensão preventiva de funções por razões do foro criminal, prisão preventiva ou mesmo para alguns, prisão definitiva em resultado de condenação por decisão transitada em julgado -, remetendo, nessa matéria e acerca de um despedimento também considerado ilícito com base em faltas injustificadas motivadas pela prisão preventiva do trabalhador, para o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 6/4/2005, Processo n.º 6108/2004-4, relator: Duro Mateus Cardoso, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário: «I– As ausências do serviço motivadas por impossibilidade do trabalhador prestar trabalho devido a facto que não lhe é imputável (prisão preventiva), não integram a probabilidade séria de inexistência de justa se não existir decisão condenatória à data da decisão final do processo disciplinar, momento com referência ao qual deve ser apreciada a existência de justa causa. II– Tais faltas caiem na previsão do art.º 23.º, n.º 2 al. e) do DL 874/76 de 28.12.» (numeração da nossa autoria) [[6]] Logo, pelo conjunto de argumentos que deixámos explanados, entendemos que não se mostram provados factos que consintam a qualificação das ausências do Autor como faltas injustificadas e, nessa medida, como infrações disciplinares que, integrando a justa causa de despedimento, tornem inexigível à Ré a manutenção do vínculo laboral, por quebra irreparável da confiança reclamada pela relação laboral. Sendo assim, pelos motivos expostos, tem este recurso de Apelação de ser julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida. F–SUSPENSÃO DE FUNÇÕES – SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Importa, antes de mais, recordar que, conforme antes ficou referido, em função do regime processual penal aplicável, do teor do despacho de acusação, onde se refere expressamente a anterior extinção ou caducidade de tal medida coativa e da data de início de aplicação da mesma (11/10/2016), o Autor ficou impedido de desempenhar funções até ao dia 11/1/2017, tendo sido até essa data que o correspondente contrato de trabalho esteve suspenso, nos termos das normas antes transcritas do Código do Trabalho de 2009. Não existe nos autos, no entanto, como já antes referimos, qualquer indicação segura de que o Autor tenha regressado ao trabalho após a referida data limite de 11/1/2017, mas também nada nos afiança o contrário, ou seja, de que, a partir daquela data, não terá reiniciado as suas funções, que terá prosseguido até à data do seu despedimento com invocação de justa causa, que ocorreu em 11/4/2017. A única coisa que sabemos é que o Autor não foi suspenso preventivamente no quadro do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado no dia 30/1/2017, o que talvez nos permita suspeitar de que, efetivamente, o aqui recorrente nunca mais terá retomado funções. De qualquer forma e independentemente do que se passou após 11/1/2017, a referida suspensão de funções e do contrato de trabalho não tem qualquer influência na análise das prestações que são devidas ao Autor por força do despedimento ilícito de que foi alvo. G–PRESTAÇÕES DECORRENTES DO DESPEDIMENTO ILÍCITO – REINTEGRAÇÃO DO AUTOR Importa recordar aqui o que o Autor, na sua contestação/reconvenção, peticionou a final de tal peça processual: «Nestes termos e nos melhores de Direito e, sempre como mui douto suprimento de V. Ex.ª deverá a presente contestação ser julgada procedente por provada, e em consequência: a)-Ser declarada a ilicitude do despedimento, e consequentemente ser o Autor reintegrado no seu posto de trabalho ou a Ré ser condenada ao pagamento de indemnização substitutiva da reintegração. b)- Ser a Ré condenada a pagar ao Autor as remunerações que se vencerem desde a data do despedimento até à prolação da sentença. c)- Ser a reconvenção declarada procedente por provada e em consequência ser a Ré condenada ao pagamento dos créditos laborais devidos no valor de € 3.570,15 referentes ao salário do mês de maio, férias e subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal adquiridos no ano da suspensão de funções. d)- Custas cargo da Ré. e)- Requerer a gravação da audiência final» Logo, chegados aqui e tendo declarado a ilicitude do despedimento de que o Apelante foi objeto, importa agora ter em consideração o estatuído nos artigos 389.º a 391.º do Código do Trabalho de 2009 [[7]], as pretensões formuladas pelo demandante e a circunstância da trabalhador relativamente à condenação da Ré na sua reintegração ou na indemnização de antiguidade em substituição daquela, nunca ter definido nos autos a opção por uma ou por outra, o que acarreta simplesmente que o trabalhador seja reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. Tem algum interesse para esse efeito reproduzir o seguinte Ponto de Facto dado como Provado: «1- O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 12.10.1998, sendo que atualmente exerce funções de Caixa-bilheteiro na Caixa Local, na (…).» Sendo assim, não restam dúvidas de que o Autor tem direito a ser reintegrado nos moldes indicados e de acordo com a alínea b) do número 1 do artigo 389.º na estrutura da entidade empregadora, a fim de aí continuar a desenvolver as suas funções, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. I–COMPENSAÇÃO – ARTIGO 390.º, NÚMERO 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009 Entrando agora na questão atinente à compensação prevista no artigo 390.º, número 1, do CT/2009, dir-se-á, desde logo, que tendo o Autor sido despedido em 11/4/2017 (cfr. fls. 44 do procedimento disciplinara) e tendo o formulário da presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento dado entrada em juízo no dia 16/5/2017, o trabalhador tem apenas direito às retribuições vencidas desde o dia 15/4/2017 em diante, dado o estatuído na alínea b) do número 2 do artigo 390.º do CT/2009, que é de conhecimento imediato e oficioso. Logo, tem o Apelante direito a receber desde o dia 15/4/2017 até à data do presente Aresto (12/9/2018) as retribuições vencidas e vincendas, em função dos seguintes factos dados como assentes e da condenação em parte do pedido reconvencional, que já transitou em julgado por a Ré não a ter oportunamente impugnado em termos recursórios: I–FACTOS «3- Aquando do despedimento o Autor auferia ao serviço da Ré a remuneração base mensal de € 746,30, acrescida dos montantes mensais de € 100,02 de “anuidades e diuturnidades”, € 118,40 de isenção de horário de trabalho, € 154,03 de subsídio diferencial e € 29,37 de abono para falhas. 17- A Ré pagou ao Autor a retribuição relativa ao trabalho que este prestou até 10.05.2016, inclusive os duodécimos relativos a subsídio de férias e de Natal de 2016, que eram pagos mensalmente com o vencimento. 18- Os valores das contas finais (ilíquidos) constantes dos recibos de fls. 97 e 98 dos autos e do documento de folha 94 dos autos (líquidos) ainda não foram pagos ao trabalhador pela Ré.» II–CONDENAÇÃO [[8]] «b)- Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelo trabalhador, e, em consequência, condenar a entidade empregadora a pagar-lhe o montante de € 2.958,58 relativamente a férias e subsídio de férias e o montante de € 57,24 relativamente a subsídio de refeição.». III–FUNDAMENTAÇÃO «III.3 - O trabalhador, em reconvenção, pede a condenação da ré no pagamento dos créditos laborais devidos no valor de no valor de € 3.570,15 (três mil, quinhentos e setenta euros e quinze cêntimos) referentes ao salário do mês de Maio, férias e subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal adquiridos no ano da suspensão de funções. Quanto ao salário relativo ao trabalho prestado de 1 a 10 de Maio de 2016 e aos proporcionais de subsídio de férias e de Natal adquiridos no ano de 2016, verifica-se que os mesmos já lhe foram pagos pela Ré, uma vez que sob o n.º 17 dos factos assentes ficou provado o seguinte: “A Ré pagou ao Autor a retribuição relativa ao trabalho que este prestou até 10.05.2016, inclusive os duodécimos relativos a subsídio de férias e de Natal de 2016, que eram pagos mensalmente com o vencimento.” Quanto a férias vencidas em 1.01.2016 e respetivo subsídio de férias, bem como proporcionais de férias do ano de 2016, verifica-se que os mesmos ainda não foram pagos ao trabalhador, conforme resulta evidenciado do teor do n.º 18 dos factos provados: “18 - Os valores das contas finais (ilíquidos) constantes dos recibos de fls. 97 e 98 dos autos e do documento de folha 94 dos autos (líquidos) ainda não foram pagos ao trabalhador pela Ré.” Assim, impõe-se a condenação da Ré a pagar ao Autor os referidos valores ilíquidos constantes dos recibos de vencimento processados em Maio de 2017 e Junho de 2017, sendo o montante global de € 2.958,58 relativamente a férias e subsídio de férias, acrescido de € 57,24 relativamente a subsídio de refeição. Considerando que o despedimento do Autor ocorreu em 11.04.2017, verifica-se que tais quantias são devidas desde 30.04.2017, não se condenando a ré em juros de mora porque não peticionados.» O artigo 390.º, número 1 do CT/2009, refere-se a «retribuições», o que nos poderia remeter para o conceito juridicamente mais restrito das prestações laborais que possuíssem natureza retributiva, assim se encontrando excluídos todos os créditos laborais que não pudessem ser qualificados enquanto tal, como seria o caso dos elencados no artigo 260.º do CT/2009. Logo, uma realidade como o «abono para falhas», por não constituir, em regra, retribuição, deveria estar excluída do âmbito de aplicação da compensação do número 1 do artigo 390.