Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1310/20.6YRLSB-5
Relator: ANA SEBASTIÃO
Descritores: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
Decisão: RECONHECIDA
Sumário: - O princípio do reconhecimento mútuo significa, que uma decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional. “
- O princípio do reconhecimento mútuo assenta na confiança mútua entre os Estados membros da União Europeia, a cooperação decorre directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados membros, sem qualquer intervenção do poder executivo.
- Não obstante a recente saída do Reino Unido, da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, a DECISÃO (UE) 2020/135 do Conselho, publicada no JO de 31.01.2020, aprovou Acordo realizado entre o referido país e a União Europeia, publicado no JO nesse mesmo dia e nos termos do qual “a decisão-quadro 2008/909/JAI é aplicável às decisões recebidas antes do termo do período de transição pela autoridade competente do Estado de execução, ou por uma autoridade do Estado de execução sem competência para reconhecer e executar uma decisão, mas que a transmite “ex officio” à autoridade competente para a sua execução” (cfr. o art.º 62.º, n.º1, al. f), desse Acordo).
- O privilégio da nacionalidade tem em vista a defesa dos interesses dos portugueses contra as sentenças proferidas no estrangeiro que contenham decisão menos favorável do que aquela a que conduziria a aplicação do direito material português.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 5.ª Secção da Relação de Lisboa.

I.1.     
Ao abrigo do disposto na Lei 158/2015, de 17 de Setembro, republicada pela Lei 115/2019, de 12 de Setembro, vem o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, requerer o reconhecimento de sentença penal estrangeira, para efeitos de execução em Portugal, da pena em que foi condenado D. , …, actualmente detido em cumprimento de pena no Reino Unido.
Alega o Requerente que:
1. Pela sentença n.º T20187099, de 5.10.2018, transitada em julgado em 9.11.2018, proferida pelo Tribunal da Coroa de Kingston-Upon - Thames, o Requerido foi condenado na pena única de 15 anos (5479 dias) de prisão pela prática de 6 crimes de “PROVOCAR QUE UMA PESSOA SE ENVOLVA EM ATIVIDADE SEXUAL SEM CONSENTIMENTO, em violação do n.º 1 do artigo 4.° da Lei dos Crimes Sexuais, de 2003”, sendo que:
“pela primeira acusação, foi condenado na pena de 11 anos de prisão; pela segunda acusação, 11 anos de prisão; pela terceira acusação, quatro anos de prisão; pela quarta acusação, quatro anos de prisão; pela quinta acusação, seis anos de prisão; e, pela sexta acusação, seis anos de prisão”, nos
termos que constam da certidão e da sentença que se juntam,
2. Tal sentença foi transmitida a Portugal para reconhecimento e execução, em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro.
3. Acompanhada de certidão com tradução em língua portuguesa, nos termos dos artigos 4.°, n.º 1, al. a) e 5.°, n.°s 1 e 2, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI e 16.°, n.°s 1 e 2, da Lei n.º 158/2015, emitida em conformidade com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida.
4. A sentença está traduzida, embora não fosse necessária a sua tradução - art.º 19. °, n.º 2, da Lei n.º 158/2015.
5. O crime por que o Requerido foi condenado não vem incluído pela autoridade de emissão na lista de infrações constante da parte 2, do campo h), do formulário da certidão acima referida e a que se refere o art.º 3.°, da Lei n.º 158/2015, aplicável ao reconhecimento e execução da sentença em Portugal.
6. No entanto, tal crime é igualmente punível em Portugal, verificando-se a dupla incriminação, integrando, pelo menos, a prática do crime de Fraude Sexual, previsto e punido pelo art.º 167°, n° 2, do Código Penal Português.
FUNDAMENTAÇÃO.
7. Resulta do anexo A da certidão que:
“1) D. , no dia 17 de fevereiro de 2016, provocou intencionalmente que CB se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de D.  com o pénis de CB , quando CB não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e D.  não tinha razões para acreditar que CB consentisse;
2) D. , no dia 17 de fevereiro de 2016, provocou intencionalmente que CB se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração do ânus de D.  com o pénis de CB , quando CB não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e D.  não tinha razões para acreditar que CB consentisse;
3) D. , no dia 15 de outubro de 2017, provocou intencionalmente que FR se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de D.  com o pénis de FR, quando FR não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e D.  não tinha razões para acreditar que FR consentisse;
4) D. , no dia 6 de dezembro de 2016, provocou intencionalmente que RS se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de D.  com o pénis de Rory Simmonds, quando RS não  tinha dado consentimento para se envolver na atividade e D.  não tinha razões para acreditar que RS consentisse.
