Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5863/10.9TBCSC-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PENHORA DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - sendo princípio geral serem os bens do devedor a responder pela dívida exequenda e, como tal, sujeitos à penhora, nos termos do nº. 2 do artº. 735º, do Cód. de Processo Civil, permite-se a penhora de bens de terceiro, desde que figure como executado, na situação em que sobre aqueles incida bens incida direito real constituído para garantia do crédito exequendo, bem como nas situações em que tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para o terceiro a obrigação de restituição dos bens ao credor;
- a herança ilíquida e indivisa, como aquela a que pertence o imóvel em ponderação nos presentes embargos de terceiro, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos;
 - pelo que, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. Donde, até á realização desta, cada um dos herdeiros apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário;
- é legalmente admitida a penhora do direito a uma herança por partilhar, o que é equivalente a penhora de um quinhão hereditário, ou seja, admite-se a penhora do direito que a esses bens, ainda não determinados nem concretizados, tiver o executado;
- porém, já obsta a lei a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, o que é o caso da herança, conforme decorre dos artigos 743º, nº. 1 e 781º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil;
- tendo os Executados herdado, do seu falecido pai, uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, seria esse todo, ou seja, os seus quinhões hereditários, a merecer a devida ponderação de penhora por parte do Exequente, e não um alegado direito dos Executados sobre bem imóvel determinado, com registo activo a favor destes, e de sua mãe, possibilitado com base no artº. 49º, do Cód. do Registo Predial;
- ou seja, procedeu-se como se existisse já determinação do bem que fazia parte do quinhão hereditário dos Executados, como se já tivesse sido operada partilha, ou como se apenas existisse um único interessado, situação em que seria admissível a conversão automática da penhora do direito à herança em penhora do bem ou bens com que foi formado o quinhão hereditário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: -ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1C..., residente na …, …, São Domingos de Rana, intentou incidente de oposição, mediante embargos de terceiro, contra:
- O Exequente:
· BANCO ..., S.A.;
- Os Executados:
· J...;
· V...;
· I..., Lda.,

Peticionando que os embargos fossem admitidos, por provados e, consequentemente:
a) Declarada a suspensão da execução, no que respeita ao bem imóvel descrito no articulado;
b) Que se reconheça que a Embargante é dona e legítima proprietária do imóvel penhorado nos autos principais e em consequência seja ordenado o levantamento da penhora efectuada sobre o mesmo, bem como o cancelamento da Apresentação n.º ... de 2014/11/28 que incide sobre o referido bem na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais.
Requer, ainda, que recebidos, sejam Exequente e Executados notificados para contestar, querendo, no prazo e sob cominação legal.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
§ No âmbito dos autos à margem referenciados, veio a Exequente Banco ..., S.A. requerer a penhora do prédio urbano sito na ..., São Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº ... e inscrição nº ... na matriz, Ap. ... de 25/11/2014;
§ Em 28/11/2014 o referido imóvel foi penhorado nos autos principais, encontrando-se a penhora registada na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, a favor da Exequente, através da Apresentação ... de 2014/11/28;
§ O Edital de Imóvel Penhorado foi afixado a porta da residência da Embargante em 30/03/2018, através do qual a Embargante tomou conhecimento da penhora do imóvel;
§ A Oponente casou com JC..., em 25/09/1966, no regime de comunhão geral, vindo este a falecer em 06/06/1998;
§ O referido imóvel é casa de morada de família da ora Embargante, tendo do referido casamento nascido dois filhos: J... e V...;
§ Com a morte de seu marido JC..., a Oponente e seus dois filhos tornaram-se herdeiros da quota-parte a ele falecido pertencente, pelo que a Oponente é proprietária da sua meação, bem como de um terço (1/3) da herança de seu falecido marido;
§ Como se constata do registo na Conservatória do Registo predial o prédio penhorado encontra-se registado em nome da Embargante e dos seus filhos em comum e sem determinação de parte ou de direito por integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC...;
§ Os executados não são titulares do direito de propriedade sobre o referido imóvel, mas titulares do quinhão hereditário na herança aberta por óbito do marido da ora Embargante;
§ O Agente de Execução não podia penhorar o referido bem imóvel, sendo que o que poderia ter feito era a penhora do quinhão hereditário ou do direito de aquisição do bem por parte dos executados nos termos dos artigos 781º ou 778º do CPC, sendo assim a penhora efectuada ilegal e inadmissível;
§ Ofendendo a penhora efectivada o direito de propriedade da Embargante sobre o mesmo, tendo esta legitimidade para deduzir embargos de terceiros, nos termos do nº 1 do artigo 342º do CPC.
Os embargos foram deduzidos em 12/04/2018.
2 – Por despacho de 17/04/2018, foram liminarmente admitidos os embargos deduzidos, determinando-se a notificação das partes primitivas para os contestar, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pela Embargante.
Foi, ainda, pelo mesmo despacho, determinada a suspensão dos termos do processo executivo quanto ao bem a que os presentes embargos respeitam.

3 - Devidamente notificados, veio o Embargado/Exequente Banco ..., S.A. apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
· A ora Embargante foi notificada, em 26/11/2014, na qualidade de co-titular, nos termos do artº. 862º, do Cód. de Processo Civil (na versão anterior a 2013), de que se considerava penhorado o direito pertencente aos executados J... e V...;
· Pelo que, aquando da dedução dos presentes embargos, desde há muito que se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias concedidos para o efeito, devendo os presentes embargos ser rejeitados por extemporaneidade;
· Contrariamente ao aduzido pela Embargante, o que foi efectivamente penhorado foi o direito daqueles executados a bens indivisos, isto é, o direito dos executados ao quinhão em património autónomo constituído pela herança aberta por óbito de JC...;
· Pois, conforme resulta da leitura da informação predial, pela apresentação nº. ..., de 28/11/2014, foi registada a “Penhora do Direito” dos executados, e não a penhora sobre a propriedade dos Executados.
Conclui no sentido dos embargos serem rejeitados, por extemporâneos e, caso assim não se entenda, deverão ser julgados improcedentes, por não provados.
4 – Por despacho de 09/11/2018 – cf., fls. 31 a 33 -, procedeu-se ao saneamento dos autos e considerou-se conterem os autos os elementos fácticos que permitiam, naquela fase, proferir decisão de mérito, nos termos do artº. 510º, nº. 1, alín. b), in fine, do Cód. de Processo Civil.
Consequentemente, proferiu-se decisão, em cujo DISPOSITIVO consta que:
Face ao exposto, julgam-se os presentes embargos de terceiro improcedentes, por não provados e, em consequência, determina-se a prossecução dos autos principais de execução.
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Custas pela embargante.
Registe e notifique.
Dê conhecimento ao Sr AE”.
5 – Inconformada com o decidido, a Embargante/Requerente interpôs recurso de apelação, em 17/12/2018, por referência ao saneador sentença prolatado.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“a) A decisão recorrida é nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC porque é contrária, contradição insanável, aos factos que deu como provados;
b) A sentença recorrida também incorreu em erro de julgamento porque a decisão é contrária aos factos dados como provados;
c) Os executados não são titulares de quaisquer direitos sobre o imóvel penhorado, são titulares de um direito e ação de todo o património hereditário ou de um direito e ação à herança indivisa;
d) Nos termos do art.º 743º n.º 1 do C.P.C. na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso;
e) Dúvidas não existem que a penhora do imóvel, tal como consta do auto de penhora e dos factos dados como provados, é ilegal porque os executados não têm quaisquer direitos sobre o referido imóvel;
f) A penhora também é nula porque incide sobre bens de terceiros, como seria nula a venda do referido bem porque consubstanciava a venda de um bem de terceiros;
g) É o ato de penhora do imóvel que ofende o direito de propriedade da Embargante e não o registo desse ato porque este não é constitutivo de direito no regime jurídico português;
h) É assim irrelevante, para efeitos da procedência dos embargos apresentados pela recorrente, constatar que o que se encontra registado na Conservatória do Registo Predial é uma penhora de um direito e não o que efetivamente foi penhorado;
i) Admitindo o Tribunal a quo que o que foi penhorado na execução foi o imóvel os embargos de terceiros têm de ser declarados procedentes;
 j) Errou a sentença recorrida quando declarou os embargos de executado improcedentes, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que declare procedentes por provados os embargos de executado e determine o cancelamento do registo de penhora que incide sobre o bem”.
Concluiu a Apelante no sentido da anulação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a procedência dos embargos.
6 – Não foram apresentadas nos autos quaisquer contra-alegações por parte dos Apelados/Recorridos Embargados.
7 – O recurso foi admitido por despacho datado de 04/02/2019, como apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
8 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
DA EVENTUAL NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA, nos quadros do artº. 615º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil, por alegada contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação da decisão;
1. Seguidamente, apreciar acerca do invocado erro de julgamento, nomeadamente no que concerne à aferição da ilegalidade/nulidade da penhora efectivada, em termos de violar/ofender o direito da Embargante, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte:

1. No âmbito dos autos principais de execução a ora embargante foi, em 26.11.2014 notificada de que, pela primeira notificação que vier a ser efectuada, se considerada penhorado o direito pertencente aos executados J... e V... respeitante ao prédio urbano sito em S. Domingos de Rana, Rua ... descrito na C. R. Predial de Cascais sob o nº ... da freguesia de S. Domingos de Rana e inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...;
2. No âmbito dos autos principais de execução de que os presentes constituem apenso foi, em 28.11.2014 penhorado o bem imóvel a que se alude em 1.;
3. Através da AP 1075 lavrada em 04.10.2011 mostra-se averbada a divisão por acordo tendo como sujeitos activos C...; J... e V... em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC...;
4. A penhora a que se alude em 2 mostra-se averbada na CRPredial de Cascais sob a AP ... de 28.11.2014 tendo como sujeitos passivos J... e V... com a menção “Penhora do Direito”;
5. Por escritura pública de habilitação de herdeiros, a qual se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos, celebrada em 29.01.1999, C..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido JC..., declarou que lhe sucederam como herdeiros legitimários a cônjuge sobreviva e os dois filhos, J... e V...;
6. Em 30.03.2018 o Sr AE publicou edital de penhora do bem imóvel a que se alude em 2.;
7. Em 12.04.2018 a embargante deduziu os presentes embargos de terceiro.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I) Da NULIDADE de SENTENÇA

Alega a Apelante que a decisão recorrida encerra uma contradição insanável, pois, no facto 2) provado considerou que “no âmbito dos autos principais de execução de que os presentes constituem apenso foi, em 28.11.2014 penhorado o bem imóvel a que se alude em 1.”, e depois veio a concluir na mesma decisão “que o que foi penhorado foi apenas o direito dos executados sobre o aludido bem”.
Ora, acrescenta, se foi penhorado o imóvel, “não pode ter sido penhorado o direito dos mesmos [executados] ao referido bem”, pois “a penhora do imóvel importa a penhora do direito de propriedade da Embargante por um lado é incompatível com a penhora de direitos dos executados”. E, “o que poderia ter sido penhorado nos autos de execução era o seu quinhão hereditário ou o direito e acção à herança indivisa e nunca o imóvel”.
Pelo que, reafirma, “existe assim uma contradição insanável entre os factos dados como provados e a fundamentação da decisão que determinou a improcedência dos embargos de terceiro”, o que consubstancia nulidade de sentença.

Decidindo:

Prescreve a enunciada alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, ser “nula a sentença quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)[2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades[4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente[5].

As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.

Refere Ferreira de Almeida [6] tratar-se na presente causa de nulidade, enunciada na transcrita alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.
Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidadequando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.
Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.
A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.
Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão[7].
Acrescenta José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [8] que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial[9].