º do CT/2009. Importa desde logo e nesta matéria fazer uma primeira precisão: o legislador laboral refere-se, significativamente, a «retribuições» (plural), e não apenas a «retribuição», o que tem necessariamente de ser interpretado pelo aplicador do direito de uma forma mais ampla e abrangente do que a leitura que radica a compensação do número 1 do artigo 390.º do CT/2009 apenas nas prestações estruturalmente retributivas. Temos, por outro lado, que recordar que nos encontramos face a uma «ficção legal» criada legalmente como forma de responder a um cenário de ilicitude de um despedimento subjetivo ou objetivo (artigos 381.º a 392.º do citado diploma legal) e através da qual se visa repor ou restaurar a situação que o trabalhador teria vivido caso tivesse estado sempre no ativo e ao serviço subordinado do empregador que o despediu ilicitamente, o que implica, em nosso entender, a condenação desta última em todas as prestações de cariz laboral que tendo por fonte a lei, a regulamentação coletiva ou o contrato de trabalho fossem por ele percebidas de forma regular e periódica. Admitimos que as prestações não retributivas referidas na primeira parte da alínea a) do artigo 260.º do CT/2009 não cabem dentro da referida compensação, atento o seu cariz específico de pagamento de despesas efetuadas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal, que são por si incertas, aleatórias e inconstantes (e que, durante o período em que o despedimento ilícito vigorou não foram efetuadas pelo primeiro), mas já não parece que idêntico raciocínio possa ser transposto, sem mais, para a segunda parte dessa mesma alínea a) ou para as restantes alíneas do número 1 desse artigo 260.º. Importa realçar que o subsídio de refeição ou o abono para falhas não se incluem na referida categoria de ajudas de custo ou adiantamentos para despesas, dado a sua função e finalidade não se confundirem ou assemelharem com a daquelas, o que ressalta à evidência do facto de o legislador laboral ter sentido necessidade de, no número 2 do artigo 260.º, fazer a equiparação jurídica de tais prestações com as da aludida alínea a). O subsídio de refeição visa compensar o trabalhador pela necessidade que, por razões ligadas à distância, conveniência e forma de prestação das suas funções, tem de tomar as suas refeições no exterior e contra pagamento das mesmas, destinando-se o abono para falhas a suprir eventuais erros naturais e humanos por parte dos empregados que manuseiam habitualmente dinheiro. Dir-se-á, finalmente, que, a não ser assim – ou seja, ao não considerar na compensação do número 1 do artigo 390.º do CT/2009, todas as prestações de cariz laboral, de cariz retributivo ou não, auferidas pelo trabalhador ilicitamente despedido, com a ressalva das que se traduzam nas referidas ajudas de custo ou noutras realidades equiparadas e previstas na primeira parte do número 1 do artigo 260.º do CT/2009 ou das que não possuam um carácter minimamente regular e periódico, que, pela sua frequência, imponham a sua consideração para aquele efeito -, cria-se uma disparidade ou desconformidade de regimes legais, dado segunda parte da alínea a) do número 2 do artigo 390.º do CT/2009 permitir a dedução, sem distinção de espécie alguma, das «importâncias que o trabalhador (…) não receberia se não fosse o despedimento», o que, salvo melhor opinião, implica que se tenha de aí ponderar prestações como as aqui em análise. Logo, estando as contas até 11/4/2017 decididas por sentença transitada em julgado, restam-nos calcular as retribuições desde 15/4/2017 em diante até 12/9/2018, nos moldes seguintes: -RETRIBUIÇÃO MENSAL: € 1.148,12 [€ 746,30 (retribuição-base) + € 100,02 (anuidades e diuturnidades) + € 118,40 (IHT) + € 154,03 (subsídio diferencial) + € 29,37 (abono para falhas]), sendo que para o cálculo da retribuição de férias e do correspondente subsídio só se considerarão as quatro primeiras verbas indicadas (1.118,75 €) e as duas primeiras para efeitos do subsídio de natal (€ 846,32). Importa também recordar que o tribunal, no seio do pedido reconvencional, condenou a Ré a pagar ao Autor o valor global de 2.956,58 € a título de férias e subsídio de férias, referindo-se os valores de 317,70 € às férias e correspondente subsídio relativo ao ano de 2017, importando, portanto, deduzir tais montantes aos que iremos, de seguida, calcular. ANO DE 2017 - [€ 1.148,12 x 6 meses e 15 dias] + [1 mês de férias x 1.118,75 €) + (1.118,75 €, a título de subsídio de férias) + (€ 846,32 : 12 x 8,5 meses, a título de subsídio de Natal proporcional ao ano de 2017) – (317,70 € x 2) = 9.664,356666666667 €, ou 9.664,36 €, por arredondamento. ANO DE 2018 [€ 1.148,12 x 7 meses e 12 dias] + [1 mês de férias x 1.118,75 €) + (1.118,75 €, a título de subsídio de férias) + (€ 846,32 : 12 x 8 meses e 12 dias, a título de subsídio de Natal proporcional ao ano de 2018) = 11.307,62521917808 €, ou seja, por arredondamento, 11.307,63 €. Total (até 12/9/2018): 20.971,98 €, tudo sem prejuízo daqueles que se vierem a apurar até ao trânsito em julgado do presente Aresto. Sobre tal montantes incidirão, caso se tenham verificado, as deduções previstas na alínea c) do número 2 do artigo 390.