Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
449/17.0T8AGH.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: PROCESSO LABORAL
PROCESSO CRIMINAL
ESCUTAS TELEFÓNICAS
NULIDADE DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTEMÇA
Sumário: As intercepções telefónicas, conforme decorre do artigo 187º do CPP apenas são admitidas no âmbito do processo penal para o qual foram autorizadas e apenas relativamente aos crimes enunciados no mesmo preceito legal, pelo que não é legalmente admissível a sua valoração no âmbito do processo laboral.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório:


AAA, carteiro, residente em (…) Angra do Heroísmo (…), veio propor a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º- C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi promovido por CCC, com sede na Avenida (…), pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as consequências legais.

Realizou-se a audiência de partes, não tendo sido possível a sua conciliação.

Notificada a Ré para contestar veio fazê-lo invocando, em síntese, que o Autor foi admitido nos seus quadros em 18.12.1989, tendo permanecido nas suas funções até ao dia 8 de Setembro de 2015, data em que no âmbito do processo nº (….) D.I.A.P.- foi-lhe aplicada a medida de prisão preventiva, que à data do despedimento o Autor auferia o vencimento base de €980,70, diuturnidades no valor de €152,85, diuturnidade especial €13,11 e subsídio de refeição por cada dia de trabalho de €9,01, que no âmbito das suas funções executava, entre outras, as tarefas de distribuição e que aproveitando-se das vantagens da sua qualidade profissional que lhe garantia acesso privilegiado aos circuitos das correspondências, em comunhão de esforços e intentos com outros indivíduos dedicou-se ao tráfico de estupefacientes em Angra do Heroísmo, pelo qual foi punido com a pena de 8 anos de prisão e a pena acessória de proibição do exercício de funções pelo prazo de 3 anos, decisão que ainda não transitou.

Reafirmando os factos da nota de culpa concluiu que o comportamento do Autor viola os deveres de lealdade e de honestidade previstos na 1ª parte da al.f) do nº 1 do artigo 128º do CT e constitui infracção disciplinar que, pela sua gravidade e consequências, comprometeram de forma irreversível a subsistência da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento nos termos do nº 1 do artigo 351º do CT.

Pediu, a final, que seja declarada a licitude e regularidade do despedimento e, em consequência, improceda a oposição ao despedimento apresentada pelo trabalhador.

O Autor respondeu invocando em resumo:

- O articulado do empregador foi, em parte, utilizado para fim diferente daquele a que processualmente se destina, posto que a empregadora veio no articulado justificar a ilicitude com base em fundamentos assentes em factualidade apurada em sede de acórdão proferido no processo - crime, o qual foi proferido a 9 de Maio de 2017, quando a decisão de despedimento foi proferida a 6 de Março de 2017;

- A licitude do despedimento tem de ser apreciada com base nos factos vertidos no processo disciplinar e nas provas aí recolhidas e não com fundamento em factos apurados a posteriori e fora desse mesmo processo;

- Os factos que constam do articulado não constam do processo disciplinar, porque ainda não tinham ocorrido na data da decisão;

- A empregadora baseou o processo disciplinar numa presunção e partiu do princípio que essa presunção não necessitava de ser provada, o que é inaceitável;

- A única prova que sustentou a decisão de despedimento foi a acusação pública deduzida contra o Autor, tendo a empregadora dado como provados os factos nela vertidos;

- Do artigo 66º do articulado resulta que a decisão foi proferida com base em provas proibidas e nulas (intercepções e registos de conversas telefónicas e reportagens fotográficas) e que nem constam do processo disciplinar nem nele é feita qualquer menção à sua existência ou relevância;

- A empregadora baseia a ilicitude do despedimento assentando em declarações de 10 inspectores da PJ, declarações que terão sido produzidas na audiência de julgamento do processo-crime e, por conseguinte, a posteriori do processo disciplinar;

- O que a empregadora pode querer afirmar é que hoje teria fundamentos para despedir o trabalhador, mas os presentes autos não servem para despedir o trabalhador mas para apreciar a licitude do despedimento, precipitando-se aquela na oportunidade de decidir o processo disciplinar e violando o princípio da inocência; e

- Nunca praticou os factos constantes da nota de culpa, nem qualquer outro que viole os seus deveres laborais e mantém que o processo disciplinar não logrou apurar provas que revelem o contrário.

O Autor ainda deduziu reconvenção e rejeitou a sua reintegração na Ré, optando pela indemnização por antiguidade, bem como reclamou o pagamento do subsídio de férias de 2015, proporcionais do subsídio de férias e do subsídio de Natal do ano de 2015.

Conclui pedindo que a impugnação seja julgada procedente e em consequência:

- Seja o despedimento considerado ilícito;

-Seja a Ré condenada a indemnizar o trabalhador pelo despedimento ilícito, bem assim como pelas retribuições vencidas após a decisão de despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.

A Ré respondeu invocando, em síntese, que carece de qualquer fundamento a invocada invalidade do procedimento disciplinar, sendo o mesmo regular, não é verdade que a empregadora tenha utilizado o articulado motivador do despedimento para fins diferentes daqueles a que se destina, não havendo no mesmo qualquer menção a factos novos e impugna os créditos laborais reclamados posto que já lhe foram pagos e a ser devida a indemnização nunca o seria com base em 30 dias, mas no mínimo.

Conclui pedindo que seja declarada a regularidade e licitude do despedimento e caso se considere como matéria de excepção deverá esta ser julgada improcedente, que seja declarado improcedente o pedido reconvencional, bem como a oposição ao despedimento.

Foi dispensada a audiência prévia.

Admitido o pedido reconvencional e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova quanto à acção e à reconvenção.

Na mesma data, 11.09.2017, foi admitido o depoimento de parte aos artigos 24.º a 36.º do articulado motivador do despedimento.

Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo conforme decorre das actas que antecedem.

Na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 21.09.2018 o Autor formulou o seguinte requerimento:

“1- Veio o Réu CCC no articulado do empregador, a que se refere o artigo 98.º-J, do Código de Processo do Trabalho, requerer o Depoimento de Parte do Autor em relação aos factos constantes nos artigos 23.º a 36.º, desse mesmo articulado.

2- Não tendo o Autor tido oportunidade para se pronunciar sobre o mesmo, uma vez que suscitada a questão na primeira sessão desta audiência de discussão e julgamento o Tribunal remeteu a resolução da questão para o momento em que o Depoimento de Parte viesse a ser prestado.

3-Apenas no presente momento o Autor sabe qual é a sua qualidade processual noutro processo, no momento do depoimento, afigura-se ser este o momento para o Autor pronunciar se pronunciar sobre o requerimento, o que faz nos seguintes termos:

4- Os pontos 23 a 36 do articulado do empregador reportam-se aos actos alegadamente praticados pelo Autor, na qualidade de carteiro a envolver o tráfico de estupefacientes, nomeadamente haxixe.

5- No caso de o Autor se pronunciar sobre tal matéria está a prestar depoimento sobre factos que, a serem verdadeiros, pressuporiam a prática de um ilícito criminal e que se reportam a um processo no qual o Autor no presente momento ainda tem estatuto de arguido.

6- Ora, nos termos do artigo 454.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não é admissível o Depoimento de Parte sobre factos criminosos de que a parte seja arguida, tal regra sobrepõe-se sobre o apuramento da verdade material dos factos.

7- O Autor como o Tribunal conhece sobejamente é Arguido no âmbito do processo-crime n.º 179/15.7JAPDL que ainda corre os seus termos, por quanto ainda não transitou em julgado o acórdão nele proferido.

8- Não pode o Arguido prestar depoimento sobre tais factos, termos em que deve ser indeferido o Depoimento de Parte requerido pelo Réu.”

O Réu pronunciou-se no sentido de que mantém como essencial o depoimento de parte pelo que se opôs ao pedido de indeferimento solicitado pelo Autor.

Após, pelo Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:

“ Como refere o Ilustre Mandatário do Autor, o artigo 454.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil dispõe relativamente ao 1.º que: O depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.” Relativamente ao n.º 2 deste artigo, a lei determina o seguinte: “ Não é, porém, admissível o depoimento sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida.”

Ora, no nosso despacho saneador proferido em 11 de Setembro de 2017, conforme fls. 366, o Tribunal admitiu o Depoimento de Parte aos artigos 24.º a 36.º, do articulado motivador do despedimento, justificando que os mesmos serem susceptíveis de confissão.

Vertendo concretamente os artigos 24.º a 36.º, do articulado do empregador, designadamente a fls.180/verso e seguintes dos autos e como a inquirição da parte será feita pelo próprio Tribunal, teremos o cuidado de nos ater apenas a factos, sendo certo que basta olhar para a configuração escrita de cada um destes artigos para se perceber que existem muitos termos em que se faz menção ao palavreado jurídico criminal, bem como a outras conclusões de direito que nós não iremos sequer questionar sobre essas situações.

A verdade é que, no presente caso, os actos alegadamente violadores da relação laboral do Autor assentam pela sua natureza na prática de um crime e, portanto, temos nesse aspecto uma confusão entre o crime e o laboral, mas apenas na parte em que as condutas objectivas do visado assim determinaram toda a investigação e o processo-crime que contra si se encontra a decorrer.

Pelo exposto, o Tribunal irá ter atenção ao procurar fazer perguntas relacionadas única e exclusivamente com as condutas objectivas e laborais alegadamente perpetradas pelo Trabalhador/Autor neste processo.

Tudo o mais que consta de cada um destes artigos não será sequer confrontado ou questionado à parte em questão.

Pelo conseguinte, mantém-se a prestação do Depoimento de Parte do Autor exactamente porque existe matéria nestes artigos que pode ser susceptível de confissão mas o Tribunal irá circunscrever-se a perguntar condutas concretas que este senhor eventualmente ia cometendo no exercício das suas funções.
Notifique.”

As partes foram notificadas deste despacho e não recorreram.

Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:

“ Pelo exposto, julgo totalmente improcedente por não provadas, quer a presente acção, quer a reconvenção e, em consequência, não declaro a ilicitude e irregularidade do despedimento promovido pela entidade patronal CCC quanto ao seu trabalhador, ora Autor AAA, atenta as razões justificativas para o mesmo, que se mantêm.

Custas pelo Autor, quer na acção, quer na reconvenção nos termos do artigo 527.º do CPC, levando-se no entanto em conta o apoio judiciário concedido.

Valor da acção: mantenho os 34.679,82€ já fixados no despacho saneador.

Registe e notifique.”

Inconformado com a sentença, o Autor recorreu e formulou as seguintes conclusões:

1. O Autor intentou acção de impugnação do despedimento promovido pelo Réu, a qual foi julgada totalmente improcedente, por não provada, não se conformando com a mesma decisão e com os fundamentos nela apresentados, interpondo recurso da matéria de facto e de direito.

2. A sentença proferida pelo Tribunal a quo omite a pronúncia sobre questões de que se devia ter pronunciado, por se tratar de questões essenciais para a boa decisão da causa, tal como havia sido suscitado em sede de saneador, nomeadamente sobre se foram provados:

“-Factos demonstrativos de que o réu não logrou provar as razões/motivos do despedimento, determinado contra o autor/trabalhador, através da nota de culpa remetida a este em 20.10.2016.

- Factos demonstrativos  de que o réu despede o trabalhador unicamente com base no processo crime que se encontra a correr contra este, neste Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo,  (…) Central Cível e Criminal.

- Factos demonstrativos em como o Réu ao verter na sua nota de culpa todos os factos constantes da acusação pública deduzida contra o autor, partiu da seguinte premissa: todos esses factos correspondem à verdade e por isso a mesma está provada por si só.”

- Factos demonstrativos de que o réu utilizou na sua nota de culpa, meios de prova que não lhe era permitido usar, nomeadamente, intercepções e registos de conversas telefónicas e reportagens fotográficas e apenas para serem usados no âmbito do processo crime.”

3. Tal omissão determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al.c) do CPC.

4. Por outro lado, a douta sentença valorou provas ilícitas, as quais foram essenciais para a convicção do Tribunal, o que implica a repetição do julgamento com preterição das respectivas provas, por a decisão final estar viciada pelas mesmas;

5. Tal aconteceu, nomeadamente, em relação ao depoimento de parte do Autor, requerido pelo Réu;

6. Tal depoimento não podia ter sido deferido e muito menos valorado, na medida em que a matéria sobre o qual vertia (art.ºs23.º a 36.º do articulado do empregador) correspondia à potencial prática de um crime por parte do autor;

7. Ao permitir e valorar tal prova o Tribunal a quo aceitou e baseou-se para proferir a decisão final numa prova inadmissível, nos termos do art.º 454.º n.º 2 do CPC, o que significa que aceitou provas proibidas;

8. O Tribunal a quo também considerou e valorou na decisão como prova, intercepções telefónicas e respectivos registos, recolhidos no âmbito do processo crime que corre termos contra o autor, provas essas que não podia ser admitidas fora do âmbito do respectivo processo criminal;

9. Prova que deu origem a que fossem considerados provados os factos 25 e 26 da douta sentença;

10. Tal admissão viola o disposto no art.34.º da CRP, que determina a inviolabilidade das comunicações, tratando-se de uma prova nula, o que, igualmente, implica a repetição do julgamento com preterição desta prova;

11. Para além de tudo isto, regista-se que os presentes autos foram usados para fins diferentes daqueles a que se deviam destinar, tratando-se de um processo para impugnação de despedimento promovido por parte do empregador;

12. Os autos deveriam ter sido dirigidos para aferir se, em face das provas obtidas em sede de processo disciplinar, promovido pelo réu, enquanto entidade empregadora, se as mesmas se tratam de provas lícitas e se as mesmas permitem aferir que o autor, ali arguido, tenha actuado como o processo considerou provado;

13. Ao invés, o processo foi usado para verificar se a entidade empregadora tinha fundamentos para despedir o trabalhador;

14. A ré, no articulado do empregador fundamentou a decisão de despedimento, proferido em sede de processo disciplinar, com base na mentira, tendo afirmado que baseou a sua decisão em função do depoimento de 10 testemunhas inquiridas (Inspectores da Polícia Judiciária), o que veio a ser revelado não corresponder à verdade, pois, a própria instrutora do processo confessou não ter inquirido uma única testemunha;

15. Por outro lado, a entidade patronal proferiu a decisão com base em escutas telefónicas cujos registos não deviam ter sido admitidos nos presentes autos e não podiam ter sido utilizados como meio de prova no processo disciplinar;

16. Em suma, a decisão de despedimento proferida no processo disciplinar assentou em provas inválidas, ou inexistentes, e o Tribunal a quo não julgou essa situação, antes se centrando na análise de provas que não haviam sido produzidas em sede de processo disciplinar, para aferir se havia motivos para o despedimento;

17. O processo judicial foi usado para suprir as incorrecções do processo disciplinar (por exemplo quando ouviu as testemunhas que a entidade empregadora afirma ter inquirido e que não inquiriu) e não para sindicar o mérito da decisão proferida naquele processo, sendo que, o Tribunal a quo acabou por se substituir à entidade patronal, em vez de sindicar a legalidade da decisão daquela, o que apenas podia ter tido cabimento noutro processo;

18. O Autor não pode deixar de recorrer, também da matéria de facto, por o Tribunal a quo ter considerado provado factos que não o podiam ter sido, por a decisão ter assentado em provas proibidas, e ter considerado provados factos com base em adjectivação assente em conceitos vagos e ainda por não considerar provados factos que deveriam ser considerados enquanto tal;

19. O Tribunal não podia ter considerado provados os factos 25 e 26, por ter assente a sua conclusão em provas proibidas (escutas telefónicas de conversações do autor), tais factos devem ser considerados não provados.

20. Os factos 21 e 34 foram considerados provados, mas assente em conceitos vagos como “ informações privilegiadas” ou “acesso privilegiado a informações” sem que tal pudesse ter sido aceite, por não corresponder a um facto concreto, e sobretudo por não estar precisado o conteúdo de tal adjectivação, mas antes um conceito indeterminado, logo deve ser alterada a matéria de facto com o entendimento que tais factos integrem o lote dos que estão provados;

21. Acresce ainda que, perante a prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter julgado como provado que:

a. No processo disciplinar não foi inquirida uma única testemunha que não fosse aquelas indicadas pelo autor em sede de defesa;

b. A nota de culpa e a decisão de despedimento foram proferidas em função da acusação que o Ministério Público formulou em sede do processo crime com o n.º (…), que foi assumida como verdadeira.

c. A nota de culpa e a decisão de despedimento teve em conta intercepções e registos telefónicos e reportagens fotográficas recolhidas no processo crime identificado no número anterior.

d. No processo disciplinar não foram realizadas diligências probatórias mas apenas assumido que o que constava da acusação correspondia à verdade.

22. Tendo omitido qualquer menção a tais factos, os quais devem ser acrescidos aos factos considerados provados.

23. Com base na alteração dos factos requerida, seja retirando os factos indevidamente considerados provados, seja acrescentando os que se provaram e não foram contemplados enquanto tal, a decisão final deve ser alterada, por tal revelar que, afinal, foi feita prova bastante que o despedimento foi ilícito, por não existirem provas válidas recolhidas no processo disciplinar que revelem que o autor praticou os factos pelos quais foi despedido e por as provas aceites serem inválidas.

24. Devendo, por conseguinte, a acção ser julgada procedente por provada.

Termos em que, com o mui douto suprimento da Vossas excelências, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:

1. Ser a douta sentença julgada nula, por omissão de pronúncia sobre questões essenciais;

Caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder

2. Ser a sentença revogada e ordenada a repetição do julgamento com detrimento das provas indevidamente admitidas e valoradas em sede de sentença.