Ora, tendo por base o presente enquadramento, afigura-se-nos, da análise da decisão apelada, e de forma liminar, não podermos concluir pelo preenchimento da equacionada nulidade.
Com efeito, e ainda que a decisão apelada não seja isenta de vícios, conforme melhor verificaremos infra, não nos parece que entre estes figure a sua contraditoriedade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar.
Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, não é legítimo concluir que a mesma contradiga ou esteja em distonia com a decisão proferida, isto é, que da mera e imediata análise da fundamentação aduzida fosse expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada.
É certo que o apelo à matéria de facto provada, nomeadamente no que concerne ao apontado facto 2., poderia supor tal contradição ou oposição, atenta a circunstância de, apesar da menção da penhora ao bem imóvel, ainda assim se concluir pela não afectação do invocado direito de propriedade da Embargante.
Todavia, ainda assim, o que nos afigura existir propriamente é vício ao nível da fundamentação ou fixação da matéria de facto provada, e não propriamente contradição/oposição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida.
Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível.
Efectivamente, não é possível afirmar, de forma pertinente, que da fundamentação da mesma resulte, ainda que parcialmente, diferenciadas interpretações, com multiplicidade de sentidos, susceptível de a inquinar nos termos descritos. Ou seja, que da interpretação feita constar seja possível extrair uma multiplicidade de sentidos, afastando-a de um sentido unívoco, susceptível de afectar a decisão ao ponto de a inquinar de ininteligibilidade ou incompreensibilidade.
Ademais, não se olvide, conforme supra exarado, que o vício a existir, radicado na fundamentação, apenas teria relevância em termos de mácula legalmente acolhida, caso comprometesse, de forma inquestionável, a decisão (ou seja, provocasse a sua ininteligibilidade), sendo totalmente irrelevantes as situações de pontual ambiguidade da fundamentação. Que, consigne-se, também não se reconhecem in casu.
O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência da invocada nulidade de sentença, com legal inscrição na alínea c), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.
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Apesar do não reconhecimento da invocada nulidade da sentença, resulta claro, da simples análise da matéria de facto considerada provada, ocorrerem divergências ou contradições a indagarem a sua modificabilidade, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil.
Efectivamente, prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Ora, apesar da Apelante não ter directamente impugnado a matéria de facto, o que é certo é que apenas com base no citado nº. 1, tal modificação impõe-se.
Nas palavras de Abrantes Geraldes [10], “com a nova redacção do art. 662º pretendeu-se que fixasse claro que, sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” (sublinhado nosso).
E, acrescenta, “tal como no sistema anterior, mantém-se a possibilidade de impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, como sucede sempre que para prova de determinados factos tenha sido apresentado documento autêntico (com força probatória plena) cuja falsidade não foi suscitada ou nos casos em que exista acordo das partes ou confissão relevante sobre determinados factos cuja força vinculada tenha sido desrespeitada. Outrossim quando seja apresentado documento superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir toda a restante prova produzida (art. 662º, nº. 1)”.
Ademais, “nos termos do art. 663º, nº. 2, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, nº. 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (que agora integra também a decisão sobre os «temas da prova») os factos admitidos por acordo e os plenamente provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito”.

Analisemos.

Conforme consta da fundamentação da matéria de facto considerada provada, teve esta por base:
§ A confissão das partes, com enquadramento no artº. 352º, do Cód. Civil;
§ A documentação junta aos autos.
Em tal fundamentação, invoca-se o estatuído no nº. 2, do artº. 490º, do Cód. de Processo Civil, bem se entendendo, conforme resulta da demais decisão, que reporta-se àquele diploma na versão antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06, pelo que está em equação a admissão por acordo dos factos não impugnados (ónus de impugnação).
Donde decorre, se bem o entendemos, que a referência à confissão das partes tem a ver com esta confissão ficta, decorrente do incumprimento do ónus de impugnação especificada.

- do facto provado nº. 2

Consta do presente facto que “no âmbito dos autos principais de execução de que os presentes constituem apenso foi, em 28.11.2014 penhorado o bem imóvel a que se alude em 1.”.
Tal matéria foi alegada, além do mais, no artº. 2º do requerimento inicial dos presentes embargos, tendo sido contraditado pelo Embargado Banco ..., S.A., nomeadamente no seu artº. 8º, onde refere que “ao contrário do que afirma a Embargante, o que foi efectivamente penhorado nos presentes autos foi o direito dos executados J... e V... a bens indivisos, isto é, o direito destes executados ao quinhão em património autónomo constituído pela herança aberta por óbito de JC...”, invocando o documento nº. 3 junto pela Embargante.
Ora, compulsados os autos de execução (aos quais acedemos mediante a plataforma citius), não descortinamos qualquer penhora sobre o imóvel datada de 28/11/2014. E, se atentarmos para o doc. nº. 1 junto pela Embargante, referente a um alegado edital de “imóvel penhorado”, tendo como data da penhora 28/11/2014, publicitando-a nos termos do nº. 3, do artº. 755º, do Cód. de Processo Civil, o mesmo, no local destinado para a “identificação do imóvel penhorado” e “denominação do imóvel”, alude, expressamente, à “penhora do direito, do prédio urbano sito na ..., freguesia de S. Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº. ... e inscrição nº. ... na matriz, pela Ap. ... de 25/11/2014 (…)”.
Ora, temos, assim, um alegado imóvel penhorado, em cuja denominação do imóvel se refere a “penhora do direito” e se faz referência à Ap. ... de 25/11/2014, que se refere ao registo constante de fls. 13 vº e 14, referente a uma penhora datada de 25/11/2014, mas tratando-se da “penhora do direito”.
Desta aparente confusão processual parece resultar, claramente o seguinte:
§ Conforme resulta do facto nº. 1, baseado no doc. de fls. 24 vº, que se reporta à notificação efectuada à ora Embargante, o que foi penhorado foi “o direito pertencente aos executados J... e V... para garantia do pagamento da quantia de 32.778,36 euros acrescido de juros e custas, advertindo-se que o direito dos executados fica á ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação que seja efectuada a um dos contitulares”;
§ Consta, ainda, da mesma notificação a “descrição do direito penhorado: Prédio urbano sito em S. Domingos de Rana-Rua ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº. ... da freguesia de S. Domingos de Rana e inscrito na matriz ... da referida freguesia”;
§ Bem como que “fica ainda notificada, de que pode no prazo de 10 dias, fazer as declarações que entender quanto ao direito dos executados e ao modo de o tornar efectivo, podendo ainda os contitulares dizer se pretendem que a venda tenha por objecto todo o património ou a totalidade do bem, nos termos do artigo 862º nº. 2 do CPC”;
§ Ou seja, a penhora foi realizada como sendo a penhora de um direito a bem indiviso, nos quadros do artº. 862º do Cód. de Processo Civil, na antecedente redacção, prévia às alterações introduzidas pela Lei nº. 41/2013, de 26/06;
§ E, se assim foi, a referência que é efectuada à “penhora do direito do prédio urbano (…)” no edital de imóvel penhorado, onde se alude a uma penhora datada de 28/11/2014 – cf., fls. 6 -, mais não é do que a penhora do direito indiviso que alegadamente dois dos executados detinham sobre o referenciado imóvel;
§ Inexistindo assim, pelo menos com aquela data, qualquer penhora do imóvel, mas antes e apenas a penhora do direito indiviso que os identificados executados alegadamente teriam sobre o mesmo;
§ O que inviabiliza, desde logo, a manutenção da redacção do facto 2. nos termos expostos.