º do CT/2009 (subsídio de desemprego), cujo montante global a Ré se encontra obrigada a entregar à Segurança Social, indo este Tribunal da Relação de Lisboa dar cumprimento ao disposto no número 2 do artigo 75.º do CPT. No que respeita às deduções previstas na alínea a) do número 2 do mesmo artigo 390.º do CT/2009, essas só poderão ser invocadas pela Ré relativamente ao período que mediar entre a data em que se encerraram os debates em sede da Audiência Final que teve lugar no tribunal da 1.ª instância e o trânsito em julgado deste Acórdão, em sede de incidente de liquidação (artigos 358.º e seguintes do NCPC) ou nos termos e para os efeitos do artigo 729.º, alínea g) do NCPC. J–CONCLUSÃO Em conclusão, julgando-se a presente Apelação procedente, declara-se ilícito o despedimento sem justa causa de que o Autor foi objeto e, nessa medida, condena-se a Ré a reintegrar o mesmo nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 389.º do CT/2009, assim como a pagar todas as retribuições vencidas e vincendas entre 15/4/2017 e o trânsito em julgado do presente Acórdão e que em 12/9/2018, se cifram no montante global de 20.971,98 €, tudo sem prejuízo das deduções das alíneas a) e c) do número 2 do artigo 390.º do CT/20099, nos precisos moldes acima mencionados e temporalmente circunscritos. IV–DECISÃO Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, Em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por AAA, revogando-se, nessa parte, a sentença recorrida e decidindo-se, em sua substituição, o seguinte: 1)- Declarar-se a ilicitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré BBB, S.A.; 2)- Condenar-se a Ré BBB, S.A. a reintegrar o Autor AAA, no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; 3)- Condenar-se a Ré BBB, S.A. a pagar ao Autor AAA as retribuições vencidas e vincendas devidas nos termos do artigo 390.º, número 1, do CT/2009, desde o dia 15/4/2017 até ao trânsito em julgado do presente Acórdão e que no momento da sua prolação se cifram no montante global de 20.971,98 €, tudo sem prejuízo das deduções das alíneas a) e c) do número 2 do artigo 390.º do CT/20099, nos precisos moldes mencionados e temporalmente circunscritos na fundamentação deste Aresto; 4)- No mais mantém-se o teor da sentença recorrida; 5)- Custas da ação na proporção do decaimento, nos termos do artigo 527.º, número 1, do NCPC. * Custas do recurso do Autor a cargo da Apelada, nos termos do artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil. Registe e notifique. Após o trânsito em julgado do presente Acórdão, cumpra-se o disposto no número 2 do artigo 75.º do CPT, por referência à alínea c) do número 2 do artigo 390.º do CT/2009. Lisboa, 12 de setembro de 2018 (José Eduardo Sapateiro) (Alves Duarte) (Maria José Costa Pinto) (…)» [2]São tais Acordos de Empresa os seguintes, conforme informação retirada do sítio do BTE: - AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., e a FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações e outro – Revisão global. (BTE n.º 17 de 08/05/2009 - Data de Distribuição: 08/05/2009) - AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., e o ASPTC – Associação Sindical do Pessoal de Tráfego da Carris – Revisão global. (BTE n.º 17 de 08/05/2009 - Data de Distribuição: 08/05/2009) - AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., e o SIMA – Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins – Revisão global. (BTE n.º 17 de 08/05/2009 - Data de Distribuição: 08/05/2009) AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., e o SNM – Sindicato Nacional dos Motoristas – Revisão global. (BTE n.º 15 de 22/04/2009 - Data de Distribuição: 22/04/2009) AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S.A., e o SITRA – Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes e outro – Revisão global (BTE n.º 12 de 29/03/2009 - Data de Distribuição: 30/03/2009) [3]Em “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, 4.ª Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 a 821. [4]Essas disposições legais possuem a seguinte redação: Artigo 218.º Prazos de duração máxima de outras medidas de coação 1-As medidas de coação previstas nos artigos 198.º e 199.º extinguem-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no artigo 215.