Mesmo assim, em caso de a decisão não ser nesse sentido, o que uma vez mais se admite sem conceder, deve

3. Ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com revisão da matéria de facto e ser substituída por outra que julgue procedente a acção de impugnação do despedimento do autor.

Desta foram Vossas excelências farão a almejada e desejada Justiça !!!!”

A Ré contra-alegou e sem formular conclusões pugnou pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade da sentença no sentido de que não ocorre.

Neste Tribunal, mantida a admissão do recurso, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.

Notificadas as partes do mencionado parecer, respondeu o Autor invocando que este, pelas razões que indica, não deverá ser considerado.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir

Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no caso, importa apreciar:

1ª- Se a sentença é nula.

2ª- Se os presentes autos foram usados para fins diferentes daqueles a que se deviam destinar.

3ª- Da impugnação da matéria de facto devendo ser apreciado previamente:

Se a sentença valorou provas ilícitas: a) o depoimento de parte do Autor; b) e as intercepções telefónicas e respectivos registos colhidos no processo-crime que corre contra o Autor.

4ª- Procedendo a alteração da matéria de facto, se deve ser considerado que o despedimento do Autor é ilícito com as respectivas consequências. 

Fundamentação de facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. O trabalhador/requerente foi admitido nos quadros da requerida por DE068389DCCTA de 18-12-1989, tendo permanecido no exercício das suas funções até ao dia 8 de Setembro de 2015, data em que no âmbito do processo nº 179/15.7JAPDL a correr termos nos Serviços do Ministério Público de Angra do Heroísmo, foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva;

2. À data do despedimento, o trabalhador auferia as seguintes remunerações: de vencimento base, € 980,70, de diuturnidades € 152,85, de diuturnidade especial, €13,11 e de subsídio de refeição por cada dia de trabalho, € 9,01;

3. No âmbito das suas funções de CRT (carteiro), no (…) Angra do Heroísmo, onde entre outras, executava tarefas de distribuição;

4. Ao trabalhador, foi instaurado processo disciplinar nº 20160199, que culminou com o seu despedimento, pelos factos constantes da nota de culpa que infra se descreve;

5. O processo disciplinar teve origem na comunicação do despacho de acusação do CRT (carteiro) (…), colocado no (…) Angra do Heroísmo;

6. Considerando os factos descritos no ofício que deu entrada nos Serviços Jurídico Laborais do réu, mostrou-se necessário proceder a averiguações para dedução de eventual nota de culpa/acusação, pelo que, no dia 19 de Setembro de 2016, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar;

7. Foi nomeada Instrutora, a Dra. (…) - Inspectora;

8. A Sra. Instrutora procedeu à realização de diligências;

9. No dia 13 de Outubro de 2016, a Comissão Executiva dos CCC, por DE (…), deliberou manifestar a intenção de proceder ao despedimento do trabalhador CRT (carteiro) (…), nº mecanográfico (…);

10. Foi então deduzida a nota de culpa contra o trabalhador, cujo teor infra se transcreve, “(…), jurista, deduz contra (…), CRT, nº mecº 0879665, a prestar serviço no Centro de Distribuição Postal - doravante (…), Nota de Culpa nos termos e com os fundamentos seguintes;

ÚNICO 1.- Desde data não concretamente apurada, mas que ocorreu seguramente a partir de meados de Agosto e até 07 de Setembro, todos de 2015, no exercício das funções de Carteiro/Distribuidor no CDP Angra do heroísmo, aproveitando-se das vantagens da sua qualidade profissional que lhe garantia acesso privilegiado aos circuitos das correspondências e querendo obter para si um enriquecimento ilícito, em comunhão de esforços e intentos com (…) (cônjuge), (…),(…)(…)(…)(…)(…) e(…), (todos externos aos CCC), e em cumprimento de um plano comum com tarefas pré-distribuídas e concertadas por cada um dos elementos do grupo, o arguido dedicou-se ao tráfico de estupefacientes em Angra do Heroísmo.

2.- O produto estupefaciente “haxixe” era adquirido em Lisboa por outros elementos do bando e por estes enviado através dos CCC, via Express Mail- E M S - para Angra do Heroísmo em envelopes e encomendas postais que transitavam nos canais de distribuição dos CCC.

3.- Na concretização de um plano gizado, o arguido, beneficiando do conhecimento privilegiado que tinha sobre as datas de recepção, e o circuito dos objectos postais (pacotes e encomendas) controlava a chegada e distribuição destes objectos contendo “haxixe/canábis”, que eram recepcionados no Centro (…) em Angra do heroísmo, onde o arguido presta serviço de Carteiro.

4.-Assim desde o início da conduta infraccional e até 07 de Setembro de 2015, quando os envelopes (pacotes) e encomendas (…) chegavam ao (…), o arguido transmitia essa informação à sua cônjuge para que de acordo com um plano pré- estabelecido esta contactasse outros elementos do bando para procederem ao levantamento dos objectos postais na Loja/CCC  (…) sita na Rua (…) em Angra do Heroísmo. Agiu assim concretamente;

a)- No dia 03 de Setembro de 2015 (5ª feira) pelas 11:29, desempenhando as funções supra descritas, com o horário de trabalho 08:00-12:30/13:00-16:18, o arguido, conhecedor da iminência da chegada ao (…) de Angra do Heroísmo, de três encomendas (…) contendo “haxixe/canábis” remetidas de Lisboa nos moldes acima descritos, transmitiu telefonicamente à sua esposa (…) a referência do (…) de uma das encomendas em causa, a (…), para que esta confirmasse via net a data de chegada, tendo em vista assegurar a final, a entrega do registo na morada de um dos elementos do grupo.

a)1.- No dia 07 de Setembro de 2015 (2ª feira seguinte) o arguido ao chegar ao (…) apercebeu-se que a encomenda (…) estava em trânsito para ser distribuída naquele dia, escapando assim ao seu controlo, pelo que suspeitando de eventual detecção policial da encomenda, e para evitar que o plano fosse descoberto, deu instruções à sua esposa (…) para promover o cancelamento da recepção da encomenda, acção que esta não conseguiu levar a cabo, tendo a encomenda sido entregue na morada de destino, a residência do co-arguido no processo-crime, (…), na Rua (…) Angra do Heroísmo.

a)2.-Por via desta impossibilidade de contacto em tempo, entre os elementos do grupo, o objecto (…) foi efectivamente entregue na morada de destino, em acção articulada entre os CCC e a Polícia judiciária, o que permitiu a identificação dos elementos do bando e a sua detenção.

a)3.- Neste local, na bagageira do veículo (…), por via de acção policial, foi apreendida a referida encomenda com o peso real de 3.740Kgrs. expedida na Loja CCC do (…)- cfr. doc. em cópia de fls. e que se apurou conter no interior 2,987 gramas de “haxixe/canábis” distribuídos em 30 placas- cfr. docs. cópia de fls.-.

b) No dia 08 de Setembro de 2015, foram igualmente apreendidas pela polícia judiciária as encomendas (…) nºs (…) e (…), expedidas da Loja CCC (…)s em Lisboa e destinadas igualmente a (…), Rua (…) Angra do Heroísmo, e que continham respectivamente 3,014 e 2996 gramas de “haxixe/canábis” dispostos em 30 placas- cfr. docs. cópia de fls.202.

b)1.- O peso total em “haxixe/canábis” transportado nas três encomendas E M S era de 8846,213 gramas, suficiente para 3538,5 doses individuais.

2.- O arguido conhecia as características e natureza estupefaciente das substâncias que através dos CCC espediram, recolheram, receberam e venderam.

c) Desde o dia 07 de Setembro de 2015 e até à presente data, no âmbito do processo (…) que corre os seus termos no D.I.A.P- Secção Única- de Angra do Heroísmo, foi aplicada ao arguido (…) a medida de coacção de prisão preventiva, estatuto que se mantém inalterado e em que aguardará a Audiência de Julgamento do processo, que corre naquela Comarca.

O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, servindo-se das suas funções de Carteiro ligada á realização do serviço postal universal para ter acesso privilegiado a informações relacionadas com a chegada das encomendas contendo produto estupefaciente, controlando o circuito de distribuição, e possibilitando assim o êxito da actividade de tráfico de substâncias estupefacientes.

Os comportamentos intencionais do arguido, são violadores a título de dolo directo dos deveres de Lealdade e Honestidade para com a empresa CCC, consignados na 1ª parte da al. f) do arº 128º do CT e constituem Infracção Disciplinar - que pela sua gravidade e consequências torna imediatamente impossível a subsistência da relação laboral – prevista e punível nos termos do nº1 do artº 351º do CT.

