Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9148/10.2YIPRT-C.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - As acções judiciais em que uma sociedade seja parte – activa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, o que se opera de forma automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso a incidente de habilitação – cf., artº. 162º, do Cód. das Sociedades Comerciais ;
- dissolvida a sociedade, encerrada a liquidação e extinta aquela, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, nas operações de liquidação (passivo superveniente), até ao montante que receberam na partilha, sem atingir ou afectar o seu património pessoal,  para além do recebido na partilha ;
- a representação da generalidade dos sócios, nessas acções, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva Ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação – cf., artº. 163º, nº. 2, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais ;
- e, só assim não será nas situações em que os liquidatários estejam impossibilitados de exercício das funções, o que sucede, de forma mais concludente, com a sua morte, sendo então substituídos pelos últimos gerentes, administradores ou directores da sociedade ;
- todavia, correspondendo estes aos liquidatários falecidos (não se olvide que tais funções de liquidatário são exercidas, salvo cláusula do contrato social ou deliberação em contrário, pelos membros da administração da sociedade), tal desempenho é cometido aos (antigos) sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital social ;
- nas acções tituladas ao portador a forma de transmissão opera-se através da traditio ou entrega física das acções (modo), a que subjaz a necessária celebração de um negócio jurídico translactivo (título), ou seja, exige-se que aquela traditio ou entrega se apoie num título válido ou negócio causal subjacente ;
- com efeito, tal tipologia, quanto à forma de transmissão, de acções tituladas, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, caso se encontrem depositadas, por constituto possessório, ou, quando o não estejam, pela referenciada entrega material ou traditio, o que dificulta, ou mesmo impossibilita, o conhecimento da identidade do portador ;
- o que foi expressamente reconhecido no âmbito da alteração legislativa concretizada na Lei nº. 15/2017, de 03/05, e DL nº. 123/17, de 25/09, que veio estabelecer a proibição de emissão de novos valores mobiliários ao portador e a conversão dos valores mobiliários ao portador, em circulação, que teve por base o projecto de lei nº. 205/XIII, ao referenciar, na respectiva exposição de motivos, que a “existência de valores mobiliários ao portador permite a dissipação de património, na medida em que é impossível a identificação dos seus titulares.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1 – No âmbito da acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, instaurada por GRANT THORNTON & ASSOCIADOS – SROC, LIMITADA, contra AUGUSTA – SOCIEDADE de CONSTRUÇÕES, S.A. e outros, a Autora apresentou, em 31/10/2016, requerimento com o seguinte teor:
“1. Conforme consta dos presentes autos, em 15 de Setembro de 2016, a Ré foi dissolvida e liquidada no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação.
2. Conforme consta do documento que se anexa sob doc. n.º 1, a sociedade tem como accionistas:
J ....., com 39,46% do capital social (falecido)
M ....., com 13,65%, nif ………..
R ....., com 7,58 %, nif  ……….
F ....., com 7,58 %, nif ……….
H ....., com 7,58 % (falecido)
3. Sendo que o principal acionista, entretanto falecido, é marido da segunda acionista e pai dos restantes accionistas.
4. Igualmente, conforme consta dos documentos junto aos autos designadamente as IES e os Balancetes, a sociedade detinha não só activos importantes como 2.688.292,58 €, em imóveis e, sobretudo, 10.449.815,94 €, em participações sociais em outras sociedades.
5. Sociedades que se encontram em funcionamento, designadamente a sociedade Montechoro – Empreendimentos de Investimento Turístico, S.A., entidade proprietária e exploradora do Hotel Montechoro em Albufeira, com faturação anual de 2.511.304,17 € e 224 funcionários (doc. n.º 2)
6. Participação social que foi transmitida aos sócios sem qualquer acto de liquidação que assegurasse o pagamento aos credores sociais da Ré sociedade.
7. Com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa colectiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
8. Estas disposições normativas tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas, depois de extinta a sociedade.
9. Ora, dispõe o art.º 162º do Código das Sociedades Comerciais que:
1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
10. Assim, no que diz respeito às acções pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na acção, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios.
11. Ora, in casu, e nos termos do n.º 1 do art.º 151º do CSC, este papel cabe à Presidente do Conselho de Administração, M ....., nif ………. – aliás como decorre do requerimento da Ré, com a referência 6652338 de 4/03/2011.
12. Como resulta do n.º 1 do artigo 163.º “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
13. Significa isto que, extinta a sociedade comercial, pelo registo de encerramento da liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculavam transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios.
14. Portanto, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado.
15. Nestes termos, e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exa, se requer que V. Exa se digne a ordenar o prosseguimento da presente acção judicial contra os antigos accionistas da sociedade dissolvida e liquidada, nos termos dos artigos 162º e 163º do CSC, representados pela accionista M ....., nif ………, com última morada conhecida na Rua ……….. LISBOA”.
2 – Concluídos os autos, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu, em 03/11/2016, o seguinte despacho:
“Verifico do teor da certidão da matrícula da Ré, junta aos autos, que a mesma foi encerrada, constatando-se o encerramento da liquidação (cfr. Inscrição nº 5 e 6, de 15-9- 2016).
Na referida data (15-9-2016), encontrava-se pendente, o presente processo.
A sociedade num processo comum de liquidação não pode deixar de liquidar todos os seus passivos. A ocultação de passivos e falsas declarações são crime.
Face ao exposto, notifique-se os accionistas da ré, Marília ....; Rosa …… e Fernando ……, para querendo, e no prazo de dez dias, se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pela A., a fls. 511 e seguintes.
Notifique”.
3 – Cumprido o determinado, veio o notificado F ....., em 21/11/2016, referenciar, em súmula, o seguinte:
§ A A. alega que, conforme consta dos autos, a R. foi dissolvida e liquidada no âmbito de procedimento administrativo ;
§ Alegando, ainda, que, como supostamente consta do documento nº 1, a R. teria como accionistas J ....., M ....., H ....., e F ....., juntando como suposta prova do alegado um relatório de uma empresa Informa D & B , Lda. ;
§ Desconhece-se o valor legal probatório do relatório da sobredita empresa, o qual, lamentavelmente a A. também não indica, mas estamos certos que o mesmo é absolutamente insusceptível de provar o que quer que seja, em especial a qualidade de accionistas de uma sociedade anónima ;
§ muito embora as acções sejam coisas móveis corpóreas, as normas a atender em primeiro lugar, para a resolução da questão de saber como é que elas se transmitem, são as do Código dos Valores Mobiliários, em especial o artigo 101º, nºs 1 e 2 ;
§ No nosso ordenamento jurídico, a transmissão de acções ao portador, como é o caso, ocorre por efeito da transmissão dos respectivos títulos, conforme previsto especialmente pela lei para a transmissão das acções, ou seja ocorre legalmente quando o titular de uma acção a entrega a outrem o título representativo dessa acção ;
§ O enunciado relatório não é idóneo nem susceptível de provar quaisquer dos dados que indica, pelo que se impugna o mesmo ;
§ No caso concreto, estando em causa uma sociedade anónima, a qualidade de sócios não se encontra indicada na Conservatória do Registo Comercial, mas deve ser demonstrada pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução ;
§ Impugnando-se, igualmente, a indicada qualidade de sócio do ora Requerente ;
§ A Autora não junta qualquer processo de partilha, não indica qualquer processo de liquidação da R. ;
§ Limitando-se a ficcionar a identificação dos supostos accionistas da R. na altura da dissolução, a existência e a identificação do património da R. na altura da sua dissolução, a verificação de processos de inventário e de partilha e a atribuição de bens aos já ficcionados accionistas ;
§ Ademais, a indicada M ..... faleceu ;
§ O móbil da A. através do requerimento que ora se responde é tentar responsabilizar uma empresa que nada tem a ver com a R., em relação a valores cujo pagamento imputa a esta, mas fá-lo de uma forma manifestamente infundada, sem ser apoiada em qualquer critério legal, ou mesmo factual ;
§ Age em manifesta litigância de má fé, pelo que deve ser condenada a tal título, em multa e indemnização que indica.
Conclui, no sentido de indeferimento do requerido, devendo a Requerente/Autora ser condenada como litigante de má fé, em valor de indemnização não inferior a 2.000,00€ (acrescido de IVA) e em multa em valor a fixar mediante o prudente arbítrio do Tribunal.
4 – Em 06/12/2016, veio a Autora responder a tal alegação, mencionando, em resumo, que:
Ø Conforme consta dos autos, o último ano que a sociedade Ré prestou contas foi em 2008 ;
Ø Conforme consta da conta 51 do Balancete da Ré, elaborado pela Ré, a 31 de Dezembro de 2008, os titulares do capital são os indicados, onde o Requerente surge como accionista ;
Ø conforme consta do doc. n.º 8/4 junto com a Réplica, na Assembleia de Accionista, o ora Requerente, consta como accionista, e nessa qualidade deliberou e aprovou as decisões submetida à Assembleia ;
Ø de acordo com a cópia não certificada junta aos autos, a sociedade refere expressamente que a Natureza das acções é: nominativas ou ao portador…, sendo que o registo na contabilidade da sociedade dos titulares de capital, apenas ocorre com as acções nominativas ;
Ø evidenciando-se, ainda, que o Requerente não juntou o documento de conversão das referidas acções nominativas em acções ao portador, logo toda a dissertação jurídica realizada, é insuficiente ;
Ø e, no caso concreto, como houve liquidação administrativa, não houve qualquer acto formal de transmissão ;
Ø nega qualquer litigância de má fé, que antes imputa ao requerente.
Conclui, pugnando pelo prosseguimento dos autos contra os accionistas conforme requerido, e concomitantemente, devendo ser absolvida da requerida litigância de má-fé (requerimento consultado mediante acesso à plataforma citius).
5 – Após averiguação da veracidade de informações prestadas nos autos, em 27/02/2017, foi proferido o seguinte despacho:
“Os presentes autos prosseguirão para apuramento sobre o que terá sido recebido pelos accionistas e administradores, após a liquidação da sociedade Ré.
Apenas sobrevivem os accionistas Rosa .... e Fernando ……. Uma vez que apenas este último interveio nos autos, notifique-se o mesmo para juntar aos autos, cópia de habilitação de herdeiros de seus pais, ou, sendo o caso, informar de eventual renúncia à herança.
Notifique” (requerimento consultado mediante acesso à plataforma citius).
6 – Em resposta, o notificado Fernando ……., em 16/03/2017, veio esclarecer que “R .....s, F ..... e H ....., filhos de J ..... e de M………., efectivamente repudiaram às heranças destes”, juntando cópia dos repúdios (requerimento consultado mediante acesso à plataforma citius).
7 – Por despacho datado de 29/05/2017, decidiu a Sra. Juíza a quo nos seguintes termos (que ora se transcreve):
Da extinção da Ré na pendência da causa e suas consequências no andamento da acção; regularização do processado quanto à definição do objecto da causa

Do teor da certidão do registo comercial de fls. 507 e segs. resulta que a R. foi extinta na pendência da acção, tendo a dissolução e encerramento da liquidação sido registados mediante apresentação datada de 15 de Setembro de 2016, com registo de cancelamento da matrícula na mesma data.
Ora, de acordo com o art. 162º do C.S.C. (Código das Sociedade Comerciais), as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos arts. 163 nºs 2, 4 e 5, e 164º nºs 2 a 5 do C.S.C., sendo que a instância não se suspende nem é necessária a habilitação, ou seja, a substituição é automática.
Na verdade, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam da partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (cfr. art. 163º nº 1 do C.S.C.).
Ou seja, não existindo sócios de responsabilidade ilimitada como é o caso, a responsabilização dos sócios está confinada patrimonialmente ao recebido na partilha, o que significa que, pelo passivo da Ré e crédito da Autora, e que nesta acção ainda não foi decidido, não poderá ser atingido o património pessoal dos sócios para além do recebido na partilha, sem prejuízo das acções de responsabilidade civil previstas nos arts. 78º e 79º do C.S.C. e que não se confundem com as acções que visam a responsabilidade da sociedade, como é o caso da presente.
O disposto nos arts. 162º e 163º do C.S.C. apenas visa agilizar a representação processual da sociedade extinta, estes preceitos não consagram qualquer direito de reversão dos credores contra os sócios ou liquidatários.
Donde, o despacho de fls. 24/02/2017 de fls. 549 (que não é da nossa autoria) ao estipular que os autos prosseguem para apuramento “sobre o que terá sido recebido pelos accionistas e administradores após a liquidação da sociedade Ré” padece de inexactidão devida a lapso manifesto, impondo-se a sua correcção ou clarificação.
Com efeito, o objecto da acção não se convolou com a extinção da Ré, portanto, o objecto desta acção continua a ser o definido pelos articulados, e a matéria controvertida é a que consta do despacho saneador.
A discussão sobre os bens existentes aquando da dissolução e sua partilha pelos accionistas não vai ser travada nestes autos, ela apenas poderá relevar em sede de execução caso se conclua nesta acção que a Autora era credora da primitiva Ré (sendo os accionistas condenados a ressarcir o crédito até ao montante que receberam na partilha), ou em eventuais acções de responsabilidade civil contra os administradores e sócios nessa qualidade, nos termos dos arts. 78º, 79º, e 83º do C.S.C..
Isto posto, quanto à representação da primitiva Ré nesta acção, nos termos do art. 163º nº2 do C.S.C., para o qual remete o art. 162º nº1, as acções necessárias para os fins referidos no art. 163º nº1 podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação, sendo que qualquer dos sócios pode intervir como assistente. Mais se preceitua que, sem prejuízo das excepções previstas no art. 332º do N.C.P.C. (que corresponde ao anterior 341º), a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
Por conseguinte, processualmente são os liquidatários, ainda que agindo como representantes legais dos sócios, que passam a figurar do lado passivo em substituição da primitiva Ré, para todos os efeitos incluindo a citação. A reforçar a ideia de que os sócios não intervêm na acção como réus quando existem liquidatários, está a possibilidade expressa de intervirem como assistentes.
Nos termos do art. 151º nº 1 do C.S.C. os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida.
In casu decorre da certidão permanente junta a fls. 507 e segs. que os membros da administração da sociedade aquando da extinção eram J ..... e M ………...
Ocorre que, os dois falecerem (certidão do assento de óbito de fls. 539), o que significa que ficou inviabilizada a representação dos sócios/accionistas pelos liquidatários.
Donde, devem ser citados os últimos accionistas sobrevivos para efeitos de assegurar a legitimidade passiva da Ré extinta.
A Autora identificou os últimos accionistas, a saber: J ....., M ...., F ....., R ....., e H ......
F ..... não foi citado mas apenas notificado, porém, interveio na acção e juntou procuração, e, embora impugnando a sua qualidade de accionista à data da extinção da sociedade, não juntou qualquer prova da transmissão das acções de que fosse titular (em bom rigor não chegou a alegar devidamente esta transmissão) nem identificou outros accionistas aquando da extinção da Ré (designadamente um terceiro a quem tivesse transmitido as suas acções antes da dissolução da sociedade).
Tendo intervindo nos autos e revelando o seu pleno conhecimento, considera-se regularmente citado.
R ..... foi notificada efectivamente, porém, não interveio no processo, devendo por isso ser regularmente citada, o que se decidirá a final (cfr. art. 566º do N.C.P.C.).
Está também comprovado, conforme print que antecede, o óbito de H ....., outro dos sócios da primitiva Ré, ignorando-se porém em que data faleceu, designadamente, se faleceu em data anterior à extinção da Ré, caso em que as acções integraram o seu acervo hereditário (a transmissão mortis causa das acções rege-se pelo direito comum das sucessões), decorrendo da escritura de repúdio relativamente às heranças abertas por óbito de seus pais que H ..... era divorciado mas tinha descendentes (fls. 557 e 558).
Para efeitos de assegurar a representação da primitiva Ré, o repúdio da herança aberta por óbito de seus pais (J ..... e M ....), a que F ....., R ....., e H ..... procederam, apenas releva no sentido de que os mesmos não podem intervir na qualidade de herdeiros daqueles accionistas falecidos.
Mas já deverão intervir os herdeiros/descendentes de H ..... em sua representação (cuja responsabilidade passará a estar duplamente confinada, por um lado ao recebido na partilha decorrente da morte do seu pai, e por outro e cumulativamente aos bens hereditários que tenham advindo da partilha decorrente da dissolução da sociedade), sem prejuízo de, tendo este accionista falecido em data anterior à dissolução da Ré, terem as suas acções sido também partilhadas antes deste evento, caso em que apenas deverá ser demandado o herdeiro a quem couberam as acções por ser o único beneficiário da partilha decorrente da dissolução.
Em conclusão, uma vez que apenas foi notificada e não interveio na acção, deve ser citada R ..... com os formalismos legais, a fim de que a mesma intervenha em substituição da sociedade extinta, com informação de que, atenta a obrigatoriedade de patrocínio, deverá juntar procuração aos autos caso queira intervir na acção (v.g inquirindo as testemunhas anteriormente arroladas pela primitiva Ré em julgamento), e de que a acção prossegue os seus termos com aproveitamento dos actos anteriormente praticados, o que se decide.
Em 10 dias deverá a Autora informar em que data faleceu H ..... e identificar os seus herdeiros a fim de que os mesmos sejam citados em representação daquele, a não ser que também estes tenham repudiado a herança aberta por óbito de H ....., o que deverá ser comprovado.
Coloque-se em alarme, atenta a data de propositura da acção.
Notifique”.
8 – Por despacho de 05/02/2018, determinou-se a notificação da Autora para que, “no prazo de 10 dias, preste a informação que há muito lhe foi solicitada (informar em que data faleceu H ..... e identificar os seus herdeiros, a fim de que os mesmos sejam citados em representação daquele, a não ser que também estes tenham repudiado a herança aberta por óbito de H ....., o que deverá ser comprovado), sem a qual a acção não pode prosseguir, sob pena de não o fazendo ser equacionada a deserção da instância por falta de impulso processual da sua parte(requerimento consultado mediante acesso à plataforma citius).
9 – Em resposta ao ordenado, veio a Autora, mediante requerimento de 22/02/2018, expor o seguinte:
“1. O Sr. H ..... faleceu no dia 4 de Abril de 2012, no estado civil de divorciado (conforme certidão de óbito que se anexa sob documento n.º1).
2. Daquilo que foi possível apurar, o de cujus deixou como seus únicos herdeiros, os seus cinco filhos (doc. 2)
a) José ……………, nascido em …….. de 1969, casado com Ana ………….;
b) Henrique …………., nascido a …….. de 1978, à data do falecimento do pai casado com Sara ……… (casamento dissolvido em …….. de 2014);
c) Maria …….., nascida a ……… de 1980;
d) João ………, nascido a …….. de 1986;
e) Madalena …….., nascida a ……… de 1996;
3. A Autora desconhece se existiu escritura de habilitação, ou se os herdeiros repudiaram a mesma.
4. Em consequência, requer-se que V.Exa se digne a ordenar a citação dos mesmos, nos termos legais” (obtido mediante acesso à plataforma citius).
10 – Determinando, em 06/04/2018, a prolação do seguinte despacho:
Cite os indicados herdeiros/sucessores de H ..... nessa qualidade, com indicação de que H ..... foi demandado na qualidade de sócio da Ré extinta na pendência da acção(obtido mediante acesso à plataforma citius).
11 – Bem como, em 18/06/2018, a sua reiteração nos seguintes termos:
Requerimento que antecede apresentado pela Autora:
Cite-se os herdeiros de H ..... ora identificados, nessa qualidade (de sucessores de H .....), nos termos e para os efeitos determinados no despacho de 29/05/2017 (fls. 562 e segs.), o qual também deve acompanhar as citações para melhor compreensão(obtido mediante acesso à plataforma citius).
12 – Inconformados com o decidido, R ...., F ....., J ...., H……., J……., M…….. e D, interpuseram recurso de apelação, em 15/11/2018, por referência à decisão prolatada em 29/05/2017.
Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES:
“1.
Os Recorrentes impugnam a douta decisão que ordenou a substituição da dissolvida e liquidada sociedade Augusta SA porquanto, na realidade, não estão demonstrados os requisitos legais para tal, nomeadamente previstos no nº5 do art. 163º do CSC.
2.
A decisão recorrida não andou bem ao considerar in casu que os Recorrentes deveriam substituir a sociedade dissolvida.
3.
O “chamamento” dos ora Recorrentes teve origem num requerimento da A., aqui Recorrida, onde foi alegado que R ...., F……. e H……… seriam os últimos accionistas da Augusta SA .
4.
O teor do requerimento apresentado pela Recorrida e bem assim da prova que juntou não são susceptíveis de demonstrar a qualidade de accionistas àqueles acima indicados.
5.
Os documentos juntos pela Recorrida foram impugnados, não são aceites pelos Recorrentes, nem é possível atribuir qualquer valor legal probatório ao mesmos.
6.
No caso concreto, estando em causa uma sociedade anónima, com acções ao portador, a qualidade de sócios não se encontra indicada na Conservatória do Registo Comercial, mas devia, à data dos factos, ser demonstrada pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução.
7.
A intervenção dos ora Recorrentes, em substituição de Augusta SA, deveria partir da demonstração prévia nos autos de que R ...., H ....., e F ..... seriam, na altura dos factos, ou seja, no momento da dissolução e liquidação administrativas, accionistas da sobredita sociedade.
8.
Essa demonstração constituí um ónus da Recorrida, contudo, como vimos, as supostas evidências trazidas para os autos são, de todo insusceptíveis, de provar a qualidade de accionistas de R ...., H ....., e F .....
9.
Nem a Recorrida poderia cumprir tal ónus, porque a Augusta SA, no momento da sua dissolução e liquidação, não contava com R ...., H ....., e F ..... como sócios.
10.
Em rigor, sobre a Recorrida não impende só o ónus de demonstrar a qualidade de sócios como também a percentagem das suas participações sociais, pois o nº5 do art. 163º do CSC determina que quando os liquidatários tenham falecido, tais funções deverão ser exercidas pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.
11.
A Recorrida também não cumpriu o ónus da demonstração do percentual de capital detido pelos supostos sócios que deseja chamar à demanda.
12.
Os fundamentos supra determinam a revogação da decisão recorrida.
13.
No que toca ao chamamento de J ...., H………, J…….., M………, D, um outro fundamento concorre para a revogação da decisão recorrida, pois estes, na realidade, repudiaram à herança do seu pai, H ......
14.
Os Recorrentes juntam para o efeito os documentos que se revelam essenciais para a apreciação do recurso quanto a este ponto, ou seja, juntam os respectivos repúdios à referida herança (cfr. docs. nº1 a 5 que se juntam e consideram reproduzidos).
15.
A intervenção de J ...., H…….., J…….., M……., D………… dependia, para além da demonstração que o falecido H ..... era acionista da Augusta SA no momento da dissolução e liquidação desta, da demonstração prévia da aceitação da herança deste por banda dos seus descendentes.
16.
Tal demonstração não foi realizada, nem podia, pois repudiaram à herança”.
Conclui, no sentido de ser revogada a decisão recorrida, “dando-se sem efeito a decisão que ordenou a intervenção dos recorrentes nos presentes autos, em substituição da sociedade dissolvida e liquidada”.
Juntaram 5 documentos, tradutores de escrituras de repúdio de heranças.
13 – Não foram apresentadas contra-alegações.
14 – O recurso foi admitido por despacho datado de 02/04/2019, como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
15 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos Recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Cumpre ainda referenciar que o recurso não se destina a apreciar questões novas, mas antes a impugnar decisões proferidas anteriormente, como é jurisprudência uniforme e, resulta, de resto, dos artigos 627.º e 631.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelos Recorrentes/Apelantes, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina conhecer:
§ se aos Recorrentes deve ser reconhecida a qualidade de accionistas da sociedade Ré, entretanto declarada extinta, de forma a substituírem-na, através do desempenho das funções de liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nº. 5, ex vi do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais.

O que implica, nomeadamente, a apreciação, pelo menos, das seguintes questões:
(i) da dissolução, liquidação e extinção da sociedade ;
(ii) da substituição das sociedades, nas acções pendentes, após a sua dissolução ;
(iii) da transmissão dos valores mobiliários (acções) titulados (nominativos e ao portador).

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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar é a aludida no precedente relatório.
A que urge aditar, ainda, nos quadros do nº. 4, do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, tendo por base a prova documental junta aos autos (melhor explicitada infra), a seguinte factualidade:
a) conforme informação prestada pela Conservatória do Registo Comercial de Albufeira, datada de 17/11/2016,  consta da matrícula da sociedade Augusta – Sociedade de Construções, S.A., que esta possuía o capital social de 11.860.000,00 €, e ter como elementos do Conselho de Administração J ..... (Presidente) e M .... ;
b) figurando, ainda, que a mesma sociedade tem a “MATRÍCULA CANCELADA” ;
c) consta sob a Insc. 1 – 19770706, aposta na mesma matrícula comercial, referente a CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), entre o mais, o seguinte:
Número de acções: 2372000
Valor nominal: 5.00 Euros
Natureza: nominativas ou ao portador, registadas ou não e reciprocamente convertíveis” ;
d) constando como designados para o Conselho de Administração, por deliberação de 15/06/1995, para o triénio 1995/97:
- J ..... (Presidente) ;
- H ..... ;
- F……. ;
e) Sob Averbamento 1 de tal inscrição – AP. 116/20090812, referente a CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBROS DO(S) ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), consta, relativamente ao Conselho de Administração, a de:
- H ..... ;
- F ....,
Tendo por causa renúncia datada de 31/10/2007 ;
f) consta sob a Insc. 2 – AP. 41/20080526, aposta na mesma matrícula comercial, referente a ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), entre o mais, serem designados para o Conselho de Administração :
- J ..... (Presidente) ;
- H ..... (Administrador) ;
- F ..... (Administrador) ;
g) Sob Averbamento 1 de tal inscrição – AP. 47/20090817, referente a CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBROS DO(S) ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), consta, relativamente ao Conselho de Administração, a de:
- H ..... ;
- F ....,
Tendo por causa renúncia datada de 30/05/2008 ;
h) consta sob a Insc. 3 – AP. 48/20090817, aposta na mesma matrícula comercial, referente a DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), entre o mais, serem designados para o Conselho de Administração, por deliberação de 02/12/2008, para o triénio de 2008/2010 :
- H ..... ;
- F ..... ;
i) Sob Averbamento 1 de tal inscrição – AP. 49/20090817, referente a CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBROS DO(S) ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), consta, relativamente ao Conselho de Administração, a de:
- H ..... ;
- F ....,
tendo por causa renúncia, datada de 25/03/2009 ;
j) consta sob a Insc. 4 – AP. 50/20090817, aposta na mesma matrícula comercial, referente a ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS), entre o mais, ser designada para o Conselho de Administração, põe deliberação de 30/03/2009, para o triénio 2008/2010 :
- M .... ;
k) consta sob a Insc. 5 – AP. 239/20160915, aposta na mesma matrícula comercial, a referente a DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO;
l) consta sob a Insc. 6 – OF. 2 da AP. 239/20160915, aposta na mesma matrícula comercial, a referente a CANCELAMENTO DA MATRÍCULA – (cf., quanto à totalidade destes factos, o  doc. junto aos presentes autos de fls. 29 vº a 32);
m) No Balancete Geral de 2008 da sociedade Augusta – Sociedade de Construções, S.A., consta, na Conta 51, ter esta o capital social de 11.860.000,00 €, surgindo, como detentores do mesmo, os seguintes:
51101 J .....                                   7.539.998,56 €
51102 M ....                   1.620.000,18 €
51103 H .....                       900.000,42 €
51104 R……                           900.000,42 €
51105 F .....                  900.000,42 € - cf., doc. nº. 1, fls.5, junto com a Réplica (obtido mediante consulta da plataforma Citius);
n) Consta da Acta nº. 31 da Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade Anónima denominada Augusta – Sociedade de Construções, S.A., entre o mais, o seguinte;
Presentes todos os accionistas, nomeadamente J ....., M ...., H ....., R .....s, F ....., “mostrando-se assim representada a totalidade do capital social” – cf., doc. nº. 8, fls. 4, junto com a Réplica (obtido mediante consulta da plataforma Citius);
o) Conforme escritura pública de Repúdio, datada de 11/06/2013, J….. declarou que “pela presente escritura repudia à herança aberta por óbito de seu pai H ....., falecido no dia …….de Abril de dois mil e doze (…).
Que, não tem descendentes” - (doc. junto a fls. 16, nos termos do nº. 1, do artº. 651º, do CPC) ;
p) Conforme escritura pública de Repúdio, datada de 07/06/2013, J ….. declarou que “pela presente escritura, repudia à herança aberta por óbito de seu pai H ....., falecido no dia ……. de Abril de dois mil e doze (…).
Que, tem descendentes” - (doc. junto a fls. 17 vº e 18, nos termos do nº. 1, do artº. 651º, do CPC)  ;  
q) Conforme escritura pública de Repúdios, datada de 07/03/2014, M……….. declarou que, “pela presente escritura, repudia à herança aberta por óbito de seu pai, H ....., falecido no dia ……..de Abril de dois mil e doze (…).
Que, pela presente escritura, repudia também as heranças abertas por óbito de seus avós paternos:
J ....., falecido no dia dois de Fevereiro de dois mil e doze (…).
M…………….., falecida no dia cinco de Novembro de dois mil e onze (…).
Que, não tem descendentes” - (doc. junto a fls. 19, nos termos do nº. 1, do artº. 651º, do CPC);
r) Conforme escritura pública de Repúdio, datada de 11/06/2013, H…… declarou que “pela presente escritura repudia à herança aberta por óbito de seu pai H ....., falecido no dia …… de Abril de dois mil e doze (…).
Que, tem descendentes” - (doc. junto a fls. 20 e 21, nos termos do nº. 1, do artº. 651º, do CPC);
s) Conforme escritura pública de Repúdio, datada de 11/06/2013, M …… declarou que “pela presente escritura repudia à herança aberta por óbito de seu pai H ....., falecido no dia quatro de Abril de dois mil e doze (…).
Que, não tem descendentes” - (doc. junto a fls. 22, nos termos do nº. 1, do artº. 651º, do CPC).

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Na decisão apelada (datada de 29/05/2017) considerou-se que, extinta a Ré, decorrente da sua dissolução e encerramento da liquidação, devidamente registados, urgia proceder á sua substituição, de acordo com os cânones legais enunciados nos artigos 162º e 163º, nºs. 2, 4 e 5, do Cód. das Sociedades Comerciais.
Como os membros da administração da Ré já eram falecidos aquando da sua dissolução, mostrava-se inviabilizado o seu desempenho como liquidatários, nos quadros do nº. 1, do artº. 151º, do mesmo diploma, ou seja, resultava inviabilizada a representação dos sócios/accionistas pelos liquidatários.
Donde, em consequência, entendeu deverem ser citados os últimos accionistas sobrevivos para efeitos de assegurar a legitimidade passiva da extinta Ré sociedade.
Procedeu, então, à identificação dos últimos accionistas, ordenando, em conformidade, as suas citações, bem como dos respectivos sucessores, tendo em atenção os repúdios das heranças dos accionistas, e membros do então Conselho de Administração, J ..... e M ...., diligenciando, ainda, pela citação dos herdeiros do apontado sócio/accionista H ....., em representação deste, ainda que salvaguardando-se o eventual repúdio pela herança aberta pelo seu óbito.

Nas alegações recursórias, os Apelantes, aduziram, em súmula, o seguinte:
Ø no caso concreto, está em causa uma sociedade anónima, com acções ao portador, pelo que a qualidade de sócios não se encontra indicada na Conservatória do Registo Comercial ;
Ø tal qualidade demonstra-se, à data dos factos, pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução ;
Ø não tendo a Autora (Recorrida) demonstrado a qualidade de accionistas dos ora Recorrentes, tal determina a ilegitimidade destes para assegurar a substituição da sociedade extinta.
 
Consequentemente, definem o objecto recursório nos seguintes termos:
I) impugnam a sua designação para substituírem a sociedade Ré extinta, pois não está demonstrada a sua qualidade de accionistas, não podendo assim operar, relativamente a si, o disposto no nº. 5 do artº. 163º, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais.
A demonstração da sua qualidade de sócios/accionistas era um ónus da Autora (Recorrida) a concretizar pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução.
Tal ónus era impossível de cumprir, pois a sociedade Ré, à data da sua dissolução e liquidação, não tinha por sócios R ...., H ..... e F ..... – Conclusões 1. a 9. ;
II) sob a Autora (Recorrida) incumbia ainda o ónus de demonstrar a percentagem das participações sociais dos accionistas, atenta a regra do nº. 5 do artº. 163º, do Cód. das Sociedades Comerciais - Conclusões 10. a 12. ;
III) os descendentes do alegado sócio/accionista H ..... não deveriam ter sido chamados a intervir, pois repudiaram a herança de seu pai - Conclusões 13. a 16..

- Da dissolução, liquidação e extinção da sociedade e sua substituição nas acções pendentes

Dispõe o artº. 162º, do Cód. das Sociedades Comerciais, ajuizando acerca das acções pendentes aquando da liquidação das sociedades, que:
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Por sua vez, prevendo acerca do passivo superveniente, prescreve o artº. 163º, nºs. 2, 4 e 5, do mesmo diploma, que:
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
(….)
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade”.
O artº. 151º, nºs. 1, ainda do Cód. das Sociedades Comerciais, a propósito dos liquidatários, enuncia que:
“1 - Salvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida”, acrescentando o nº. 8, do mesmo normativo, que “as funções dos liquidatários terminam com a extinção da sociedade, sem prejuízo, contudo, do disposto nos artigos 162.º a 164.º”.
Como norma de natureza geral aplicável aos contratos de sociedade, ajuizando acerca da responsabilidade dos sócios após a liquidação [2], refere o artº. 1020º, do Cód. Civil, que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação”.
Nas palavras de Raul Ventura [3], “dissolvida a sociedade, não se altera radicalmente a sua organização, mas produzem-se algumas modificações na sua estrutura orgânica e bem assim na competência de alguns órgãos subsistentes”.
Deste modo, o “sistema de continuidade de pessoas” legalmente previsto no artº. 151º, do C.S.C., “recomenda-se por dois motivos: o conhecimento que os administradores ou gerentes já têm da sociedade que administraram ; a possibilidade de imediato começo das tarefas de liquidação”, decorrendo que “os administradores ou gerentes, mudam de qualidade (…), passando a exercer funções de liquidatários ; o órgão é outro, mas os novos cargos são, por força da lei, providos nas pessoas que exerciam os cargos anteriores”.
Como regra ou princípio geral, as funções dos liquidatários cessam com a extinção da sociedade, caso não tenha ocorrido qualquer anterior hipótese excepcional, nomeadamente “pela expiração do prazo de nomeação, pela morte, incapacidade ou inabilidade superveniente do liquidatário, por renúncia e por destituição”.
Todavia, tal intervenção dos liquidatários nem sempre cessa com a extinção da sociedade. É o que sucede “nas hipóteses de existirem acções pendentes, passivo ou activo superveniente (arts. 162º a 164º)”, relativamente às quais o liquidatário prolonga as suas funções.

Extinta a sociedade, subsistem, assim, relações jurídicas que se prolongam para além do termo da sua personalidade.
Com efeito, “se as dívidas não se extinguirem, mas o devedor inicial desaparecer, os credores deverão encontrar quem o substitua e não podem encontrar tal entidade fora dos sócios ou dos liquidatários[4]. Donde, “o problema do passivo e do activo superveniente foi resolvido no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em certos termos, para os sócios”, o que está reflectido no artº. 162º para as acções pendentes.
Desta forma, “a extinção da sociedade não produz a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; tais acções continuam”, considerando-se a sociedade “substituída pela generalidade dos sócios”, sem necessidade de suspensão da instância e de habilitação. O que configura legal solução semelhante à prevista no nº. 2 do artº. 269º, do Cód. de Processo Civil, para as situações de transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade, que seja parte na causa.
E, no que concerne à intervenção do liquidatário, este “já funcionava no processo como representante da sociedade e passará a ser considerado representante legal da generalidade dos sócios”.

Procurando explicitar a legal solução do como e porquê dos débitos, bens e créditos que tinham como sujeito a sociedade passarem a ser encabeçados nos sócios, aduz o mesmo Ilustre Autor [5] que “o como não pode deixar de ser uma sucessão”, enquanto que “o porquê é, em primeiro lugar, intuitivo ; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão se os satisfazer ; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes[6].
Desta forma, a legal solução consagrada no transcrito artº. 1020º, do Cód. Civil, “consiste em os antigos sócios continuarem responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação. Por outras palavras, a responsabilidade dos sócios para com terceiros, relativos aos débitos sociais não satisfeitos durante a liquidação, não é afectada pela facto de a liquidação ter terminado e a sociedade ter sido extinta”.
Com efeito, a responsabilidade “recai sobre os «antigos sócios», corroborando o adjectivo que a sociedade está terminada e afastando a ideia de que, para esse efeito limitado, se considere constituída alguma nova sociedade. São de tomar como «antigos sócios» aqueles que tinham essa qualidade no momento da extinção da sociedade ; no caso de posteriormente falecer algum antigo sócio, respondem os seus sucessores nos termos legais”.
Todavia, esta responsabilidade “é limitada ao montante que receberam na partilha”, o que se apura “relativamente a cada sócio, i.e., cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha e não por aquilo que outros sócios também tenham recebido, o que atingiria potencialmente a totalidade do activo partilhado”.
Por sua vez, o mecanismo legal inscrito no transcrito nº. 2, do artº. 162º, visa facilitar a actuação dos credores sociais, sem prejudicar os sócios. Com efeito, depois de extinta a sociedade, os credores sociais ver-se-iam confrontados com “uma pluralidade de devedores, desprovidos, em princípio, de uma representação unitária e embora os pudessem demandar conjuntamente, nos termos do art. 30º, nº. 1, CPC, estariam sujeitos a incómodas contingências para a identificação dos actuais réus (por exemplo, dificuldades de determinação dos sucessores, no caso de falecimento de algum antigo sócio ; desconhecimento dos antigos titulares de acções não registadas) e a complicações processuais, como as citações de numerosos réus e a eventual separação das defesas destes” (sublinhado nosso).
Desta forma, a consagrada solução alternativa, “consiste em «despersonalizar» os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a «generalidade» deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas, na falta deles) a representação processual dessa «generalidade»”. Pelo que bastará, aquando da propositura da acção pelo reclamado credor social, identificar na petição inicial os representantes, ou seja, os liquidatários da extinta sociedade, “o que o credor não tem dificuldade em fazer, bastando-lhe consultar o registo comercial”.
Este sistema de representação legal não tem coincidência com nenhum outro previsto no Cód. de Processo Civil, ainda que se aproxime do estatuído no vigente artº. 26º, previsto “quanto a patrimónios autónomos e sociedades ou associações que careçam de personalidade jurídica”. Todavia, não seria directamente aplicável, pois, na situação em apreciação “não há um património autónomo – os bens pertencem individualmente a cada sócio e também cada um destes é individualmente responsável pela dívida, até certo limite – e muito menos uma associação ou sociedade, mesmo desprovidas de personalidade. No entanto, a ideia básica é idêntica ; há neste caso uma sobrevivência de um interesse, que foi comum a todos os antigos sócios sob a égide da sociedade, e que ainda é em substância idêntico, pois todos eles estão sujeitos a responder pela dívida, sofrendo eventualmente um prejuízo igual ao que sofreriam se tal dívida tivesse feito reduzir o activo partilhável”. 
Adrede, considera, avançando um enquadramento dogmático, que a enunciada “generalidade dos (antigos) sócios” tem personalidade judiciária, actuando os liquidatários “judicialmente como representantes da generalidade dos sócios ; recebem da lei o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, aceitaram exercer”.
Todavia, existem situações em que os liquidatários não podem exercer funções, maxime quando ocorre a sua morte, seja esta anterior ou posterior à propositura da acção pelo credor, nos casos de reivindicação de passivo superveniente.
Nestas situações, segundo o prescrito no nº. 5 do artº. 163º, do Cód. das Sociedades Comerciais, a confiança no desempenho de tal encargo é atribuída em primeiro lugar aos “últimos gerentes, administradores ou directores da sociedade – se não tiverem sido eles também os liquidatários falecidos – como pessoas que mais directamente estiveram envolvidas nos negócios sociais ; prevendo ainda a morte destes, recorre aos (antigos) sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital social” (sublinhado nosso).

Aqui chegados, tendo por lastro o enquadramento jurídico e entendimento doutrinário expostos, podemos assentar as seguintes ideias:
- as acções judiciais em que uma sociedade seja parte – activa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários ;
- tal substituição é automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso a incidente de habilitação ;
- dissolvida a sociedade, encerrada a liquidação e extinta aquela, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, nas operações de liquidação (passivo superveniente), até ao montante que receberam na partilha ;
- o que implica que o património pessoal dos sócios, para além do recebido na partilha, não pode ser atingido ou afectado ;
- a representação dos sócios, nessas acções, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva Ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação ;
- e, só assim não será nas situações em que os liquidatários estejam impossibilitados de exercício das funções, o que sucede, de forma mais concludente, com a sua morte, sendo então substituídos pelos últimos gerentes, administradores ou directores da sociedade ;
- todavia, correspondendo estes aos liquidatários falecidos (não se olvide que tais funções de liquidatário são exercidas, salvo cláusula do contrato social ou deliberação em contrário, pelos membros da administração da sociedade), tal desempenho é cometido aos (antigos) sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital social.

Consignadas as elencadas ideias, vejamos, com maior proximidade o caso concreto.
Estamos perante uma sociedade anónima, que, á data da sua extinção, tinha como membros da administração societária:
- J ..... ; e
- M .... – cf., facto a).
Tendo sido a presente acção instaurada no ano de 2010, tais membros do conselho de administração, vieram a falecer na sua pendência, nomeadamente, e respectivamente, em 02/02/2011 e 05/11/2011.
Desconhecendo-se qualquer cláusula societária ou deliberação social em contrário, com a dissolução da Ré e posterior liquidação, ocorrida em 2016, as funções de liquidatários deveria ser exercida por aqueles, o que se mostrou de todo impossível.
Estendendo-se tal impossibilidade ao exercício de idênticas funções de liquidatários, mesmo após a extinção da sociedade, de forma a poderem representar os sócios/accionistas, nos termos previstos no nº. 1, do artº. 162º, do Cód. das Sociedades Comerciais e, nomeadamente, na presente acção, em que é reclamado o pagamento de passivo superveniente.
Perante tal impossibilidade, de acordo com os cânones prescritos no nº. 5, do artº. 163º, do mesmo diploma, tais funções devem ser cometidas aos sócios, por ordem decrescente da sua participação social, ou seja, começando-se pelo(s) sócio(s) com maior participação social.

Considerou a decisão apelada que, neste desiderato, deviam ser citados os últimos accionistas sobrevivos, de forma a assegurar a legitimidade passiva da Ré extinta.
Não constando tais accionistas devidamente registados ou identificados na matrícula comercial da Ré, entretanto cancelada, tendo por base a identificação efectuada pela Autora, elencou-os nos seguintes termos:
Ø J ..... (falecido, conforme supra mencionado) ;
Ø M .... (falecida, conforme supra mencionado) ;
Ø F ..... (filho dos dois primeiros) ;
Ø R ..... (filha dos dois primeiros) ;
Ø H ..... (filho dos dois primeiros e entretanto falecido em 04/04/2012, ou seja na pendência da presente acção).
Sendo este H ..... divorciado, mas tendo descendentes, vieram estes a ser identificados como:
1. J……….. ;
2. H………. ;
3. J………….. ;
4. M………;
5. D……...
Tendo-se considerado, ainda, que os identificados F…….., R…….. e H………. haviam repudiado a herança aberta por óbito dos seus pais (J ..... e M ....), entendeu-se na decisão apelada que para assegurar a representação da primitiva Ré, tal repúdio apenas releva no sentido de que estes não podem intervir na qualidade de herdeiros daqueles accionistas falecidos. Salvaguardando, consequentemente, a admissibilidade da sua intervenção enquanto accionistas, por direito próprio.
Entendeu-se, ainda, como consequência do repúdio dos sucessores filhos, deverem intervir os herdeiros descendentes de H ....., entretanto falecido, em sua representação – cf., artº. 2062º, do Cód. Civil -, a não ser que:
a) Tenha falecido em data anterior á dissolução da Ré (o que ocorreu) e terem sido as suas acções anteriormente partilhadas (do que não há notícia), caso em que deveria apenas ser chamado o herdeiro a quem coubessem as acções, por ser o único beneficiário da partilha decorrente da dissolução ;
b) Tais herdeiros tenham repudiado a herança aberta por óbito de seu pai H ....., a comprovar nos autos.

Desta forma, acrescentamos nós, a intervenção dos herdeiros/descendentes de H ....., operar-se-ia de duas distintas formas:
- na sequência do repúdio da herança dos pais por este operada, em direito de representação, relativamente às acções de que fossem titulares os seus avós J ..... e M .... ;
- como herdeiros sucessores das acções de que o seu pai fosse directamente titular.
Sendo que, conforme referenciado na decisão apelada, sempre com uma responsabilidade duplamente confinada: por um lado, ao recebido na partilha decorrente da morte do seu pai (e avós, acrescentamos nós, atenta a operacionalidade da representação) ; por outro, e cumulativamente, aos bens hereditários que tenham advindo da partilha decorrente da dissolução da sociedade.

Todavia, os Apelantes impugnam e questionam a sua qualidade de sócios/accionistas da sociedade Ré, considerando que não pode operar, relativamente a si, o disposto no nº. 5, do artº. 163º, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais, ou seja, não podem assegurar a substituição da sociedade extinta.
Aduzem que a demonstração de tal qualidade era um ónus da Autora/Recorrida, que o não cumpriu, a demonstrar pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução, considerando que a Ré é uma sociedade anónima com acções ao portador, pelo que a qualidade de sócios não se encontra indicada na Conservatória do Registo Comercial.
O que determina, consequentemente, a necessária análise da natureza societária da Ré, e forma de representação e transmissão das acções, no desiderato de lograr-se concluir acerca da forma de determinação probatória da qualidade de sócios/accionistas.

- Da transmissão dos valores mobiliários (acções) titulados (nominativos e ao portador)

É indubitável ter a Ré a natureza jurídica de sociedade anónima, a qual é definida como aquela em que “o capital é dividido em acções e cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das acções que subscreveu” – cf., artº. 271º, do Cód. das Sociedades Comerciais, aprovado pelo DL nº. 262/86, de 02/09.
Neste tipo societário, a aquisição da qualidade de sócio opera-se “com a outorga do contrato de sociedade ou da escritura de aumento do capital”, não dependendo “da emissão e entrega do título de acção” – cf., o artº. 274º, do mesmo diploma, na sua redacção inicial.
Assim, quanto à forma de representação, as acções (valores mobiliários) podem ser “escriturais ou titulados, consoante sejam representados por registos em conta ou por documentos em papel; estes são, neste Código, designados também por títulos” – artº. 46º, nº. 1, do Cód. dos Valores Mobiliários.
Por sua vez, no que concerne à forma de transmissão, as acções tituladas podiam ser nominativas ou ao portador, conforme o emitente tivesse ou não a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos titulares, sendo que “na falta de cláusula estatutária ou de decisão do emitente, os valores mobiliários consideram-se nominativos” – cf., artº. 52º, nº. 1, do Cód. dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, em correspondência com a redacção inicial do artº. 299º, do Cód. das Sociedades Comerciais.
Presentemente, fruto das alterações introduzidas em tal diploma, pela Lei nº. 15/2017, de 03/05, dispõe o mesmo normativo que “os valores mobiliários são nominativos, não sendo permitida a emissão de valores mobiliários ao portador”, no que é replicado pela vigente redacção do artº. 299º, do Cód. das Sociedades Comerciais.
A emissão de acções, sejam tituladas, escriturais, nominativas ou ao portador, está sujeita a registo junto da sociedade emitente – artº. 43º do C.V.M. -, sendo facultativo o depósito das acções tituladas, salvo nas situações previstas no nº. 2, do artº. 99º, do C.V.M., ou seja, tal depósito é obrigatório;
“a) Em sistema centralizado, quando estejam admitidos à negociação em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral ou organizado;
b) Em intermediário financeiro ou em sistema centralizado, quando toda a emissão ou série seja representada por um só título” [7].

No caso concreto, conforme consta da certidão da matrícula comercial – cf., facto c) -,  e fazendo parte do conteúdo obrigatório do contrato presentemente previsto no artº. 272º, estamos perante acções:
Ø Tituladas – quanto à forma de representação (artº. 46º, nº. 1, do Cód. dos Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 486/99, de 13/11) ;
Ø Nominativas ou ao portador – quanto à forma de transmissão ;
Ø Registadas ou não ;
Ø Reciprocamente convertíveis.
Podemos, ainda, considerar assente que, quanto à forma de representação, tais acções mantêm a natureza de tituladas, ou seja, que não terão sido objecto de conversão, nos termos dos artigos 48º e 50º, do C.V.M., pois, desde logo, tal não figura do registo. E, a ter ocorrido, a deliberação de conversão sempre deveria ter sido publicada (artº. 48º, nº. 2) e registada (artº. 3º, alín. j), do Cód. do Registo Comercial, aprovado pelo DL nº. 403/86, de 03/12).

Sabemos, deste modo, que as acções da Ré sociedade são tituladas, nominativas ou ao portador e sem registo obrigatório.
Ou seja, de acordo com os elementos constantes dos autos, não resulta claro que estejamos, necessariamente, quanto á forma de transmissão, perante acções ao portador, legalmente admissíveis quer na data de constituição da sociedade Ré, quer na data da sua dissolução, liquidação e extinção, pois podemos estar perfeitamente perante acções nominativas.
O que tem necessárias implicações quanto à sua forma de transmissão, que é diferenciada.
Admitamos, todavia, por facilidade expositiva e de raciocínio, que estamos perante acções ao portador, conforme versão aduzida pelos Apelantes, e apreciemos acerca da sua forma de transmissão.
Até á aprovação do Cód. dos Valores Mobiliários, operada pelo DL nº. 586/99 (já mencionado), a transmissão de acções nominativas e ao portador era regulada nos artigos 326º e 327º, do Cód. das Sociedades Comerciais.
Dispunha, nomeadamente, o nº. 1 deste normativo, relativamente à transmissão entre vivos das acções ao portador, que esta “efectua-se pela entrega dos títulos, dependendo da posse dos mesmos o exercício de direitos de sócio”.
Tal normativo veio a ser revogado pelo Cód. dos Valores Mobiliários, passando a constar do artº. 101º, nºs. 1 e 2, deste diploma, na sua redacção originária, que:
“1 - Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado.
2 - Se os títulos já estiverem depositados junto do depositário indicado pelo adquirente, a transmissão efectua-se por registo na conta deste, com efeitos a partir da data do requerimento do registo”.
Todavia, caso os títulos das acções estivessem “integrados em sistema centralizado, quer voluntariamente, quer por estarem admitidos à negociação em mercado regulamentado (art. 99º, nº. 2, al. a), do C.V.M.) (…) ficarão submetidos ao mesmo regime das acções escriturais integradas em sistema centralizado por forma do art. 105º do C.V.M.[8].
Resulta, assim, que, perante tal quadro legal, e caso as acções não resultem integradas no denominado sistema centralizado, “para a transmissão entre vivos de acções ao portador é necessária a entrega real dos títulos”, isto é, “às acções ao portador, que o titular não queira registar, nem depositar (…), transmitem-se pela entrega real (tradição) dos títulos e considera-se que pertencem a quem for seu efectivo possuidor[9].
E, consequentemente, dispunha o nº. 1, do artº. 104º, do Cód. dos Valores Mobiliários, na redacção inicial (entretanto revogado pelo artº. 6º da Lei nº. 15/2017, de 03/05), que “o exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador depende da posse do título ou do certificado passado pelo depositário, nos termos do nº. 2 do artigo 78º”.
Posteriormente, o citado artº. 101º, do Cód. dos Valores Mobiliários veio igualmente a ser revogado pelo artº. 6º da Lei nº. 15/2017, de 03/05 (já supra referenciada), da qual se fez constar a:
Ø Proibição de emissão de valores mobiliários ao portador – cf., artº. 2º ;
Ø Conversão de valores mobiliários ao portador em circulação, em nominativos, a ser objecto de regulamentação por parte da tutela no prazo de 120 dias - cf., artº. 3º.
Tal regulamentação veio a concretizar-se através do DL nº. 123/17, de 25/09, criando regras para converter valores mobiliários ao portador em valores mobiliários nominativos.
Todavia, estes diplomas apenas surgem em datas posteriores à da dissolução e encerramento da liquidação da Ré, que é registada em 15/09/2016, pelo que não possuem pertinência na apreciação directa da situação sub Júdice, mas revelam-se como factores enquadrantes do histórico das opções legislativas adoptadas e ratio destas.

Jurisprudencialmente, o douto Acórdão do STJ de 05/02/2019 [10], apreciando a questão de saber “se a transmissão de acções tituladas (nominativas ou ao portador) e escriturais, fora do mercado bolsista, se dá por mero efeito da celebração de negócio jurídico translativo nos termos do art.º 408.º, n.º 1, do Código Civil. Ou se se exige ainda, como requisito de validade, a observância das formalidades exigidas nos art.º 80.º, n.º 1, 101.º (este preceito entretanto revogado pela Lei n.º 15/2017 de 3 de Maio) e 102.º, n.º 1 do CVM que, no caso das acções ao portador era a traditio ou entrega física das próprias acções, no caso das acções nominativas, a declaração no título seguida de registo e, no caso das acções escriturais, o registo na conta do adquirente. Ou, finalmente, se a transmissão da propriedade não depende da existência de um contrato mas tão só da efectivação de actos independentes do contrato (sistema que vigora na Alemanha)”, defende o “entendimento de que “a transmissão das acções tituladas e escriturais só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não são, só por si, bastantes para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente” [11].
Acrescenta, justificando as particularidades ínsitas à transmissão das acções ao portador, que, conforme já supra consignámos, “o legislador alterou recentemente o CVM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, através da Lei n.º 15/2017, de 3 de Maio, que veio estabelecer uma proibição de emissão de novos valores mobiliários ao portador (artigo 52.º),a partir da respectiva entrada em vigor, dispondo ainda que “os valores mobiliários ao portador são convertidos em nominativos no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei” – cfr. artigo 2º da Lei n.º 15/2017. Por sua vez, o artigo 3.º deste diploma legal prevê o prazo de 120 dias para o governo proceder à regulamentação do processo de conversão. O Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25 de Setembro, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 26 de Setembro de 2017, veio regulamentar o processo de conversão dos valores mobiliários ao portador em circulação em valores mobiliários nominativos, que teria de ser implementado no prazo máximo de 6 meses a contar da entrada em vigor da Lei 15/2017, de 3 de Maio, o que vale por dizer, até dia 4 de Novembro de 2017. Toda esta alteração legislativa teve por pressuposto o projecto de lei n.º 205/XIII, podendo ler-se na respectiva exposição de motivos: “A existência de valores mobiliários ao portador permite a dissipação de património, na medida em que é impossível a identificação dos seus titulares. Facto hoje inaceitável e incompatível com a tributação de mais-valias que incide sobre a transação de valores mobiliários e com as exigências de transparência feitas quer a titulares de cargos políticos, quer à transparência paulatinamente exigida no domínio das relações económicas entre privados.”
Esta preocupação que decorre de os títulos ao portador, pela sua fácil transmissão, dar azo à manipulação do exercício dos direitos sociais, volta a estar presente no preâmbulo da Lei n.º 15/2017, justificando a criação de um sistema mais controlado e que permita ganhos “de segurança, de credibilidade, de simplificação e de integração sistemática” (sublinhado nosso).

Aludindo ao registo de acções e ao seu verdadeiro significado, refere o douto aresto da RP de 23/02/2010 [12], citando Pinto Furtado [13], que “se trata de um “registo privado social”, continuando “qualquer accionista, só pelo facto de o ser, independentemente do número de acções de que seja titular, tem acesso ao livro e pode tomar conhecimento dos registos nele efectuados; a função destes é pois tornarem-se conhecidos dos sócios; constituem actos de registo interno, feitos pela sociedade e destinados aos seus sócios” – cf., os artigos 305º e 330º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais (entretanto revogados, mas com previsões semelhantes no Código dos Valores Mobiliários).
Todavia, surgindo a relação de socialidade, conforme já supra expusemos, “não com a emissão ou a entrega da acção, mas antes com o contrato de sociedade e com a subscrição do capital social e com algum outro facto a que a lei a subordine”, e existindo as acções para permitir uma livre circulação, as acções ao portador transmitem-se pela simples entrega, sendo que “a posse do título é assim a situação que releva, em matéria de acções tituladas, e que, antes da emissão do título, faz inteiramente fé o contrato de sociedade”.
Por sua vez, o douto Acórdão da RC de 15/11/2016 [14] referencia que “as acções tituladas podem ser nominativas ou ao portador, conforme o emitente tenha ou não a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos seus titulares (artº 52 nº 1 do CVM e 299 nº 1 do CSC). As acções, por representarem posições patrimoniais privadas, são ainda, pois, valores mobiliários passíveis de transmissão, sendo, como regra, livremente negociáveis ou transmissíveis (artº 328 nº 1 do CSC).
A possibilidade ou impossibilidade de conhecimento da identidade do portador é consequência da diversidade de regime da transmissão das acções ao portador e das acções nominativas: as acções tituladas ao portador, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, encontrando-se depositadas, por constituto possessório, ou no caso inverso, por entrega material; as acções tituladas nominativas, fora de sistema centralizado, transmitem-se por endosso nominal e registo no emitente [De harmonia com a Portaria nº 290/2000, de 23 de Maio, o registo é feito na Parte III do regime de emissões] (artºs 102 nºs 1 e 2 do CVM) [ Isabel Vidal, Da (Ir)relevância da Forma de Representação para Efeitos de Transmissão de Valores Mobiliários, Caderno CMVM (n.j. 15), 3.].
As acções tituladas nominativas, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, por declaração de transmissão escrita no título a favor do transmissário, efectuada pelo depositário, pelo funcionário judicial ou pelo transmitente, conforme o caso; posteriormente é realizado o registo junto do emitente ou do intermediário financeiro que o represente (artºs 64 e 102 nºs 1 e 2 do CVM) [Embora nitidamente inspirado no artº 326 do CSC - revogado do artigo pelo artº 15 nº 1 d) do Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de Novembro, que aprovou o CVM – o regime da transmissão dos títulos nominativos foi consideravelmente simplificado, tendo deixado de exigir-se, por exemplo, a intervenção notarial para o reconhecimento das assinaturas. A lei fiscal exige a observância de outras formalidades, que todavia, são estranhas à validade da transmissão.]. A transmissão produz os seus efeitos a partir da data do requerimento do registo junto do emitente (artº 102 nº 5 do CVM). O emitente e autor do registo é, portanto, terceiro em relação ao acto registado.
Para a transmissão de acções deste tipo é, naturalmente, necessário o acordo entre o transmitente e o transmissário, através da declaração de transmissão aposta no título (artº 102 nº 1 do CVM). Mas um tal acordo não é suficiente para a produção de efeitos plenos, que dependem ainda da inscrição da qualidade de accionista em registo lavrado pela sociedade emitente” (sublinhado nosso) [15].

Aqui chegados, é tempo de enunciarmos algumas conclusões.
Conforme referenciámos, os Recorrentes Apelantes alegam não se encontrar demonstrada a sua qualidade de sócios accionistas, pelo que não podem exercer as funções de liquidatários, nos termos do nº. 5, do artº. 163º, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais. E, desta forma, substituírem a extinta sociedade Ré, nos termos ali prescritos.
Aduzem que a Ré sociedade tem natureza jurídica de sociedade anónima, com acções ao portador, demonstrando-se a qualidade de sócios accionistas, à data dos factos, pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução, sendo certo que esta qualidade não decorre de qualquer indicação ou registo constante na sua matrícula comercial.
Pelo que, argumentam, competia à Autora, ora Recorrida, demonstrar a sua qualidade de sócios accionistas, o que lograria concretizar através da demonstração da posse dos respectivos títulos no momento da dissolução. E, concluem, tal ónus era de impossível cumprimento, pois, aquando da dissolução e liquidação da Ré, não tinham tal qualidade.
Todavia, conforme justificámos, não resulta de forma concludente que as acções da sociedade Ré sejam ao portador (podendo ser nominativas), sendo certo que são tituladas e não obrigatoriamente registáveis.
Admitindo, contudo, a natureza, quanto à forma de transmissão atribuída pelos Recorrentes, constata-se que a sua forma de transmissão opera-se através da traditio ou entrega física das acções (modo), a que subjaz a necessária celebração de um negócio jurídico translactivo (título), ou seja, exige-se que aquela traditio ou entrega se apoie num título válido ou negócio causal subjacente.
Resulta, assim, que as acções tituladas ao portador, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, caso se encontrem depositadas, por constituto possessório, ou, quando o não estejam, pela referenciada entrega material ou traditio, o que dificulta, ou mesmo impossibilita, o conhecimento da identidade do portador.
Por outro lado, o alegado livro de registo de acções tem a natureza de um registo privado social, de acesso estrito aos próprios accionistas, que não a terceiros, de forma a tomarem conhecimento dos registos ali apostos, constituindo concretos actos de registo interno, elaborados pela própria sociedade e destinados ao âmbito privatístico dos seus sócios.
Adrede, a alteração legislativa concretizada na Lei nº. 15/2017, de 03/05, e DL nº. 123/17, de 25/09, que veio estabelecer a proibição de emissão de novos valores mobiliários ao portador e a conversão dos valores mobiliários ao portador, em circulação, que teve por base o projecto de lei nº. 205/XIII, reconheceu, na respectiva exposição de motivos, que a “existência de valores mobiliários ao portador permite a dissipação de património, na medida em que é impossível a identificação dos seus titulares. E, apelando a princípios de transparência, acrescentou, reconhecendo-o, que os títulos ao portador, pela sua fácil transmissão, dão azo e facilitam a manipulação do exercício dos direitos sociais.

Constata-se, deste modo, que no pressuposto da indicada natureza das acções tituladas da Ré extinta, não ser fácil a identificação dos titulares das acções que constituem o seu capital social, ou seja, nunca seria fácil à Autora proceder a tal identificação.
E, ainda assim, fê-lo, com base no documento particular que juntou com o requerimento em que pugna pelo prosseguimento da acção contra os antigos sócios accionistas. Documento que o respondente, e ora Apelante F ..... impugnou, não aceitando o aí aposto, no que ora importa, relativamente á identificação dos pretensos sócios accionistas.
Todavia, cremos que, tendo em consideração as enunciadas dificuldades de identificação, a finalidade da requerida intervenção e a factualidade constante do facto m) – referente ao Balancete Geral de 2008 da sociedade Ré, onde consta, na Conta 51, ter esta o capital social de 11.860.000,00 €, surgindo, como detentores do mesmo os ali identificados -, que a indicada titularidade deve ter-se por atendível e aceitável.
Ademais, o próprio impugnante não dá relato de qualquer transmissão ou negócio causal celebrado relativamente às participações sociais de que foi provadamente detentor, limitando-se a uma cómoda e pura negação, em vez de esclarecer, em observância de um princípio/dever de cooperação processual, que também o vincula – cf., artº. 7º, do Cód. de Processo Civil.
Por outro lado, não se olvide que estamos perante uma situação de substituição da sociedade Ré dissolvida e extinta, pela generalidade dos sócios, urgindo determinar quem exercerá as funções de liquidatário, representando legalmente aqueles.
Donde, mesmo que se venha a concluir, posteriormente, por uma qualquer situação de irregularidade de representação, sempre se poderá recorrer aos mecanismos inscritos nos artigos 26º a 28º, do Cód. de Processo Civil, procurando a sua sanação [16].
Do exposto, resulta, então, que:
- a indicação efectuada pela Autora quanto aos detentores do capital social da extinta Ré, ou seja, quanto á identificação dos (antigos) sócios accionistas, dever considerar-se entendível e aceitável, atenta a sua coincidência, quanto á identificação, com o documento societário identificado no facto m) ;
- assim, deve considerar-se que os sócios accionistas da extinta Ré eram:
Ø J ..... ;
Ø M .... ;
- bem como os filhos destes:
Ø H ..... ;
Ø R……. ; e
Ø F ..... ;
- tendo falecido os dois primeiros já na pendência da presente acção, respectivamente em 02/02/2011 e 05/11/2011, e tendo os filhos repudiado as heranças abertas por óbito dos pais, poder-se-ia colocar a questão da titularidade das acções que àqueles pertenciam por parte dos netos conhecidos (filhos do falecido filho H .....), cuja titularidade assumiriam por direito de representação, pois só a neta D……… repudiou as heranças abertas por óbito dos avós paternos J ..... e M .... – cf., facto q) ;
- tendo falecido o filho sócio accionista H ....., em 04/04/2012, e tendo os descendentes filhos repudiado a herança do pai, no que concerne à participação social a si pertencente, sempre se poderia equacionar-se a necessidade de chamar os eventuais filhos dos filhos repudiantes (netos), por direito de representação, sendo certo que dois deles – J …… e H……. -, possuem descendentes – cf., factos p) e r) ;
- não cremos , todavia, que tal seja pertinente ou relevante, in casu, pois, reafirmamos, urge determinar qual o sócio ou sócios que exercerão as funções cometidas aos liquidatários, em virtude destes estarem impossibilitados de as exercer ;
- efectivamente, tal aferição, até pelo número dos chamados para efeitos de representação, sempre determinaria uma necessária pulverização das percentagens de capital social de cada um dos chamados ;
- não podendo olvidar-se que as sócios a designar para o desempenho das funções de liquidatário, são escolhidos, segundo legal determinação, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade – cf., o nº. 5, do citado artº. 163º ;
- pelo que, no atentar nos valores de participação no capital social feitos constar no mesmo facto m), entendemos que os sócios a designar para o desempenho das funções de liquidatários, representando estes os demais sócios accionistas, deverão ser os sócios F ..... (já considerado regularmente citado) e R .... (cuja citação foi ordenada) ;
- com efeito, são estes o que, pelo menos numa primeira aproximação, até pela intocabilidade das suas participações sociais, se afiguram como detentores, à data da extinção da sociedade, de uma maior participação social da extinta Ré ;
- entende-se a nomeação de dois sócios para o exercício de tais funções pelo facto de serem dois os anteriores elementos do Conselho de Administração da sociedade Ré (após as alterações ao contrato social introduzidas em 30/03/2009 – cf., facto j)) e pelo facto de tais sócios possuírem, aparentemente, idêntica participação no capital social ;
- ainda que, reconheça-se, tais funções pudessem ser exercidas por um só liquidatário, conforme resulta claramente do nº. 6, do artº. 151º, do C.S.C. [17].

Em resumo, e sintetizando, conclui-se:
a. A Ré sociedade extinta considera-se substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários sócios F ..... (já considerado regularmente citado) e R ..... (cuja citação foi ordenada) ;
b. Estes sócios, que desempenham as funções de liquidatários, representam legalmente os demais, a quem têm o dever de dar conhecimento dos ulteriores termos processuais, nos termos consignados no nº. 4, do artº. 163º, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do C.S.C. ;
c. Tal basta para se considerar assegurada a substituição da extinta Ré ;
d. Inexistindo assim motivo para que os descendentes do sócio accionista H ..... sejam chamados a intervir, pois não lhes é cometido o desempenho de tais funções ;
e. Sem prejuízo de alguns deles, nomeadamente os que não repudiaram a herança dos avós paternos, poderem, caso assim o entendam, e afirmando-se na qualidade de accionistas, por efeitos de representação do pai repudiante, intervir na acção nos termos do nº. 2 do mesmo artº. 163º, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do C.S.C., na qualidade de assistentes ;
f. O que implica juízo de parcial procedência da presente apelação, ainda que com diferenciado fundamento, determinando-se:
Ø A revogação do despacho recorrido/apelado, na parte em que determinou a intervenção dos herdeiros/descendentes de H ..... ;
Ø A sua manutenção/confirmação, no demais, nomeadamente na parte em que determinou a intervenção dos sócios F ..... (já considerado regularmente citado) e R ..... (cuja citação foi ordenada), para o exercício das funções de liquidatários, em representação da generalidade dos sócios, assim garantindo a substituição da extinta Ré sociedade.

*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso ficam a cargo de Recorrentes/Apelados e Recorrida/Apelada, na proporção, respectivamente, de 2/3 e 1/3.

***
IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes/Apelantes R ....., F ....., J……, H……, I……, M…… e D…………, em que surge como Recorrida/Apelada/Autora GRANT THORNTON & ASSOCIADOS – SROC, Limitada  ;
b) Em consequência, determina-se:
i. A revogação do despacho recorrido/apelado, na parte em que determinou a intervenção dos herdeiros/descendentes de H ..... ;
ii. A sua manutenção/confirmação, no demais, nomeadamente na parte em que determinou a intervenção dos sócios F ..... (já considerado regularmente citado) e R ..... (cuja citação foi ordenada), para o exercício das funções de liquidatários, em representação da generalidade dos sócios, assim garantindo a substituição da extinta Ré sociedade ;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são suportadas por Recorrentes/Apelados e Recorrida/Apelada, na proporção, respectivamente, de 2/3 e 1/3.

Lisboa, 11 de Julho de 2019

Arlindo Crua - Relator
António Moreira – 1º Adjunto
Lúcia Sousa – 2ª Adjunta
(Presidente)

[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Refere António Pereira de Almeida - Sociedades Comerciais, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2003, pág. 525 – que “liquidação é a situação em que se encontra a sociedade em consequência da dissolução e tem por finalidade a partilha do activo remanescente após liquidação do passivo”.
[3] Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pág. 296, 305, 306, 323 e 324.
[4] Idem, pág. 463 e 467.
[5] Ibidem, pág. 480, 481, 483, 484, 486 a 490.
[6] Nas palavras de António Pereira de Almeida - ob. cit., pág. 528 -, “após o encerramento da liquidação e extinção da sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (art. 163º, nº. 1)”.
[7] Cf., António Pereira de Almeida, ob. cit., pág. 366 e 369.
[8] Idem, pág. 377.
[9] Luís Brito Correia, Direito Comercial Sociedades Comerciais, Vol. II, 1989, AAFDL, pág. 382 e 384 D.
[10] Relator: Paulo Sá, Processo nº. 95/14.0T8BGC.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[11] Citando o douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 11/05/2008 - Relator: Santos Bernardino, Processo nº. 08B153, in www.dgsi.pt .
[12] Relator: Vieira e Cunha, Processo nº. 736/2002. P1, in www.dgsi.pt .
[13] Das Sociedades em Especial, Vol. II, pág. 271 e 272.
[14] Relator: António Carvalho Martins, Processo nº. 2355/11.2TBPBL.C1, in www.dgsi.pt .
[15] Relativamente à transmissão das acções ao portador, cf., ainda, o douto Acórdão da mesma RC de 03/07/2012, Relator: Artur Dias, Processo nº. 688/11.7 TBCNT.C1, in www.dgsi.pt .
Bem como o douto aresto da RG de 13/09/2018 – Relatora: Margarida Almeida Fernandes, Processo nº. 95/14.0T8BGC.G1, in www.dgsi.pt -, onde se sumariou que “a transmissão de acções tituladas (nominativas ou ao portador) e escriturais, fora do mercado bolsista, dá-se por efeito da celebração de negócio jurídico translativo nos termos do art. 408º nº 1 do C.C. exigindo-se ainda, como requisito de validade, a observância das formalidades exigidas nos art. 80º nº 1, 101º e 102º nº 1 do C.V.M (antes das alterações introduzidas pela Lei nº 15/2017 de 3 de Maio) que, no caso das acções ao portador é a traditio ou entrega física das próprias acções, no caso das acções nominativas é a declaração no título seguida de registo, e que no caso das acções escriturais é o registo na conta do adquirente” (sublinhado nosso).
[16] Acerca do conhecimento da irregularidade de representação, e sua eventual sanação, cf., Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 124 e 125, com especial ênfase p+ara a nota 2 de pág. 125 ; cf., ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina, pág. 87.
[17] Neste sentido, Raul Ventura, ob. cit., pág. 316.