Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
475/2005-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
LOCAÇÃO
ENTREGA JUDICIAL DE BENS
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. Nos termos do regime instituído pelo Decreto-lei 149/95, de 24/6, uma vez resolvido o contrato de locação financeira, deve o locatário restituir o bem locado ao locador, uma vez que este mantém o direito de propriedade sobre o mesmo durante o prazo de vigência do contrato.
II. Caso o não faça, pode o locador requerer ao tribunal providência cautelar especificada para a entrega imediata e judicial do bem e para cancelamento do respectivo registo, caso se trate de bem a ele sujeito.
III. E o tribunal deverá ordenar a providência requerida se a prova produzida revelar probabilidade séria da verificação dos requisitos enunciados no citado diploma (art. 21º), isto é, ter o contrato de locação financeira sido extinto por resolução ou pelo decurso do prazo, sem ter sido exercido, pelo locatário, o direito de compra e não ter o locatário procedido à restituição do bem ao locador e/ou ainda não se mostrar cancelado o respectivo registo de locação financeira.
IV. Sendo o objecto da locação financeira um veículo automóvel, que entretanto tenha sido penhorado em acção executiva movida contra o locatário, não pode esta penhora ser obstáculo à presente providência, que é o meio adequado que a lei prevê para o locador reentrar na posse do veículo.
V. De contrário, uma qualquer apreensão ou penhora indevidas de um veículo, objecto de locação financeira, obstariam a que, em caso de inadimplemento da obrigação do locatário de proceder à sua entrega ao locador, em consequência da extinção do contrato de locação financeira decorrente da caducidade ou da resolução do mesmo, se pudesse lançar mão da providência cautelar em causa, o que frustraria, sem aparente justificação, os fins visados pelo diploma.
VI. O que parece dever fazer-se em tal situação é decretar-se a providência requerida, ordenando-se a entrega do veículo ao locador e o cancelamento do registo da locação financeira, mas, atendendo ao facto de o veículo ter sido penhorado à ordem de outro processo, oficiando-se, simultaneamente, ao tribunal da penhora para o veículo ser entregue ao requerente da providência após o levantamento da penhora, caso esta ainda se mantenha.
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Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, o BANCO A, sociedade anónima, (…), requereu, como providência cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo, nos termos do artigo 21° do decreto-lei 149/95, de 24 de Junho, a entrega imediata do veículo automóvel com a matricula … e o cancelamento do registo de locação financeira que sobre ele impende, contra B, alegando que:
A pedido e solicitação do ora requerido, a requerente - no exercício da sua actividade de locação financeira - adquiriu um veiculo automóvel da marca FORD, modelo TRANSIT 2.5 TD, com a matricula … - ao diante designado como EQUIPAMENTO - que por contrato constante de título particular, datado de 27 de Junho de 2001, entregou ao ora requerido, em regime de locação financeira mobiliária, nos termos constantes do referido contrato; O ora requerido não cumpriu com o ajustado, pois não pagou à ora requerente as rendas devidas, nem os prémios de seguro, designadamente as 29.ª a 34.ª nem qualquer das demais rendas acordadas, rendas aquelas que se venceram nos dias 10 dos meses de Novembro de 2003 a Abril de 2004.
Nos termos e condições gerais do referido contrato o facto referido nos dois artigos antecedentes implicou a resolução do mesmo, nos precisos termos acordados e constantes do contrato, como a ora requerente o fez saber ao ora requerido em 27.04.2004, concedendo-lhe um novo prazo adicional de dez dias para o cumprimento, continuando porém o ora requerido em situação de incumprimento, que assim se tem de haver como incumprimento definitivo; Pela presente providencia a ora requerente solicita a entrega judicial do EQUIPAMENTO referido e o cancelamento do registo de locação financeira, atento a operada resolução do citado contrato de locação financeira mobiliária - nos termos do disposto no artigo 21° do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho -, e, ainda, que a requerente seja autorizada a, após a dita entrega judicial, poder imediatamente dispor do EQUIPAMENTO, mediante, caso se entenda necessário, prestação de caução por parte da requerente, nos termos do n.º 6 do art. 21º do citado diploma legal.
Prosseguiram os autos os seus trâmites, procedendo-se à inquirição das testemunhas arroladas, sendo depois proferida decisão a declarar a nulidade do processado e a absolver o requerido da instância.
Inconformada com a decisão, veio a Requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
Consideram-se provados os seguintes factos:
(…)
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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
O diploma regulador do contrato de locação financeira (leasyng) - o DL 149/95, de 24 de Junho - prevê, no seu art. 21º, a providência cautelar de entrega judicial do bem locado e cancelamento de registo, estabelecendo-se no n.º 1 deste preceito que “se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo”.
O n.º 4 do preceito em análise esclarece que “o tribunal ordenará a
providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.° 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada”.
E o n.º 7 acrescenta que “são subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma”.
Tendo por objectivo o adimplemento da obrigação do locatário de proceder à entrega do bem locado, em consequência da extinção do contrato de locação financeira decorrente da caducidade ou da resolução do mesmo, o legislador instituiu pelo DL 149/95, no mencionado art. 21º, a denominada providência cautelar de entrega judicial e cancelamento do registo, inicialmente circunscrita aos bens móveis, mas posteriormente, pelo DL nº 265/97, de 2/10, tornada extensível aos bens imóveis.
Assim, por força do regime constante do citado diploma, uma vez resolvido do contrato, deve o locatário restituir o bem locado ao locador, uma vez que este mantém o direito de propriedade sobre aquele bem durante o prazo do contrato de locação financeira. Caso o não faça, pode o locador requerer ao tribunal a sobredita providência cautelar especificada para a entrega imediata do bem e para cancelamento do respectivo registo, caso se trate de bem a ele sujeito. E o tribunal deverá ordenar a providência requerida se a prova produzida revelar probabilidade séria da verificação dos requisitos enunciados no preceito mencionado, isto é, ter o contrato de locação financeira sido extinto por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido, pelo locatário, o direito de compra e não ter o locatário procedido à restituição do bem ao locador e/ou ainda não se mostrar cancelado o respectivo registo de locação financeira.
Deste modo, se se concluir, indiciariamente, pela séria probabilidade de
verificação daqueles requisitos, nada mais se exige para que o tribunal
decrete a providência. Assim, o periculum in mora, o justificado receio de que a demora na resolução do litígio cause lesão grave e dificilmente
reparável do direito do locador, a lei presume-o jure et de jure do facto de ter sido operada a resolução do contrato e de não ter havido, a exigível, restituição do bem e /ou de não ter sido cancelado o registo. Não parece dubitável que o legislador, nos contratos de locação financeira quis colocar à disposição do locador um meio expedito de reclamar a entrega imediata do bem para o recolocar no mercado, evitando-se dessa forma não só a degradação e desvalorização inerentes ao uso e decurso do tempo.
É patente que no art. 21º do DL 149/95, de 24/6, o legislador quis
estabelecer um regime próprio de providências cautelares originadas em
incumprimento de contratos de locação financeira, ainda que prevendo a
aplicação subsidiária a tal regime das providências cautelares reguladas no Código de Processo Civil. Porém, é necessário não esquecer que havendo norma na lei especial é ela que deve ser aplicada em detrimento da norma da lei geral subsidiária, à qual, no fim de contas, só há que recorrer em face de omissão ou lacuna da lei especial.
Ora, no despacho recorrido considerou-se que sobre o bem cuja apreensão vem requerida incidia penhora, determinada no âmbito de processo de execução e que, por isso, a providência requerida, por implicar a apreensão material da viatura, bem como o cancelamento do registo de locação financeira, de forma a possibilitar a respectiva venda, colidia frontalmente com a penhora determinada, desde logo com as obrigações impendentes sobre o fiel depositário.
Mais se entendeu que a pretensão do requerente deverá ser acautelada pelos meios processuais próprios, ou seja, através do mecanismo previsto no artigo 119° do Código do Registo Predial ou mediante embargos de terceiro, a deduzir por apenso à execução e que os riscos que a requerente pela providência pretendia acautelar, mostram-se salvaguardados, face à penhora decretada.
Para se concluir que, face aos elementos dos autos, a requerente não
utilizou o meio processual próprio, declarando-se a nulidade do processado, por erro na forma do processo, com a consequente absolvição do requerido da instância.
Sucede que no despacho recorrido não se fez, salvo o devido respeito, o
melhor entendimento da lei.
Com efeito, está provado que em 27.02.2004, foi apresentado na Conservatória do Registo Automóvel pedido de registo de penhora ordenada pelo Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim sobre o veículo …, que veio a ser efectuado como provisório, por o sujeito passivo não ser o titular inscrito.
Por o registo da penhora ter sido efectuado como provisório pelo motivo citado, aquele tribunal notificou a aqui requerente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 119º, n.º 4 do CRP, tendo esta declarado no respectivo processo que aquele veículo era efectivamente sua pertença.
Em face deste factualismo verifica-se que não existia registo definitivo da penhora e sem ele nem sequer a execução poderia prosseguir para a venda do aludido veículo (art. 833º/4 do CPC). Além disso, a não propositura de qualquer acção declarativa dentro de 30 dias após aquela notificação até faz caducar o registo provisório (art. 92º/5 do CRP). Mas atendendo a que o veículo não se encontrava registado em nome do executado, mas antes em nome da ora requerente, que declarou no processo que o veículo lhe pertencia, os interessados teriam de ser remetidos para os meios processuais comuns nos termos do art. 119º/4 do CRP, caso pretendam discutir a questão da propriedade do veículo. E note-se que os interessados em discutir a
propriedade do veículo são, essencialmente, as partes da acção executiva e não a requerente porque esta goza da presunção de proprietária do veículo, por este se encontrar registado em seu nome (art. 1.º/1 do DL 54/75, de 12/2). À requerente, que goza da presunção de proprietária do veículo cabe-lhe apenas reivindicá-lo, o que, em meio processual próprio, tem inteiro cabimento ser feito através da presente providência cautelar.
Daí que a penhora do veículo realizada na acção executiva (Proc. …) não pode ser obstáculo à presente providência, que é o meio adequado que a lei prevê para a requerente entrar na posse do veículo. A penhora acima referida, em princípio, nem poderá subsistir e terá de ser levantada, caso a requerente seja, como tudo indica que é, a verdadeira proprietária do veículo. De contrário, uma qualquer apreensão ou penhora indevidas de um veículo, objecto de locação financeira, obstariam a que, em caso de inadimplemento da obrigação do locatário de proceder à sua entrega ao locador, em consequência da extinção do contrato de locação financeira decorrente da caducidade ou da resolução do mesmo, se pudesse lançar mão da providência cautelar de entrega judicial e cancelamento do registo prevista no DL 149/95, o que frustraria, sem aparente justificação, os fins visados pelo diploma.
O que parece dever fazer-se no presente caso é decretar-se a providência requerida, ordenando-se a entrega do veículo à requerente e o cancelamento do registo da locação financeira, mas atendendo ao facto de o veículo ter sido penhorado à ordem do tribunal acima aludido, oficiando-se àquele tribunal para o veículo ser entregue à requerente após o levantamento da penhora, obviamente caso esta ainda se mantenha.
Procedem, no essencial, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.
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IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo
e revoga-se a decisão recorrida, decretando-se a providência requerida nos
termos e para os efeitos acima descritos.
Custas pela agravante, nos termos do art. 453º, n.º 1 do CPC.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2005.

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
MARIA MANUELA GOMES