5) D. , no dia 6 de dezembro de 2016, provocou intencionalmente que AH se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração da boca de D.  com o pénis de AH , quando AH não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e D.  não tinha razões para acreditar que AH consentisse.
6) D. , no dia 6 de dezembro de 2016, provocou intencionalmente que AH se envolvesse em atividade sexual, nomeadamente a penetração do ânus de D.  com o pénis de AH , quando AH não tinha dado consentimento para se envolver na atividade e D.  não tinha razões para acreditar que AH consentisse”.
8. E resulta ainda que estas atividades ilícitas se reportam às circunstâncias seguintes:
Incidente 1 -2016
CB - Vítima D.  - Suspeito
“Comunicação entre a vítima (que deseja permanecer anónima) e o suspeito foi iniciada através do site de encontros "Tinder".
A 10.2.16 na 30 Viewfield Rd, SW18. A vítima compareceu à morada de D., acreditando que se ia encontrar com uma pessoa do sexo feminino que ele conheceu no Tinder e com quem tinha vindo a falar através do Whats App, com o nome de A. .
Eles combinaram encontrar-se e estabeleceram certas regras para que ambos soubessem exactamente o que ia acontecer. A A.  disse à vítima que ele não iria vê-la.
A vítima seguiu as instruções da A.  e entrou na propriedade, subiu as escadas e encontrou uma pequena toalha e uma venda dos olhos. A vítima ouviu a A.  a chamar o nome dele e a instruí-lo para tirar as calças, o que ele fez. O acordo era sexo oral e depois seguido de penetração, se a vítima quisesse. A A.  fez sexo oral com a vítima por cerca de 5 minutos, e depois perguntou à vítima se queria sexo. A A.  colocou um preservativo no pénis da vítima e levou a cabo uma relação sexual com ele.
A A.  estava constantemente a pressionar os olhos da vítima para reforçar a venda nos olhos. A vítima não tinha direito de tocar na A.  e esteve deitado no chão o tempo todo com as mãos do lado do corpo.
A vítima começou a achar que algo não estava bem pois "ela" era forte demais para uma mulher. A vítima removeu a mão da A. e tirou a venda.
A vítima percebeu que era um homem, e tirou-o de cima dele e disse à A.  "Tu percebeste o que é que tu fizeste" ao que a A.  respondeu "Desculpa, achei que eras gay" a vítima disse "Tu sabes o que ê que a maior parte dos homens faria nesta situação? Ao que a A.  respondeu "Sim, provavelmente matavam-me".
A vítima saiu da propriedade e quando chegou a casa viu uma mensagem da A.  que dizia, "Desculpa"”.
Incidente 2 - 2017
FR - Vítima D.  - Suspeito
“Pelas 1 l:12h do 15.10.2017, O FR mandou mensagem a alguém que ele acreditava ser uma mulher com o nome de A. , numa app de encontros chamada Lovoo, a dizer "olá xxx " a "A. " enviou mensagem de volta, pelas 12:11, a dizer "Olá, espero que estejas bem. Eu fiquei solteira recentemente e estou somente à procura de me divertir um pouco. Queres ser o meu brinquedo obediente? Manda WhatsApp e continua a conversa tu agora, se quiseres. 07527818461.
A "A. " e o FR combinaram no WhatsApp encontrarem-se para ter relações, no Fiat 33, 27 Hardwicks Square, Wandsworth, Londres, SW18 4AL. Eles enviaram mensagens um ao outro, enviando mensagens explicitas, e fizeram uma chamada de vídeo por WhatsApp.
O FR chegou ao flat pelas 14:22h. A "A. " pediu-lhe que entrasse no flat e pusesse uma venda nos olhos quando chegasse. Ele assim o fez, antes mesmo de ver a "A. ". Ele ouviu o que ele acreditou ser uma voz de mulher a dizer "Fica aí, não tires a máscara e não te mexas. Alguém veio por traz dele e apertou a máscara ainda mais. Ele foi depois levado, ainda com a máscara, para outro quarto, onde uma pessoa lhe abriu o cinto das calças, baixou as calças e roupa interior e começou a fazer-lhe sexo oral por aproximadamente 1 minuto.
