Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3201/08.0TVLSB.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
DIREITO DE TAPAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Só o espaço aéreo correspondente à superfície do imóvel integra o direito de propriedade - art. 1344°, n° 1 do CC -, e já não o que, sendo circundante do imóvel, permitiria ao titular do direito disfrutar de melhor ou pior vista.
II – A limitação imposta pelo art. 1360° do CC ao proprietário que levante no seu prédio construção ou edificação, respeita a abertura, nessa edificação, de janelas, portas, varandas ou outras obras semelhantes que deitem diretamente para prédio vizinho, o que não é o caso de uma barreira com a altura de 1,70 m, amovível, em metal e vidro fosco, que seja edificada no terraço de imóvel que confine com outro imóvel.
III —Com tal limitação pretende evitar-se que o prédio vizinho seja objeto fácil da indiscrição de estranhos ou de devassa com o arremesso de objetos, finalidade a que é estranha a proteção de vista panorâmica que o mesmo imóvel pudesse proporcionar.

(Sumário da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – A A intentou contra a R a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, pedindo a condenação desta, por ofensa ao seu direito de propriedade sobre prédio que identifica, a:
- remover a "Pala de Vidro" existente no prédio da ré;

- reparar a fissuração no "Prédio da Autora";

- reparar a impermeabilização nos muros de ligação entre os prédios;

- remover a barreira que colocou ao nível dos terraços;

- remover a "Cabine do Contador”.

Alega, em síntese, ser dona de prédio urbano, sito em Lisboa, imóvel confinante com prédio pertencente à ré e cuja construção e caraterísticas ofendem o seu direito nos termos que expõe.

Houve contestação e, realizado o julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, seguindo-se sentença que, julgando a ação parcialmente procedente:

 a) Condenou a ré a reparar a fissuração no "Prédio da Autora" e a reparar a impermeabilização nos muros de ligação entre os prédios;

b) Absolveu a ré dos pedidos de remoção da "Pala de Vidro" e da barreira que colocou ao nível dos terraços.

c) Julgou inútil o pedido de remoção da "Cabine do Contador” por a mesma ter sido, entretanto, destruída.

Contra ela apelou a autora, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1. A barreira que a Recorrida colocou no seu prédio estabelece uma obstrução visual a partir do terraço do prédio da Recorrente (…), pois deixa de se aceder a uma vista privilegiada, dada a altura do imóvel, sobre uma considerável zona de Lisboa.

2. A barreira que a Recorrida construiu viola assim o direito de propriedade da Recorrente previsto no artº. 1305 do Códº. Civil.

3. A Recorrida edificou o seu prédio bem sabendo, ou não podendo ignorar, que iria violar o direito de propriedade da Recorrente.

4. Cabia à Recorrida provar que tal construção justificava a amputação do direito de propriedade da Recorrente.

5. O que a Recorrida não fez.

6. Pelo que deve ser condenada a remover a barreira que colocou ao nível dos terraços.

7. A sentença violou, entre outros, os arts. 334, 1305, 1360 e 1362, todos do Códº. Civil.

Teve-se notícia de que a ré fora declarada insolvente por sentença de 4.12.2013, já transitada em julgado.

Caducada a procuração que a ora insolvente outorgara ao seu Mandatário, o administrador da insolvência, embora notificado para o efeito, não veio constituir novo advogado.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II – Os factos julgados como provados são os seguintes:

1. O prédio urbano sito na Avenida ..., em Lisboa, encontra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de São João de Brito, e inscrito a favor da Autora.

2. O prédio urbano sito na Avenida ..., em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de São João de Brito, é imediatamente contíguo a um edifício construído pela Ré, sito na Avenida …, em Lisboa.

3. O prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, apresenta na sua fachada Poente uma "Pala de Vidro" sobre o piso de entrada do edifício que termina na sua extremidade Sul.

4. A Ré, ao nível da cobertura do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, aproveitou o seu terraço para aí construir uma fração autónoma destinada a habitação.

5. O terraço que é imediatamente contíguo ao terraço do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, estando dividido por um baixo e pequeno muro que já existia do lado deste prédio urbano e que a Ré também edificou do seu lado, junto do respectivo imóvel.

6. O prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, é um edifício cuja construção foi concluída em meados da década de 50 do século XX (conjuntamente com o imóvel conhecido como o "arranha céus" da Praça ..., dando a ideia de se tratar de um único edifício), fazendo parte do plano de expansão da cidade de Lisboa para Norte, sendo um edifício de referência da Praça ..., em Lisboa.

7. Neste prédio urbano existe alguma fendilhação dispersa em painéis de reboco marmoritado, especialmente ao nível dos últimos pisos.

8. A reparação destas anomalias e de outras que possam vir a ocorrer, obrigará à remoção de pedaços de betão soltos, ou delaminados e fendilhados, à limpeza das armaduras oxidadas com escovagem enérgica, manual ou mecânica, à reparação local com reposição do betão de recobrimento à custa de argamassas de reparação de betão, pré-doseadas e de retracção compensada e pintura final com sistema de impregnação para reforço da protecção superficial do betão.

9. Todo este processo de reparação dos elementos de betão exige a remoção de revestimentos que terão depois de ser novamente colocados, trabalho esse que implicará a prévia realização de uma inspecção minuciosa a toda a fachada, no sentido de detectar todas as zonas danificadas.

10. Toda e qualquer intervenção com a natureza e extensão técnicas atrás identificadas, implicam necessariamente a delicada montagem e colocação de andaimes, dada a muito significativa altura do imóvel e o facto de ser indispensável garantir adequados padrões de segurança.

11. A "Pala de Vidro" apresenta uma distância inferior de cerca de 80 cm da empena do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito.

12. A pala de vidro implica, que na montagem de andaimes exista um acréscimo de preço na ordem dos 10%.

13. O prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, encontrava-se em devido e adequado estado de conservação geral, atendendo à idade da respectiva construção, resultado de periódicas, regulares e exigentes acções de manutenção.

14. Como causa directa da construção do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa o prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, passou a apresentar fissuração expressiva em diversas zonas das paredes e tectos da loja e da sobreloja, bem como na respectiva arrecadação (ao nível da casa da porteira) e logradouro do prédio.

15. A fissuração recente foi causada pelas escavações realizadas pela R para a construção das respectivas caves no prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, tendo provocado a descompressão dos terrenos adjacentes.

16. Na execução da parede de ligação entre o prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa e o prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, ao nível da cobertura, a Ré procedeu à impermeabilização do topo mal executada, furada pela fixação da divisória colocada pela R, já com afastamento na sobreposição de telas, proporcionando a entrada de água pela junta.

17. Parte da impermeabilização já se encontra descolada, situação que provocará e será, no futuro próximo, origem de graves infiltrações de águas.

18. A barreira erguida pela Ré no terraço do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa é de metal e vidro fosco com uma altura 1,70 m.

19. A barreira em causa estabelece uma obstrução visual a partir do terraço do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, pois deixa de se aceder a uma vista privilegiada, dada a altura do imóvel, sobre uma considerável zona de Lisboa – o que não sucede com o terraço do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa.

20. A Ré, sem autorização escrita ou verbal, da Autora edificou uma barraca, para "Cabina do Contador" de água e electricidade, encostada e junto à fachada do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, cujo revestimento está feito com placas de mármore.

21. A "Pala de Vidro" tem fins estéticos e de protecção dos transeuntes e utentes do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa relativamente ao sol e à chuva, proporcionando conforto.

22. São factos relevantes para a Ré já que um prédio com soluções estéticas agradáveis é mais valorizado, e isso é muito relevante em termos económicos para a Ré.

23. A "Pala de Vidro" é amovível por fixada em armação metálica.

24. Esta vedação é amovível, pode-se instalar e retirar os vidros e tem duas remoções que se podem abrir e fechar, possuindo para tal um fecho, o que permite aceder a parte exterior do muro.

25. A obstrução visual sempre parcialmente seria cortada pelo telhado do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, sem esquecer que o terraço do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito não é utilizado.

26. A construção da "Cabina do Contador" foi destruída antes de 15/09/2008,encontrando-se a parede do prédio urbano sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º  ..., da freguesia de São João de Brito, em situação igual à que apresentava antes da construção do abrigo para os contadores.

III – O comando decisório que neste recurso vem posto em causa, fundou-se, essencialmente, no entendimento de que a construção da barreira levada a cabo pela ré no terraço do seu prédio, contíguo ao que pertence à autora, não é lesiva do direito de propriedade desta última “ao ponto de lhe causar qualquer afetação de facto ou de direito evidente”(sic), pelo que não se justifica ordenar a sua desmontagem, tanto mais que possui utilidade para a ré.

A apelante persiste, como se vê das suas conclusões, na defesa da tese segundo a qual a construção da barreira em causa, que estabelece uma obstrução visual a partir do terraço do seu prédio e impede o acesso a uma vista privilegiada sobre uma considerável zona de Lisboa, constitui violação do seu direito de propriedade, previsto no art. 1305º do C. Civil.

Mas, salvo o devido respeito, sem a menor razão.

O proprietário goza, nos termos do dispositivo legal acabado de referenciar e invocado pela apelante, “de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas

E sendo objeto da propriedade um bem imóvel, esse direito abrange “o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico” – nº 1 do art. 1344º do C. Civil (diploma a que respeitam as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência).

Só o espaço aéreo correspondente à superfície do imóvel integra o direito em causa, e já não o que, sendo circundante dele, permitiria ao respetivo titular do direito disfrutar de melhor ou pior vista.

Assim, a barreira com a altura de 1,70 m, amovível, em metal e vidro fosco, a que aludem os factos 18, 19, 24 e 25, edificada sobre imóvel pertencente à ré e que se ergue, verticalmente, no espaço aéreo correspondente, não viola o direito de propriedade da autora.

E o facto de constituir, a par do telhado do prédio da ré, uma obstrução à vista panorâmica sobre a cidade de Lisboa que, de outro modo, a autora teria a partir do terraço do seu prédio, em nada releva, já que a perda dessa “vista”, em confronto com os poderes inerentes ao direito de propriedade do prédio vizinho – o da ré –, não é juridicamente tutelada.

A limitação imposta pelo art. 1360º[1] - que a recorrente sustenta ter sido violado e a que indevidamente faz apelo nas parte das suas alegações que precedem as conclusões - ao proprietário que levanta no seu prédio construção ou edificação, respeita, como dele claramente se vê, à abertura, nessa edificação, de janelas, portas, varandas ou outras obras semelhantes que deitem diretamente para prédio vizinho, o que manifestamente não é o caso dos autos.

Com essa limitação pretende evitar-se “que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos. Por outro lado, quer-se impedir que ele seja facilmente devassado com o arremesso de objectos.[2]; a tal finalidade é, assim, absolutamente estranha a proteção de vista panorâmica que o mesmo imóvel pudesse proporcionar.

Improcedem, pois, e sem necessidade de outras considerações, as razões expostas pela apelante.

IV – Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Lxa. 3.02.2015

(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)

(Maria Amélia Ribeiro)

(Graça Amaral)


[1] Nos termos do qual:
“1. O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente sobre prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.
2. Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.
            (…)”
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª edição,vol.III,pág.212.