Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2459/19.3YRLSB-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CITAÇÃO
CORREIO ELECTRÓNICO SIMPLES
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE INDEFESA
VIOLAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Viola o princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no artigo 20º da Constituição, a citação que não ofereça as garantias mínimas de segurança e fiabilidade e/ou que torne impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento da citação.
II. É o caso de uma citação feita por correio eletrónico simples provido de assinatura eletrónica simples, no âmbito de processo do CC, dirigida a uma sociedade comercial que vende veículos automóveis.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 26.9.2019, AA, Lda. Veio deduzir pedido de anulação de sentença arbitral proferida, em 24.10.2018, pelo Tribunal Arbitral do CC, sendo aí autor BB.
Alega, para tanto, que o referido processo arbitral decorreu sem a sua intervenção ou aceitação para a arbitragem, o que impediu a Requerente de alegar e demonstrar a ausência de ação ou omissão na alegada adulteração de quilómetros na viatura que vendeu ao Requerido. Deste modo, a decisão proferida no processo arbitral foi à revelia da Requerente. Mais sustenta que foram violados os Artigos 12º, nº3, 16º e 19º do Regulamento do CC, que exige compromisso para a submissão do diferendo a Tribunal Arbitral e a comunicação às partes de todas as peças escritas.
Conclui, pedindo que se anula a sentença proferida em 26.10.2018.
O Requerido foi citado em 1.7.2020 (fls. 151), não tendo deduzido oposição.
Em 10.9.2020, foi proferido despacho com este teor:
«Atento o teor dos Artigos 15º, nº1, 31º, 55º, nos. 5 e 6 e 57º do Regulamento do CC, conjugados com fls. 1 a 14 do processo arbitral nº 1260/…/2018 (apenso) e com o Artigo 219º, nos. 1 e 2 do Código de Processo Civil, este Tribunal da Relação pretende conhecer imediatamente de mérito.
Assim sendo, notifique as partes a fim de se pronunciarem em dez dias (cf. Art. 3º, nº3, do Código de Processo Civil), sendo o requerido notificado na morada onde foi citado (cf. fls. 151)
O Requerido veio juntar procuração e pronunciou-se, sustentando que «o Recorrente quando aderiu ao centro de arbitragem de como se processa tramitação dos processos nesta entidade, estando plenamente ciente que as notificações são realizadas por email, fax ou correio simples». Conclui que deve ser mantida a sentença proferida pelo CC (fls. 162).
A Requerente reiterou a posição de que deve ser anulado o processo arbitral por falta de contraditório (fls. 165).
QUESTÃO A DECIDIR
Nestes termos, a questão a decidir reside em determinar se existe fundamento para anular a sentença arbitral, designadamente por preterição do contraditório à Requerente.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Atenta a prova documental (processo arbitral apenso), está provado que:
1- Em 30.3.2018, entrou no CC uma reclamação formulada por BB contra AA, sendo esta identificada como tendo sede na (…)», com o email «(…)@sapo.pt» (fls. 1);
2- A fls. 4 consta o seguinte: «2018-07-10 / Contactei com o Reclamante tendo solicitado que o mesmo com a maior brevidade possível enviasse a formalização da reclamação, porquanto é necessário dar cumprimento aos prazos processuais não podendo estar o processo tanto tempo a aguardar a formalização.»;
3- A fls. 5 a 9, e com data de 13.7.2018, consta a reclamação do requerido, sendo o valor total do pedido de € 4.689,10;
4- A fls. 11 consta um print de correio eletrónico com o seguinte teor:
«(…)
‘lfmotors@sapo.pt’
Proc. 1260/2018
Reclamação_1260_2018.pdf; Regulamento_....pdf
Exmos. Senhores,
Sendo intenção do reclamante prosseguir com o processo para arbitragem perante o Tribunal Arbitral do (…), serve a presente para notificar V. Exas., da reclamação apresentada pelo Sr. BB.
Para tanto, e caso assim entendam, podem V. Exas., nos termos do art. 15º do Regulamento do Centro, e na qualidade de empresa aderente, contestar a reclamação apresentada, por escrito, no prazo de 20 dias a contar da presente notificação, a que deverão anexar os documentos de prova que entendam por convenientes, podendo ainda indicar testemunhas, a apresentar no Julgamento Arbitral (até ao limite de 4).
Deverão ainda informar quais as opções relativamente à constituição do tribunal, bem como as regras a observar na arbitragem. Na ausência de resposta, no prazo máximo de 10 dias, consideramos designado o árbitro do Centro e a legislação em vigor, nos termos do art. 32º do Regulamento do Centro de Arbitragem e da lei de Arbitragem.
Aproveitamentos a oportunidade ara junto remeter o Regulamento do Centro de Arbitragem , podendo este último ser igualmente consulado em www.arbitragemauto.pt.
(…)
Raquel Almeida
Jurista»;
5- A fls. 14 consta o seguinte “Certificado Notarial”:
«Lic. (…), Notária em Lisboa (….)
CERTIFICO, para os devidos e legais efeitos, a pedido de BB (…) que, neste Cartório, no dia de hoje, foi por mim, Notária, verificado que do sítio de internet respeitante à empresa AA,  Lda., sociedade abreviadamente designada por (…), consta a informação de que a mesma é “aderente” do CC (…)
Cartório Notarial de Lisboa titulado pela Notária (…),
Em 20 de agosto de 2018»
6- A fls. 31-35, consta a repetição da reclamação do requerido, agora datada de 20.8.2018;
7- A fls. 37 consta print de correio eletrónico com o seguinte teor:
« (…)
21 de agosto de 2018 09:02
(…)
Proc. 1260/2018
Reclamação_1260_2018.pdf; Regulamento_....pdf
Exmos. Senhores,
Sendo intenção do reclamante prosseguir com o processo para arbitragem perante o Tribunal Arbitral do (...), serve a presente para notificar V. Exas., da reclamação apresentada pelo Sr. BB.
Para tanto, e caso assim entendam, podem V. Exas., nos termos do art. 15º do Regulamento do Centro, e na qualidade de empresa aderente, contestar a reclamação apresentada, por escrito, no prazo de 20 dias a contar da presente notificação, a que deverão anexar os documentos de prova que entendam por convenientes, podendo ainda indicar testemunhas, a apresentar no Julgamento Arbitral (até ao limite de 4).
Deverão ainda informar quais as opções relativamente à constituição do tribunal, bem como as regras a observar na arbitragem. Na ausência de resposta, no prazo máximo de 10 dias, consideramos designado o árbitro do Centro e a legislação em vigor, nos termos do art. 32º do Regulamento do Centro de Arbitragem e da lei de Arbitragem.
Aproveitamentos a oportunidade ara junto remeter o Regulamento do Centro de Arbitragem , podendo este último ser igualmente consulado em (…)
Nome
Jurista.»
8- A Requerente não teve qualquer intervenção no processo arbitral;
9- Em 24.10.2018, foi proferida sentença pela Juíza Árbitro (…), com o seguinte dispositivo:
«Assim, sem necessidade de mais, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
a. Declaro anulado o contrato de compra e venda do veículo identificado nos autos e, em consequência, condeno a Reclamada a restituir ao Reclamante a quantia de € 3.500 contra a entrega, por parte do Reclamante, do dito veículo;
b. Condeno a Reclamação no pagamento ao Reclamante, a título de indemnização, da quantia de € 1.087,29.»
10- A fls. 65 consta um talão de correio registado (sem menção de aviso de receção), datado de 25.10.2018 e tendo como destinatário «À Gerência de  AA , morada, precedido de texto, a fls. 63, com este teor: «Para os devidos efeitos notificamos V. Exa. da Decisão Arbitral nº 40/2018 que pôs termos ao processo acima referenciado, de que junto enviamos cópia.»
