Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1375/04.8TYLSB-AE.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: BENS APREENDIDOS NO ÂMBITO DO CIRE
FORMA DE REAÇÃO DOS TERCEIROS LESADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Para reagir a uma apreensão indevida de bens, carece o terceiro lesado de reagir lançando mão de expediente específico, quer deduzindo a competente reclamação ( cfr. artº 141º, do Cire ), quer apresentando o requerimento a que alude o artº 144º, do Cire, quer ainda interpondo a acção regulada no artº 146º, também do Cire, não tendo de todo uma qualquer informação alusiva a pretensa apreensão indevida de concreto bem e aposto no respectivo auto de apreensão , a virtualidade de, por si só, desencadear qualquer procedimento especifico conducente à imediata restituição de um bem indevidamente apreendido ao seu legítimo titular.

2. Em razão do referido em 4.1., e porque a aferição da susceptibilidade de pretensa irregularidade cometida poder influir no exame e discussão/decisão da causa [ nos termos e para efeitos do nº1, do artº 195º, do CPC ], deve ser realizada em concreto [ que não em razão de uma análise meramente abstracta e/ou teórica ], ponderando designadamente as circunstâncias fácticas ocorridas no processo, a sua natureza e respectivas implicações legais na e para a economia dos autos, não se descortina que influência pudesse ter a inclusão em auto de apreensão de bens [ no sentido de concreto bem não lhe pertencer ] em insolvência de uma informação da insolvente [ no sentido de concreto bem não lhe pertencer ] para o exame ou decisão da causa.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa.
                                                          

1.–Relatório:

                        
Em Acção com processo especial de INSOLVÊNCIA , intentada por A [ ….Farmacêutica, CRL] , contra B, e a correr termos em Juízo de Comércio de Lisboa, e efectivada pelo Administrador de Insolvência [ porque decretada , por sentença transitada em julgado ] a apreensão de Estabelecimento de Farmácia [ no pressuposto de consubstanciar um bem integrante da massa insolvente ], veio C [ sociedade de direito norte-americano ], atravessar [ em 14/6/2017 ] instrumento nos autos solicitando a declaração de NULIDADE do acto de apreensão da Farmácia P. Suc., titulado por acto de apreensão elaborado em 20/4/2009.

1.1.Alegou a referida C - no requerimento de 14/6/2017 -, para tanto e em síntese, que :
- A Arguente é proprietária da Farmácia P.Suc com o alvará n° 2382,em resultado de trespasse efectuado por escritura pública, em 16 de Janeiro de 2013, com a trespassante F. - Consultoria Farmacêutica Unipessoal, Lda;
- Desconhecia a Arguente que o estabelecimento fora alvo de apreensão judicial no âmbito da insolvência da B aquando do negócio da transmissibilidade, porquanto nada lhe fora comunicado;
- Apesar de o «Auto de Apreensão» de 20 de Abril de 2009, certo é que , à data, foi a administradora da Insolvência e o Presidente da Comissão de Credores devidamente informados e no próprio acto, pela própria insolvente, de que a Farmácia P. Suc. não lhe pertencia há muitos anos por a ter transmitido;
-  Ao não ter feito constar do Auto de Apreensão elaborado em 20 de Abril de 2009, a referida informação que lhe foi transmitida pela própria insolvente, é por demais evidente que a Administradora da Insolvência omitiu ocorrências com manifesto interesse e indubitável relevância para os presentes autos ;
- Em consequência, o acto de apreensão da Farmácia P. Suc., alegadamente titulado pelo Auto de Apreensão de 20 de Abril de 2009, em decorrência do qual se pretende, agora, tomar posse do estabelecimento, é nulo, não podendo, por conseguinte, produzir os efeitos pretendidos, devendo tal nulidade ser declarada, com as legais consequências ;
- Mas, caso venha a ser entendido que as sobreditas omissões não ferem nem compaginam de nulidade, não pode a Arguente deixar de renovar que adquiriu a titularidade da Farmácia P. SUC. a título oneroso e imbuída de boa-fé, sendo totalmente alheia a diferendos que lhe são estranhos.

1.2.– Conclusos os autos ( em 22/6/2017 ) para apreciação do requerimento identificado em 1.1., foi então proferido despacho de indeferimento, sendo o respectivo teor o seguinte :
“(…)
Fls. 2013  a  2018 e documentos
A questão respeitante à nulidade do ato de apreensão do estabelecimento de farmácia em apreço e à tomada de posse do referido estabelecimento pelo Sr.º administrador já foi largamente discutida nos autos, já tendo sido tomada posição jurisdicional sobre a matéria.
Assim sendo, nada se impõe alterar ou decidir quanto a esta questão, por a mesma já ter anteriormente sido objecto de decisão, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto a esta matéria nos termos referidos no art.° 613° n.° 1 do Cód. Proc. Civil, aplicável por via do art.° 17° do C.I.R.E.- Cfr. despacho de fls. 1615  a 1616.-
No que respeita ao reconhecimento ou não dos actos de transmissão do estabelecimento em referência não cabe ao tribunal apreciar a questão no âmbito deste processo principal, mas sim nos apensos próprios e pela utilização dos meios próprios de exercício dos direitos de separação e restituição de bens.
Face ao exposto, não se conhece novamente da arguida declaração de nulidade e da consequente questão suscitada da tomada de posse do estabelecimento por parte do Sr.º administrador, por anteriormente as referidas questões já terem sido decididas nos autos e indefere-se o requerido no que respeita ao reconhecimento do trespasse e transmissibilidade do estabelecimento em apreço, por o meio próprio para suscitar e apreciar a questão não ser requerimento junto no processo principal.
(…)
(processei e revi) Lisboa d.s.”

1.3.– Discordando da decisão referida em 1.2. e inconformada, da mesma apelou então a requerente C, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
1- A sociedade C, ora Recorrente, intentou acção de separação e restituição de bens nos termos do disposto no artigo 146.°, do CIRE, que constitui o apenso X.
2- Salvo melhor opinião, a acção pendente, de separação de bens, instaurada pela ora Recorrente, não terá efeitos processuais diversos dos que nos autos teve a acção, da mesma espécie, instaurada por Farmatouch (apenso F).
3- Neste enquadramento, tendo o Administrador de insolvência declarado nos autos principais que pretendia tomar posse da farmácia, a ora Recorrente instaurou o presente procedimento cautelar comum, com vista a sobrestar àquela apreensão material.
4- No despacho recorrido, o Tribunal a quo viola ostensivamente o princípio da coerência, que deveria presidir a qualquer despacho de natureza judicial, quando refere que o meio próprio para reagir à ofensa da posse da Requerente, é a acção de separação e restituição de bens... Omitindo, porém, que a ora Recorrente C, intentou acção de separação e restituição de bens nos termos do disposto no artigo 146.°, do CIRE, que constitui o apenso X, em 12/05/2017.  E,
5- Nem por isso o Tribunal a quo ordenou a suspensão das diligências de tomada de posse da Farmácia P. SUC, objecto daquela acção (apenso X).
6- Uma violação do princípio da coerência que é, diga-se, coerente com o indeferimento da providência cautelar instaurada como apenso "Z", com fundamento no facto de a mesma não constituir meio próprio de reacção contra despachos proferidos nos autos principais, contra os quais, cabe interpor recurso.
7- Olvidando, olimpicamente, que se por um lado a ali Requerente, ora Recorrente, não podia recorrer de despachos de que não é destinatária (na medida em que não é parte no processo de insolvência propriamente dito...) a verdade é que, a "Farmatouch", até o fez, no que se refere à rejeição da acção que constitui o apenso "F". O que, como o Tribunal bem sabe, de nada lhe valeu: tal recurso tem efeito meramente devolutivo, já aliás fixado, pelo Tribunal a quo, no apenso "F".
8- Do exposto, decorre evidente nulidade por omissão de pronúncia, a  que alude o art.° 615°, n°1, al. d), do CPC : o Tribunal, perante factos que nunca foram antes apreciados, e perante um novo interveniente processual, estava obrigado a tomar posição sobre o requerimento apresentado pela ora Recorrente, em 14/06/2017.
Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada em consequência, substituída por Acórdão que declare a nulidade da tomada de posse, pela Administradora de insolvência, da "Farmácia P. SUC", na pendência da acção, de restituição e separação de bens, instaurada pela ora Recorrente, por apenso "X" aos presentes autos, assim se fazendo sã e serena, Justiça.

1.4.– Tendo a Credora Reclamante D, apresentado contra-alegações,  nestas concluiu pela forçosa improcedência do recurso interposto pela Pharma Gest Inc , e pela consequente confirmação do despacho recorrido.
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Thema decidendum
1.5.– Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das  questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,as questões a apreciar e a  decidir  são as seguintes:
a)- Aferir se, efectivamente, padece a decisão apelada do vicio de NULIDADE , à luz do nº1, alínea d), primeira parte do artº 615º, do CPC .
b)- Apreciar se deverá a decisão recorrida ser revogada ,sendo substituída por Acórdão que declare a nulidade da tomada de posse, pela Administradora de insolvência, da "Farmácia P. SUC".
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2. Motivação de Facto.

O circunstancialismo fáctico assente e a atender no âmbito da presente apelação é aquele que resulta da tramitação dos autos e que se mostra explanado no Relatório do presente Acórdão e para o qual se remete,  e ao acresce ainda o seguinte :
2.1.- Em 12 de Maio de 2017, C, intentou contra F. Consultadoria Farmacêutica, Sociedade Unipessoal,Ldª, Massa Insolvente de BB  e Credores Da Insolvência, acção de separação da massa de bens de terceiro indevidamente apreendidos, impetrando a separação e restituição à autora do estabelecimento comercial de Farmácia P., Suc, sita no Cartaxo;

2.2.- Em 26 de Junho de 2017, C, intentou contra F. Consultadoria Farmacêutica, Sociedade Unipessoal, Ldª, Massa Insolvente de BB e Credores Da Insolvência, Providência Cautelar Comum, requerendo que:
A)– seja ordenado que o Administrador de Insolvência se deve abster de proceder à apreensão do estabelecimento da Farmácia P. Suc ,sita no cartaxo ou de praticar qualquer ato que coloque em crise a exploração económica da mesma que fira os legítimos direitos e interesses por parte da Requerente ;
B)– seja reconhecido que a apreensão judicial da Farmácia P. Suc, pela então Administradora de Insolvência Drª Maria …., datada de 20 de Abril de 2009 , foi ilegal, porquanto a insolvente B trespassou a propriedade em 6 de Agosto de 2004 para a sociedade denominada AF…. - Sociedade Unipessoal, Lda , logo anterior ao trânsito em julgado da declaração de insolvência da B .

2.3.- Por decisão proferida em 2/7/2017, foi a Providência Cautelar Comum identificada em 2.2. indeferida liminarmente ;
2.4.- Na acção e providência identificadas em 2.1. e 2.2., invoca a demandante e requerente, respectivamente, ser a proprietária da Farmácia Pereira Suc com o alvará n° 2382, em resultado de trespasse efectuado por escritura pública, em 16 de Janeiro de 2013, com a trespassante F. Consultoria Farmacêutica Unipessoal, Lda;

2.5.- No seguimento da instauração de acção de verificação ulterior de direitos, por F. Consultadoria Farmacêutica Unipessoal, Ldª, veio a ser proferida sentença judicial que, julgando a acção totalmente improcedente, decidiu:
- Não reconhecer o direito de propriedade da F. Consultoria Farmacêutica Sociedade Unipessoal, Lda, sob o estabelecimento comercial Farmácia P. Suc., sita na Rua …., nº .., Cartaxo;
- Não determinar a separação daquele estabelecimento comercial da massa insolvente;
- Não ordenar que o Administrador de Insolvência nomeado nos autos que se abstenha de promover qualquer acto de apreensão do mencionado estabelecimento;

2.6.-  Da sentença identificada em 2.5., foi interposta apelação, que foi admitida com efeito devolutivo;
2.7.- Nos autos principais de insolvência de B, foram já atravessados instrumentos a invocar a invalidade do acto de apreensão do estabelecimento comercial Farmácia P. Suc., sita na Rua …, nº .., Cartaxo, e , bem assim, a impetrar que seja determinado que o Administrador de Insolvência nomeado nos autos se abstenha de promover qualquer acto de apreensão do mencionado estabelecimento;
2.8.- Qualquer um dos requerimentos identificados em 2.7. foram já objecto de decisão judicial de indeferimento.
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3.– Motivação de Direito.

3.1.- Da invocada NULIDADE DA SENTENÇA, à luz do nº1, alínea d), primeira parte do artº 615º, do CPC .
Considera a apelante Recorrente/B, que padece a decisão recorrida do vício de nulidade por omissão de pronúncia, a  que alude o art.° 615°, n°1, al. d), do CPC , pois que, perante factos que nunca foram antes apreciados, e perante um novo interveniente processual, estava o tribunal a quo obrigado a tomar posição sobre o requerimento apresentado pela ora Recorrente, em 14/06/2017.
Não reconhecendo a primeira instância [ em sede de cumprimento do disposto no nº1, do art.º 617º, do CPC ] a existência do acima indicado vício adjectivo, e impondo-se decidir da respectiva verificação, importa antes de mais tecer breves considerações sobre a ratio da norma do artº 615º, do CPC, maxime sobre a alínea d), do respectivo nº 1.

Ora bem.
Em primeiro lugar, pertinente é não olvidar que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (1), estando as mesmas ( quais nulidades especiais (2) ) discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das alíneas do nº1, da citada disposição legal.

Depois, importante é outrossim ter sempre em atenção que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento (de facto e/ou de direito), sendo que, em rigor, integra igualmente um erro de julgamento a eventual desconsideração e não conhecimento da arguição de específica irregularidade praticada nos autos e com o fundamento, ainda que errada/injustificada, da existência de excepção dilatória e/ou inominada que obste e prejudique a sua apreciação/conhecimento.

Isto dito, reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.

O vício/nulidade referida, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (3).

Sobre o Juiz recai , portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (4) , a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de  todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento,  e , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…) “,  então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.

Postas estas breves considerações, e analisando o conteúdo da decisão apelada, é para nós manifesto que não é verdade que o tribunal a quo não conheceu da questão -  pela apelante suscitada -  respeitante à nulidade do acto de apreensão do estabelecimento de Farmácia P. SUC, pois que, ao considerar verificar-se uma questão prévia e/ou incidental que obstava à apreciação de tal matéria, não está o tribunal a deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, bem pelo contrário.

É que, como é elementar, existindo questão prévia processual de conhecimento oficioso , e que importe conhecer em primeiro lugar, é óbvio que a procedência da mesma , caso obste e prejudique o conhecimento da questão pela parte suscitada, não obriga e justifica de todo que esta última omissão possa ser qualificada como “ilícita”,  e susceptível de implicar a nulidade da decisão.
Ao invés, ao assim decidir, está em rigor o Juiz a cumprir o dever de, como o determina o nº2, do artº 608º, do CPC, de “ resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras “.

Em consequência, e porque como supra vimos já, nesta sede não é de todo pertinente incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento [ v.g., a não existir o pressuposto que no entender do tribunal a quo obstava ao conhecimento,  novamente , da arguida declaração de nulidade ] , seja de facto e/ou de direito, confundindo-se o "error in procedendo" com o "error in judicando",improcedem in totum as conclusões recursórias da apelante dirigidas para pretenso vício adjectivo da decisão recorrida.
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3.2.– Se a decisão recorrida deve revogada, sendo substituída por Acórdão que declare a nulidade da tomada de posse, pela Administradora de insolvência, da "Farmácia P. SUC".
Como decorre à saciedade do relatório do presente Acórdão, e outrossim da motivação de facto, tem a apelante por desiderato conseguir, no âmbito de mero incidente de arguição de irregularidade pretensamente praticada em acto de apreensão de bens, e susceptível no seu entendimento de influir no exame ou na decisão da causa, um objectivo que, para todos os efeitos, apenas pode e deve ser alcançado através da utilização de outros meios , maxime através da interposição da acção a que alude o artº 146º,nº1, do CIRE.
Tal pretensão, independentemente da verificação dos fundamentos que conduziram o tribunal a quo à rejeição do requerimento de arguição de nulidade atravessado nos autos pela recorrente [ o cumprimento e a observância do disposto no artº 613º, nº1, do CPC ] , e adiantando desde já o nosso veredicto, não se nos afigura de todo viável.

Senão, vejamos.
Desde logo, arguindo a recorrente a nulidade de Auto de Apreensão elaborado em 20 de Abril de 2009, alegadamente porque do mesmo não se fez constar concreta informação com manifesto interesse e indubitável relevância para os autos , recorda-se que, nos termos do nº1, do artº 199º, do CPC, as nulidades “ se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar   e ,  se não estiver, então o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Ora, tendo a recorrente C, em 12 de Maio de 2017,  intentado contra F. Consultadoria Farmacêutica, Sociedade Unipessoal,Ldª,  Massa Insolvente de B , B e Credores Da Insolvência, acção de separação da massa de bens de terceiro indevidamente apreendidos, impetrando a separação e restituição à autora do estabelecimento comercial de Farmácia P., Suc, sita no Cartaxo, é pacifico que, quando à data de 14/6/2017 atravessa nos autos instrumento solicitando a declaração de NULIDADE do acto de apreensão da Farmácia P. Suc., titulado por acto de apreensão  elaborado em 20/4/2009, há muito que havia já decorrido o prazo de 10 dias [ cfr. artigo 149º, nº1, do CPCpara a arguição da NULIDADE .

Depois, dando de barato que estava a apelante em tempo para arguir a NULIDADE do auto de apreensão, recorda-se       que nos termos do disposto no artº 630º , nº2 , do CPC [  aplicável à presente acção – cfr. artº 7º ,nº1, a contrario sensu, da Lei 41/2013 de 26 de Junho, e artº 17º, do CIRE ],
Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões  de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se  contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição  processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios. “.

Ora, porque não tem o caso em análise qualquer conexão com as excepções aludidas no referido nº2, do artº 630º, do CPC [ não está em causa a  violação dos princípios da igualdade e do contraditório , ou, sequer, a aquisição processual de factos ou a admissibilidade de meios probatórios ], tudo aponta para que o recurso interposto pela apelante, não merecia, sequer, ser admitido.

Por último, rezando o nº1, do artº 195º, do CPC, que fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare  ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, certo é que, além de não se descortinar [ em face do disposto no artº 150º, nº4,do Cire ] que do Auto de Apreensão elaborado em 20 de Abril de 2009, devesse forçosamente constar a informação referida pela apelante e pretensamente transmitida pela insolvente [ porque para todos os efeitos está longe de configurar a mesma uma ocorrência relevante com interesse para o processo  autos ] , também não se alcança como considerar que a aludida omissão possa configurar uma irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

É que, como bem salienta o Prof. Lebre de Freitas (5)  “ (…) Verificado o vício, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, segue-se verificar a influência que a prática ou omissão pode ter no exame ou na decisão da causa (…), isto é, na sua instrução, discussão e julgamento (…), sendo que, apenas se “ Constatada essa influência, os efeitos invalidantes do acto repercutem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele forem absolutamente dependentes (…).”

Ora,  devendo a aferição da susceptibilidade de influência da omissão no exame e discussão/decisão da causa ser realizada em concreto [ que não em razão de uma análise meramente abstracta e/ou teórica ], ponderando designadamente as circunstâncias fácticas ocorridas no processo, a sua envolvência, natureza e respectivas implicações legais na e para a economia dos autos, não apenas não as evidenciou e caracterizou sequer a própria apelante no âmbito do instrumento de arguição de nulidade, como de todo não se descortina que influência possa ter a inclusão no auto de apreensão de uma informação da insolvente para o exame ou decisão da causa, maxime no âmbito dos respectivos e ulteriores termos.

É que, para todos os efeitos, e como é consabido, para reagir a uma apreensão indevida de bens, carece o terceiro lesado de reagir lançando mão de expediente específico, quer deduzindo a competente reclamação (cfr. artº 141º, do Cire), quer apresentando o requerimento a que alude o artº 144º, do Cire, quer ainda interpondo a acção regulada no artº 146º, também do Cire, não tendo de todo uma qualquer informação alusiva a pretensa apreensão indevida de concreto bem e aposto no respectivo auto de apreensão , a virtualidade de, por si só, desencadear qualquer procedimento especifico conducente à imediata restituição de um bem apreendido ao seu legítimo titular.
De resto, não se olvidando o disposto no nº3,do artº 141º, do Cire, também neste caso carece a separação dos bens de ser requerida pelo administrador da insolvência.

Em suma, tudo visto e ponderado, inevitável é a improcedência da apelação, não se justificando de todo a revogação da decisão recorrida.
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4– Concluindo   ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) .
4.1- Para reagir a uma apreensão indevida de bens, carece o terceiro lesado de reagir lançando mão de expediente específico, quer deduzindo a competente reclamação ( cfr. artº 141º, do Cire ), quer apresentando o requerimento a que alude o artº 144º, do Cire, quer ainda interpondo a acção regulada no artº 146º, também do Cire, não tendo de todo uma qualquer informação alusiva a pretensa apreensão indevida de concreto bem e aposto no respectivo auto de apreensão , a virtualidade de, por si só, desencadear qualquer procedimento especifico conducente à imediata restituição de um bem indevidamente apreendido ao seu legítimo titular.
4.2- Em razão do referido em 4.1., e porque a aferição da susceptibilidade de pretensa irregularidade cometida poder influir no exame e discussão/decisão da causa [ nos termos e para efeitos do nº1, do artº 195º, do CPC ], deve ser realizada em concreto [ que não em razão de uma análise meramente abstracta e/ou teórica ], ponderando designadamente as circunstâncias fácticas ocorridas no processo, a sua natureza e respectivas implicações legais na e para a economia dos autos, não se descortina que influência pudesse ter a inclusão em auto de apreensão de bens [ no sentido de concreto bem não lhe pertencer ] em insolvência de uma informação da insolvente [ no sentido de concreto bem não lhe pertencer ] para o exame ou decisão da causa.
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5.Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, na 6ª Secção Cível, em , julgando improcedente a apelação, manter/confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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LISBOA, 22/2/2018



António Manuel Fernandes dos Santos  (O Relator)
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)   
Cristina Isabel dos Santos C.F. Neves (2 ª Adjunta)                                                               


(1)Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984 , Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(2)Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(3)Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(4)In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(5)In  Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 1ª Edição, 1996, págs. 18 a 20.