º, n.º 1, elevados ao dobro. 2-À medida de coação prevista no artigo 200.º é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 215.º e 216.º 3-A medida de coação prevista no artigo 201.º é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 215.º, 216.º e 217.º. Artigo 215.º Prazos de duração máxima da prisão preventiva 1-A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: a)-Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; b)-Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; c)-Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; d)-Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. 2– (…) [5]A Ré ainda sustentou que o regime legal que regula as faltas ao trabalho não contempla tal situação de ausência como justificada, sendo que o mesmo é juridicamente taxativo e absolutamente imperativo, mas o tribunal da 1.ª instância não se pronunciou sobre tal matéria. [6]Acerca da mencionada questão dos prazos de caducidade e de prescrição de índole disciplinar pode ler-se, a dado momento e no referido Aresto, o seguinte: «Percebe-se a preocupação subjacente ao comportamento do requerido na perspetiva de evitar futura e eventual caducidade da possibilidade de instauração do processo disciplinar ou de prescrição da própria infração, cujo prazo de 1 ano é entendido correntemente como só se interrompendo com o início do processo disciplinar. É que quando a decisão do processo-crime, com trânsito em julgado, se verificasse, já poderia ser muito tarde para dar início ao processo disciplinar. Entendemos, porém, que a preocupação não tem razão de ser na medida em que, para que as normas jurídicas atinentes a esta situação tenham sentido útil e se articulem coerentemente, tem de se considerar que em caso de prisão preventiva do trabalhador, o prazo de caducidade previsto no art.º 31.º da LCT para instauração do processo disciplinar, com esse fundamento, se suspende até haver decisão com trânsito em julgado no processo-crime, bem como o prazo de prescrição da infração disciplinar estabelecido no art.º 27.º-3 da LCT não corre enquanto estiver pendente o mesmo processo-crime. No Ac. do STJ de 14/5/97, BMJ-467º, a pág. 405 a 411, embora sem grande entusiasmo, é certo, chega mesmo a referir-se a hipótese de poder haver "suspensão do processo disciplinar até decisão do processo-crime"» [7]Artigo 389.º Efeitos da ilicitude de despedimento 1-Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a)- A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais; b)- Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º. 2-No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 356.º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 391.º 3-Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1. Artigo 390.º Compensação em caso de despedimento ilícito 1- Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento. 2- Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se: a)-As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; b)-A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; c)-O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social. Artigo 391.º Indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador 1- Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º 2- Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. 3- A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. [8]Eis o teor do pedido reconvencional do Autor: «c) Ser a reconvenção declarada procedente por provada e em consequência ser a Ré condenada ao pagamento dos créditos laborais devidos no valor de € 3.570,15 referentes ao salário do mês de maio, férias e subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal adquiridos no ano da suspensão de funções.» Tal reconvenção baseou-se nos seguintes factos alegados na sua contestação/reconvenção: «62.º-O Autor trabalhou até ao dia 10 de maio de 2016. 63.º-A Ré não procedeu ao pagamento da remuneração do trabalho efetuado até ao dia 10 de maio de 2016. 64.º-A Ré não procedeu ao pagamento das férias e subsídio de férias vencidas em 01 de janeiro de 2016. 65.º-A Ré não procedeu ao pagamento proporcional do subsídio de natal de 2016 66.º-A Ré não procedeu ao pagamento de férias e subsídio relativos a férias adquiridas pelo serviço prestado no ano da suspensão de funções; 67.º-A Ré, aquando da cessação do contrato de trabalho, por despedimento, não procedeu ao pagamento dos créditos laborais vencidos e devidos. 68.º-Por conseguinte, os créditos salariais totalizam a importância de € 3.570,15 (três mil, quinhentos e setenta euros e quinze cêntimos). 69.º- Os créditos laborais são devidos e encontram-se vencidos. 70.º- Pelo que deverá a Ré ser condenada ao seu pagamento, o que aqui se reclama e peticiona.» |