Fica expressamente notificado de que é intenção da empresa aplicar a pena de Despedimento- cfr. (…)de 2016-10-13, cuja cópia se anexa. (…)”;

11. No dia 20-10-2016, no estabelecimento Prisional da Angra do Heroísmo, foi entregue ao trabalhador a nota de culpa, juntamente com o despacho da Comissão Executiva, 08202016CE de 13.10.2016;

12. A nota de culpa deduzida contra o trabalhador, bem como despacho da Comissão Executiva, 08202016CE, foram remetidos à Comissão de Trabalhadores, por carta registada com aviso de recepção nº RF22815544PT;

13. O trabalhador representado por Advogado, apresentou defesa;

14. Foram realizadas todas as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na Resposta à nota de culpa;

15. No dia 14 de Fevereiro de 2016, foi entregue cópia integral do processo disciplinar na Comissão de Trabalhadores;

16. A Comissão de Trabalhadores depois de analisar, decidiu não emitir parecer;

17. A Comissão Executiva da Empregadora, por DE01832017CE de 02-03-2017, em concordância com os fundamentos de facto e direito contidos na proposta dos Serviços Jurídico Laborais, deliberou a aplicar ao trabalhador (…), carteiro, nº mecanográfico (…), a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação;

18. A decisão de aplicação da sanção de despedimento com justa causa, foi comunicado ao trabalhador e ao seu Mandatário, por carta registada com aviso de recepção;

19. As referidas notificações foram por aqueles recebidas, respectivamente nos dias 9-03-2017 e 06-03-2017;

20. Decisão igualmente remetida à Comissão de Trabalhadores no dia 03-03-2017, por carta registada com aviso de recepção, com o nº RF228155776PT;

21. Provado apenas e com o esclarecimento de que, desde data não concretamente apurada, que se situa a partir de meados de Agosto e até 07 de Setembro de 2015, no exercício das funções de carteiro/distribuidor no CDP Angra do Heroísmo, o trabalhador, aproveitando-se das vantagens da sua qualidade profissional de carteiro, em comunhão de esforços e intentos com (…) (cônjuge), (…)(…)(…)(…) e (…) (todos externos aos CCC), e em cumprimento de um plano comum com tarefas distribuídas e concertadas por cada um dos elementos do grupo, o arguido dedicou-se ao tráfico de estupefacientes em Angra do Heroísmo;

22. O produto estupefaciente “haxixe” era adquirido em Lisboa pelos outros elementos do grupo, já identificados, e por estes enviados através dos CCC, via Express Mail - E M S para Angra do Heroísmo, em envelopes e encomendas postais, que transitavam nos canais de distribuição dos CTT;

23. Na concretização de um plano previamente determinado, o trabalhador, beneficiando do conhecimento privilegiado que tinha sobre as datas de recepção e o circuito dos objectos postais (pacotes e encomendas), controlava a chegada e distribuição destes objectos contendo “haxixe/canábis”, que eram recepcionados no Centro de Distribuição (…) em Angra do Heroísmo, local onde trabalhava;

24. Assim, desde data não concretamente apurada, que se situa pelo menos desde Agosto de 2015 e até 07 de Setembro de 2015, quando os envelopes (pacotes) e encomendas E M S chegavam ao (…), o trabalhador, transmitia essa informação à sua cônjuge (…), para que de acordo com um plano pré-estabelecido esta contactasse outros elementos do bando para procederem ao levantamento dos objectos postais na Loja/CCC de Angra do Heroísmo;

25. No dia 03 de Setembro de 2015 (5ª feira) pelas 11:29, desempenhando as funções de carteiro, com o horário de trabalho 08:00-12:30/13:00-16:18,o trabalhador, conhecedor da iminência da chegada ao (…) de Angra do Heroísmo, de três encomendas E M S contendo “haxixe/canábis” remetidas de Lisboa nos moldes acima descritos, transmitiu telefonicamente à sua esposa (…) a referência do Express mail - E M S de uma das encomendas em causa, a (…), para que esta confirmasse via internet a data de chegada daquela encomenda, tendo em vista assegurar a final, a entrega do registo na morada de um dos elementos do grupo;

26. Provado apenas e com o esclarecimento de que, no dia 7 de Setembro de 2015 (2ª feira seguinte), o trabalhador ao chegar ao (…), apercebeu-se que a encomenda (…) estava em trânsito para ser distribuída naquele dia, escapando assim ao seu controlo, pelo que suspeitando de eventual detecção policial da encomenda, e para evitar que o plano fosse descoberto, deu instruções à sua esposa (…), para promover o cancelamento da recepção da encomenda;

27. Acção que esta não conseguiu levar a cabo, tendo a encomenda sido entregue na morada de destino, a residência do co-arguido no processo-crime, (…), sita na Rua Dr. (…) Angra do Heroísmo;

28. Por via desta impossibilidade de contacto em tempo, entre os elementos do grupo, o objecto E M S, foi efectivamente entregue na morada de destino, em acção articulada entre os CCC e a Polícia judiciária, o que permitiu a identificação dos elementos do bando e a sua detenção;

29. Neste local, na bagageira do veículo (…), por via de acção policial, foi apreendida a referida encomenda com o peso real de 3.740 Kgrs., expedida na Loja CCC  do (…), e que se apurou conter no interior 2,987 gramas de “haxixe/canábis”, distribuídos em 30 placas;

30. No dia 8 de Setembro de 2015, foram igualmente apreendidas pela polícia judiciária as encomendas (…) e (…), expedidas da Loja CCC (…) em Lisboa e destinadas igualmente a (…), e que continham respectivamente 3,014 e 2996 gramas de “haxixe/canábis” dispostos em 30 placas;

31. O peso total em “haxixe/canábis” transportado nas três encomendas E M S era de 8846,213 gramas, suficiente para 3538,5 doses individuais;

32. O trabalhador conhecia as características e natureza estupefaciente das substâncias que através dos CCC expediram, recolheram, receberam e venderam;

33. Provado apenas e com o esclarecimento de que, ao praticar os factos descritos, o trabalhador agiu de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, com o propósito de utilizar a sua actividade profissional de modo a conseguir um benefício a que sabia não ter direito;

34. Serviu-se das suas funções de carteiro, ligada à realização do Serviço Postal Universal, para ter acesso privilegiado a informações relacionadas com a chegada das encomendas contendo produto estupefaciente, funções que lhe permitiram o controlo do circuito de distribuição, e possibilitaram o êxito da actividade de tráfico de substâncias estupefacientes;

35. A factualidade imputada ao trabalhador nos presentes autos, deu origem ao processo crime nº (… ) ao abrigo da qual foi o trabalhador neste processo disciplinar, acusado em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, para cuja execução beneficiou da posição de privilégio de Carteiro do CDP 9700 Angra do Heroísmo;

36. O processo em causa passou a correr os seus termos desta feita, no 2º Juízo Central Cível e Criminal, de Angra do Heroísmo, do tribunal da Comarca dos Açores, tendo o trabalhador já sido julgado e condenado pelos crimes de que vinha acusado, com pena de prisão efectiva de 8 anos e com a pena acessória de proibição do exercício de funções de carteiro por 3 anos, que ainda não transitou em julgado;

37. Provado apenas e com esclarecimento de que, com as condutas supra descritas, o trabalhador violou concretamente os deveres de lealdade e honestidade a que está associado o seu contrato de trabalho;

38. Ficou irremediavelmente quebrada a relação de confiança para com a sua entidade patronal;

39. O trabalhador exerceu as suas funções de carteiro, para o réu durante cerca de 26 anos e nada consta em todo esse período de tempo no seu registo biográfico e disciplinar, de outra qualquer participação disciplinar;

40. O réu procedeu ao pagamento ao autor dos subsídio de férias do ano anterior ao despedimento de 2015, dos proporcionais do subsídio de férias do ano de 2015 e do subsídio de natal do ano de 2015, tudo no valor de 2.866,00 €, que pagou nos vencimentos de Agosto de 2016 e Março de 2017, conforme fls. 350 e verso e 351 e verso e comprovativos de cheque de fls. 357 e verso e 358 e verso.

A sentença considerou não provados os seguintes factos:

Da Contestação/Reconvenção -

1. Que os factos referidos no articulado do empregador não constam do processo disciplinar;

2. Que a única prova que sustentou a decisão de despedimento foi a acusação pública deduzida contra o trabalhador;

3. Que o autor nunca actuou como está descrito na nota de culpa e mantém que o processo disciplinar não logrou apurar provas que revelem o contrário;

4. Nomeadamente, nunca praticou qualquer ato no exercício das suas funções que configure a violação culposa dos seus deveres para com a entidade patronal e que possa justificar o despedimento.

Fundamentação de direito

Comecemos, então, por apreciar se a sentença é nula.

Sobre a questão, invoca o Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo omite a pronúncia sobre questões de que se devia ter pronunciado, por se tratar de questões essenciais para a boa decisão da causa e que enunciou no despacho saneador tais como: “-Factos demonstrativos de que o réu não logrou provar as razões/motivos do despedimento, determinado contra o autor/trabalhador, através da nota de culpa remetida a este em 20.10.2016; Factos demonstrativos  de que o réu despede o trabalhador unicamente com base no processo crime que se encontra a correr contra este, neste Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo, P. (…) , 2º Juízo Central Cível e Criminal; Factos demonstrativos em como o Réu ao verter na sua nota de culpa todos os factos constantes da acusação pública deduzida contra o autor, partiu da seguinte premissa: todos esses factos correspondem à verdade e por isso a mesma está provada por si só”; Factos demonstrativos de que o réu utilizou na sua nota de culpa, meios de prova que não lhe era permitido usar, nomeadamente, intercepções e registos de conversas telefónicas e reportagens fotográficas e apenas para serem usados no âmbito do processo- crime.”

E não o tendo feito, conclui que tal omissão determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al.c) do CPC (certamente por lapso o Recorrente avoca a al.c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, dado que a omissão referida está prevista na al.d) do mesmo preceito legal, como o Recorrente aponta nas alegações).

Vejamos:

Como é sabido, as nulidades da sentença estão previstas, taxativamente, no artigo 615.º do CPC, norma aplicável ao processo do trabalho por força do disposto no artigo 1.º, nº 2, al.a) do CPT.

Invocou o Recorrente que, no caso, se verifica a causa de nulidade da sentença prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que dispõe que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, estando em causa apenas a 2ª parte da al.d) do nº 1 do artigo 615º- omissão de pronúncia.

Sucede, porém, que, como se sabe, no processo laboral, existe norma específica quanto à arguição de nulidades da sentença – o artigo 77º do CPT.

De acordo com o nº 1 do artigo 77º do CPT “ A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”

Assim e como escreve o Exmo. Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Processo do Trabalho Novo Regime”, Almedina, pag.61Em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente, como o determina o art.º 77.º, n.º 1, do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas.”

Ainda a título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.3.2016, in www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve “1-A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.”

(…)”.

Visa tal regime permitir ao Tribunal que proferiu a sentença que, caso se verifique a invocada nulidade, a possa suprir antes da subida do recurso, dispondo o nº 3 do mesmo preceito legal que “A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”.

Ora, analisado o requerimento de interposição do recurso que consta de fls. 1013 vº dos autos, logo constatamos que, neste, o Recorrente não menciona nem anuncia que vai arguir nulidades da sentença, sendo a arguição levada a cabo apenas nas alegações e conclusões do recurso, as quais como resulta de fls. 1014 dos autos foram endereçadas a este Tribunal da Relação.

Ou seja, o Recorrente, no que se refere à arguição da nulidade da sentença, não observou o disposto no artigo 77º nº 1 do CPT, sendo certo que não se trata de nulidade de conhecimento oficioso.

Consequentemente impõe-se concluir que tal arguição é extemporânea, razão pela qual não será conhecida. 
*

Analisemos, agora, a 2ª questão suscitada no recurso e que consiste em saber se os presentes autos foram usados para fins diferentes daqueles a que se deviam destinar.

A este propósito, invoca o Recorrente, em síntese, que os presentes autos foram usados para fins diferentes daqueles a que se deviam destinar, que os autos deveriam ter sido dirigidos para aferir se, em face das provas obtidas em sede de processo disciplinar, promovido pelo réu, enquanto entidade empregadora, se as mesmas se tratam de provas lícitas e se as mesmas permitem aferir que o autor, ali arguido, tenha actuado como o processo considerou provado, que, ao invés, o processo foi usado para verificar se a entidade empregadora tinha fundamentos para despedir o trabalhador, a ré, no articulado do empregador fundamentou a decisão de despedimento, proferido em sede de processo disciplinar, com base na mentira, tendo afirmado que baseou a sua decisão em função do depoimento de 10 testemunhas inquiridas (Inspectores da Polícia Judiciária), o que veio a ser revelado não corresponder à verdade, pois, a própria instrutora do processo confessou não ter inquirido uma única testemunha, a entidade patronal proferiu a decisão com base em escutas telefónicas cujos registos não deviam ter sido admitidos nos presentes autos e não podiam ter sido utilizados como meio de prova no processo disciplinar, a decisão de despedimento proferida no processo disciplinar assentou em provas inválidas, ou inexistentes, e o Tribunal a quo não julgou essa situação, antes se centrando na análise de provas que não haviam sido produzidas em sede de processo disciplinar, para aferir se havia motivos para o despedimento, o processo judicial foi usado para suprir as incorrecções do processo disciplinar (por exemplo quando ouviu as testemunhas que a entidade empregadora afirma ter inquirido e que não inquiriu) e não para sindicar o mérito da decisão proferida naquele processo, sendo que o Tribunal a quo acabou por se substituir à entidade patronal, em vez de sindicar a legalidade da decisão daquela, o que apenas podia ter tido cabimento noutro processo.

Não obstante o afirmado pelo Recorrente, a verdade é que de tais afirmações não retira quaisquer consequências, limitando-se a concluir que o Tribunal a quo substituiu-se ao Réu quando ouviu as testemunhas que foram arroladas no articulado motivador mas que não foram ouvidas no processo disciplinar, em vez de apurar da legalidade da decisão de despedimento.

Salvo o devido respeito, ficámos sem saber qual ou quais os vícios e respectivos efeitos que o Recorrente imputa aos presentes autos, não cabendo a este Tribunal extrair tais consequências.

De qualquer modo importa referir o seguinte:

Da análise do processo disciplinar resulta que, para além da testemunha indicada pelo Autor na sua resposta à nota de culpa, não foram ouvidas outras testemunhas.

No articulado motivador do despedimento, a Ré arrolou as mesmas testemunhas que foram arroladas na acusação pública que instruiu o procedimento disciplinar, tendo algumas delas sido ouvidas na audiência de julgamento.

Ora, como escreve Pedro Furtado Martins na obra “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª edição, revista e actualizada, pags.204 e 205, a propósito da realização de inquérito prévio para apurar os factos e circunstâncias em que ocorreram os factos, “ Importa sublinhar que essa investigação ou instrução preliminar não é de realização obrigatória e que em parte alguma a lei impõe que o empregador junte ao processo elementos comprovativos da ocorrência dos factos que constam da nota de culpa. Nem antes desta ser entregue ao trabalhador, nem no decurso do procedimento. É inequívoco que, se o trabalhador não reconhecer que praticou o comportamento ilícito descrito na nota de culpa e impugnar judicialmente o despedimento, caberá ao empregador comprovar a ocorrência dos factos indicados na nota de culpa e na decisão final. Mas essa comprovação faz-se em tribunal, através dos elementos de prova que o empregador carrear para o processo, mediante a submissão dos mesmos a uma análise sujeita ao princípio do contraditório. Nada disto é exigido no decurso do procedimento de despedimento. Sendo certo que a legislação laboral não atribui nenhuma relevância à prova feita no procedimento de despedimento, que, lembre-se, é um procedimento interno do empregador, por este conduzido e decidido. Compreende-se por isso que não exista norma legal de onde decorra, directa ou indirectamente, a obrigação do empregador juntar ao procedimento elementos de prova, designadamente elementos que sustentem a acusação feita na nota de culpa. Trata-se, a nosso ver, da solução compatível com a natureza do procedimento para o despedimento por facto imputável ao trabalhador e com a ausência de valoração que o legislador dá a esse procedimento.

(…)

Naturalmente que o empregador pode, se assim o entender, atuar de modo diverso, juntando à nota de culpa elementos comprovativos dos factos nela descritos, tais como os depoimentos escritos de testemunhas que ouviu por sua iniciativa ou outros documentos. Mas nada o obriga a recolher tais elementos de prova, nem tão-pouco a juntá-los ao procedimento.”
Consequentemente, nada obrigando o empregador a recolher elementos de prova ou a juntá-los ao procedimento disciplinar e sendo certo que a prova dos factos constantes da nota de culpa tem de ser feita perante o tribunal, não vislumbramos razão para afirmar, como faz o Recorrente, que, ao ouvir as testemunhas arroladas pelo Réu no articulado motivador do despedimento, o Tribunal substituiu-se ao mesmo, em vez de sindicar a legalidade da decisão daquela.

Questão diversa é a de saber se o depoimento de tais testemunhas e a restante prova produzida nos autos são suficientes para fundamentar os factos provados e a procedência da ilicitude do despedimento, o que deverá ser apreciado em sede de impugnação da matéria de facto e de subsunção dos factos ao direito.
*

Apreciemos, agora, a terceira questão suscitada no recurso relativa à impugnação da matéria de facto e apreciação prévia das seguintes questões: Se a sentença valorou provas ilícitas: a) o depoimento de parte do Autor; e b) as intercepções telefónicas e respectivos registos colhidos no processo-crime que corre contra o Autor.

Dispõe o nº 1 do artigo 662º do CPC, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

A propósito da alteração da matéria de facto pela Relação, escreve o Exmo. Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pags. 221 e 222 “Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”.

E a pags. 235 e 236 da mesma obra lemos: “É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.

Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.”

Por outro lado, sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso os quais estão enunciados no artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B do CPC, embora com algumas alterações) e que estabelece:

“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na al.b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.”

Não obstante a Recorrida afirmar que o Recorrente não cumpriu os ónus previstos no artigo 640º do CPC, da análise das conclusões e das alegações resulta que os mesmos foram observados, pelo que não há lugar à imediata rejeição do recurso da matéria de facto.

Por outro lado, por uma questão de precedência lógico-jurídica, previamente à análise da pretensão do Recorrente no que respeita à impugnação da matéria de facto, impõe-se conhecer a alegada valoração de provas ilícitas por parte do Tribunal a quo.

Sobre a formação da convicção do Tribunal a quo relativamente à factualidade provada e não provada e, naturalmente, quais os meios de prova que aquele valorou, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:

“O tribunal na formação da sua convicção para fixar os factos acima dados como provados e não provados, procedeu a uma análise crítica de toda a prova documental junta aos autos, desde logo analisou o próprio processo disciplinar que culminou no despedimento do A, e que foi junto pelo réu conforme fls. 28 a 172, onde constam (entre o mais …) as diligências levadas a cabo pela Sra. Instrutora do processo a Dra. (…), e aqui é informada pela (…)  Dra. (…)que em 02.06.2015, ela própria envia formalmente um pedido de colaboração ao Coordenador de Investigação da Policia Judiciária, na pessoa do Dr. (…), onde afirma que na sequência de informações e conversas mantidas com clientes do (…) de Angra do Heroísmo, estas apontam para a possível colaboração de um elemento interno nos correios na intercepção de correio contendo estupefacientes e que estas conversas apontavam para o carteiro (…), conforme email de fls. 48; sendo que então nessa sequência a polícia pediu a colaboração dos CCC para investigar esta situação e colaborar no sentido de se apanhar em flagrante a forma como o carteiro em causa e o resto dos elementos do grupo funcionava; temos as três encomendas postais que foram interceptadas conforme fls. 53 e ss., o registo biográfico e disciplinar do autor limpo conforme fls. 85 a 86; o relatório preliminar de fls. 87 e ss., a nota de culpa de fls. 94 e ss., os comprovativos de notificação da mesma ao trabalhador, a sua defesa escrita conforme fls. 102 e ss., a audição da testemunha arrolada pelo trabalhador a fls. 115 e ss., o relatório final de fls. 122 e ss., e a decisão final da comissão executiva de fls. 132, que aplica a pena disciplinar de despedimento ao autor sem indemnização ou compensação; temos ainda os comprovativos dos pagamentos realizados pelo réu ao autor conforme fls., 350/verso e 351 e verso e ainda fls. 357 e verso e 358 e verso, depois temos a certidão incompleta de alguns atos processuais que constam do processo-crime nº (…), a correr termos no 2º Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo conforme fls. 428 e ss., e depois a 2ª certidão que completa a anterior, retirada do mesmo processo mas que se encontra no Tribunal da Relação de Lisboa conforme fls. 788 e ss., e mais documentos de pagamento de fls. 976 e ss..

Bem como, para formar aquela mesma convicção, o tribunal também analisou criticamente, toda a prova testemunhal e por declaração de parte, arroladas pelas partes.

Assim sendo, foi da parte do Réu que se ouviram algumas das testemunhas que intervieram nas investigações do processo-crime nº (…), que culminaram na dedução de acusação-crime por tráfico de estupefacientes agravado na pessoa do ora carteiro (…) são elementos da Polícia Judiciária, os quais em suma, falaram com sinceridade da sua participação pessoal na investigação em curso, sendo que (…), foi o responsável directo por esta investigação tendo informado que receberam um pedido de colaboração por parte dos CCC m como um carteiro deles que trabalhava no (…) de Angra do Heroísmo, estaria a receber droga através de encomendas postais que o mesmo teria acesso por via das suas funções e que depois transmitia ao grupo quando chegavam as encomendas para as irem levantar e outras vezes era ele mesmo que as levava; então em conjugação com o Dr. (…) e os CCC montaram um esquema de vigilância e escutas telefónicas de modo a compreender o que se estava a passar, o que fizeram durante algum tempo sendo que em Setembro de 2015, apreenderam então uma encomenda que o dito carteiro antes tinha avisado a esposa que também parte do bando (…) que estava a chegar; então no dia em que chegou ao (…) de Angra a encomenda via EMS, outro colega (em operação montada para tal) foi entregar a encomenda ao (…) (outro elemento do grupo) que não o Sr. (…); este no dia em causa apercebeu-se que a encomenda tinha sido interceptada e que poderia policia saber daquilo então tentou avisar a esposa para que não levantassem mas não conseguiu porque a encomenda foi mesmo entregue e o Sr. (…) permitiu a abertura do porta-bagagens do seu carro, onde a mesma estava acondicionada e ao abrir a mesma verificou-se que era “haxixe/cannabis”, no dia a seguir chegaram da mesma forma mais duas encomendas dirigidas ao mesmo individuo que também foram entregues e uma vez abertas, também continham produto estupefaciente haxixe e de tudo o Sr. (…) sabia pois era ele que informava os colegas dos nºs das encomendas e para as virem buscar ou receber, no total nestas três encomendas foram apreendidos quase 9 quilos de haxixe/cannabis.

De tudo isto foi corroborado com mais alguns pormenores pelos restantes elementos da polícia judiciária que nela intervieram assim, (…), (…),(…); também falaram da busca domiciliária que fizeram à casa do carteiro, dos objectos que aí encontraram.

De seguida falou (…), supervisor da distribuição no (…) de Angra de Heroísmo e também falou em suma, com sinceridade do que sabia das suas funções e relacionado com o caso, dizendo que, há muitos anos que conhece o (…) e que era um óptimo colaborador, fazia o “giro limpo”, ou seja, não deixava cartas por entregar só que algum tempo antes da sua detenção começou a notar-se atitude estranhas no mesmo tais como estava no giro e interrompia o mesmo para ir ao CDP para abrir encomendas postais via (…) que chegavam; depois pedia aos colegas as ditas encomendas que não eram suas para lhas entregar que ele ia dar aos destinatários ou porque eram primos ou porque eram conhecidos e os colegas no início confiavam e entregavam; mas isto repetiu-se muitas vezes e os colegas começaram a comentar e depois a determinada altura já eram terceiros e clientes que começaram a dizer que o (…) andava a passar droga e que os correios agora serviam como passadores de droga; o que começou a criar mau ambiente no CDP; então que ele não teve alternativa do que contar ao Sr. (…), que era o Chefe de todo o CDP de Angra para que tomasse as devidas providências e sabe que este também, falou com a Dra. (…) e depois foi esta que despoletou a queixa na polícia judiciária.

Também a própria instrutora do processo a Dra. (…) foi ouvida e falou com verdade daquilo que como instrutora do processo disciplinar que moveu ao trabalhador fez e sabia e disse que a nível interno do procedimento fez as diligências de apuramento dos factos que deram origem à nota de culpa que culminou na aplicação da pena disciplinar mais grave prevista no código do trabalho, isto é, no despedimento que ela propôs ao trabalhador em causa e que foi aceite pelos presidente do conselho executivo da empresa; ou seja, logo que recebeu a acusação deduzida pelo Ministério Público de Angra do Heroísmo, informou-se com a Dra. (…) sobre o sucedido em Angra; esta comunicou-lhe a acção concertada que tinham feito em Setembro de 2015, para a apreensão das três encomendas que continham produto estupefaciente entre o (...) de Angra e a polícia judiciária e confirmaram que era o Sr. (…) quem sabia o nº das encomendas postais via EMS, que transmitia à esposa e que esta por sua vez transmitia aos restantes membros do grupo que recebiam ou levantavam as encomendas que continham produto estupefaciente; que não ouviu mais nenhuma testemunha que fosse colega do Sr. (…) para que estes não sofressem represálias, mas que os CCC souberam desde logo da prisão preventiva que o Sr. (…) ficou depois de ser ter apreendido as três encomendas contendo haxixe.

Ouvida que foi também (…), a funcionária que processou os vencimentos do Sr. (…), também falou do que sabia e das contas e dinheiros pagos a este senhor que nada ficou por pagar e este tudo recebeu indicando os recibos e documentos juntos aos autos.

Ouvido por sua vez, (…), responsável/gestor do (…) de Angra do Heroísmo, também apresentou um discurso credível assente nos factos que tinha conhecimento directo por via das suas funções.

Então disse que este foi um caso que o marcou porque a nível pessoal era amigo pessoal do autor mas que teve que agir em representação dos CCC porque estava em causa o bom nome dos correios e disse que o Sr. (…)  era muito bom funcionário, fazia de tudo era sempre prestável nos correios e fazia um “giro limpo”, ou seja, não havia cartas por entregar; mas cerca de seis meses antes deste ser detido, as suas condutas alteraram-se a assumia atitudes estranhas tais como: interrompia o giro que fazia na rua para vir ao (…) ver se chegavam encomendas postais e mesmo que não fizessem parte do seu giro de entrega pedia aos colegas que lhe dessem tais encomendas e ele próprio entregava; depois em pleno verão era visto com casacos e levava debaixo deles encomendas; e isto os colegas começaram a ver e começaram a comentar o que ele fazia e contaram-lhe e outras vezes ele próprio que o via ter estas atitudes e como era seu amigo avisava-o “olha toma cuidado com o que andas a fazer”, mas ele continuava com isto, até que os clientes abordavam a diziam que ele andava a vender droga que chegava nas encomendas postais via EMS, e que conhecia os números e comunicava a outros onde as mesmas se encontravam, até que achou que era demais e comunicou então à Dra. (…); depois as pessoas comentavam que ele ostentava sinais exteriores de riqueza tais como tinha uma casa e comprou outra; tinha um carro, mas depois comprou outro; depois comprou a mota com ajuda dos CCC; mas que ele era muito trabalhador e que tinha vacas, cabras, galinhas, agricultura e as pessoas comentavam tudo isto.

No dia em que se concertou a apreensão das três encomendas que eles detectaram que estavam a chegar junto com a policia judiciária, então foi ele que mandou entregar aquela encomenda ao (…) e ordenou que nenhum dos carteiros entrasse no (…); que o (…) percebeu que a encomenda que ele já tinha avisado que ia chegar estava em distribuição por outro colega e ainda foi pedir ao colega que lhe entregasse e este lhe respondeu “cumpro ordens” e como todos estavam fora da estação sabe que o Sr. (…) falou com a esposa a dizer para ninguém ir buscar a encomenda que a polícia podia estar a saber da mesma; mas não foi a tempo e a encomenda foi mesmo entregue e confirmou-se que trazia haxixe; as outras duas encomendas foram entregues a seguir e todas elas traziam haxixe e portanto confirmou os rumores que circulavam; foi uma situação muito má porque o ambiente era muito pesado e os correios ficaram com a imagem afectada porque foram considerados como “passadores de droga”.

Da parte do autor-trabalhador não foi ouvida nenhuma das testemunhas arroladas por si, porque se escusaram a responder como da ata melhor consta.

Por fim, foi ouvido o próprio trabalhador, ou seja, (…), o qual não foi verdadeiro nas suas declarações, e negou que tivesse conhecimento dos números das encomendas postais via EMS, as quais continham droga que depois ele informava a esposa desta situação e esta comunicava aos outros elementos do grupo para que estivessem atentos e recebessem as encomendas; o que fez várias vezes aproveitando-se das suas funções como carteiro no (…) de Angra para se dedicar ao tráfico de estupefacientes.

Tudo negou, inclusivamente até afirmou que nem conhecia o (…), quando eram vizinhos e as esposas eram amigas uma da outra; também negou que no dia em que chegou a primeira encomenda como o chefe ordenou que ninguém ia descarregar o express mail naquela manhã, então não tinha como saber que a dita encomenda tinha chegado à estação e que não avisou a mulher porque nada sabia.

Talões dos correios e números de telefone que se encontravam em sua casa em papéis vários, não explicou para que eram e de quem eram aquando da busca que a polícia fez em sua casa.

Ou seja, negou que tivesse participado no tráfico de estupefacientes e que o seu contributo era pelo facto de ser carteiro conhecia os números das encomendas que chegavam e na posse desta informação dava-a à mulher e sua por sua vez, é que transmitia estas informações ao resto do grupo.

De qualquer forma assumiu que caso isto fosse verdade (o que lhe apontavam, que para ele não era…), na verdade era de tal modo grave que daria imediato despedimento, porque violava os seus deveres contratuais de honestidade e lealdade para com a empresa onde prestava o seu serviço, além de que manchava o bom nome dos CCC  e o serviço de distribuição postal.

Quanto aos factos não provados – Pois face a tudo quanto acima se transcreveu em suma, cabe concluir que o autor-trabalhador não logrou produzir qualquer prova de que por um lado, o processo disciplinar não tivesse tido diligências de investigação próprias, que teve como resulta da conjugação de tudo o que acima se disse e designadamente, a própria detenção das três encomendas postais que continham haxixe/cannabis foi uma actuação conjugada entre os CCC e a Polícia Judiciária; que era o Sr. (…) o único que pelo facto de ser carteiro possuía conhecimento dos números das encomendas que traziam a droga e na posse destas informações passava-as a outros elementos do bando (daí investigação também própria do réu) e os factos que constam da nota de culpa dizem tudo quanto aqui se provou.

Por outro lado, esta conduta concreta do trabalhador é de molde a não deixar possível a manutenção de qualquer relação laboral por via da grave perda de confiança que se gera na entidade patronal.

Daí as respostas em causa.”

Invoca o Recorrente que o Tribunal a quo valorou provas ilícitas de entre as quais o depoimento de parte do Autor, que, em seu entender, não deveria ter sido admitido nem valorado na medida em que a matéria sobre o qual recaía (art.ºs 23.º a 36.º do articulado do empregador) correspondia à potencial prática de um crime por parte do autor, pelo que ao permitir e valorar tal prova o Tribunal a quo aceitou e baseou-se para proferir a decisão final numa prova inadmissível, nos termos do art.º 454.º n.º 2 do CPC, o que significa que aceitou provas proibidas.

Vejamos:

No articulado motivador do despedimento, a Ré requereu o depoimento de parte do Autor à matéria dos artigos 23.º a 36.º desse mesmo articulado.

Com excepção do artigo 23.º que é conclusivo, os artigos 24.º a 36.º do mencionado articulado enunciam um conjunto de factos que integram a prática pelo Autor de um crime de tráfico de estupefacientes.

Em 11.09.2017, no despacho saneador, foi admitido o depoimento de parte do Autor aos artigos 24.º a 36.º do articulado motivador do despedimento, por serem susceptíveis de confissão.

O Autor não recorreu deste despacho.

Na audiência de julgamento, sessão do dia 21.09.2018 (fls.984vº e 985 e 985 vº), o Autor formulou requerimento, que acima transcrevemos, no qual concluiu pelo indeferimento do depoimento de parte requerido pela Ré no articulado motivador do despedimento.

O Tribunal a quo proferiu despacho a manter a prestação do depoimento de parte.

As partes foram notificadas do despacho e não recorreram.

O Autor prestou juramento, foi advertido de que estava obrigado a falar com verdade sob pena de incorrer em responsabilidade criminal e prestou depoimento de parte sobre a matéria em causa (fls.987 e 987vº).

Não obstante o disposto no artigo 463º do CPC, foi determinado que fosse lavrada assentada da qual consta:

Artigos 24.º a 27.º “Não confessa.”

Artigo 28.º: “O horário de trabalho bem como o dia, semana e o mês, o depoente assume; o restante do art.28.º, o declarante não assume/não confessa.”

Artigo 29.º:”Esclareceu que neste dia em concreto, logo que chegou aos CCC (9700), organizou o seu serviço para ir fazer o seu giro normal de correspondência, e, depois entre as 9horas e as 10horas da manhã o seu chefe deu ordens para que, nem ele nem os colegas fossem descarregar nessa manhã o express mail que tinha chegado do aeroporto e saíssem para proceder ao seu giro, pelo que, não teve como saber que a encomenda em questão tivesse sido atribuída a outro colega e também não telefonou à esposa.”

Artigos 30.º e 31.º:“Desconhece”

Artigo 32.º: “Desconhece em absoluto o que aí se relata bem como nunca tinha falado com o Sr. (…). Neste dia o Autor já se encontrava detido.”

Artigos 33.º a 36.º: “É conclusivo não irei perguntar.”

Ora, dispõe o artigo 79º-A nº 2 al.i) do CPT que cabe ainda recurso de apelação nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do nº 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.

Posto que o artigo 691.º foi revogado pelo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 25 de Junho, há que proceder a uma interpretação actualista da citada norma do CPT e considerar que a remissão operada pelo artigo 79.º-A é feita para o actual artigo 644º do CPC do que resulta e no que ao caso importa, que cabe recurso de apelação da decisão do tribunal de 1ª instância do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.

O depoimento de parte é um meio de prova (prova por confissão das partes) - art.452º do CPC.

Ou seja, o meio adequado para reagir contra o despacho saneador que admitiu tal meio de prova era o recurso de apelação, a interpor no prazo de 10 dias (art.80º nº 2 do CPT, com subida em separado (art.83.º-A n.º2) e efeito meramente devolutivo (art.83º nº 1 do CPT).

Assim, não tendo recorrido de tal despacho o mesmo transitou em julgado.

Por outro lado, apesar de não haver quaisquer dúvidas de que, nos termos do artigo 454.º n.º 2 do CPC, não é admissível o depoimento de parte sobre factos criminosos ou torpes de que a parte seja arguida, como era o caso, apesar da prestação de depoimento de parte traduzir um acto que a lei não admite e poder influir no exame da causa e, consequentemente, produzir nulidade, a verdade é que sempre estaríamos perante uma nulidade secundária, conforme previsto na 2ª parte do artigo 195º do CPC.
E a arguição destas nulidades segue o regime previsto no artigo 199º do CPC, do que resulta que a nulidade em causa, porque a parte estava presente, bem como o seu Ilustre mandatário, deveria ter sido arguida enquanto o acto não terminasse, o que não sucedeu. Não o tendo sido a nulidade sanou-se.

De qualquer modo, da assentada que consta da audiência de julgamento, bem como da fundamentação da matéria de facto, resulta claro que o Autor não confessou os factos, daí que a questão agora suscitada não revista qualquer relevância para o apuramento da factualidade provada e não provada.

Mas ainda invoca o Recorrente que o Tribunal a quo ainda valorou outra prova ilícita- as intercepções telefónicas e respectivos registos colhidos no processo-crime que corre contra o Autor -, provas essas que não podiam ser admitidas fora do âmbito do respectivo processo criminal o que deu origem a que fossem considerados provados os factos 25 e 26 da douta sentença, sendo que tal admissão viola o disposto no art.34.º da CRP que determina a inviolabilidade das comunicações, tratando-se de uma prova nula, o que, igualmente, implica a repetição do julgamento com preterição desta prova.

Analisando:

No articulado motivador, a Ré requereu ao Tribunal que oficiasse ao Juízo Central e Criminal –(…), determinando a junção aos presentes autos de cópia do processo crime que ali correu termos e que, caso não fosse atendido o seu pedido, protestou juntar a sentença proferida, bem como a prova documental mencionada no ponto 2 do despacho de acusação proferido no mesmo processo. (fls.184 vº).

No despacho saneador determinou-se a notificação da Ilustre mandatária do Réu para em 10 dias juntar a certidão da sentença que condenou o Autor com a menção se a mesma transitou em julgado, bem como foi determinado que viesse informar aos autos quais os documentos do processo-crime que pretendia que fossem juntos a estes autos, por não ter interesse a junção de todos os documentos constantes daquele processo. Nessa sequência, foi indeferida a pretensão do Réu no sentido de ser junto aos autos cópia do processo-crime que corre contra o Autor.

O Autor não recorreu deste despacho.

A fls.375 a 376 dos autos o Réu veio informar quais os documentos do processo- crime que pretendia fossem juntos e nos quais se incluíam, além do mais, autos de início de intercepção telefónica, autos de audição e resumo de intercepção telefónica, autos de cessação de intercepção telefónica, etc.

O Autor foi notificado desse requerimento.

Por despacho de 29.9.2017, foi solicitada, com urgência, a extracção de certidão dos documentos referidos no requerimento com a refª 2228137, fls.375/verso e 376, indicando-se a data do julgamento (fls.398).

A fls. 437 e segs. dos autos foi junta a certidão solicitada.

Na sessão da audiência de julgamento de 6.11.2017 o Réu, após referir que constatou que a certidão junta não continha todos os documentos solicitados, requereu que as testemunhas que identificou continuassem a ser inquiridas após a junção de todos os documentos, a que nada opôs o Autor.

A fls.752 vº veio o Réu indicar os documentos em falta na mencionada certidão e solicitar que fossem juntos ao processo, o que foi deferido em 2.12.2017.

Em 7.9.2018 foi proferido despacho a solicitar ao Tribunal da Relação de Lisboa a remessa da certidão corrigida.

Em 13.6.2018 foi junta aos autos a certidão em causa.

Em 18 de Junho de 2018 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Visto. Tomei conhecimento de que se encontra junta aos autos a certidão requerida. Notifique. Cumpra-se o contraditório.”

Ora, relativamente à admissão das certidões relativas ao processo crime a qual, como já referimos supra, contém resumos das escutas telefónicas, com transcrição parcial de algumas conversações, cabem aqui as considerações tecidas a propósito da admissão do depoimento de parte do que resulta que a sua admissão deveria ter sido impugnada por meio de recurso nos exactos termos acima referidos, na medida em que aqui também se trata da admissão de meio de prova, no caso documental.

Não tendo o Autor recorrido, obviamente que a decisão que admitiu tais documentos transitou em julgado.

Mas apelando a normas constitucionais alega o Recorrente que a valoração das escutas telefónicas consubstancia valoração de prova ilícita e nula.

Vejamos:

Dispõe o nº 1 do artigo 25º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sob a epígrafe “Direito à integridade pessoal” que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.”

Nos termos do nº 8 do artigo 32º da CRP “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. “

E de acordo com o nº 1 do artigo 34º nº 1 da CRP: “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, dispondo o nº 4 que “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”

Por outro lado, sobre a legalidade da prova, estatui o artigo 125º do Código de Processo Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”

E o nº 3 do artigo 126º do CPP determina que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”

Por seu turno, dispõe o artigo 187º do CPP:

1- A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;

d) De contrabando;

e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;

f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou

g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.

2- A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:

a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;

b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;

c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;

d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;

e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;

f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

3- Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes.

4- A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

a) Suspeito ou arguido;

b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

5- É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.

6- A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.

7- Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.

8- Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.”

Ora, considerando o teor das normas constitucionais acima assinaladas, resulta claro que a obtenção e utilização de meios de prova que restringem direitos consagrados constitucionalmente, como sucede com as escutas telefónicas, atenta a sua natureza excepcional, só é legítima nos casos expressamente previstos na lei.

E estas, conforme decorre do citado artigo 187º do CPP apenas são admitidas no âmbito do processo penal para o qual foram autorizadas e apenas relativamente aos crimes enunciados no mesmo preceito legal.

Consequentemente, não é admissível a valoração das escutas telefónicas noutros processos que não revistam natureza penal e nos que a revistam apenas nos casos previstos no nº 7 do artigo 187º do CPP.

Ora, considerando que no presente processo o Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto provada e não provada, refere que formou a sua convicção, além do mais, nas certidões juntas aos autos, o que vale dizer que também valorou a prova obtida através das escutas telefónicas, fundamentando, assim, a matéria de facto num meio de prova legalmente inadmissível no processo laboral e que só poderia ser valorado no âmbito do processo penal, é de concluir que a valoração de tal prova é nula, por violar as normas acima citadas.

Por outro lado, ressalta da motivação da decisão da matéria de facto que esta é feita de modo genérico, o que impossibilita a identificação dos factos que tiveram por base as escutas telefónicas.

Embora a lei não proíba a motivação de facto em termos genéricos, a verdade é que a motivação constante da sentença recorrida não nos permite isolar todos os factos que foram considerados provados com base nas escutas telefónicas e, consequentemente, em meio de prova inadmissível.

Ora, conforme dispõe o artigo 154º do CPC, por imposição consagrada no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

No caso, é de concluir que a decisão da matéria de facto não se mostra suficientemente fundamentada, pois não se consegue afirmar, com segurança, quais os meios de prova que sustentam, em concreto, cada facto provado, exceptuados aqueles que resultam do processo disciplinar.

Nessa sequência, impõe-se que, oficiosamente, ao abrigo da al.d) do nº 2 do artigo 662º do CPC, se determine a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância com vista a que, sem recurso às intercepções telefónicas, fundamente devidamente os factos provados e não provados, repetindo o julgamento de facto, caso tal se mostre necessário, com a consequente elaboração da sentença. 

Uma vez que o agora decidido poderá eventualmente determinar a alteração da matéria de facto, fica prejudicada a análise da questão relativa à sua alteração como pretendido pelo Recorrente.

Contudo, por resultar à evidência que se trata de matéria conclusiva e que integra o thema decidendum, desde já, consideramos não escrita a matéria dos pontos 37 e 38 dos factos provados.

Por se mostrar prejudicada, não se aprecia a questão suscitada no ponto 4 do objecto do recurso.

Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso procedente e, em consequência, ao abrigo da al.d) do nº 2 do artigo 662º do CPC, determinam a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância a fim de, sem recurso às intercepções telefónicas, fundamentar devidamente os factos provados e não provados, repetindo o julgamento de facto caso tal se mostre necessário, com a consequente elaboração da sentença.

Custas do recurso a final pela parte vencida.
Registe e notifique.



Lisboa, 11 de Setembro de 2019



Maria Celina de Jesus Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
José António Santos Feteira