Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6/16.8TELSB-C.L1-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: PROVA
APREENSÃO
CORREIO ELECTRÓNICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - A apreensão da caixa de correio electrónico mostrou-se, no momento da busca e face aos elementos recolhidos no local, por parte da Polícia Judiciária, uma diligência inteiramente proporcionada e imperativa à aquisição e recolha da prova e a tal não obsta a circunstância do supra aludido titular da referida caixa electrónica não ser suspeito no âmbito da presente investigação.
- São susceptíveis de serem apreendidos quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova., ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à "instrução" do processo abrange tanto os objectos em poder de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como os objectos em poder de, ou mesmo pertencentes a, terceiros.
- Constatando-se terem sido, as mensagens de correio electrónico do contabilista da sociedade investigada, licitamente apreendidas durante a busca efectuada e não existindo qualquer obstáculo constitucional ou legal ao conhecimento do seu conteúdo, não podendo as mesmas ser eliminadas, sob pena de existir uma possível irremediável perda da prova que as mesmas eventualmente transportem.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
No processo n.º 6/16.8TELSB da Secção Única do Tribunal Central Criminal, por despacho de 30-10-2017 (cfr. fls. 54 a 56), foi, no que ora interessa, decidido:

«Finalizada a presente diligência e expurgados que se encontram os ficheiros considerados manifestamente alheios ao objecto dos autos, proceda-se de imediato à gravação de um novo suporte autónomo contendo apenas gravados os 133 ficheiros resultantes da presente diligência, obedecendo à raiz da gravação inicial, devendo ser inscrito no novo suporte o NUIPC, a identificação do Saco Prova em referência, bem como a data da diligência, ordenando-se, desde já, a sua junção aos autos.
Deposite em cofre deste TCIC o suporte magnético original que se encontra inserto no saco prova n° B055865.
Oportunamente, remeta ao DCIAP o disco autónomo que contém unicamente os ficheiros cujos conteúdos poderão vir a se revelarem imprescindíveis para a prova a produzir nos autos.
Notifique.
No tocante ao disco rígido da marca Toshiba, tendo em conta o número de ficheiros gravados naquele suporte, torna-se inviável o processo de tomada de conhecimento do conteúdo de tais ficheiros.
Assim, determina-se a realização, pelos Srs. Peritos da UTI da PJ, do desencapsulamento dos ficheiros contidos naquele suporte, com recurso às palavras chave enunciadas a fls. 416.
Verifica-se, contudo, que foi apreendido correio electrónico a RF, sendo que, conforme resulta do despacho judicial de fls. 254, primeiro parágrafo, o mesmo não se encontra identificado como suspeito, razão pela qual a apreensão efectuada extravasa o âmbito da autorização judicial acima referida.
Assim sendo, relativamente aos ficheiros contidos na caixa de correio de RF, determina-se, desde já, a sua eliminação.
Face ao exposto, dou sem efeito a diligência agendada para o dia de amanhã.
Por via telefónica, comunique com a empresa visada pela diligência que a mesma foi dada sem efeito.
Consequentemente, remeta-se o referido disco rígido à UTI da PJ, com vista a ser efectuado o desencapsulamento dos ficheiros contidos naquele suporte, com recurso às palavras chave enunciadas a fls. 416, bem como à eliminação da caixa de correio de RF».

Por não se conformar com o assim decidido, interpôs o Mº Pº o presente recurso que, na sua motivação, traz formuladas as seguintes conclusões (cfr. fls. 2 a 13):

«1º) Por despacho de 30 de Outubro de 2017, o Mmº JIC verificando que tinha sido apreendido o correio electrónico de RF e que o mesmo não se encontrava identificado como suspeito, considerou que a apreensão desse conteúdo extravasava o âmbito da autorização judicial para a recolha de correio electrónico e determinou a sua eliminação.
2º) Investiga-se nos presentes autos a prática de factos susceptíveis de configurar a prática dos crimes de corrupção activa com prejuízo do comércio internacional, p. e p. no art. 7º da Lei n.° 20/2008 de 21/04, de fraude fiscal, p. e p. no art. 103° e 104° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 05/06 e branqueamento de capitais, p. e p. no art. 368o-A do Código Penal.
3º) Com vista à recolha de prova da prática (ou não) dos mencionados crimes, foi determinada a realização de buscas, quer na sede da “M., S.A.", quer nas residências do seu Presidente do Conselho de Administração e respectivos Vogais, ao abrigo do disposto nos arts. 174°, n.°s 2 e 3, 176° e 177°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Penal.
4º) Por existir a probabilidade de que, nas residências acima indicadas e na sede da "M., S.A." viessem a ser encontrados computadores, telemóveis, ou outros suportes electrónicos sob disponibilidade dos visados, com conteúdos relacionados com a prática dos supra referidos crimes ou que pudessem servir de prova dos mesmos, foi desde logo, pelo Mm° JIC, autorizado o acesso aos mesmos computadores, assim como aos demais sistemas informáticos, cópias de segurança e suportes informáticos ali existentes e cópia e apreensão da correspondência electrónica a realizar pela Polícia Judiciária.
5º) Em 11 de Outubro de 2017, foi efectuada busca à sede da “M., S.A.”, que incluiu uma triagem informática, com recurso a ferramentas forenses, no respectivo servidor e, bem assim, além dos equipamentos informáticos dos vogais do Conselho de Administração, também de RF, que, no momento da busca, se apurou tratar-se do contabilista da sociedade (cfr. auto de busca de fls. 408 e ss.).
6º A correspondência de correio electrónico do contabilista da "M., S.A." (e que o mesmo dispõe nas instalações desta sociedade), é indiciariamente, para efeitos de avaliação de recolha de prova, correspondência que, em abstracto, poderá conter elementos que se relacionam com a actividade financeira da sociedade e, como tal, face aos crimes em investigação (mormente, o crime de fraude fiscal e de branqueamento), poderá revelar-se de extrema relevância para a prova a produzir.
7º) Como o mandado de busca abrangia a globalidade das instalações da "M., S.A." (e não só o gabinete ou a secretária dos suspeitos), também será de entender que a autorização para a recolha de correio electrónico na "M.. S.A." abrangia a recolha das mensagens de correio electrónico de quem, no interior da "M., Lda.", e de acordo com as informações que fossem sendo recolhidos no decurso das buscas, dispusesse de ficheiros nesse formato com relevância para a prova.
8º) A apreensão da caixa de correio electrónico de RF mostrou-se, assim, no momento da busca e face aos elementos recolhidos no local por parte dos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária, uma diligência inteiramente proporcionada e imperativa à aquisição e recolha da prova.
9°) E a tal não obsta a circunstância de RF não ser suspeito no âmbito da presente investigação, porquanto, são susceptíveis de serem apreendidos quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à "instrução" do processo abrange tanto os objectos em poder de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como os objectos em poder de, ou mesmo pertencentes a, terceiros.
10°) Tendo as mensagens de correio electrónico do contabilista da sociedade "M., S.A." sido licitamente apreendidas durante a busca efectuada e não existindo qualquer obstáculo constitucional ou legal ao conhecimento do seu conteúdo, é entendimento do Ministério Público que as mesmas não poderão ser eliminadas, sob pena de existir uma possível irremediável perda da prova que as referidas mensagens eventualmente transportem
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida em conformidade com o alegado.
V. Ex.as, porém, decidirão conforme for de Direito e Justiça.»

Admitido o recurso (cfr. fls. 58) e, efectuadas as necessárias notificações, não foi apresentada qualquer resposta.

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 66), no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*

Dispõe o Art.º 412.º, n.º 1 do C.P.Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico, que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª Edição - 2000, Pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição - 2007, Pág. 103 e, entre muitos, os Acórdãos do S.T.J., de 25-06-1998, in B.M.J. 478º, Pág. 242; de 03-02-1999, in B.M.J. 484º, Pág. 271 e de 28-04-1999, C. J. - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII - 1999, Tomo II, Pág. 196).
Nesta conformidade, inexistem dúvidas de que o objecto do recurso, atentas as conclusões apresentadas, se resume à seguinte questão:
- Deve o despacho em causa ser revogado e substituído por outro que não determine a eliminação dos ficheiros, contidos na caixa de correio electrónico, apreendidos a RF?

Apreciando:

Verifica-se que foi apreendido o correio electrónico de RF, sendo certo que o mesmo não se encontrava identificado como suspeito.
Desta forma, considerou o Mm.º Juiz a quo que a apreensão desse conteúdo extravasava o âmbito da autorização judicial para a recolha de correio electrónico e determinou a sua eliminação.
Ora, investiga-se no processo em causa factos susceptíveis de configurar a prática dos crimes de corrupção activa com prejuízo do comércio internacional, p. e p. no Art.º 7o da Lei n.° 20/2008, de 21 de Abril, de fraude fiscal, p. e p. nos Art.ºs 103° e 104° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho e de branqueamento de capitais, p. e p. no Art.º 368o-A do Código Penal.
Visando a recolha de prova da eventual prática dos mencionados ilícitos, foi determinada a realização de buscas, quer na sede da “M., S.A.", quer nas residências do seu Presidente do Conselho de Administração e respectivos Vogais, ao abrigo do disposto nos Art.ºs 174°, n.°s 2 e 3, 176° e 177°, n.°s 1 e 2 do C.P.Penal.
Por existir a probabilidade de que, nas residências acima indicadas e na sede da "M., S.A." viessem a ser encontrados computadores, telemóveis, ou outros suportes electrónicos sob disponibilidade dos visados, com conteúdos relacionados com a prática dos supra mencionados crimes ou que pudessem servir de prova dos mesmos, foi desde logo, pelo Mm.° J.I.C., autorizado o acesso aos mesmos computadores, assim como aos demais sistemas informáticos, cópias de segurança e suportes informáticos ali existentes e cópia e apreensão da correspondência electrónica, a realizar pela Polícia Judiciária.
Em 11-10-2017, foi efectuada busca à sede da “M., S.A.”, que incluiu uma triagem informática, com recurso a ferramentas forenses, no respectivo servidor e, bem assim, além dos equipamentos informáticos dos vogais do Conselho de Administração, também de RF, que, no momento da busca, se apurou tratar-se do contabilista da sociedade.
A correspondência de correio electrónico do contabilista da "M., S.A." (e que o mesmo dispõe nas instalações desta sociedade), é indiciariamente, para efeitos de avaliação de recolha de prova, correspondência que, em abstracto, poderá conter elementos que se relacionam com a actividade financeira da sociedade e, como tal, face aos crimes em investigação, maxime os crimes de fraude fiscal e de branqueamento, poderá revelar-se de extrema relevância para a prova a produzir.
Como o mandado de busca abrangia a globalidade das instalações da "M., S.A." (e não só o gabinete ou a secretária dos suspeitos), também será de entender que a autorização para a recolha de correio electrónico em tal sociedade abrangia a recolha das mensagens de correio electrónico de quem, no interior da mesma, e de acordo com as informações que fossem sendo recolhidas no decurso das buscas, dispusesse de ficheiros nesse formato com relevância para a prova.
A apreensão da caixa de correio electrónico de RF mostrou-se, assim, no momento da busca e face aos elementos recolhidos no local, por parte dos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária, uma diligência inteiramente proporcionada e imperativa à aquisição e recolha da prova.
Sendo que a tal não obsta a circunstância do supra aludido não ser suspeito no âmbito da presente investigação.
E dizemos isto, porquanto, são susceptíveis de serem apreendidos quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova., ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à "instrução" do processo abrange tanto os objectos em poder de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como os objectos em poder de, ou mesmo pertencentes a, terceiros.
Assim, constatando-se ter as mensagens de correio electrónico do contabilista da sociedade "M., S.A." sido licitamente apreendidas durante a busca efectuada e não existindo qualquer obstáculo constitucional ou legal ao conhecimento do seu conteúdo, mais nada se pode concluir, tal como acertadamente sustenta a Digna recorrente, senão que as mesmas não poderão ser eliminadas, sob pena de existir uma possível irremediável perda da prova que as mesmas eventualmente transportem.
Pelo que, em face de tudo o que se expendeu, inexistem dúvidas de que o despacho em causa não pode subsistir.
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Assim, do exposto, tudo visto e sem a necessidade de maiores considerações:
Acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto, revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que não determine a eliminação dos ficheiros, contidos na caixa de correio electrónico, apreendidos a RF.

Sem tributação.