O FR tirou a máscara para ver quem é que lhe estava a fazer sexo oral e, e viu o D. . O FR protestou e deu-lhe dois estalos, depois vestiu-se e saiu do apartamento de imediato. Ele não esteve no flat por mais de 5 minutos”.
Incidente 3 - 2018
RS - Vítima D.  - Suspeito
“Na quarta feira, 4 de Abril de 2018 a vítima postou um anúncio na Craigs Lists a procurar uma mulher à procura de "divertimento com direito a recompensa", onde dizia que era um jovem de 25 anos, à procura de uma mulher para se divertir um pouco, no Battersea Park, e colocou uma foto de si próprio.
O D.  respondeu ao seu email, dizendo:
"Olá, ainda andas por aqui? Eu estou em SW18 Wandsworth, 35 anos, mulher, atrevida, excitada, adoro oral e engulo.
07527818461
WhatsApp para verificação por vídeo chamada.
A vítima usou depois o WhatsApp para enviar mensagem ao suspeito e recebe a sua morada, para se encontrarem. Eles tiveram uma conversa por vídeo chamada onde o suspeito diz à vítima que irá ocultar a sua identidade, alegando que é casada e por esse motivo tem de ser discreta até à sua chegada.
Quando a vítima chegou à morada, a porta da frente estava aberta, e a casa estava às escuras. A vítima entrou na propriedade e disse "Olá" ele foi instruído para subir para o andar de cima e fechar a porta. A vítima acreditava que estava a falar com a mesma pessoa com quem falou no telefone e que esta era uma pessoa do sexo feminino. Conforme a vítima subiu as escadas ele foi agarrado pela área das coxas e as suas calças removidas, antes de ele ter oportunidade de ver o que se estava a passar as calças dele foram baixadas. A vítima alega que algo lhe foi colocado pela cabeça abaixo, possivelmente uma fronha. Ele removeu-a e pediu para ver se o suspeito era de facto uma mulher. O suspeito disse que não e passou de imediato a fazer-lhe sexo oral, a vítima continuava a acreditar que se tratava de uma mulher. A vítima começou a sentir que algo de errado se passava, puxou pelas calças e alcançou o seu telemóvel. Ao ligar a lanterna do telemóvel percebeu que o suspeito era, de facto um homem. Ele gritou-lhe e saiu porta fora dizendo que ia chamar a polícia, ao que o suspeito respondeu, "Ainda bem, eu também vou".
A vítima esperou no exterior da. casa do suspeito pela chegada da polícia, o suspeito foi detido no local do crime, e antes de detido divulgou que já algo similar tinha acontecido no passado. ”
Incidente 4 - Dezembro 2016 AH - Vítima D.   - Suspeito
“O AH foi identificado no seguimento de uma conversa de descoberta AHO/1. Resumidamente o AH apareceu como compatível com uma mulher num site de encontros, que acreditamos que seja o Tinder, Eles trocaram números e continuaram as conversas através do WhatsApp.
a 5 de Dezembro de 2016, o AH e a "A. " tiveram uma conversa. A A.  explicou que ela estava à procura de cumprir uma fantasia, que envolvia o AH  usar uma venda e em essência, permitir à A.  ser a Dominatrix. Inicialmente a A.  convidou o AH  para ir para a sua casa onde lhe foi dito que colocaria uma venda, se sentaria numa cadeira e lhe fariam sexo oral. As conversas passaram a ser de teor sexual e ambos trocaram fotos. O D.   enviou fotos de uma pessoa do sexo feminino, a mesma mulher que aparecia, no site de encontros amorosos. O AH . não tinha qualquer razão para duvidar que esta não era a pessoa com quem ele estava a falar e continuou a fazer planos para virem a encontrar-se pessoalmente.
A A.  disse ao AH  que já não o poderia receber de visita lá em casa pois a senhoria dela estava em casa mas ela ainda assim ofereceu ao AH  a opção de ir lá a casa, colocar a venda nos olhos e ela iria fazer-lhe sexo oral a ele, nas escadas do flat. Ela disse que o apartamento era no último andar, por isso ninguém passaria por ali ou os veria juntos. A A.  deu o código postal da sua morada como sendo SW18 4JF e foi dito ao AH  que ela lhe daria o número quando ele chegasse.
No dia seguinte, 6 de Dezembro de 2016, o AH  questionou a A.  se estava livre naquela noite para se encontrarem, A A.  respondeu que se poderia encontrar com ele nas escadas ou no parque local, uma vez mais confirmando que em qualquer uma das situações ele teria de estar com a venda colocada.
A A.  sugeriu que eles se encontrassem no parque oposto ao Centro Comercial Southside, no King George's Park, e enviou fotos da área do parque para onde o AH  deveria ir. As instruções da A.  eram que ele teria de esperar sentado num banco, com a cara coberta, e ela iria chupar, manusear e engolir. O AH  não tinha de fazer nada pois fazia tudo parte da fantasia do show que ela estava a representar. A A.  disse que não apareceria até que ele estivesse com a venda colocada. Ele tinha de trazer preservativos e eles iriam encontrar-se às 19h no parque.
O AH  foi para o parque, contudo não conseguiu localizar a área onde eles ficaram de se encontrar. Ouve uma pequena conversa entre a A.  e o AH , onde ele continuava a achar que estava a falar com uma mulher. Ele disse que ela tinha sotaque de quem era estrangeira, o que condizia com a foto, pois dava a entender que ela era asiática na foto de perfil.
Ele foi para o local e seguiu as instruções que a A.  lhe deu, que foi as de colocar a venda nos olhos, e ficar virado para o arvoredo, numa área discreta do parque. O D.   apareceu, fingindo ser a A. , e fez-lhe sexo oral e de seguida eles tiveram relações sexuais de penetração total.
O AH  e a A.  continuaram a enviar mensagens um ao outro depois deste encontro, e a A.  informou o AH  que eles tinham feito sexo A. l, algo que o AH  desconhecia, e pediu se da próxima vez lhe podia "comer a rata". Em ponto algum o D.   confirmou a sua verdadeira identidade ou divulgou quem ele verdadeiramente era.
O casal combinou de se encontrar novamente uns dias mais tarde, uma vez mais a A.  estabeleceu os mesmos termos. Eles iriam encontrar-se no mesmo local, o AH  iria colocar a venda nos olhos e ela iria fazer então a representação. O AH  compareceu, mas estava curioso de ver quem é que ele iria encontrar e não colocou a venda, como combinado. Ele informou a A.  que estava pronto e com a venda nos olhos, pouco tempo depois o D.   apareceu. O AH  e o D..   olharam-se mutuamente, e o D.   tentou esconder-se nos arbustos. Foi-lhe perguntado quem ele era e porque estava ali. Ele disse que achava que AH  era bissexual, e que não havia qualquer problema. O AH  não tinha dito, em momento algum que era bissexual e nem nunca aceitou encontrar-se com um homem. ”
9. Acresce que, no âmbito da Prevenção de Danos Sexuais (SHPO), ao abrigo da s. 103, da Lei de Crimes Sexuais de 2003, pela sentença em apreço o Requerido foi “colocado na Lista de Barramentos” e também proibido, indefinidamente, de:
1. Usar qualquer outro nome, por qualquer motivo, excepto o nome registado nos requisitos da Parte 2 da Lei de Predadores Sexuais de 2003;
2. Usar ou criar qualquer morada de email ou aplicação de encontros Online ou perfil de media social a menos que tenha notificado o seu agente de protecção pública de tal morada de email ou perfil dentro de 3 dias da sua criação uso. Para clarificar o uso inclui as contas criadas antes à sua condenação, que continua a deter ou a ter controle sobre independente de quem as usa no presente momento.
3. Envolver-se em qualquer actividade sexual com qualquer pessoa a menos que a pessoa tenha visto a sua cara, e tenha conhecimento que é uma pessoa do sexo masculino, antes de qualquer contacto físico acontecer.
4. Envolver-se em qualquer actividade sexual através da Internet, a menos que já tenha explicitamente informado o outro participante que é uma pessoa do sexo masculino.
5. Falhar em fornecer o IMEI de qualquer telemóvel do qual seja proprietário, ou use como sendo seu, que deverá ser facultado ao seu agente de protecção do público dentro de 3 dias de estar na sua posse, como dono ou data de aquisição, de tal aparelho.
6. Não usar ou enviar através da Internet quaisquer imagens de qualquer outra pessoa, fingindo que estas imagens são suas.
10. Ora, tais proibições por aplicadas indefinidamente, mostram-se incompatíveis com a lei interna, devendo ser adaptadas, conforme o disposto no art.º 16°, n° 3, da Lei n° 158/2015.