Todavia, como se não bastassem os equívocos já expostos, em 05/01/2015, o Sr. Agente de Execução juntou aos autos de execução Auto de Penhora, com o seguinte teor (acesso através da plataforma Citius):

“AUTO DE PENHORA
Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto                     PE/223/2010
1
Tribunal d execução Comarca de Lisboa Oeste Oeiras - Inst. Central - 2ª Secção de Execução - J2
2
 Tribunal deprecado
----
3
Processo n.º 5863/10.9TBCSC
Ofício n.º
4
Exequente(s)
BANCO ..., S.A.
5
Executado(s)
V...
I..., LDA.
J...
Data 2015 / 01 / 05
Hora (início) :
Hora (fim) :
6
Local Designado
7
 F... - Cédula nº ... Agente de execução Que efectua a diligência de penhora
8
Dívida exequenda Despesas prováveis Total Limite da penhora 29616,69 € 3161,67 € 32778,36 €
Depositário
9
Local de depósito
10
Outras pessoas presentes
Poderá consultar este documento no seguinte endereço web http:... 79...
Modelo: 198/2.02 Página 2 de 2
Bens penhorados
11
Verba
12
Espécie
13
Descrição
14
Valor
1 Imóvel Penhora do prédio urbano sito em Rua …, freguesia de …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... e inscrição n.º ... na matriz, pela Ap ... de 25/11/2014. Código de acesso à certidão permanente: .......
86730,00
Total 86730,00
15
Verbas
16
Executado
1 J...
1 V...
Verbas que são bens comuns do casal
17
Cônjuge do executado
18
Observações
O Agente de Execução
F... a)
Cédula Profissional: ...”.

Ora, conforme se constata, foi lavrado mesmo auto de penhora do imóvel, nos termos do nº. 3, do artº. 755º, do Cód. de Processo Civil.
E isto, apesar de do mesmo auto constar que a inscrição da penhora foi efectuada mediante a Ap ... de 25/11/2014, que se reporta, conforme já vimos, à penhora do direito, e não à penhora do imóvel – cf., fls. 13 vº e 14.
Pelo que, e independentemente dos efeitos de tal acto, que se apreciará infra, deve ser este o facto a figurar como facto provado nº. 2, que passará a ter a seguinte redacção:
em 05/01/2015, o Sr. Agente de Execução juntou aos autos de execução Auto de Penhora, com o seguinte teor (acesso através da plataforma Citius):
                     
“AUTO DE PENHORA
Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto                     PE/223/2010
1
Tribunal d execução Comarca de Lisboa Oeste Oeiras - Inst. Central - 2ª Secção de Execução - J2
2
 Tribunal deprecado
----
3
Processo n.º 5863/10.9TBCSC
Ofício n.º
4
Exequente(s)
BANCO ..., S.A.
5
Executado(s)
V...
I..., LDA.
J...
Data 2015 / 01 / 05
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Hora (fim) :
6
Local Designado
7
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8
Dívida exequenda Despesas prováveis Total Limite da penhora 29616,69 € 3161,67 € 32778,36 €
Depositário
9
Local de depósito
10
Outras pessoas presentes
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Bens penhorados
11
Verba
12
Espécie
13
Descrição
14
Valor
1 Imóvel Penhora do prédio urbano sito em ..., freguesia de S. Domingos de Rana, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... e inscrição n.º ... na matriz, pela Ap ... de 25/11/2014. Código de acesso à certidão permanente: .......
86730,00
Total 86730,00
15
Verbas
16
Executado
1 J...
1 V...
Verbas que são bens comuns do casal
17
Cônjuge do executado
18
Observações
O Agente de Execução
F... a)
Cédula Profissional: ...”.

- do facto provado nº. 3

Consta do presente facto que “através da AP 1075 lavrada em 04.10.2011 mostra-se averbada a divisão por acordo tendo como sujeitos activos C...; J... e V... em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC...”.
O presente facto tem por fonte a prova documental junta a fls. 13, traduzida na descrição predial do prédio identificado no facto 1..
Ora, conforme resulta do teor da inscrição referenciada, o aduzido no facto considerado provado encontra-se incompleto e, como tal, carente de precisão. A que se procede, nos termos do nº. 4 do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
na descrição predial referenciada em 1., através da AP 1075 lavrada em 04.10.2011 mostra-se averbada como aquisição Divisão por Acordo de Uso, tendo como sujeitos activos C..., J... e V..., em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC..., mencionando-se, ainda, que esta inscrição é referente ao prédio .../S. Domingos de Rana”.

Compulsada a mesma descrição predial do imóvel, constata-se que existe uma outra inscrição com a mesma data, mas tendo por base diferenciada apresentação e causa.
Pelo que, com idêntico enquadramento jurídico, decide-se pelo aditamento de um novo facto à matéria de facto provada, que figurará como facto 3.-A, com a seguinte redacção:
na descrição predial referenciada em 1., através da AP 1122 lavrada em 04.10.2011 mostra-se averbada como aquisição Divisão de Coisa Comum por acordo de uso em área urbana de Génese Ilegal, tendo como sujeitos activos C..., J... e V..., em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC..., mencionando-se, ainda, que esta inscrição é referente ao prédio .../S. Domingos de Rana”.

- do facto provado nº. 4

Enuncia-se no presente facto que “a penhora a que se alude em 2 mostra-se averbada na CRPredial de Cascais sob a AP ... de 28.11.2014 tendo como sujeitos passivos J... e V... com a menção “Penhora do Direito””.
Ora, conforme resulta do supra exposto, a penhora que se mostra inscrita/averbada/registada, conforme averb. – AP. ..., de 28/11/2014, é a denominada penhora do direito, encontrando-se a mesma efectuada em duplicado, por referência às diferenciadas inscrições mencionadas nos factos 3. e 3.-A (ou seja, por referência às apresentações 1075 e 1122, ambas de 04/10/2011).
Donde resulta que aquela penhora ou penhoras registadas – cf., fls. 13 vº e 14 -, não se reporta(m) à penhora aludida no facto 2., pois esta tem por alvo a própria penhora do imóvel e não de um direito indiviso sobre o mesmo.
Pelo que, com base na prova documental junta e argumentação supra exposta, altera-se a redacção do facto provado nº. 4., que passará a figurar nos seguintes termos:
na descrição predial referenciada em 1., através da AP ... lavrada em 28.11.2014 mostra-se averbada Penhora, por referência às apresentações de Aquisição 1075 e 1122 (mencionadas nos factos 3. e 3.-A), tendo como sujeito activo Banco ..., S.A., e como sujeitos passivos J... e V..., com a menção «Penhora do Direito» e consequente identificação do processo executivo dos quais os presentes autos são apenso”.

- do facto provado nº. 6

O presente facto vem preenchido com a seguinte redacção: “em 30.03.2018 o Sr AE publicou edital de penhora do bem imóvel a que se alude em 2.”.
Conforme já supra referenciámos, relativamente á apreciação do facto provado 2., o ora em apreciação funda-se no doc. nº. 1 junto pela Embargante, referente a um alegado edital de “imóvel penhorado”, tendo como data da penhora 28/11/2014, publicitando-a nos termos do nº. 3, do artº. 755º, do Cód. de Processo Civil, sendo que, no local destinado para a “identificação do imóvel penhorado” e “denominação do imóvel”, alude, expressamente, à “penhora do direito, do prédio urbano sito na ..., freguesia de S. Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº. ... e inscrição nº. ... na matriz, pela Ap. ... de 25/11/2014 (…)”.
Ora, nos termos que expusemos, temos, assim, um alegado imóvel penhorado, em cuja denominação do imóvel se refere a “penhora do direito” e se faz referência à Ap. ... de 25/11/2014, que se refere ao registo constante de fls. 13 vº e 14, referente a uma penhora datada de 25/11/2014, mas tratando-se da “penhora do direito”.
Pelo que, consequentemente, tendo em atenção a alteração efectuada no facto provado 2., bem como a explicitação exposto e o que decorre especificamente daquele documento, impõe-se atribuir ao presente facto provado uma nova redacção, com o seguinte teor:
em 30/03/2018, o Sr. Agente de Execução publicou edital de «Imóvel Penhorado»,  nos termos do disposto no artigo 755º, nº. 3, do Código de Processo Civil, fazendo constar na identificação deste o seguinte: “penhora do direito, do prédio urbano sito na ..., freguesia de S. Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº. ... e inscrição nº. ... na matriz, pela Ap. ... de 25/11/2014 (…).
---------
Por se entender que poderão ser relevantes para a apreciação da controvérsia em equação na presente apelação, nos termos do nº. 4 do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, decide-se aditar como provados os seguintes factos (obtidos por consulta dos autos de execução, dos quais os presentes são apenso, mediante acesso à plataforma Citius):
Nº. 8.
no requerimento executivo inicial, apresentado nos autos de execução, não foram indicados quaisquer bens à penhora”;
Nº. 9.
em 09/06/2014, o Exequente, através do seu Mandatário, enviou ao Sr. Agente de Execução comunicação, na qual referenciava que «previamente à penhora dos quinhões hereditários dos Executados, se digne proceder á pesquisa na base de dados da Conservatória do Registo Civil, relativamente ao imóvel urbano, sito na freguesia de S. Domingos de Rana, com o artigo matricial ...»”.
---------------------

Na sequência das alterações/aditamentos supra determinados, a matéria de facto provada consideranda passa a ser a seguinte:

1. No âmbito dos autos principais de execução a ora embargante foi, em 26.11.2014 notificada de que, pela primeira notificação que vier a ser efectuada, se considerada penhorado o direito pertencente aos executados J... e V... respeitante ao prédio urbano sito em S. Domingos de Rana, Rua ... descrito na C. R. Predial de Cascais sob o nº ... da freguesia de S. Domingos de Rana e inscrito na matriz predial urbana sob o artº ...;
2. Em 05/01/2015, o Sr. Agente de Execução juntou aos autos de execução Auto de Penhora, com o seguinte teor (acesso através da plataforma Citius):
                     
“AUTO DE PENHORA
Portaria n.º 282/2013 de 29 de Agosto                     PE/223/2010
1
Tribunal d execução Comarca de Lisboa Oeste Oeiras - Inst. Central - 2ª Secção de Execução - J2
2
 Tribunal deprecado
----
3
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Ofício n.º
4
Exequente(s)
BANCO ..., S.A.
5
Executado(s)
V...
I..., LDA.
J...
Data 2015 / 01 / 05
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7
 F... - Cédula nº ... Agente de execução Que efectua a diligência de penhora
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Verbas
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Executado
1 J...
1 V...
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17
Cônjuge do executado
18
Observações
O Agente de Execução
F... a)
Cédula Profissional: ...;
3. Na descrição predial referenciada em 1., através da AP 1075 lavrada em 04.10.2011 mostra-se averbada como aquisição Divisão por Acordo de Uso, tendo como sujeitos activos C..., J... e V..., em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC..., mencionando-se, ainda, que esta inscrição é referente ao prédio .../S. Domingos de Rana;
3.-A Na descrição predial referenciada em 1., através da AP 1122 lavrada em 04.10.2011 mostra-se averbada como aquisição Divisão de Coisa Comum por acordo de uso em área urbana de Génese Ilegal, tendo como sujeitos activos C..., J... e V..., em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC..., mencionando-se, ainda, que esta inscrição é referente ao prédio .../S. Domingos de Rana;
4. Na descrição predial referenciada em 1., através da AP ... lavrada em 28.11.2014 mostra-se averbada Penhora, por referência às apresentações de Aquisição 1075 e 1122 (mencionadas nos factos 3. e 3.-A), tendo como sujeito activo Banco ..., S.A., e como sujeitos passivos J... e V..., com a menção «Penhora do Direito» e consequente identificação do processo executivo dos quais os presentes autos são apenso;
5. Por escritura pública de habilitação de herdeiros, a qual se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos, celebrada em 29.01.1999, C..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido JC..., declarou que lhe sucederam como herdeiros legitimários a cônjuge sobreviva e os dois filhos, J... e V...;
6. Em 30/03/2018, o Sr. Agente de Execução publicou edital de «Imóvel Penhorado», nos termos do disposto no artigo 755º, nº. 3, do Código de Processo Civil, fazendo constar na identificação deste o seguinte: “penhora do direito, do prédio urbano sito na ..., freguesia de S. Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº. ... e inscrição nº. ... na matriz, pela Ap. ... de 25/11/2014 (…);
7. Em 12.04.2018 a embargante deduziu os presentes embargos de terceiro;
8. No requerimento executivo inicial, apresentado nos autos de execução, não foram indicados quaisquer bens à penhora;
9. Em 09/06/2014, o Exequente, através do seu Mandatário, enviou ao Sr. Agente de Execução comunicação, na qual referenciava que “previamente à penhora dos quinhões hereditários dos Executados, se digne proceder á pesquisa na base de dados da Conservatória do Registo Civil, relativamente ao imóvel urbano, sito na freguesia de S. Domingos de Rana, com o artigo matricial ...”.

II) Do ERRO de JULGAMENTO

Invoca a Apelante que “o direito ao imóvel ou o direito que o Tribunal considera registado decorre do facto dos executados serem herdeiros legitimários conjuntamente com a  sua mãe por efeito da morte do seu pai”, pelo que “por efeito dessa qualidade pode-lhes ser penhorado e averbado no imóvel um ónus com a menção «penhora do direito»”.
Todavia, acrescenta, a sentença recorrida não esclarece que direito foi penhorado, não existem fundamentos legais para a penhora do imóvel e os Executados não são titulares de quaisquer direitos sobre este.
Invoca, então, o prescrito no artº. 743º, do Cód. de Processo Civil, aduzindo que “antes da partilha a herança constitui uma «universitas juris», um património autónomo, com conteúdo próprio, que não se confunde com a figura da compropriedade”, pelo que “a única coisa ou direito que podia ser penhorada no caso em apreço era o direito e ação de todo o património hereditário ou direito e ação à herança indivisa”.
Assim, acrescenta, a penhora é ilegal “porque os executados não têm quaisquer direitos sobre o referido imóvel”, sendo ainda nula “porque incide sobre bens de terceiros”, sendo ainda ilegal o seu subsequente registo.
Pelo que, conclui, os embargos deduzidos têm que ser julgados procedentes, pois o acto de penhora ofende o direito de propriedade da Embargante, ora Apelante.

A sentença apelada, se bem a entendemos (na parte que ora importa), começa por balizar a necessidade de indagar se a penhora do bem imóvel mais bem identificado no auto de penhora colide com o direito de propriedade da ora Embargante.
Seguidamente, enuncia que os deduzidos embargos mostram-se fundamentados “na circunstância de o imóvel penhorado integrar a herança indivisa aberta por óbito do marido da embargante (pai dos executados pessoas singulares)”.
Acrescenta resultar da factualidade provada ser a Embargante “titular do bem imóvel penhorado (…), em comum com os executados seus filhos e que apenas se mostra penhorado o direito dos executados sobre o aludido bem”, pelo que conclui não se mostrar ofendido o direito da Embargante. E, daí, o juízo de improcedência dos embargos.

Vejamos.

Em primeiro lugar, urge referenciar que parece grassar alguma incoerência nos autos de execução, pois não é totalmente perceptível qual o real e concreto objecto de penhora.
Efectivamente, se por um lado, conforme resulta do facto 1., o objecto de penhora parece ter-se traduzido no alegado direito dos executados J... e V... no respeitante ao prédio urbano ali identificado, o que parece confirmar-se pelo registo da penhora constante do facto 4., por outro, caso tenhamos em consideração o teor do auto de penhora mencionado no facto 2., o objecto penhorado já parece ser o próprio imóvel, e não qualquer específico direito sobre o mesmo.
E, tudo isto se revelará ainda mais incongruente e confuso se atentarmos ao facto 6., ou seja, à publicitação que é feita nos termos do nº. 3, do artº. 755º, do Cód. de Processo Civil, onde se alude a “imóvel penhorado”, indica-se a data da penhora como a data em que foi efectuada a notificação da penhora do direito sobre o imóvel conforme facto 1., e, por fim, na identificação do imóvel penhorado, alude-se à “penhora do direito, do prédio urbano (…)”.
Pelo que, perante tal quadro, ajuizaremos perante as duas distintas hipóteses, ou seja:
§ Que se procedeu à penhora do imóvel, qua tale;
§ Que se procedeu à penhora do direito dos executados sobre o imóvel.
Desde já, adiante-se, quer numa, quer noutra das situações, afigura-se-nos que tal penhora não pode subsistir, pois padecerá de manifesta ilegalidade.
O que procuraremos explicitar e justificar.

- Da consideração da penhora sobre o imóvel, qua tale
 
Fruto de anexação de prédios e consequente alvará de loteamento – cf., fls. 9 a 12 -, o prédio ora em equação mostra-se inscrito em comum e sem determinação de parte ou direito para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC....
Tal sucede relativamente a duas diferenciadas inscrições, tendo por base distintas causas – Divisão por Acordo de Uso e Divisão de Coisa Comum -, reportando-se as mesmas aos dois prédios originariamente anexados – ... e .../ São Domingos de Rana.
Tais inscrições de aquisição, mencionadas nos factos provados 3. e 3.-A, têm como sujeitos activos os ora Executados Embargados J... e V... e a ora Embargante sua mãe C..., tendo sido tais inscrições de aquisição operadas, em nome dos interessados/herdeiros na referenciada herança, com base na escritura pública de habilitação de herdeiros citada no facto 5., nos termos em que tal é admitido no artº. 49º, do Cód. de Registo Predial.
Efectivamente, dispõe este normativo que “o registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens”.
Ora, o imóvel, considerado na sua integralidade enquanto bem com tal natureza, encontra-se registado, e é presuntivamente propriedade, da referenciada herança ilíquida e indivisa. O que acontece, pelo menos, na parte em que não esteja em equação a meação da Embargante, atenta a sua alegação de comunhão constante da petição inicial de embargos.
Prescreve o nº. 1, do artº. 735º, do Cód. de Processo Civil estarem “sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”, acrescentando o nº. 2, do mesmo normativo, que “nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele”.
Lebre de Freitas [11]refere que “os bens de terceiro só podem ser objecto de execução em dois casos: quando sobre eles incida direito real constituído para garantia do crédito exequendo; quando tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para o terceiro a obrigação de restituição dos bens ao credor”.
Ressalva, ainda, que quando se refere a terceiro reporta-se a “pessoa diversa do devedor. Trata-se de terceiro perante a relação obrigacional, mas não de terceiro perante a execução, pois esta terá sempre de ser contra ele movida, sob pena de os seus bens não poderem ser penhorados”.
Ora, na presente situação nenhuma daquelas ocorrência se verifica, ou seja, nem sob o imóvel incide qualquer direito real de garantia do crédito exequendo, nem subjaz afectação do mesmo decorrente de procedência de acção de impugnação pauliana.
Pelo que, na consideração e pressuposto de que o objecto de penhora foi o bem imóvel in totum, enquanto bem com tal natureza, a penhora não pode logicamente subsistir por clara afectação do direito de propriedade da Embargante, que não é executada, seja na parte que constitui o seu invocado direito à meação, seja na parte em que surge como herdeira do seu falecido marido JC....
O que sempre determinaria, logicamente:
§ procedência da presente apelação, com consequente revogação da decisão apelada;
§ e, nessa decorrência, sua substituição por decisão que, num juízo de procedência dos embargos, determinasse a levantamento da penhora efectivada e consequente cancelamento da apresentação nº. ..., de 28/11/2014.

- Da consideração da penhora do direito dos Executados sobre o imóvel

Conforme facto provado nº. 1, nos autos de execução, dos quais os presentes constituem apenso, a ora Embargante foi, em 26.11.2014 notificada de que, pela primeira notificação que vier a ser efectuada, se considerava penhorado o direito pertencente aos executados J... e V... respeitante ao prédio urbano sito em S. Domingos de Rana, Rua ... descrito na C. R. Predial de Cascais sob o nº ... da freguesia de S. Domingos de Rana e inscrito na matriz predial urbana sob o artº ....
Ora, a penhora em equação (e cremos que foi esta a penhora efectivamente concretizada nos autos executivos) teve por objecto o direito dos executados sobre o identificado imóvel, que, na ponderação da meação da Embargante e de acordo com as regras da sucessão, corresponderia a 1/6 por cada um dos executados – cf., nº. 1, do artº. 2139º, do Cód. Civil.
E, conforme constatámos e resulta dos factos provados 3. e 3.-A, aquele imóvel, tendo como sujeitos activos registados os ora Executados e a Embargante sua mãe, o que foi concretizado com base na outorgada escritura de habilitação de herdeiros – cf., facto 5. -, tem inscrição(ões) registada(s), em comum e sem determinação de parte ou direito, para integrar a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JC....

Prevendo acerca da penhora em caso de comunhão ou compropriedade, prescreve o nº. 1, do artº. 743º, do Cód. de Processo Civil – correspondente ao artº. 826º, do mesmo diploma, na redacção antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06 -, que “sem prejuízo do disposto no nº. 4 do artigo 781º, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso”.
Por sua vez, estipulando acerca da penhora de direito a bens indivisos e de quotas em sociedades, refere o artº. 781º, nºs. 1 e 2 – correspondente ao artº. 862º, do mesmo diploma, na redacção antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06 -, do mesmo diploma, que:
1 - Se a penhora tiver por objeto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efetuada.
2 - É lícito aos notificados fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efetivo, podendo ainda os contitulares dizer se pretendem que a venda tenha por objeto todo o património ou a totalidade do bem”.
Relativamente às regras da sucessão, esta “abre-se no momento da morte do seu autor”, sendo então “chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade” – cf., artigos 2031º e 2032º, nº. 1, ambos do Cód. Civil.
Pelo acto de aceitação da herança, adquire-se “o domínio e posse dos bens (…), independentemente da sua apreensão material”, retroagindo-se os efeitos daquela “ao momento da abertura da sucessão” – cf., artº. 2050º, do Cód. Civil.
Todavia, só com a partilha “cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” – cf., artº. 2119º, do mesmo diploma -, no que se traduz a retroactividade do acto de partilha.
Verifica-se, assim, que a herança ilíquida e indivisa, como aquela a que pertence o imóvel ora em ponderação, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos [12].
Ou seja, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. Pelo que, até á realização desta, cada um dos herdeiros “apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fração ideal do conjunto[13], e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário [14].
Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 26/01/1999 [15], a “comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (cfr. nº. 1 do artigo 1403º), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.
Pelo que, aduz, “da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária” (sublinhado nosso), ou seja, até á partilha, “os herdeiros são titulares tão-somente do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar”, pois, enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, “nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles»”, sendo certo que “aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário”.
Deste modo, “só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança”, pois, conforme se depreende do artº. 2119º, do Cód. Civil, só a partilha “«extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão[16] [17].
Do transcrito artº. 743º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, resulta, então, admitir-se a penhora do direito a uma herança por partilhar, o que é equivalente a penhora de um quinhão hereditário, ou seja, admite-se a penhora do direito que a esses bens, ainda não determinados nem concretizados, tiver o executado.
Apelando-se ao ensinamento contido no douto Acórdão do STJ de 29/05/2012 [18], reitera-se constituir a herança “um património autónomo coletivo dispondo os respetivos contitulares de um quinhão - ou seja, por óbito do pai do autor o quinhão deste era de 25% e o de sua mãe de 75% - que constitui uma fração "do todo, não concretizada sobre as coisas que o integram, e só através da ulterior operação de partilha dos bens do património é que o direito de cada um passa a incidir sobre coisas determinadas, cessando a comunhão" (ver Código de Processo Civil Anotado, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Vol 3.º, 2003, pág. 371; veja-se Ac. do S.T.J. de 26-1-1999 - Silva Paixão - B.M.J. 483-211)”, esclarecendo-se, ainda, que tal penhora “no direito a bens indivisos, designadamente a penhora do direito a herança aberta, não carece de ser registada e assim se entende há muito. Alberto dos Reis referia que se " regista a penhora quando ela recai sobre determinados bens imóveis; não é este o caso da penhora do direito a herança indivisa, ainda que entre os bens da herança haja prédios" (Processo de Execução, vol 2º , reimpressão, pág. 224)”.

Verifica-se, deste modo, obstar a lei a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, o que é o caso da herança, conforme decorre dos transcritos artigos 743º, nº. 1 e 781º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil.
O que bem se entende, pois, nos termos sufragados, “os bens da herança, antes de realizada a partilha, constituem uma massa indivisa "e o direito a ela representa um direito ideal a uma universalidade, pois o titular desse direito não sabe ainda em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança; das operações de partilha depende a formação da sua quota, que tanto pode ser constituída neste ou naquele imóvel, como em móveis ou dinheiro" (Alberto dos reis, Processo de Execução, Vol 2.º, pág. 224)” (sublinhado nosso).
Deste modo, nas palavras de Vaz Serra [19], “a penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado. Não há, pois, bens determinados sobre que possa fazer-se o registo. O registo apenas poderá e deverá efetuar-se, quando os bens se determinarem, sobre aqueles que, pelo seu caráter de inscrevíveis no registo, sejam suscetíveis de sobre eles se registarem direitos […]. Se, feita a partilha, ao executado couberem bens dessa espécie, sobre eles deve então registar-se a penhora" [20] [21].

Ora, de retorno ao caso concreto, constatamos que tendo os Executados herdado, do seu falecido pai, uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, seria esse todo, ou seja, os seus quinhões hereditários, a merecer a devida ponderação de penhora por parte do Exequente. Da forma, aliás, como este fez constar na comunicação datada de 09/06/2014 – facto 9. -, que enviou ao Sr. Agente de Execução, na qual referenciava que previamente à penhora dos quinhões hereditários dos Executados, se digne proceder á pesquisa na base de dados da Conservatória do Registo Civil, relativamente ao imóvel urbano, sito na freguesia de S. Domingos de Rana, com o artigo matricial ...” (sublinhado nosso).
Todavia, em vez de se operar nesses termos acabou-se por penhorar um alegado direito dos Executados sobre bem imóvel determinado, com registo activo a favor destes, e de sua mãe, com base no prescrito no artº. 49º, do Cód. do Registo Predial. Ou seja, procedeu-se como se existisse já determinação do bem que fazia parte do quinhão hereditário dos Executados, como se já tivesse sido operada partilha, ou como se apenas existisse um único interessado, situação em que seria admissível a conversão automática da penhora do direito à herança em penhora do bem ou bens com que foi formado o quinhão hereditário.
Penhora esta que, conforme já bastamente expusemos, não é legalmente admissível e, como tal, não pode subsistir.
O que sucede claramente, independentemente da alegada afectação do direito da Embargante. Que, todavia, reconheça-se, sempre ver-se-ia afectado, quer na parte em que tutela a sua posição de meeira sobre tal bem, quer na parte em que, igualmente como herdeira da herança aberta por óbito do seu falecido marido e no desempenho das funções de cabeça-de-casal – cf., artº. 2080º, nº. 1, alín. a), do Cód. Civil -, sempre lhe incumbindo o dever de administração do bem, inclusive com recurso à tutela possessória – cf., art., 2088º, do Cód. Civil.

Pelo que, em súmula, num juízo de procedência da presente apelação, determina-se:
§ a revogação do saneador sentença proferido;
§ no reconhecimento da ilegalidade da penhora realizada (incida esta sob a totalidade do imóvel, qua tale, ou sob o direito dos Executados sobre o imóvel), determinar o seu levantamento, bem como o cancelamento dos registos da penhora efectuados pela Apresentação ..., de 28/11/2014 (referentes às Apresentações 1075 e 1122, de 04/10/2011).

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Relativamente à tributação, quer as custas da acção (embargos), quer as custas da presente apelação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, ficam a cargo dos Embargados/Apelados.
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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência da presente apelação, em:
I) revogar o saneador sentença proferido;
II) substituindo-o por decisão de determinação do levantamento da penhora realizada nos autos principais de execução (dos quais os presentes são apenso), bem como o cancelamento dos registos da penhora efectuados pela Apresentação ..., de 28/11/2014 (referentes às Apresentações 1075 e 1122, de 04/10/2011).
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, quer as custas da acção (embargos), quer as custas da presente apelação, ficam a cargo dos Embargados/Apelados.

Lisboa, 21 de Março de 2019

Arlindo Crua - Relator
António Moreira – 1º Adjunto
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta
(Presidente)


[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6] Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 370 e 371.
[7] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 604 e 605.
[8] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 736 e 737.
[9] Acerca da presente causa de nulidade de sentença, cf., o aresto desta Relação de 09/07/2014 – Relator: Pedro Brighton, Processo nº. 1021/09.3T2AMD.L1-1, in www.dgsi.pt -, no qual se referenciou que “na Jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 158º e 659º nºs. 2 e 3 do Código de Processo Civil (actuais artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4), de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação”.
[10] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 273, 275 e 276.
[11] A Acção Executiva à luz do código de processo civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 237.
[12] Cf., o sumariado no douto Acórdão do STJ de 02/06/1993, Relator: Calixto Pires, Processo nº. 003587, in www.dgsi.pt .
[13] Cf., o aresto da RP de 29/01/2015, Relator: José Amaral, Processo nº. 164/03.1TABGC-C.G1.P1.
[14] Realça-se no aresto da RP de 07/07/2005 – Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 0553551, in www.dgsi.pt -, citando Lebre de Freitas - Código de Processo Civil Anotado, vol.3º, pág. 371 – que “havendo um património autónomo colectivo, como é o caso da herança, cada um dos contitulares tem nele um quinhão, que constitui uma fracção do todo, não concretizada sobre as coisas que o integram, e só através da ulterior operação de partilha dos bens do património é que o direito de cada um passa a incidir sobre coisas determinadas, cessando a comunhão”.
[15] Relator: Silva Paixão, Processo nº. 1214/98, BMJ nº. 483, pág. 211 a 214.
[16] No mesmo sentido, cf., o douto aresto do STJ de 09/02/2012 – Relator: Silva Gonçalves, Processo nº. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt
[17] No saber de Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195, 196 e 203 -, a partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo”.
[18] Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 1718/03.1TBILH.C1.S1, in www.dgsi.pt .
[19] Realização Coactiva da Prestação, B.M.J. nº. 73, pág. 297.
[20] Refere o mesmo Acórdão do STJ de 29/05/2012 que a penhora do direito a herança indivisa “produz efeitos contra terceiros independentemente do registo (artigo 5.º/1, alínea c) do Código do Registo Predial)”.
[21] Cf., ainda, acerca da questão aprecianda, o douto Acórdão do STJ, de 21-04-2009 (relatado por Azevedo Ramos, em de cujo sumário se destaca: “IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”.