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
À data da prolação da sentença arbitral, encontrava-se em vigor o Regulamento do CC, aplicável a processos entrados após 15 de fevereiro de 2016.
Com relevância para a decisão de mérito, do referido Regulamento constam os seguintes artigos:
Artigo 15º Contestação
1. A parte reclamada será simultaneamente citada do teor da reclamação e documentos que a acompanham, bem como para contestar, querendo, por escrito ou oralmente.
2. Os demandados com adesão genérica ou os que tenham, entretanto, subscrito compromisso arbitral no âmbito do processo, devem apresentar, querendo, a sua contestação no prazo de 20 dias a contar da notificação prevista no número um deste artigo. (…)
31º Adesão Genérica
1. Os agentes económicos, que exerçam uma atividade compreendida no âmbito de competência do Centro, podem aderir, de forma genérica, ao regime de resolução de litígios decorrentes dessa atividade por de mediação, conciliação ou arbitragem, aceitando para o efeito as regras constantes do presente regulamento.
2. A adesão implica que o aderente se comprometa a submeter a mediação, a conciliação e a arbitragem os eventuais litígios posteriores a essa adesão em que seja parte, desde que a contraparte nisso acorde. (…)
5. A adesão é tornada pública pelo Centro, nomeadamente pela inscrição do aderente em lista afixada na sede, e pela concessão do símbolo distintivo, a ser colocado em local visível do seu estabelecimento. (…)
52º Notificação e depósito da decisão
1. As partes e os seus mandatários forenses, se os houver, são notificados da decisão, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 5 dias, ou por termo no processo, se estiverem presentes, enviando-se ou entregando-se ao notificado um exemplar assinado da mesma.
(…)
56º Prazos e Notificações
(…)
5. As notificações, salvo da decisão final, são feitas por email, fax ou correio simples.
6. As notificações consideram-se feitas desde que efetuadas para as moradas constantes do processo, indicadas pelas partes.
(…)
57º Regra Supletiva
1. Em tudo o mais é aplicável a Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro, no que respeitar à arbitragem institucionalizada.
2. Havendo omissão, o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem, suprindo do modo que considerar apropriado, as regras processuais que não estiverem previstas no presente Regulamento.
Atento o teor do certificado notarial emitido em 20.8.2018, conjugado com o Artigo 31º do Regulamento de Arbitragem, pode afirmar-se que a Requerente aderiu genericamente ao Regulamento de Arbitragem.
O certificado notarial constitui um documento autêntico, fazendo prova plena dos factos atestados diretamente pela notária em causa – cf. Artigos 371º, nº1, do Código Civil e 4º, nº2, al. e), 35º, nº2, e 163º do Código do Notariado. Não tendo a Requerente arguido a falsidade de tal documento autêntico, persiste incólume o seu valor probatório (cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pp. 136-138 e 145-149), decorrendo do mesmo que a Requerente aderiu genericamente à arbitragem.
O Regulamento do Tribunal Arbitral rege expressamente apenas sobre a forma das notificações, afirmando que as mesmas podem ser feitas «salvo da decisão final, são feitas por email, fax ou correio simples» (artigo 56º, nº5). Todavia, o mesmo Regulamento não rege expressamente sobre a forma da citação, não contendo qualquer disposição a tal propósito.
Ora, é sabido que a citação e a notificação constituem realidades diversas, sendo a citação «o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa» - Artigo 219º, nº1, do Código de Processo Civil. Diversamente, «A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto» - Artigo 219º, nº2, do Código de Processo Civil. Atenta esta diversidade de funções, a forma da citação, em regra, é mais pessoal, solene e garantística do que a forma da notificação.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal Arbitral procedeu à citação da ora requerente através da remessa de um correio eletrónico simples, remetido alegadamente para o endereço eletrónico da requerente. Tal formalidade poderá ser suficiente para uma notificação na lógica do Regulamento, mas não para uma citação.
Sobre as garantias ínsitas ao ato de citação, é relevante a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sintetizada no Acórdão nº 773/2019, de 17.12.2019, nestes termos:
«Do cotejo do teor de outros arestos em que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a matéria aqui em causa (designadamente, os Acórdãos nºs. 287/03, 91/04, 243/05, 104/06, 582/06, 632/06, 182/06 e 376/10) resultam, a propósito do artigo 238.º do Código de Processo Civil - que, no essencial, introduziu no sistema processual civil, a título subsidiário, a regra da citação por via postal simples - dois dados importantes: a modalidade da citação por via postal simples não é, por si só, necessariamente e seja qual for o caso a que se aplique, incompatível com a Constituição; sê-lo-á, contudo, por violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º, quando não oferecer, desde logo, as garantias mínimas de segurança e fiabilidade e tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento da citação.
(…)
Não impondo a Constituição a adoção de qualquer forma específica para tais atos, que cumpre ao legislador escolher, no exercício dos poderes autónomos que marcadamente detém no domínio do processo civil, proíbe claramente soluções que se bastem com uma probabilidade remota ou vaga de conhecimento pelo réu da citação ou impeçam a demonstração por este do seu não conhecimento; a norma que regula a forma de realização do ato de citação deve, pois, dar garantias mínimas de segurança e fiabilidade e não pode tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de recebimento oportuno desse ato, sob pena de incorrer em violação do princípio constitucional da proibição de indefesa, consagrado no seu artigo 20.º.
Nesta medida, as exigências garantísticas, enunciadas na acima citada jurisprudência constitucional, aplicáveis ao ato de citação valem, igualmente, para o ato de notificação previsto no artigo 12.º do Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, atento o seu conteúdo e os efeitos cominatórios da não apresentação tempestiva de oposição.
Porém, a Constituição, no seu artigo 20.º, não proíbe em absoluto que a lei extraia de determinados factos certos a presunção de que o réu ou requerido tomou ou podia ter tomado conhecimento do ato de citação ou notificação de modo a exercer em tempo o direito de defesa, desde que faça assentar essa presunção em elementos fiáveis e seguros e não vede ou inviabilize na prática a possibilidade de demonstração do contrário.
Na verdade, a citação ou notificação por via postal simples não garantem com absoluta certeza que o réu ou requerido efetivamente tomou conhecimento do ato de citação ou notificação transmitido desse modo; apenas permitindo concluir, verificado o primeiro daqueles pressupostos, que o réu ou requerido provavelmente a recebeu ou que, atuando com a diligência de um bom pai de família, a podia ter recebido. Ora, no domínio do direito privado, em particular no direito das obrigações, onde impera o princípio da autonomia da vontade e da igualdade das partes e se discutem créditos de natureza essencialmente patrimonial – valores substantivos que se projetam na própria estruturação do processo civil (artigos 3.º e 4.º do CPC) – não se afigura em abstrato censurável a adoção de um sistema de citação ou notificação assente na presunção de conhecimento ou, mesmo, na presunção de cognoscibilidade do ato de citação ou notificação. Ponto é que o sistema concretamente instituído ofereça, desde logo, garantias de fiabilidade e segurança e não torne impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de conhecimento em que assenta.
Como ensina Alberto dos Reis, «importa sobremaneira que a citação seja um acto sério e eficiente, isto é, que ao réu seja dado conhecimento da existência do pleito e colocado em condições de se defender; mas importa igualmente que seja um acto, quanto possível, rápido, isto é, que sejam postos à disposição do tribunal meios suficientes para obstar a que o réu procure fugir à acção da justiça, furtando-se sucessivamente à diligência da citação» (Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2.º, p. 617). A harmonização dos interesses em conflito, «o interesse da seriedade do acto» e «o interesse da rapidez», para utilizar a formulação do mesmo ilustre professor, passa, não pode deixar de passar, pela adoção de soluções que importem, para cada um deles, a compressão que se mostre necessária à salvaguarda do outro, sem afetação do respetivo conteúdo essencial» (bold nosso).
Ora, o envio de uma citação por correio eletrónico simples e provido de assinatura eletrónica simples não propicia, minimamente, as garantias de segurança e de fiabilidade da citação a que se reporta o Tribunal Constitucional, tratando-se de uma forma excessivamente informal de proceder a tal ato solene, mesmo no âmbito de um procedimento arbitral.
Note-se que este procedimento não propicia sequer um comprovativo da receção da citação, sendo certo que existe legislação sobre esta matéria.
Com efeito, nos termos do Artigo 6º do Regime Jurídico do Documento Eletrónico e da Assinatura Digital, «O documento eletrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido pelas partes e neste for recebido» (nº1). No caso, não está demonstrada a existência de acordo entre as partes para a definição de endereço eletrónico para comunicações entre si. De realçar que o atual Código de Processo Civil só permite a citação eletrónica em situações muito limitadas, desde que tal esteja previsto em protocolo ou Portaria (cf. Artigo 219º, nº5, do Código de Processo Civil), dando adicionais garantias de segurança na realização do ato.
 E, prossegue, o nº3 do Regime Jurídico do Documento Eletrónico e da Assinatura Digital: «A comunicação de documento eletrónico, ao qual seja aposta assinatura eletrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efetiva receção equivale à remessa por via postal registada e, se a receção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção.» Esta formalidade também não foi observada porquanto, desde logo, o correio eletrónico remetido pelo Tribunal Arbitral não se mostra provido de assinatura eletrónica qualificada (sobre estes conceitos, cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pp. 348-354 e 418-423).
Acresce que o modo excessivamente simplificado com foi efetuada a citação, nem implicou a remessa de correspondência escrita adicional para a citanda (cautela imposta por exemplo no Artigo 233º do Código de Processo Civil).
Atente-se que – face ao disposto no artigo 57º, nº2, do próprio Regulamento de Arbitragem e não regendo expressamente o Regulamento sobre a forma da citação – o próprio Tribunal Arbitral poderia – e deveria – ter imposto um formalismo, eventualmente decalcado do Código de Processo Civil, que garantisse a realização solene e séria do ato de citação. Tanto mais que, no caso, ocorreu uma adesão genérica ao Regulamento de Arbitragem, não se tendo verificado um compromisso arbitral.
De todo o exposto, conclui-se que a citação – nos termos excessivamente informais em que foi efetuada – não acautela o princípio da proibição da indefesa, consagrado no Artigo 20º, nº1, da Constituição.
Este aligeiramento não se limitou ao ato da citação, estendendo-se à sentença final, a qual não foi notificada por carta registada com aviso de receção à ora requerente, em obediência ao Artigo 52º, nº1. Paradoxalmente, o Regulamento nada diz sobre a forma da citação, mas exige a notificação da decisão final por carta registada com aviso de receção, o que nem foi cumprido.
Nos termos do Artigo 46º, nº3, alínea a) ii), da Lei nº 63/2011, de 14.12, a sentença arbitral pode ser anulada se a parte que faz o pedido demonstrar que houve no processo violação de algum dos princípios fundamentais referidos no nº1 do artigo 30º com influência decisiva na resolução do litigio. E, nos termos do Artigo 30º, nº1, al. a), o processo arbitral deve sempre respeitar o princípio fundamental que «O demandado é citado para se defender».
A requerente logrou provar a violação de tal princípio, com prejuízo óbvio para a dedução da sua defesa no processo arbitral, razão da procedência desta ação de anulação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em anular a sentença proferida pelo CC, em 24.10.2018, no âmbito do Processo nº 1260/…/2018.
Custas pelo Requerido na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 27.10 .2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete