Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1072/12.0TBTVD.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) Estando excluída a aplicação ao caso dos Regulamentos da União, regem quanto à competência internacional dos tribunais portugueses os artigos 65.º e 65.º-A, do CPC.
II) Actualmente, estão em vigor duas redações destes artigos: a decorrente do Decreto-Lei 38/2003 e a decorrente da Lei 52/08.
III) A aplicação desta última restringe-se às comarcas piloto (Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste), nos termos do artigo 187.º, da Lei 52/2008.
IV) Considerar que a restrição de vigência consiste na experimentação de regime, não sendo aplicável às normas em que se não vislumbre verificada tal razão de ser, como é o caso das normas de competência internacional, não encontra qualquer correspondência verbal no artigo 187.º, da Lei 52/2008, pelo que ao intérprete está vedada essa interpretação.
V) Por estranho que pareça e seja, tem de concluir-se que se encontram em vigor dois regimes de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses.
VI) À míngua de melhor critério, tem de aplicar-se o regime vigente no tribunal nacional em que a questão se coloca, embora tal permita um indesejável forum shopping.
VII) O denominado princípio da coincidência implica a apreciação das regras de competência territorial interna, com excepção das normas gerais dos artigos 85.º a 87.º do CPC, aplicáveis apenas para definição da competência interna
VIII) Para determinar a competência internacional dos tribunais portugueses basta a verificação de «apreciável dificuldade» na demanda em foro estrangeiro, não exigindo a lei que a dificuldade insuperável ou insuportável.
IX) Estando em causa a partilha de bens imóveis sitos em Portugal, com a consequente necessidade de obtenção de documentos registrais e de efectivação final de registos, com eventual necessidade de avaliação dos mesmos bens ou até de apreciação da natureza dos mesmos em relação ao património conjugal, e com aplicação das regras do foro pessoal das partes considera-se verificada apreciável dificuldade na demanda em foro estrangeiro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

CARLOS, com os sinais dos autos, instaurou inventário para partilha de bens comuns de dissolvido casal contra ANA, com os sinais dos autos, alegando ter sido decretado em França o divórcio do casamento que com a Requerida contraíra, pedindo fosse feita a partilha subsequente à dissolução, estando os bens imóveis a partilhar sitos em Sobral de Monte Agraço, Portugal, e sendo as partes residentes em França.

Foi proferida decisão liminar que julgou internacionalmente incompetente o tribunal de comarca de Torres Vedras, nos termos que seguem:

«(…) Alega, para o efeito e, no que releva, que:

- Requerente e requerida foram casados entre si no regime da comunhão geral de bens e, que por decisão, proferida em 10/04/2010, já transitada em julgado, nos autos de divórcio que correu termos no Tribunal de 1ª Instância da 37 Avenida Pierre Sémard, 06130 Grasse, Alpes Marítimos, França, foi decretada a dissolução da comunhão conjugal.

- Existem bens imóveis comuns a partilhar, situados em Sobral de Monte Agraço e, o requerente e a requerida não chegaram a acordo para a sua partilha de forma extrajudicial.

Conforme resulta da petição inicial e, dos termos ali melhor alegados, requerente e requerida residem em França e, foi nesse País que foi instaurado, correu seus termos e foi decretada a dissolução do seu casamento por efeito de divórcio.

Dissolvido o seu casamento, pretende o requerente agora proceder à partilha dos bens comuns do casal que foram o próprio e a requerida.

“In casu”, cumpre antes de mais averiguar se o Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras é internacionalmente competente para os termos do presente processo de inventário.

Desde logo compulsado o artigo 65.º - A do C. P. C., verifica-se que o caso em apreço não se insere em nenhuma das situações previstas nas várias alíneas do referido normativo legal, pelo que cumpre concluir que os tribunais portugueses não possuem competência internacional exclusiva para conhecer dos termos da presente acção.

Importa, então, atentar no disposto no artigo 65.º do C. P. C., por forma a apurar da existência ou não de factores de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses.

Nos termos do artigo 65.º - A n.º 1, alínea b) do C. P. C., os tribunais portugueses são internacionalmente competentes “b) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;”.

Sucede, porém, que dispõe o artigo 1404.º n.º 1 do C. P. C. que “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha de bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação.”, estatuindo o n.º 2 do referido preceito legal que “O inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação e segue os termos prescritos nas secções anteriores.”.

Face ao artigo 1404.º n.º 3 do C. P. C., cumpre concluir que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para conhecer dos termos do presente processo de inventário nos termos do artigo 65.º n.º 1, alínea b) do C. P. C., sendo certo que também não verifica o facto de atribuição previsto no artigo 65.º n.º 1, alínea d) do C. P. C., dado que o direito invocado pode tornar-se efectivo por meio de acção proposta em tribunal estrangeiro, através de prolação de sentença estrangeira que venha a ser revista e confirmada pelos tribunais portugueses e, inexiste qualquer dificuldade apreciável para o requerente na propositura da acção de inventário no estrangeiro, tanto mais que foi no estrangeiro, que foi proposta a acção de divórcio entre requerente e requerida e, ali foi proferida decisão que decretou o divórcio de ambos.

Daqui resulta que o Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras é internacionalmente incompetente para conhecer da presente acção.

A incompetência absoluta, enquanto excepção dilatória que é (artigo 494.º alínea a) do C. P. C.), deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal (cfr. artigos 101.º, 102.º n.º 1 e 495.º do C. P. C.).

A procedência da excepção em apreço determina a absolvição da Requerida da instância – cfr artigo 105.º n.º 1 do C. P. C..

Termos em que se julga verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal e, se declara o Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras, internacionalmente incompetente para conhecer dos termos da presente, atento o disposto nos artigos 65.º, 65.º - A, 1404.º n.ºs 1 e 3, 101.º, 102.º n.º 1, 494.º alínea a) e 495.º do C. P. C. e, em conformidade, absolve-se a requerida da instância, nos termos conjugados do disposto nos artigos 105.º n.º 1, 288.º n.º 1, alínea a) e 493.º n.ºs 1 e 2 do C. P. C.

Custas pelo Requerente – artigo 446.º do C. P. C..

Fixo valor da acção em € 16.000,00 (dezasseis mil euros) – cfr. artigo 315.º do C. P. C., não se aplicando o disposto no artigo 311.º n.º 3 do C. P. C., por serem desconhecidos os valores dos bens.

Registe e Notifique.».

Desta decisão apelou o Requerente e alegando concluiu:

“O requerente Carlos, possui nacionalidade portuguesa, casou em Portugal com a requerida Ana, no regime de comunhão geral de bens;

 2. Por decisão proferida em 10/04/2010, já transitada em julgado, nos autos de divórcio que correu termos no Tribunal de 1ª Instância da 37 Avenida Pierre Sécuard, 06130 Grasse, Alpes Marítimos, França, foi decretada a dissolução da comunhão conjugal;

3. A douta sentença que decretou o divórcio entre requerente e requerida foi reconhecida pelo Estado Português e averbada nos respetivos assentos de casamento e nascimento.

4. Nos autos em apreço requerente e requerida divorciaram-se, mas detêm em comum um único bem imóvel situado em território português.

5. Foi unicamente decretado em território francês, o divórcio entre requerente e requerida.

6. Requerente e requerida, não estão de acordo na partilha de forma extra judicial.

7. O processo de inventário para partilha do bem comum é o meio processual adequado para pôr termo a esta comunhão.

8. No caso em apreço é impossível tal ação correr por apenso ao processo de divórcio, pois o mesmo não correu os seus termos em Tribunal Português.

9. Nos termos do artigo 65.º - A, alínea a) as ações relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imoveis sitos em território português, são de competência exclusiva dos tribunais portugueses.

10. Ainda nos termos do artigo 77.º n.º 2 alínea a) havendo bens em Portugal, é competente para o inventário o tribunal do lugar da situação dos imóveis.

11. O Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação e enquadramento legal dos factos alegado, na douta sentença em crise.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e em consequência ser a douta sentença em crise revogada e substituída por outra que decrete competente o Tribunal Judicial de Torres Vedras para apreciar os presentes autos.

Assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!».

O recurso foi recebido para subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Distribuídos os autos nesta Relação foram remetidos à primeira instância para citação da Requerida após o que correram os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.

II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões do Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre decidir da competência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação e decisão da causa.

III) FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos

Atentas as questões em apreciação, não há lugar a fixação da matéria de facto, uma vez que cumpre apreciar a petição inicial tal como foi apresentada em juízo, tendo em atenção que o Requerente e a Requerida têm nacionalidade portuguesa, residem ambos em França, onde foi decretada a dissolução por divórcio do casamento que entre si contraíram, destinando-se o processo à partilha dos bens do dissolvido casal, que são imóveis sitos na comarca de Torres Vedras.


2. O regime aplicável

A questão que se coloca é a da competência internacional dos tribunais portugueses ou seja, trata-se de analisar as normas que nos habilitam «a saber, quando a acção, pelos seus elementos característicos, estiver em contacto com a jurisdição portuguesa e com jurisdições estrangeiras, se pode ser proposta perante tribunais portugueses»[1].

Regem quanto a tal os artigos 65.º e 65.º-A, do CPC.

Actualmente, estão em vigor duas redações destes artigos: a decorrente do Decreto-Lei 38/2003 e a decorrente da Lei 52/08.

Porém, nos termos do artigo 187.º, desta última lei, a sua aplicação restringe-se às comarcas piloto (Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste), tendo sido dilatada para 2014 a sua aplicação faseada à generalidade do território nacional, pela Lei 3-B/2010.

Duas soluções se antolham possíveis: (i) considerar que a restrição de vigência instituiu dois regimes diversos de atribuição de competência internacional, face ao que consoante o tribunal em que a acção for proposta assim se aplicará um ou outro (ii) considerar que a razão de ser da restrição de vigência é a da anunciada experimentação de regime, não sendo aplicável às normas em que se não vislumbre verificada tal razão de ser, como é o caso das normas de competência internacional cuja elaboração doutrinal e jurisprudencial dispensa experiências piloto.

Neste último caso, entender-se-ia: a) em vigor o regime da Lei 52/2008 em todo o território nacional; b) suspensa a vigência das normas de que esteja afastada a necessidade experimental até à cessação do período da experiência.

No entanto, a letra da lei não permite estabelecer tal distinção. Por estranho que tal pareça e seja, tem de concluir-se que se encontram em vigor dois regimes de atribuição de competência internacional sendo significativas as alterações de 2008[2].

O que determina se deva começar por decidir qual o regime aplicável no caso dos autos. Uma primeira abordagem levaria a considerar que deveria ser aplicado o regime do Decreto-Lei 38/2003, uma vez que o processo está pendente no Tribunal de Comarca de Torres Vedras, que não se encontra incluído entre os tribunais piloto.

Porém, a questão de determinar a competência internacional dos tribunais portugueses é prévia à da determinação de qual o tribunal competente, de entre os tribunais portugueses.

Configure-se a hipótese de se entender aplicável a redação do Decreto-Lei 38/2003, por o processo estar pendente em Torres Vedras, e, decidindo-se pela competência internacional dos tribunais portugueses, venha a considerar-se competente na ordem interna um dos Juízos das comarcas-piloto.

A mesma ordem de razões quanto à escolha da redacção aplicável poderia levar a que este tribunal se considerasse internacionalmente incompetente agora de acordo com a redacção da norma decorrente da Lei 52/2008.

A única solução que parece entrever-se é a da autoridade de caso julgado da decisão que em primeiro lugar dela se revestisse, obstando a que se verificasse a incongruência hipotizada.

Todavia, tal não deixa de provocar dificuldade. Por um lado, não parece adequado que um Estado tenha em vigor normas diversas para se atribuir competência internacional, por outro, tal favorece o sempre indesejável forum shopping, na expressão do Professor Ferrer Correia[3].

Na verdade, as partes, ao instaurarem as acções em tribunais portugueses, acabam por poder escolher a lei de competência internacional mais adequada aos seus interesses[4].

Termos em que se conclui que no caso é aplicável a redacção do Decreto-Lei 38/2003.


3. A competência e os factores de sua determinação

O facto de as partes residirem em França onde foi decretado o divórcio e terem nacionalidade portuguesa, situando-se em Portugal os bens imóveis a partilhar, conexiona a situação com duas ordens jurídicas nacionais e com os respectivos tribunais.

O recurso às normas processuais civis portuguesas apenas é possível quando o litígio não caia no âmbito de aplicação de Regulamentos da União, uma vez que estas normas prevalecem sobre o direito interno, face ao primado do direito europeu.

Porém, in casu, está excluída a aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro - relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial -, visto o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) desse instrumento normativo. Igualmente se encontra excluída a aplicação do Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003 - relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental -, dado o constante do seu artigo 1.º, n.º 1.

Quanto às normas de direito interno.

Não se trata no caso de situação incluída na previsão do artigo 65.º-A, do CPC, norma que estabelece os casos de competência exclusiva dos tribunais portugueses.

Há que averiguar da verificação de factores de determinação de competência internacional não exclusiva previstos no artigo 65.º, do CPCivil. Dispõe esta norma:

«1 - Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:

 a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;

 b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

 c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;

 d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

 2 - Para os efeitos da alínea a) do número anterior, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva se localize em território português, ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação».  

Correspondem as alíneas a) e b) ao denominado princípio da coincidência, a alínea c) ao princípio da causalidade e a alínea d) ao princípio da necessidade.

Não se verifica no caso dos autos a previsão da alínea a), do n.º 1, do artigo 65.º, do CPC, uma vez que a Requerido tem domicílio em França.

Quanto à regra da alínea b), cumpre apreciar as regras de competência territorial interna.

A competência territorial para inventário está prevista quanto ao inventário mortis causa no artigo 77.º, do CPC.

No entanto, tal norma aplica-se apenas ao inventário por morte, como resulta da sua letra, inexistindo critério hermenêutico que permita a sua extensão ao inventário para partilha de bens do dissolvido casal[5].

Recorre a decisão impugnada ao critério que resulta do artigo 1404.º, n.º 3, do CPC, que manda que o inventário corra por apenso ao divórcio. E bem. Embora o recurso a tal norma apenas possa determinar que se exclua a competência dos tribunais portugueses, por não se verificar o princípio da coincidência.

Na impossibilidade de determinação da conexão por aplicação do artigo 1404.º, n.º 3, a norma de competência territorial aplicável pareceria ser a regra geral do artigo 85.º, n.º 1, do CPC, que atribui competência ao tribunal do domicílio do réu.

Porém, é entendimento unânime que as normas gerais dos artigos 85.º a 87.º do CPC não são de considerar em sede do princípio de coincidência, intervindo apenas em sede de determinação da competência territorial interna[6]. O que aliás é coerente com o teor da alínea a), do n.º 1, do artigo 65.º, que só assim se justifica.

De todo o modo, a Requerida tem domicílio em França, o que excluiria a competência internacional por esta razão.

O n.º 3 da norma constitui regra residual manifestamente aplicável apenas após conclusão pela competência dos tribunais portugueses. Quando não a aplicação da sua parte final determinaria sempre a competência internacional dos tribunais portugueses[7].

Em suma, está excluída a alínea b) do n.º 1, do artigo 65.º.

Não há elementos que permitam a integração do caso na alínea c).

Quanto à alínea d), não está alegada nem se vê que resulte impossível o exercício do direito perante os tribunais de outro país, v.g., franceses.

Resta apreciar se resulta «apreciável dificuldade» para o autor na propositura do processo em outro país, uma vez que é indiscutível a existência de elementos ponderosos de conexão pessoal (a nacionalidade das partes) e real (a situação dos bens) com a ordem jurídica portuguesa.

Adiante-se que entendemos que se verifica a previsão desta alínea. Veja-se que não exige a lei uma dificuldade insuperável ou insuportável da demanda em foro estrangeiro. Exige apenas uma dificuldade apreciável.

Está em causa a partilha de bens imóveis, com a consequente necessidade de obtenção de documentos registrais e de efectivação final de registos, com eventual necessidade de avaliação dos mesmos bens ou até de apreciação da natureza dos mesmos em relação ao património conjugal, com aplicação das regras do foro pessoal das partes (artigos 49.º e ss do Código Civil e 202.º do Code Civil).

Ou seja, as operações e decisões que envolvem a partilha encontram-se estreitamente relacionadas com actos a praticar em território português e com o regime jurídico português, o que determina apreciável dificuldade na demanda em foro estrangeiro.

Em consequência, procede o recurso, devendo ser revogada a decisão e substituída por outra que, julgando internacionalmente competentes os tribunais portugueses, prossiga a tramitação dos autos quando a tal não obstem outras questões não apreciadas neste recurso.

IV) DECISÃO

Pelo exposto, ACORDAM em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando internacionalmente competentes os tribunais portugueses.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 11 de Julho de 2013

 (Ana de Azeredo Coelho)

 (Tomé Ramião)

 (Vítor Amaral)


[1] Professor José Alberto dos Reis in “Código…”, Coimbra 1982, I, 3ª ed., p. 194.
[2] Sobre tais alterações, seu alcance e consequências veja-se Lebre de Freitas in “Competência ou incompetência Internacional dos Tribunais Portugueses”, consultado em 27 de Junho de 2013 em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=84043&id.
[3] In “Direito Internacional Privado – Alguns problemas”, Coimbra, 1985, p. 112, apud Helena Isabel Dias Bolieiro “Livro Verde sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcio”, p. 5.
[4] Perfilam-se alterações neste regime que nunca vigorou em todo o território, dadas as normas correspondentes do CPC revisto já publicado e que entrará em vigor em 1 de Setembro de 2013.
[5] Nesse sentido Lopes Cardoso in “Partilhas Judiciais”, Almedina, 1991, III, p. 348, onde se lê: «(…) a norma do art. 77.º do diploma processual restringe o seu campo de incidência ao inventário resultante da abertura da sucessão, não ao que promana da cessação das relações patrimoniais nos casos considerados». Veja-se no mesmo sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 12 de Março de 2009 proferido no processo 208-A/1999.E1 (MATA RIBEIRO).
[6] Nesse sentido veja-se Lebre de Freitas, João redinha e Rui Pinto in “Código de processo Civil Anotado”, I, Coimbra, 1998, dando nota da questão e da posição isolada de Barbosa de Magalhães. Anote-se que Lebre de Freitas op. cit. propõe que essa restrição cesse na aplicação da redacção da Lei 52/2008, mantendo-se tão somente quanto ao n.º 3 da norma cuja generalidade determinaria a competência internacional dos tribunais portugueses em qualquer situação, mesmo sem o elemento ponderoso de conexão a que alude a alínea d) do n.º 1, do artigo 65.º.
[7] Lebre de Freitas, op. cit., p. 4.