11. 0 Requerido encontra-se no Estado de emissão, a cumprir a pena em que foi condenado, cujo termo se prevê venha a ocorrer em 4 de outubro de 2033.
12. Sendo, por conseguinte, o tempo de prisão ainda por cumprir superior a 6 meses - artigo 17.°, n.º 1, al. h), da Lei n.º 158/2015.
13. O Requerido tem nacionalidade portuguesa e solicitou a transmissão da sentença e certidão, verificando-se que a execução da condenação em Portugal contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a sua reinserção social.
14. Além disso, pelo respetivo Secretário de Estado já foi dada a ordem de expulsão do Requerido e a proibição de entrada no Reino Unido, nos termos do n° 1, do art.º 5º e alínea b), do n.º 6, do art.º 23. °, do Regulamento da Imigração de 2016 (Espaço Económico Europeu).
15. O que sempre determina a sua recondução a Portugal uma vez cumprida a pena e dispensa o consentimento da pessoa condenada para a sua transferência - artigos 4º, n° 1, al. b) e 6º, nº 2, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI e 8º, n° 1, al. b) e 10°, n° 5, al. b), da Lei 158/2015.
16. Pelo que, mostram-se reunidos os pressupostos necessários à transmissão, nos termos dos artigos 4.°, n.°s 1 e 2, da Decisão- Quadro 2008/909/JAI e 8.°, n.º 1, al. b), n° 2, b), 9º 10°, n° 5, al. b), da Lei 158/2015, aplicável ao reconhecimento e execução da sentença em Portugal, para efeitos da sua transferência para cumprimento da pena em Portugal.
17. Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença, de acordo com o disposto no art.º 13.°, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, com base na certidão emitida pela autoridade de emissão, devendo tomar as medidas necessárias ao seu reconhecimento, de modo a que a pena aplicada, na parte ainda restante, seja cumprida em Portugal - art.º 16.°, n.º 1, do mesmo diploma
18. Não se mostrando presente qualquer dos motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos no art.º 17.°, da Lei n.º 158/2015, nem de adiamento do reconhecimento, nos termos do art.º 19.° do mesmo diploma, deve a sentença ser reconhecida - artigos 8.°, n.º 1 e 9.° da Decisão- Quadro 2002/909/JAI.
Pelo exposto, requer que, D. e A., e designado defensor ao Requerido e notificado o Requerido deste pedido e da indicação do defensor nomeado, seja:
- Proferida decisão de reconhecimento da sentença para efeitos do cumprimento da pena em Portugal, em conformidade com o disposto nos artigos 16. °, n.º 1 e 20. °, n.º 1, da Lei n.º 158/2015;
- Informada a autoridade de emissão, nos termos do disposto no art.º 21. °, al. c), da mesma Lei, e
- Seja ordenada a sua transmissão ao Juízo Local Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, para execução, onde deverá providenciar-se pela transferência do condenado para Portugal, por ser esse o tribunal competente para o efeito, de acordo com o disposto nos artigos 13. °, n.º 2 e 23. ° da Lei n.º 158/2015.
II.
O requerido foi notificado, nos termos do nº 1 do art.16º A da Lei 158/2015, não tendo deduzido oposição.
Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.

III.
APRECIANDO.
Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença, de acordo com o disposto no art.º 13.°, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, não se mostrando presente qualquer dos motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos no art.º 17.°, da Lei n.º 158/2015, nem de adiamento do reconhecimento, nos termos do art.º 19.° do mesmo diploma, deve a sentença ser reconhecida - artigos 8.°, n.º 1 e 9.° da Decisão- Quadro 2002/909/JAI.
Em causa, nestes autos, está o reconhecimento e execução de sentença penal proferida no Reino Unido.
Não obstante a recente saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, a DECISÃO (UE) 2020/135 do Conselho, publicada no JO de 31.01.2020, aprovou Acordo realizado entre o referido país e a União Europeia, publicado no JO nesse mesmo dia e nos termos do qual “a decisão-quadro 2008/909/JAI é aplicável às decisões recebidas antes do termo do período de transição pela autoridade competente do Estado de execução, ou por uma autoridade do Estado de execução sem competência para reconhecer e executar uma decisão, mas que a transmite “ex officio” à autoridade competente para a sua execução” (cfr. o art.º 62.º, n.º1, al. f), desse Acordo).
Assim, o regime jurídico aplicável ao caso em análise é o previsto pela Lei 158/2015, de 17 de Setembro, republicada pela Lei 115/2019, de 12 de Setembro, que aprova o regime jurídico da Transmissão e Execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, transpondo as Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de Novembro de 2008.
As Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de Novembro de 2008 são relativas à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo de sentenças, em matéria penal, que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia.
O princípio do reconhecimento mútuo significa, segundo Ricardo Jorge Bragança de Matos (“O Princípio do Reconhecimento Mútuo e o Mandado de Detenção Europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14, nº 3, p. 327 e 328) que uma decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional. Ac. da Relação de Lisboa de 03-03-2020, in P. 159/20.0YRLSB-5.
O princípio do reconhecimento mútuo assenta na confiança mútua entre os Estados membros da União Europeia, a cooperação decorre directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados membros, sem qualquer intervenção do poder executivo.
I - Na revisão de sentença estrangeira, o nosso ordenamento jurídico adoptou o sistema da revisão formal ou delibação, pelo que a sentença estrangeira produz os efeitos que lhe são atribuídos no pais de origem, embora sujeita a determinadas condições comprovadas em processo especialmente regulado para o efeito, com algumas concessões ao sistema de revisão de mérito.
II - O privilégio da nacionalidade tem em vista a defesa dos interesses dos portugueses contra as sentenças proferidas no estrangeiro que contenham decisão menos favorável do que aquela a que conduziria a aplicação do direito material português. (…) Ac. da Relação do Porto de 18-09-2012, in P 80/12.6YRPRT           
O caso em análise prende-se com o reconhecimento e execução de sentença em matéria penal que impôs uma pena de prisão e encontra a sua regulamentação nos artigos 13º a 21º da mesma Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, mostrando-se cumpridos os requisitos formais.
Porém, A. lisados os factos que foram considerados provados pela Sentença n.º T20187099, proferida, pelo Tribunal da Coroa de Kingston-Upon-Tames, em 05.10.2018, transitada em julgado em 09.11.2018, verifica-se que os mesmos factos no ordenamento jurídico da República Portuguesa, estão previstos no artigo 167.º, nsº 1 e 2, co Código Penal Português.
Dispõe tal preceito:
Artigo 167.º ( Fraude sexual):
1- Quem, aproveitando-se fraudulentamente de erro sobre a sua identidade pessoal, praticar com outra pessoa acto sexual de relevo é punido com pena de prisão até um ano.
2- Se acto sexual de relevo consistir em cópula, coito A. l, coito oral ou introdução vaginal ou A. l de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos.
Ora, como referido no citado Acórdão da Relação do Porto de 18-09-2012, no Processo n.º 80/12.6YRPRT, o privilégio da nacionalidade tem em vista a defesa dos interesses dos portugueses contra as sentenças proferidas no estrangeiro que contenham decisão menos favorável do que aquela a que conduziria a aplicação do direito material português.
Nesta medida, considerando o direito material português, concretamente o artigo 167.º, n.º 2, do Código Penal Português, há que aplicar a pena de 2 anos de prisão (máximo previsto) a cada um dos 6 (seis) crimes cometidos pelo Arguido D. , ficando a condenação do mesmo em 12 (doze) anos de prisão, limite legalmente consentido.
No que concerne às demais sanções/proibições, não estão previstas na lei portuguesa para o crime de fraude sexual, pelo que deixarão de fazer parte da Sentença reconhecida.
Assim, defere-se ao requerido reconhecimento da Sentença penal proferida no Reino Unido, com a alteração de que a condenação do Arguido D. , ficará em 12 (doze) anos de prisão, e assim será executada em Portugal.
IV.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o tribunal colectivo em reconhecer a
Sentença n.º T20187099, proferida, pelo Tribunal da Coroa de Kingston-Upon-Tames, em 05.10.2018, transitada em julgado em 09.11.2018, com a alteração de que a condenação do Arguido D. , ficará em 12 (doze) anos de prisão, e assim será executada em Portugal.
Sem tributação.
Comunique à Procuradoria-Geral da República.
Comunique ao Estado emissor (art. 20º da Lei 158/2015 de 17 de Setembro).
Oportunamente será dado cumprimento ao disposto nos arts. 13º, 14º, 21º, alínea c) e 23º da Lei 158/2015 de 17 de Setembro.


Lisboa, 13.10.2020

Ana Sebastião
José Simões de carvalho
Maria Margarida Bacelar
Decisão Texto Integral: