Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
903/15.8T8FNC.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: CADUCIDADE
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
NÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Sumário: I–O incumprimento do prazo referido no artigo 395 nº1 e 2 do CT/2009 opera a caducidade do direito à resolução do contrato pelo trabalhador.
II–Por força do disposto no artigo 323º nº3 do CT, o trabalhador, confrontado com a falta de pagamento pontual da retribuição, pode optar pela suspensão do contrato ou por fazê-lo cessar, nos termos previstos no CT, nada obstando a que opte pelo recurso a ambas as figuras jurídicas de forma sucessiva.
III–A suspensão do contrato de trabalho não interrompe o decurso do prazo de caducidade, pelo que, nessa situação, os prazos a que se referem os nºs 1 e 2 do art. 395º prosseguem o seu curso desde a data do conhecimento dos factos que justificam a resolução ou desde o termo do período de 60 dias de incumprimento do pagamento pontual da retribuição.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I– Relatório:


AA intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, a seguir a forma de processo comum, contra BB, pedindo seja declarada e reconhecida a licitude da rescisão contratual que operou, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 e do nº 5 do artigo 394º do CT; seja o Réu condenado a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade no valor de 42.295,36 € e ainda os salários de Abril e de Junho a Agosto de 2011, no montante de 3.047,35 €, bem como juros de mora no valor de 424,44 €; seja dada a  conhecer a presente acção ao Instituto de Segurança Social da Madeira.

Alegou para tanto e em síntese, que foi admitido ao serviço do Réu, sob a direcção e autoridade deste, no dia 1 de Outubro de 1979, auferido ultimamente a retribuição mensal de 555,24€, acrescida de 242,62€ de diuturnidades e 3,17 € diários de subsídio de alimentação, tendo suspendido o contrato de trabalho em 16 de Agosto de 2011, com fundamento na falta de pagamento das retribuições supra peticionadas e tendo, em 12 de Setembro de 2014, resolvido o contrato com o mesmo fundamento.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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Contestou o Réu, defendendo-se desde logo por excepção, suscitando a questão da caducidade do direito do Autor em proceder à resolução do contrato de trabalho, por ter excedido o prazo legalmente estabelecido para o efeito. Impugna ademais os factos alegados por aquele na p.i.


Conclui a Ré pela sua absolvição parcial do pedido, entendendo não se verificar a licitude da rescisão contratual, apenas subsistindo a pretensão do Autor quanto às retribuições peticionadas e em singelo.
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Foi designada e teve lugar a audiência preliminar com o objectivo do conhecimento imediato do mérito da causa, o que aconteceu, julgando o tribunal parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidindo:
1º - Condenar o Réu a pagar ao Autor € 3.047,35 de retribuições relativas aos meses de Abril e de Junho a Agosto (16 dias) e juros de mora de € 424,44, perfazendo o total da condenação a quantia de € 3.471,79 (três mil e quatrocentos e setenta e um euros e setenta e nove cêntimos).
2º - Absolver o Réu do demais pedido.
Custas da acção por Autor e Ré, na proporção da respectiva sucumbência.” (sic)
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Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo que.
(…)
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores-Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do Recurso.

É pelo teor das conclusões que se fixa e delimita o objecto do recurso, pelo que, in casu, a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em determinar se caducou ou não o direito do Autor a resolver o contrato de trabalho que o unia à Ré.
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III– Matéria de Facto Provada.

São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância:
1. O Réu admitiu, sob a direcção e autoridade, ao seu serviço o Autor, no dia 1 de
Outubro de 1979.
2. E auferindo ultimamente a retribuição base mensal de € 555,24, acrescida de 242,62€ de diuturnidades e € 3,17 diários de subsídio de alimentação.
3. Em 16 de Agosto de 2011, o Autor suspendeu o contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento das retribuições de Abril, Junho, Julho e 16 dias de Agosto de 2011.
4. Em 12 de Setembro de 2014, o Autor resolveu o contrato de trabalho com o mesmo fundamento.
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IV- Apreciação do Recurso.

Está em causa determinar se ocorreu ou não a caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho por parte do Autor, não suscitando as partes dúvidas acerca da natureza laboral do contrato.

Não suscita dúvidas que entre Autor e Ré vigorou um contrato de trabalho.

Decorre da lei que o trabalhador tem ao seu alcance duas formas de cessação do contrato de trabalho : a denúncia (art. 400º a 402º do CT) e a resolução (cfr. art. 394º a 399º do CT), considerando que a figura do “abandono do trabalho” corresponde a uma situação de ruptura irregular do contrato, em que o trabalhador simplesmente se vai embora e não pretende regressar ao trabalho(cfr. art. 403º do CT), e que a figura da revogação do contrato é consensual.

A resolução implica a ruptura imediata do contrato, pois o trabalhador tem um motivo, grave (exigindo-se que ocorra justa causa, tal como delineada no art. 394º do CT), que o impede que prosseguir aquela relação contratual, enquanto a denúncia tem efeito diferido, inexigindo ao trabalhador a alegação de qualquer razão, bastando que pré-avise o empregador, nos termos da lei.

O Autor decidiu resolver o contrato que o ligava à Ré desde 1979.
Nos termos do disposto no art. 395º nº1 do CT “1- O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

2 – No caso a que se refere o nº5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.”
De acordo com o nº5 do art. 394º “Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue pelo período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”

Trata-se de um prazo de caducidade.

Inicia-se com o conhecimento pelo trabalhador dos factos que subjazem à resolução e a aplicação dessa regra tem de fazer-se em articulação com a noção de justa causa. “Significa isto que o prazo “se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação.”[1]

Nos presentes autos a questão prende-se com a falta de pagamento da retribuição ao trabalhador, falta essa que ocorreu nos meses de Abril, Junho, Julho e 16 dias de Agosto do ano de 2011.

Na sequência dessa falta de pagamento, o Autor, em 16 de Agosto de 2011, suspendeu o contrato de trabalho com esse fundamento, e, em 12 de Setembro de 2014, resolveu tal contrato com o mesmo fundamento.

Dispõe o art. 323º nº3 do CT, “A falta de pagamento pontual da retribuição confere ao trabalhador a faculdade de suspender ou fazer cessar o contrato, nos termos previstos neste Código.” (sic)

A lei permite assim que o trabalhador decida suspender a relação laboral quando o empregador incumpre a obrigação de pagamento da retribuição. Como assinala João Leal Amado, “topamos aqui, inequivocamente, com uma adaptação da figura civilística da excepção de não cumprimento do contrato ao âmbito juslaboral: ao contrário do que sucede com a típica suspensão do contrato de trabalho (que, como vimos, se configura como um mecanismo de protecção do devedor impossibilitado de cumprir), este é um meio reactivo-defensivo à disposição do credor insatisfeito (…)
a exceptio traduz-se numa resposta legítima do trabalhador-credor à falta de cumprimento do empregador: é este quem está em mora, recusando-se apenas aquele a cumprir porque o empregador está em mora e enquanto tal mora subsistir (…) Durante a suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho[2]

A suspensão pode terminar de várias formas, quer tal implique o regresso do trabalhador ao trabalho, quer implique a sua desvinculação do contrato. Ainda João Leal Amado, referindo-se à dicotomia de soluções previstas no art. 323º nº3 do CT, refere que “nada impede a utilização sucessiva destes dois meios reactivos por parte do trabalhador lesado, modulando a resposta em função da gravidade/duração da mora patronal (…)

Mas o certo é que o actual CT, se não vem impedir, vem pelo menos dificultar ao trabalhador a utilização sucessiva destes dois meios, pois o prazo para resolução do contrato esgotar-se-á rapidamente – ao que parece, após 90 dias de mora patronal, como resulta da conjugação do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 395º.”[3]

A acrescer ao exposto, cumpre ter ainda presente que o prazo de caducidade não se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (cfr. art. 328º do C.Civil). Isso significa que, ao contrário do que parece entender o Autor, a suspensão do contrato não interrompe o prazo de caducidade. [4]

Ora, no presente caso, mesmo admitindo a possibilidade de existência de uma situação de justa causa, a verdade é que o Autor teve conhecimento dos factos que fundamentam essa justa causa em  Abril, Junho, Julho e Agosto de 2011, mas apenas resolveu o contrato em 12 de Setembro de 2014, sendo portanto manifesto o decurso do prazo que a lei estabeleceu para o exercício desse seu direito, com a consequente extinção da possibilidade desse exercício, por efeito da caducidade.

Carece assim de razão o Autor, improcedendo o recurso, com a confirmação da decisão recorrida.
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V– Decisão.

Face a todo o exposto, acorda-se na Secção... do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas a cargo do Apelante.
Registe.
Notifique.


Lisboa,13-01-2016


Paula de Jesus Jorge dos Santos
1º adjunto – Claudino Seara Paixão
2ª adjunta – Maria João Romba



[1]Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho – 3ª edição, pág. 530, citando acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1996 e outros em nota de rodapé nº19.
[2]Contrato de Trabalho, 3ª Edição, Reimpressão, pág. 348 e 349)
[3]Ob. citada, pág. 350.
[4]Vide também, neste sentido, acórdão do STJ de 8-5-2002 in CJSTJ T2, pág. 262 (265).

Decisão Texto Integral: