Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27993/16.3T8LSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
INTERESSES DO CLIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I O advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequada diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.

II Nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – artigo 95º nº 1 alínea b) do EOA.

III Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado

IV Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.

V O insucesso na lide, na hipótese atrás referida, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra escolha, seria previsível o respectivo êxito.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


CC, MC, Paulo JC e CG, intentaram acção declarativa de condenação com processo comum contra:

MV advogado, com escritório na Rua V, nº 0, 3º dto, em Lisboa, pedindo a sua condenação na quantia de € 249.900,00, acrescida de juros de mora contados a partir da citação.

Em síntese, alegaram que foi intentada acção executiva para pagamento de quantia certa contra “Paulino Ferreira e Filhos, Lda” sendo que o sócio gerente de tal sociedade era marido da 1ª A., pai dos 2º e 3º AA. e sogro da 4ª A. O referido marido, pai e sogro dos AA., veio a falecer em Outubro de 2008, no decurso da acção, pelo que os AA constituíram seu mandatário o R., para os representar naquela acção.

O R. foi notificado em Maio de 2012, de envio de carta precatória para venda em carta fechada para o tribunal de Sesimbra, no âmbito do referido processo executivo, tendo de igual modo sido notificado de que estava designado o dia 27.6.2012, para venda dos bens penhorados. No dia e hora designados, comparecendo os AA no Tribunal de Sesimbra, foi-lhes dito que o Sr/a Juiz estava ocupado, e momentos mais tarde foram informados de que a convocatória teria sido enviada com a hora errada, e sabendo depois que não lhes tinha sido marcada presença.

O R., que também esteve presente não tomou qualquer providência no sentido de averiguar o que se estava a passar, dizendo-lhes que a venda não tinha sido realizada.

A deprecada foi devolvida, porquanto não foram apresentadas propostas.

No âmbito do mesmo processo, foi enviada carta precatória ao tribunal de Silves para venda de um imóvel sito em Alcantarilha, tendo a venda sido, nesse âmbito, designada para o dia 28.6.2012.

O R. informou os AA de que não poderia estar presente e que seria inútil os AA estarem presentes porquanto a venda não iria realizar-se. No âmbito desta carta precatória veio o bem a ser adjudicado à exequente pelo valor de €129.700,00.

A actuação do Réu, determinou que os AA ficassem sem o imóvel adjudicado no âmbito da carta precatória de Silves e, de igual modo, no âmbito da carta precatória de Sesimbra, porquanto também aqui o bem veio mais tarde a ser vendido. Aquando da notificação da adjudicação do imóvel alienado na carta precatória de Silves, deveria o R. ter tomado posição, reagindo contra aquele acto não o tendo feito e tendo informado os AA de que não deveriam lançar mão do seu direito de preferência porquanto estava convencido de que teria vencimento em requerimento enviado ao processo em 1.6.2012.

Tal conduta determinou que os AA não usassem o seu direito de preferência.

Em 8.12.2012 deduziu incidente de nulidade de aquisição que foi indeferido. Não se conformando, interpôs recurso do despacho, que foi indeferido por extemporaneidade.

Deu entrada a requerimento em que pedia a condenação da exequente a devolver o imóvel e equipamentos que dele fazem parte integrante não produzindo o mesmo qualquer efeito.

Não seu deu conhecimento aos AA de despacho em que se informava de que aos autos era aplicável, doravante o Novo Código de Processo Civil.

Com a sua conduta, não comparecendo a diligências, tendo aconselhado os AA a não comparecerem a actos de venda, não lhes dando conhecimento de despachos proferidos nos autos, praticando actos fora de prazo, revelou falta de zelo e diligência o que produziu danos na esfera jurídica dos AA.

Peticiona, assim, o valor dos danos patrimoniais em € 241,900,00, correspondente ao valor peticionado no âmbito dos autos de execução e juros de mora que os AA têm vindo a pagar; €4.500,00 relativos aos bens móveis que se encontravam no interior do imóvel vendido e que desapareceram; €2.650,80 a título de taxas de justiça pagas; € 5.000,80 a título de despesas e transferências de honorários para o R..

Contestou o R. alegando, em síntese, que o mandato lhe foi conferido apenas pelo 3º e 4º AA.

É verdade que lhe foi informado de que no dia designado para a venda no Tribunal de Sesimbra foi informado de que a Sra Juíza se encontrava ocupada e de que informou os AA de que não poderia estar presente na venda a efectuar no Tribunal de Silves.
Debatido o assunto com os AA. e porque estavam convencidos de que não haveria comprador e sendo certo que os AA o informaram de que não pretendiam comprar o que já era seu e não terem sequer meios  financeiros para tal efeito, todos concluíram não haver vantagem em estar presente na diligência.

Mais diz que o imóvel foi adjudicado por € 135.000,00 sendo certo que os AA não poderiam ter preferido à venda pois sempre afirmaram recusar-se a adquirir o que já era seu, não tendo meios para solver as suas responsabilidades na execução, sequer para exercerem o direito de preferência na compra ou adjudicação dos bens penhorados.

O R. actuou profissionalmente em prol dos direitos dos AA dirigindo aos autos requerimentos sendo que a responsabilidade técnica por ter interposto recurso ao abrigo da redacção do CPC resultante da reforma processual civil introduzida pelo DL nº 303/2007 e não o anterior a si se deve. Em Setembro de 2013, procedeu à junção aos autos de procuração que lhe havia sido outorgada pela 1ª A. Relativamente aos bens móveis, o R. de imediato reagiu ao seu desaparecimento através de requerimento solicitando a imediata devolução do imóvel e seus bens móveis e equipamento. Anteriormente ao seu mandato, no âmbito da execução foram deduzidos embargos pela executada sociedade que não foram admitidos por intempestivos tendo, de igual modo, a 1ª A. deduzido oposição que foi julgada improcedente.

Os ora 1º, 2º e 3º AA foram chamados aos autos de execução através do incidente de habilitação, na qualidade de sucessores do executado falecido.

Mais impugna que lhe tenha sido pago o valor de €5.000,80 a título de honorários de igual modo impugnando o valor alegadamente pago com taxas de justiça. Os bens móveis referidos pelos AA não valerão mais de €3.000,00.

Conclui, dizendo, que a sua actuação não determinou quaisquer danos para os AA, pedindo a absolvição do pedido

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente, por não provada e o réu absolvido do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreram os autores, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A senhora juíza recorrida deu como provados factos em seu prudente alvedrio e devia igualmente ter considerado assim outros que deu como não provados, mas se mostra terem ocorrido como os apelantes descreveram pormenorizadamente na sua petição inicial, redigida com o rigor de um lápis electronicamente afiado e confirmada documentalmente, pela realidade objectiva dos dados ou elementos fornecidos pelos próprios autos e ainda pelos depoimentos, como os de apelantes que denotaram credibilidade, certeza e segurança, pela sua verificação pessoal ou presencial, fora de qualquer dúvida ou hesitação significativa.
Desde logo e ainda que se aceite que a procuração ao réu só foi conferida no final de 2011, vê-se que este nada fez praticamente durante o primeiro semestre de 2012 a não ser fotocopiar o processo, dando uma cópia deste aos seus mandantes.
Há depois o grotesco e incrível episódio de 27Jun 2012 ocorrido no Tribunal de Sesimbra, alegadamente para a abertura de propostas de venda em carta fechada e a que o réu, com dois apelantes, compareceram a tempo e horas.
Não obstante e limitando-se no fim a informar os seus clientes de que a venda não se realizara, o réu deu como boa pelo menos ingenuamente a informação avulsa e falsa de que a senhora juíza estava ocupada ou a de que afinal a hora correcta da diligência não era aquela, com o senhor AE a comportar-se como se fosse o único condutor autorizado do processo e depois ele réu ainda se conformou com o facto de ninguém do tribunal ter anotado a presença deles ali, tendo-lhes sido mesmo marcada falta ou de ao cabo e ao resto ter havido um despacho da senhora juíza anotando a ausência de propostas e a devolução dos autos ao tribunal deprecante, inclusive para colher os devidos elementos adjudicatários!
O acto foi assim notoriamente nulo e ineficaz, mas o réu prosseguiu na mesma senda de omissão e transigência, não reclamando como lhe competia contra essas invalidades e ineficácia!
Identicamente omitiu qualquer arguição dos demais vícios do processo, inércia que vai ao arrepio inter alia dos ditames contemplados nos artigos 97º, 98º e 100º do EOA.
Logo então estava programada para a tarde do dia seguinte diligência semelhante no Tribunal de Silves, mas o réu disse aos executados presentes que não poderia ir lá e que nem eles próprios deveriam ir, pois a falta de compradores iria inviabilizar essa sessão.
Ora e ao invés, a abertura de propostas teve ali efectivamente lugar e o imóvel em questão acabou mesmo por ser arrematado por menos cerca de 135 mil euros relativamente ao seu indiscutível valor mínimo de mercado local.
Os respectivos registos de Sesimbra e Silves foram efectuados a favor da exequente em Outubro seguinte, o que significa que passou mais de um trimestre sem que o réu tivesse promovido entretanto qualquer espécie de diligência a respeito, de resto analogamente ao que ocorreu antes, continuando o processo a correr em roda livre, à sua completa revelia.
10ª O réu assim com tão improfícuo ou deficiente, para não dizer inexistente modus operandi acabou por deixar que os apelantes ficassem despojados dos seus bens e ainda por cima continuassem vinculados à alegada dívida para cuja superação era suposto esses bens terem servido.
11ª A 1 Junho, o réu formulou um requerimento que veio naturalmente a mostrar-se inconclusivo e inconsequente e em função do qual inculcou nos mandantes um excesso de confiança fatal, deixando-os afastados ou desarmados respeitantemente ao normal exercício legal do competente direito de preferência (artigo 1409º do Código Civil).
12ª Os apelantes inquiriram o réu sobre se à cautela os valiosos bens móveis da casa de Silves não deveriam ser postos a recato, mas nunca obtiveram resposta dele e o certo é que a respectiva porta foi arrombada e esses bens levados para paradeiro desconhecido, se é que ainda existem.
13ª Depois da grosseira negligência revelada pelo réu e acompanhada de mau aconselhamento, faltando e dizendo aos apelantes para eles próprios faltarem, com o resultado nefasto que isso representou para eles, segue-se já anacrónico ou intempestivo e em manifesto desespero de causa o requerimento apresentado a propósito pelo réu só a 8 Dez seguinte!
14ª De facto, arguir apenas então e a destempo esse incidente de nulidade da aquisição equivale afinal em termos legais e práticos à situação nociva de a peça nunca ter dado entrada em tribunal!
15ª Para agravar a situação, o respectivo indeferimento judicial só chegou no distante dia 15Abr do ano seguinte e de novo sem que nesse ínterim o réu tivesse promovido fosse o que fosse e sobretudo relevante para tentar inverter ou reduzir esse prolongado lapso de tempo a respeito.
16ª O réu interpôs o devido recurso para esta Veneranda Relação sim, mas este foi improvido por extemporaneidade (28 Maio 2013)!
17ª Idem o requerimento seguinte do mesmo réu, ainda por cima de 22Out2013, isto é, quase 5 meses depois!
18ª Uma semana depois, a senhora juíza teve de lhe recordar por despacho que entretanto entrara em vigor o novo Código de Processo Civil!
19ª Este exercício defeituoso do mandato oneroso (artigos 1157º, 1158º e 1161º do Código Civil), fora inclusive da diligência do homem médio (nº 2 do artigo 487º, todos do Código Civil), acarretou os danos materiais e não patrimoniais da inteira responsabilidade do réu e que vêm minuciosamente discriminados na mesma petição inicial.
20ª O réu contestou mas praticamente nada do que contrapôs aos apelantes veio a ser dado como provado, o que equivale legalmente à sua completa ausência.
21ª Segundo o nº 2 do artigo 342º do Código Civil, era ao réu que competia aqui provar que tinha observado as suas obrigações ou desmentir a ventilada inexecução ou execução sumamente imprópria do seu mandato e o que se verifica é que o réu não conseguiu provar nada em contrário daquilo que os apelantes fundada e apodicticamente defendem.
22ª Sendo isto essencialmente um non facere, que o mesmo é dizer um conjunto vasto de factos negativos protraídos no tempo e imputáveis ao réu (apartamento, ausência, complacência perante o decurso excessivo de prazos, demora, desaconselhamento ou aconselhamento inapropriado, desinteresse, falta de acção, de comparência ou de reacção, inacção, indiferença, inércia, omissão, paralisia, passividade, permissividade), é mesmo normativamente recomendável menores exigências quanto à prova deles pelos apelantes, como lapidarmente ensinava Pereira Coelho na página 95 da RLJ 117º.
23ª Parecidamente e para além da prova concludente produzida e à luz da realidade objectiva das coisas, os prejuízos suportados pelos apelantes afirmam-se também por si próprios.
24ª Mesmo sendo líquido que a procuração ao réu é apenas do final de 2011, verifica-se a inutilização ou utilização defeituosa ou inconveniente pelo réu da gama imensa de ferramentas ou instrumentos comuns concedidos pela lei processual civil às partes através dos seus mandatários para a defesa ou protecção dos seus direitos, expectativas e interesses.
25ª Sem intuito dilatório e sempre na óptica do exercício pleno dos meios postos à disposição dos executados para potenciar a virtualidade de estes irem procurando angariar os fundos necessários à mitigação da dívida em causa ou à tentativa de evitar a perda de bens que lhe eram preciosos, a imobilidade ou mobilidade limitada do réu manifestou-se ainda in casu pela falta de iniciativa ou desempenho imperfeito nesta fase da acção executiva relativamente ao conjunto de trâmites a que o Código de Processo Civil se reporta, a saber e a título meramente exemplificativo: a verificação do prazo do nº 1 do artigo 796º, análise ou estudo de modalidades mais vantajosas das alíneas b) a g) do nº 1 do artigo 811º, em alternativa às propostas em carta fechada da sua alínea a), o exercício do direito de audição dos executados do nº 1 do artigo 812º, a ponderação do objecto decisório sobre a matéria (nº 2 desse artigo 812º) (cfr. ainda o resto desse preceito e o artigo 814º), mesmo quanto à modalidade que entretanto fez vencimento, o controlo da publicidade da venda (artigo 817º), a verificação da notificação dos preferentes (artigo 819º) e o exercício desse direito (artigo 823º), a observância da abertura e aceitação das propostas do artigo 826º e enfim os recursos dos artigos 852º e seguintes, com a eventual necessidade de defesa devidamente argumentada do seu efeito suspensivo.
26ª O predito artigo 640º fixa o ónus a cargo de quem recorre impugnando também a decisão relativa à matéria de facto e que deve especificar os concretos pontos tidos por incorrectamente apreciados, as passagens da gravação que apontam nessa direcção e a decisão que em rigor deve ser proferida sobre isso (v. as 3 alíneas do nº 1 e a a) do nº 2 desse preceito).
27ª É assim e para além do que fundada e documentadamente já ficou escrito, que também devem ser ponderados outros elementos de facto que a senhora juíza a quo não apreciou e se crê devem ser sopesados, a saber o fim a acautelar com a celebração da escritura de partilha, os motivos invocados pelo próprio réu para não ir como não foi a Silves, o não exercício do direito de preferência por parte dos apelantes e quanto ao que não foram devidamente esclarecidos pelo réu ou foram-no por este mas incompletamente, a extemporaneidade do recurso e unicamente atribuível ao réu, os indiscutivelmente enraizados afecto e serventia de décadas dos apelantes respeitantemente à casa de Silves e os inevitáveis bens do seu recheio, a permanência na criação e no fomento de ilusões e perspectivas do réu junto dos apelantes e que sabia de antemão que por aquele caminho escuso estes nunca iriam alcançar ou ver satisfeitas, incluindo a convicção inoculada no espírito dos seus mandantes de que antevia para estes o êxito da causa ou de que no máximo esta envolveria ou implicaria para eles apenas um pequeno custo ou sacrifício. Acresce ser facto público e notório do nº 1 do artigo 414º do Código de Processo Civil que uma vivenda no Algarve com três andares e a dois quilómetros e meio da praia vale sempre e em qualquer caso muito mais do que 200 mil euros e por fim Anotem-se os enormes prejuízos morais e patrimoniais sofridos pelos apelantes.
28ª Parece assim demonstrada a aplicação a este caso da teoria da causalidade adequada vinculando necessariamente o comportamento reiterada e sumamente malsão ou perverso do réu aos ingentes danos daquela vária ordem padecidos pelos seus mandantes.
29ª Daí que se creia aqui incidente com este sentido o próprio núcleo de preceitos citados pelo tribunal recorrido, a saber e inter alia artigos 487º, 762º e 799º do Código Civil, com a verificação inequívoca de que o réu não logrou arredar a presunção da sua culpa como subjacente à sua responsabilidade civil, como de resto e consabidamente não logrou provar nada que contrariasse o acervo fundado e documentado das justas e lídimas arguições dos apelantes e isto face à prova sem ambiguidade nem dúvida que estes sempre de boa-fé fizeram da culpa da contraparte, artigos 406º e 1154º e seguintes do mesmo Código quanto ao incumprimento ou impontual e mau cumprimento do mandato como prestação de serviços por parte do réu e normas insertas no EOA como os seus artigos 92º, 93º e 95º.
30ª É abundante a sábia jurisprudência das instâncias superiores sobre a matéria e que os apelantes crêem inteiramente aplicável ao caso presente.
31ª Cite-se inter alia o acórdão unânime do STJ de 4 Dez 2012 e com referência aos do mesmo Supremo Tribunal de 29 Abril 2014 e 28 Set 2010, 23 Out 2012, 5 Fevereiro 2013 e 29 Abril 2014, mais a invocação geral aí e com interesse ad causam também dos artigos do Código Civil 496º, nº 3 do 503º, 562º a 564º, 798º e nº1, alínea b) do nº 2 e nº 3 do 805º.
32ª Vão no sentido de a não erradicação da presunção de culpa perante um processo causal com a existência de séria probabilidade de conhecer outro curso de resultado mais favorável à respectiva parte consagrar assim a inerente ou consequente responsabilidade do respectivo procurador forense.
33ª Trata-se de uma actividade estatutariamente disciplinada de compromisso sagaz com a diligência e o cuidado determinados pelas leges artis com meios para abrir estrada em certa direcção, que o mesmo é dizer condutas e diligências adequadas tendentes a isso.
34ª A violação desses deveres acarreta um ilícito gerador da obrigação de indemnizar.
35ª No caso sujeito, a culpa como nexo causal relevante dos danos sofridos pelos apelantes e que estes fundada e documentadamente adscrevem ao réu como fonte da responsabilidade civil deste é consabida e essencialmente formulada segundo critérios objectivos de realidade e também juízos de prognose póstuma de possibilidade plausível, segundo o curso normal que as coisas teriam e daquele modo enviesado deixaram de ter (cfr. o artigo 563º do Código Civil, de harmonia com a sua estipulação negativa de Enneccerus-Lehman).
36ª Como se lê v.g. no falado aresto de 28 Set 2010, a perda de oportunidade sob escrutínio corresponde a uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar à respectiva parte uma situação jurídica vantajosa, isto é, permite com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que essa parte obteria certo benefício não fora a chance perdida.
37ª In casu a chance, oportunidade ou sorte perdida foi a de evitar um prejuízo (sic) e
38ª Ao agir ou apenas não proceder como e quando devia ou podia, infringindo repetidamente aqueles parâmetros de confiança e lealdade que devem presidir continuamente à relação entre mandatário e mandantes, o réu assumiu desde o início e durante anos uma sucessão negativa de comportamentos que realmente acarretaram ou implicaram imperícia técnica e ou incapacidade profissional, cometendo por incompetência ou falta de zelo notório e não desculpável erro de ofício.

EM RESUMO
FACTOS PROVADOS
a)- Como os AA., conheceram o Réu/apelado
b)- Logo que foi constituído mandatário dos AA., disse-lhe que o processo estava ganho, nunca iriam ficar sem todos os bens e se viessem a perder alguns seria uma coisa ínfima.
c)- Ficaram provados os factos ocorridos no Tribunal de Sesimbra e, a falta de empenho, zelo, e actuação incorrecta que o Apelado fez da gestão dos trâmites processuais, por via disso, acarretou grandes prejuízos para os Apelantes.
d)- Os factos ocorridos em Silves.
e)- A falta de cuidado, perda de chance e negligência “grosseira” demonstrada nos actos processuais praticados, deixando passar prazos, actuando fora de tempo ou omitindo certos actos processuais, tornando assim irredutíveis factos que eram essenciais para a defesa do património dos AA., e tivessem vencimento de causa.
f)- O Apelado sabia e conhecia que o seu modus actuandi não estava a ser executado de acordo com a lei, por ser defeituoso, incorrecto, mesmo assim omitiu a verdade aos seus clientes, garantindo-lhe sempre coisa que ninguém pode garantir, ou seja, se vai ganhar uma acção e por via das sua afirmações e pelo que devia fazer que não fez, recai sobre si a responsabilidade contratual de indemnizar os Apelantes nos prejuízos por eles sofridos, danos patrimoniais e não patrimoniais, tudo cfr. melhor especificado na P.I, os quais ficaram provados em julgamento.
g)- A autora/Apelante C...A..., nunca devia ter perdido como perdeu ½ do bem vendido em Silves, como acima se disse ela não é parte legítima naquele processo executivo e, por via disso os seus bens não podem responder por qualquer da qual ela não seja devedora, é o que acontece in casu.
h)- Estes factos são mais que suficientes para fundamentarem a alteração da decisão recorrida, devendo a que vier a ser proferida por este douto Tribunal, condenar o Apelado in totum de acordo com o peticionado.
O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou os artigos do Código Civil 496º, nº 3 do 503º, 562º a 564º, 798º e nº1, alínea b) do nº 2 e nº 3 do 805º, o acórdão unânime do STJ de 4 Dez 2012 e com referência aos do mesmo Supremo Tribunal de 29 Abril 2014 e 28 Set 2010, 23 Out 2012, 5 Fevereiro 2013 e 29 Abril 2014, e os artºs do EOA n.ºs 92º, 93º, 95º. e 100.º.

Terminam, pedindo que a sentença seja revogada, inter alia por inapropriada ou incorrecta aplicação, interpretação ou omissão das normas acima invocadas e com o sentido inequívoco em que o são e dando como provados factos que o não foram, em função da tese documentada, fundada e justamente aqui defendida pelos apelantes e consequentemente substituída essa decisão por outra que julgue a acção provada e procedente, concluindo na condenação do réu a indemnizar os apelantes pelos danos materiais e não patrimoniais que este lhes causou, nos termos constantes da petição inicial, além de juros e as demais alcavalas legais.

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto.

A matéria de facto assente é a seguinte:
- O R. é advogado.
- Em 14.7.2004, foi intentada acção executiva para pagamento de quantia certa contra, “Paulino Ferreira e Filhos, Lda.”, com sede na Rua Nova da Trindade, nº18-A a 18-D, em Lisboa, e contra o seu sócio gerente, ASC- Cfr. doc. junto de fls.14 a 20.
- O título executivo fundava-se em letra de câmbio sacada pela exequente, aceite pela executada e avalizada pelo executado ASC- Cfr. doc.junto de fls.14 a 20.
- A executada sociedade deduziu embargos de executado que vieram a ser indeferidos por intempestivos - Cfr. doc. de fls.211/212.
- A aqui 1ª A. na qualidade de cônjuge do executado deduziu oposição à execução que deu entrada em juízo em 9.10.2007 que veio a ser julgada improcedente por não provada, por sentença de 10.2.2011 - Cfr. doc junto de fls.223 a 228.
- ASC, marido da 1ª A., pai dos 2º e 3ºRR e sogro da 4ª R., veio a falecer em 13.10.2008 na pendência da execução - Cfr. doc. de fls.239;
- O exequente no processo referenciado em 2, deduz incidente de habilitação de herdeiros do executado falecido, tendo nessa sequência sido proferida sentença julgando-se habilitados os aqui três primeiros AA., na qualidade de sucessores do falecido - Cfr. doc. de fls. 236 a 241.
- Para os representar em juízo no âmbito da acção referida em 2., os AA constituíram seu mandatário o R., por procurações datadas de 20.12.2011 os 3º e 4ºAA; de 24.9.2013, a 1ª A., e 2ª A. em data que não se pode precisar mas que coincide com a intervenção deste R. na acção referida em 2, em nome desta -
Cfr. docs. de fls.24, 180 e requerimentos pelo R. subscritos naquela acção em nome da 2ª A.
- Com data de 16.5.2012, o R. foi notificado do envio de carta precatória para abertura de propostas em carta fechada para venda, no âmbito da acção executiva referida em 2 - Cfr. doc. de fls.26 e 27.
10º- Com data de 29.5.2012, foi o R. notificado via electrónica, pelo tribunal, que tinha sido designado o dia 27.6.2012 para venda dos bens penhorados por propostas em carta fechada, pelas 13h30m, no tribunal de Sesimbra - Cfr. doc. de fls 28.
11º- O Réu, acompanhado dos 2º e 3ºAA chegaram ao tribunal de Sesimbra, estando presentes no mesmo antes da hora marcada.
12º- O Réu e os 2º e 3ºAA., não estiveram presentes na diligência - Cfr. doc. de fls.29.
13º- Nessa diligência, consta que a mesma foi efectuada no dia e hora designados na notificação e, não estando ninguém presente, nem tendo havido propostas, foi proferido o seguinte despacho: “Atenta a ausência de propostas devolva-se a deprecada. Quanto ao pedido de adjudicação, uma vez que não constam da carta precatória os elementos necessários à sua aceitação, o mesmo será apreciado pelo tribunal deprecante” - Cfr. fls.29 e 30.
14º- O R. nada fez, em face da sua presença e dos 2º e 3º AA no tribunal, tendo sido dados como faltosos à diligência.
15º- Em 1.6.2012 o R. junta aos autos identificados em 2, requerimento dando conta que havia sido feita a partilha dos bens imóveis entre os herdeiros do falecido executado, ASC, conforme consta de fls.154 e seguintes e 163 e ss.
16º- Com data de 24.1.2012 foi feita rectificação à partilha, estando presentes o R. que abonou a identidade da aqui 1ª A. - Cfr.fls170 e ss.
17º- Com data de 1.6.2012, foi enviada ao R. pelo A.E. notificação para abertura de propostas em carta fechada a realizar-se no dia 28.6.2012, pelas 14h no Tribunal de Silves - Cfr. doc. de fls.31.
18º- No tribunal de Sesimbra, por ocasião do referido em 11, o R. informou os 2º e 3ºAA. de que não poderia ir a Silves, não tendo os AA. de igual modo comparecido, após debate da questão com o R. e após terem manifestado a sua posição de não terem de comprar o que é seu e não terem no imediato meios financeiros.
19º- O acto de abertura de propostas para venda realizou-se e o bem imóvel foi adjudicado à exequente, pelo valor de €135.000,00 - Cfr. fls.32 e 33.
20º- Com data de 8.12.2012 o R. deu entrada nos autos referidos em 2, de requerimento cuja cópia foi junta a fls.34 e ss. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual peticiona: “Deve ser declarada nula e de nenhum efeito a aquisição do prédio rústico sito em Fontainhas, casal de Sapo, na freguesia de Sesimbra, castelo, concelho de Sesimbra, composto de eucaliptal, inscrito na matriz respectiva sob o art. 00, da secção AB, da referida freguesia, com o valor patrimonial tributário de €69,04, igual ao atribuído, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o nº 000, da freguesia da Quinta do Conde, onde se encontrava registado a favor do autor da sucessão e esposa, CC. (…) –E do mesmo modo, sejam declaradas nulas e de nenhum efeito, quaisquer outras aquisições de bens imóveis ou móveis pela exequente, que não façam parte da herança do de cujus e constantes dos presentes autos.(…)”
21º- O requerimento referido em 20º, mereceu o despacho cuja cópia se mostra junta de fls.49 a 51, no qual se julgou improcedente o pedido de nulidade da adjudicação do imóvel à exequente, tendo-se indeferido, de igual modo, tudo o demais e no qual se referiu que a penhora tem registo de 30.6.2006.
22º- Do despacho referido em 20º foi interposto recurso em 15.4.2013, conforme cópia junta de fls.67 a 86.
23º- O recurso referido em 21º, foi indeferido por extemporaneidade, conforme consta de fls.88/89.
24º- Em 22 de Outubro de 2013, o R. junta aos autos requerimento pedindo-se condene a exequente a “repor com carácter urgente e imediato, toda a situação anterior à data de 21.10.2013 e a devolver o imóvel e todos os seus bens móveis e equipamentos que fazem parte do imóvel, sito em Alcantarilha, na Rua T 24 e Rua J 19, na freguesia de Alcantarilha, concelho de Silves, inscrito na matriz sob o art.00 - Cfr. doc.junto de fls.90 a 97 e 181 a 188.
25º- Em 30.10.2013, foi proferido despacho cuja cópia se mostra junta a fls.99, em que, para além de se determinar a junção de procuração a favor da executada Cândida, se refere “Nos termos do disposto pelo art.6º, nº1, da Lei nº41/2013, de 26 de Junho, aos presentes autos passa a aplicar-se o Código de Processo Civil aprovado pela referida lei, com as excepções previstas pelo nº 3, da referida norma.
26º- De tal despacho teve a 1ª A. conhecimento atenta a ordenada junção de procuração (acordo).
27º- Os AA despenderam em taxa de justiça nos autos referidos em 2, o valor de €550,80, conforme doc. de fls.100 e aceite pelo R.
28º- Os AA transferiram para a conta do R. as quantias de € 850,00, € 500,00 e € 750,00 respectivamente em 29.4.2013, 12.12.2012 e 27.1.2012 - Cfr. docs. de fls.101 a 103.
29º- O imóvel referido em 19 encontrava-se mobilado.
30º- Pela 1ª A. foi apresentada relação de bens dirigida ao Proc. referido em 2 e sob o título “Relação de Bens Comuns do casal e proposta de Partilha” que os bens que constituíam o recheio do imóvel de Alcantarilha era constituído pelos bens que integram a verba nº7 a que foi atribuído o valor de €500,00 - (cfr. fls.197).
31º- Com a adjudicação referida em 19º, perderam os AA. o uso do bem o que lhes causou sofrimento, perturbação, pois era no imóvel que passavam férias, fins de semana, feriados, quadras festivas.

B)Fundamentação de direito.

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, são as seguintes:
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- A questão de direito.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

O artigo 640º do Código de Processo Civil (artº 685.º-B CPC 1961)
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, tem a seguinte redacção:
“1 Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º”.

Os apelantes, logo no início das suas alegações, escreveram que o recurso tinha por objecto a reapreciação da prova gravada, ou seja, pretendem impugnar a decisão relativa à matéria de facto.

Baseiam-se nas declarações de parte dos autores MC e Paulo J... A...S...C..., transcrevendo as partes da gravação que julgam pertinentes para apreciação da causa por este tribunal superior.

Todavia, de uma forma muito deficiente e mesmo obscura, não indicam com meridiana clareza, quais os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, como vem prescrito no artigo 640º nº 1 alª a) do CPC.

Disso deu conta o apelado nas suas contra-alegações, quando refere que:
Estas conclusões, de cerca de seis páginas de “extensão” deram, depois, na economia da peça, lugar a um resumo dos factos que os Recorrentes entendem encontrarem-se provados. Todavia, nem naquelas conclusões nem neste resumo ensejam os apelantes, como lhes cumpria, dar o mínimo cumprimento ao comando do n.º 1 do art.º 640.º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente da regra constante das respectivas alínea a) e c). De facto e sem prejuízo do muito respeito devido a entendimento diverso, cabia-lhes “especificar (…) Os concretos pontos de facto que considera(m) incorrectamente julgados” e “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Ora, o caso é que os recorrentes, no seu extenso excurso, em passo algum especificam qualquer dos factos dados, pelo tribunal a quo, como provados e como não provados e acima transcritos, como incorrectamente julgados assim como, igualmente e relativamente aos mesmos factos, não indicam como deveriam eles, em seu entender, ser correctamente julgados.
Ora, a lei - o aludido n.º 1 do art.º 640.º do Cód. Proc. Civil - comina o incumprimento destes ónus de especificação com a rejeição do recurso na parte em que nele se impugne a decisão recorrida relativamente à matéria de facto. Uma vez mais sem embargo do muito respeito devido por outro entendimento, pugna o apelado pela rejeição desta dimensão do recurso interposto”.

Em obediência ao princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil importa, antes de mais, obter a justa composição do litígio, privilegiando a substância, em detrimento da forma. Assim, mesmo com algumas dúvidas, tendemos a aceitar que se mostra cumprido o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 640º do CPC, com o que consta nas Conclusões (não numeradas) das alegações, sob o título “ Em resumo, factos provados” – Cfr fls 341º vº.

Iremos então, apreciar se é ou não procedente a impugnação da matéria de facto, quer em relação a esse resumo, quer em relação aos factos não provados.

Preliminarmente, há que recordar que, consoante refere Abrantes Geraldes[1], as diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados».

Dito de outro modo, quanto aos recursos que têm por objecto a reapreciação da matéria de facto, vigora o princípio da livre apreciação da prova – Cfr artigo 607°/5 do CPC - segundo o qual “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Além deste princípio de livre apreciação da prova, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
Os meios probatórios indicados são as declarações de parte dos autores MC e Paulo J...A...S...C..., de livre apreciação pelo tribunal, conforme vem preceituado no artigo 466º nº 3 do Código de Processo Civil.

Posto isto, iremos apreciar a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, analisando as transcrições que os apelantes julgaram pertinentes para a apreciação da causa (Cfr fls 331, proémio).

Declarações de parte da autora MC,
Dr. 2: Ah! Sim.
M. Helena - ainda não existia na altura. Pedi o conselho de várias pessoas, e um colega meu de emprego, aconselhou-me o Dr. DV.
Dr. 2: Olhe, e o senhor Dr. DV, ficou logo vosso mandatário, ou ainda fez algumas démarches, para ser vosso mandatário?
M. Helena: O Sr. Dr., foi consultar o processo no Tribunal, lá em baixo da Expo…
Dr. 2: Sim.
M. Helena: …fez uma série de apontamentos manuais, sobre o processo. Pediu-nos autorização, para fotocopiar o processo, e fotocopiou para ele, e para nós, e mostrou-se disponível, para ser nosso mandatário, neste processo, dizendo na altura, que o processo praticamente, não tinha problemas, que estava ganho, e que se perdêssemos por alguma razão, ou algum bem, seria um bem pequenino.
Dr. 2: E depois, essa escritura, era com que fim?
M. Helena: Essa escritura, seria com o fim, de eu apresentar em Tribunal, e ficar claro, o que é que era de um, e o que era do outro, no âmbito do tal outro processo.
Dr. 2: Olhe, e não houve nenhum problema, com essa escritura?
M. Helena: Essa escritura, na altura foi aceite, mais tarde, fomos chamados para fazer nova escritura, porque não tinha sido respeitada, a metade dos bens… portanto, quem tinha falecido, era o meu pai, não tinha ficado para a minha mãe, a metade dos bens que lhe correspondiam, por ser parte do casal. Metade da meeira, não é? Não tenho a certeza do termo.
Dr. 2: Mieiro, a cota-parte dela.
M. Helena: Exactamente, e houve uma segunda escritura, correctiva, digamos, nos finais de Janeiro, para que a minha mãe, ficasse com metade dos bens, para ela, e a outra metade, é que foi dividida, entre mim e o meu irmão, porque a minha mãe tinha rejeitado a herança.

FACTOS OCORRIDOS NO TRIBUNAL DE SESIMBRA
 Mm.ª Juiz: Portanto, vamos para a acção executiva, que são os actos que são imputados ao réu.
Dr. 2: Olhe, e o que é que se passou em 29 de Maio de 2012, sabe?
M. Helena: Em 27 de Junho…
Mm.ª Juiz: 27 de Junho de 2012. Portanto está recordada, do que se passou no dia… 27 de Junho?
M. Helena: Salvo erro, foi a venda da propriedade de Sesimbra.
Mm.ª Juiz: E então, o que é que se passou nesse dia?
M. Helena: Nesse dia nós fomos a Sesimbra, ter com o Dr. DV, chegámos, para termos uma reunião, no Tribunal de Sesimbra, sobre a venda da propriedade, que fica em Fernão Ferro, e encontrámo-nos, pouco depois da uma, estávamos convocados para a uma e meia, e até, como chegámos um bocado cedo, estivemos um pouco cá fora, a fumar um cigarro, e a conversar, e depois entrámos, talvez à uma e vinte, dez minutos antes da hora no Tribunal para estarmos presentes na venda…
Mm.ª Juiz: Sim. Pode continuar.
M. Helena: E entrámos os três, para estarmos presentes à uma e meia, conforme tínhamos sido convocados. E pedimos então, para… informámos, que estávamos presentes, e disseram-nos que a Sra. Dra. estava ocupada. E nós esperámos, calmamente, um bocadinho, e perante o nosso espanto, a Dra sai, com quem eu penso que fosse o agente de execução, ou o representante do agente de execução. Disse-nos, que nós tínhamos tido falta, porque tínhamos chegado fora de horas, se queríamos reclamar, e o Dr. DV, disse que não era preciso.
Mm.ª Juiz: E, como é que a senhora sabe, que era a Dra. Juiz?
M. Helena: Francamente, eu fiquei convencida que era, mas não me lembro, porque é que eu fiquei convencida que era. Talvez, porque estivesse à espera que…
Mm.ª Juiz: Sim, mas não sabe, se era a Dr. Juiz!?
M. Helena: Pronto. Então vou corrigir o que disse. Saíram duas pessoas, uma senhora e um senhor, e a senhora, disse-nos, que nós tínhamos chegado tarde, e que tinham acabado de fechar o processo, com a nossa ausência.
Mm.ª Juiz: E, como é que essa senhora, sabia quem os senhores eram?
M. Helena: Não sei. Talvez o Dr. DV, se tenha apresentado, não sei, não consigo…
Mm.ª Juiz: Mas houve alguém, que lhes passou a informação, de que a senhora Juiz, estava ocupada. Certo?
M. Helena: Exactamente. Mm.ª Juiz: A pessoa que vos disse, que a Senhora Dra. Juiz, estava ocupada…
M. Helena: Foi um homem, que estava sentado numa cadeira, se não me engano. E a pessoa que eu tenho na minha memória, tenho, que me disse, que estávamos atrasados…
Mm.ª Juiz: O réu, aqui na acção, o Sr. Dr., esteve sempre ao pé de vós?
M. Helena: Sempre, sempre esteve à espera connosco, recebeu a informação connosco, e achou que não era relevante, fazermos uma reclamação. Isto para mim está perfeitamente claro. Agora, as figuras, a sala eu estou a visualiza-la, a pessoa sentada na sala, também estou a visualizar, aquilo que a Dra., me está a falar, de formalismo, de quem foi que disse isto e aquilo, francamente, estou neste momento com alguma dúvida. Mas…
Mm.ª Juiz: E depois?
M. Helena: Depois, havia uma nova venda em Silves, poucos dias depois, e o Dr. DV disse que não estaria…
Mm.ª Juiz: Essa primeira venda, ocorreu em que Tribunal?
M. Helena: Sesimbra.

FACTOS OCORRIDOS NO TRIBUNAL DE SILVES
Mm.ª Juiz: Sim. Diga. Então depois em Silves, o que é que se passou?
M. Helena: Depois, nesse bocado, no dia em que estivemos em Sesimbra, nesse bocado que estivemos, digamos, a fumar um cigarro, antes de entrar, o Dr. DV, disse que não poderia ir a Sesimbra… ir a Silves, na próxima venda, mas que também não era de todo relevante, nós irmos, porque não ia com certeza ser vendida, e que, portanto, que era um desperdício de tempo, irmos lá abaixo.
Mm.ª Juiz: O Sr. Dr. disse-vos, que não poderia estar presente, e disse-vos para os senhores não estarem presentes é isso?
M. Helena: Que não era relevante irmos, que não valia a pena, porque não ia ser vendido de certeza.
Mm.ª Juiz: E sabe, quanto é que a casa valia?
M. Helena: Na altura… não sei, há um ano talvez, não me lembro exactamente a data, perguntei a uma senhora que eu conheço, que trabalha com uma imobiliária, ela avaliou-me, só por ver de fora, duzentos mil ou mais.
Mm.ª Juiz: E depois, de ter acontecido a venda, o que é que se passou?
M. Helena: Depois de ter acontecido a venda, o Dr. ainda estava convencido, que a Dra. Juiz no âmbito do outro processo, iria dar razão a um requerimento que ele tinha feito, sobre a divisão das propriedades, e que, portanto, que metade da casa, era da minha mãe e não podia ser vendida, e que, portanto, que ia ser tudo… como é que se diz? Iria tudo voltar atrás, quando houvesse a reposta do Tribunal, sobre esse despacho. Quando a resposta do Tribunal, veio a dizer, que ele não tinha razão, então sim, o Dr. ficou preocupado, e já estamos a falar, do ano a seguir, Abril Maio do ano seguinte, o Dr. ficou muito preocupado, com a resposta da Dra. Juíza, e fez um pedido, creio que é assim que se chama, de anulação da venda. Só que entregou fora de prazo.
Mm.ª Juiz: Como é que soube disso, que o pedido tinha sido, fora de prazo?
M. Helena: Pelo despacho, da Dra. Juíza, que me foi comunicado pelo Dr. a mim e ao meu irmão.
Mm.ª Juiz: Sabe, se foi interposto recurso?
M. Helena: Depois desse despacho, o Dr. disse-me que iria ter de levar o assunto para instâncias superiores, nós começarmos a falar, em eventualmente, ir tirar os nossos bens pessoais, lá de baixo da casa, o Dr. não achou relevante, falámos nisso uma ou duas vezes, mas ele nunca se mostrou que fosse importante irmos lá, e perdemos os bens. Perdemos as coisas, e depois a casa foi arrombada pelos outros senhores… creio que não é relevante, aqui para o processo, não sei, a Dra. saberá.
Mm.ª Juiz: E os bens que lá estavam, o que é que aconteceu?
M. Helena: Foram postos no lixo, telefonaram-me de Alcantarilha, a dizer. “ Olha as tuas coisas, estão todas, ao pé do contentor do lixo.
Mm.ª Juiz: E sabe, qual era o valor desses bens?
M. Helena: Sra. Dra., era uma casa, de quartos mobilados, uma sala, com bens, com… todos, com muita relevância emocional, mas alguns com relevância física, como móveis, que foram feitos com madeiras preciosas de Angola, com coisas de prata, coisas de bronze. Tinham bastante valor financeiro, e também emocional. Eles ficaram com a casa, como ela tinha ficado, desde a última vez, que um de nós tinha lá ido passar férias.
Mm.ª Juiz: Essas mobílias, o que eram?
M. Helena: Era uma cristaleira, uma mesa de jantar quadrada, e as oito cadeiras respectivas, depois, tinha o hall, que tinha pouca coisa, só tinha um tapete praticamente, depois tinha a sala com uma mesa, de madeiras angolanas, boas, tinha uma consola, também de madeira angolana boa, pendurada à parede, depois tinha uma Ceia de Cristo, talvez deste tamanho, com o centro, talvez assim em prata, tinha lareira, tinha bar, tinha sofá, tinha várias cadeiras, tinha um tapete, e depois na cave, tinha uma mesa de ping-pong, tinha uma chata, um barco pequeno…
Mm.ª Juiz: Causou-vos transtornos.
M. Helena: Não é só o transtorno, Dra., é também o desgosto, aquilo é uma aldeia, é muito feio, numa aldeia, termos processos em Tribunal, e perdermos uma casa, parece a somos culpados de alguma coisa, parece que as pessoas nos olham de lado, não me apetece lá pôr os pés.

Declarações de parte do autor Paulo JC

FACTOS OCORRIDOS EM SESIMBRA
 Mm.ª Juiz: Decidiram, contratar um outro advogado.
Paulo: Exactamente.
Mm.ª Juiz: E, foi por indicação de quem, que chegaram, ao conhecimento do Sr. Dr.
Paulo: Por um colega de trabalho, da minha irmã………
Mm.ª Juiz: Agora, especificamente, quanto àquilo que se passou no Tribunal de Sesimbra, e no Tribunal de Silves. Relativamente ao Tribunal Sesimbra, e uma venda do imóvel, o que é o senhor nos pode esclarecer à cerca desse dia, que terá sido em Junho de 2012?
Paulo: Nós fomos, um bocadinho mais cedo para Sesimbra, os três…
Mm.ª Juiz: Os três refere-se ao Dr. DV e à sua irmã.
Paulo: E à minha irmã. Fomos os três, até fomos cedo, e pronto, e chegámos lá, disseram-nos, que a Sra. Juíza na altura, que estava ocupada, ficámos à espera, e, entretanto, viemos embora, porque afinal, já tinha sido.
Mm.ª Juiz: O Sr. Dr., foi perguntar, o que é que se passava com a diligência, é isso?
Paulo: Sim, chegámos ao Tribunal, esperámos um bocadinho, ele foi lá falar com umas pessoas.
Mm.ª Juiz: E quem é que vos deu então, a informação, de que a Sra. Juiz, estava ocupada? Foi o Sr. Dr. depois de ter ido consultar essas tais pessoas, ou foi outra pessoa qualquer?
Paulo: A mim, foi o Sr. Dr. que me passou a informação.
Mm.ª Juiz: De que a Senhora Juiz, estava ocupada, e depois nessa sequência o que é que aconteceu?
Paulo: E depois, que afinal já tinha sido…
Mm.ª Juiz: Quem, é que vos disse, que afinal já tinha sido, a senhora Juiz estava ocupada, o que é que os senhores fizeram, foram embora, ou ficaram lá sentados à espera?
Paulo: Nós ficámos ali à espera.
Mm.ª Juiz: Então, como é que chega a informação do Sr. Dr., para vos passar a informação, de que a diligência já tinha sido?
Paulo: Ele foi falando com as pessoas, mas como deve presumir, eu não estou assim muito habituado a estas coisas, não é? Ele foi falando e depois foi-nos passando a informação.

FACTOS OCORRIDOS EM SILVES
Mm.ª Juiz: E relativamente, ao que se passou no Tribunal de Silves?
Paulo: No Tribunal de Silves, foi dito, que não valia a pena lá irmos, e na altura, ele nesse dia também estava ocupado, mas que achava que não era necessário lá ir, porque em princípio também a casa não ia ser vendida.
Mm.ª Juiz: Já respondeu, não voltou. Pois não?
Paulo: Depois de ser dada como vendida, não.
Mm.ª Juiz: Já tinha respondido não voltou. Penso que já tinha respondido.
Paulo: Se não me engano, eu estive lá, várias vezes, depois de estar hipotecada, depois de estar vendida, depois de terem arrombado aporta, não fui lá de certeza.

Análise crítica da prova

A douta sentença não deu como provado que:
1 O R. e os AA. Helena e Paulo por ocasião do dado como provado em 11 foram informados por um funcionário de que o Sr./a Juiz estava ocupado;
2 Passados poucos momentos ficaram estupefactos quando se aperceberam que o Sr. A.E. saiu do tribunal e lhes disse “a convocatória foi enviada com a hora errada”;
3 Na diligência referida em 11 o bem foi vendido por €129.270,00, quantia esse abaixo do valor do imóvel, que valia, no mínimo, €225.000,00.

4 Os bens imóveis adjudicados pela exequente no processo executivo foram registados a seu favor em:
a)- Na Conservatória do Registo Predial de Silves, apresentação 1958 de 10.10.2012, ficha nº564 da freguesia de Alcantarilha;
b)- Na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, apresentação nº1098, de 29.10.2012, ficha nº3767, da freguesia da Quinta do Conde;
5 Os bens móveis que recheavam o imóvel de Alcantarilha tinham o valor de €4.500,00 e desapareceram.
A Fundamentação da douta sentença (fls 314 e 315) é lapidar a este respeito e merece a nossa total concordância. Ali se decidiu que:
“Os factos dados como não provados sob os nº 1 e 2 foram dados como não provados, apesar de terem sido corroborados pelo R. porquanto e no que toca, designadamente, ao alegado erro na convocatória, tal é absolutamente contrariado pelos docs. juntos de fls.28 a 30, que atestam a notificação e a realização da diligência, ficando pois, por apurar, o que se passou na realidade, pois que sequer as declarações de parte foram relevantes a respeito por não esclarecedoras. O facto dado como não provado sob o nº 3, foi considerado como não provado, porquanto, foi provado, sob o nº 17 do elenco dos factos provados que o bem foi vendido por €135.000,00, sendo que de igual modo, não se fez qualquer prova de que o imóvel valeria no mínimo € 225.000,00, apenas as partes em sede de prestação de declarações, o afirmaram, sem qualquer suporte que permitisse ao tribunal dar tal facto como provado. Os factos dados como não provados sob o nº 4, foram assim considerados, porquanto não foi junto a necessária certidão comprovativa. O facto dado como não provado sob o nº 5, foi assim considerado, atento o dado como provado sob o nº 28, sendo certo que, não foi feita prova nenhuma concreta a respeito sobre o valor dos bens e, bem assim, não pode este tribunal dar como provado que desapareceram, pois que, em concreto, sequer foi feita prova dos bens alegadamente desaparecidos e em que circunstâncias (designadamente de tempo) terão desaparecido”.

A prova relevante, no entender dos apelantes, reside nas declarações de parte dos autores Maria Helena e de seu irmão Paulo Jorge, que são apreciadas livremente pelo tribunal, de acordo com o disposto no artigo 466º nº 3 do CPC.

Analisando a transcrição da gravação que os apelantes julgaram “pertinente para a apreciação da causa”, não podemos concluir, com a necessária segurança, que as declarações de parte assumam a pretendida relevância e que sejam susceptíveis de alterar a matéria de facto que ficou provada e não provada.

Pouco ou nada foi dito nas referidas declarações com interesse para a boa decisão da causa.

Disso deu conta com particular acuidade a douta sentença recorrida, quando procedeu à motivação da decisão de facto da forma acima transcrita.

Por esta razão, improcede a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

A QUESTÃO DE DIREITO

Os autores, invocando o incumprimento de um contrato de mandato que celebraram com o réu, advogado, vêm pedir a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta negligente, designadamente, a omissão dos seu deveres como mandatário constituído nos autos de execução, permitindo que nestes fosse levada a efeito a venda/adjudicação de bens imóveis, sem que nada fosse feito para impedir tal.

Fundam a responsabilidade civil do réu na violação dos deveres que, enquanto advogado lhe incumbiam no exercício do mandato forense que lhe fora cometido.

O problema da responsabilidade civil do advogado, por incumprimento do contrato de mandato, levanta diversas questões, devendo ser analisada à luz das disposições do Código Civil (v.g. artº 798º e ss), mas também das normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº 12/2010, de 25 de Junho, em vigor à data dos factos.

Existindo uma relação contratual estabelecida entre o profissional e o cliente, qualquer que seja a sua natureza jurídica, a responsabilidade derivada do incumprimento das suas obrigações, por negligência ou imperícia, assume natureza contratual.

Em geral, o advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequada diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.

O que não significa que o advogado não deva, na relação contratual que o une ao cliente, executar a actividade para a qual contrataram os seus serviços, orientado para proteger os interesses do seu cliente e alcançar determinado resultado, embora não esteja vinculado à obtenção deste resultado.

Nos casos em que o advogado é contratado para desenvolver uma actividade jurídica, devendo executar determinadas actividades processuais, o seu comportamento omissivo, por vezes, faz precludir a possibilidade de o cliente fazer valer os seus direitos perante um órgão jurisdicional.

Na maioria destes casos, a omissão deve ser qualificada como negligente, por traduzir desde logo uma evidente violação das regras de bem agir exigidos a um profissional.

Por sua vez, a execução negligente pelo advogado da prestação contratualmente assumida, ao não adequar o seu comportamento aos cânones de perícia e diligência profissional exigíveis, determina o incumprimento obrigacional, que poderá causar danos de diversa natureza ao cliente.

Importa, porém, estabelecer a relação de causalidade entre a conduta omissiva do advogado e os danos alegadamente sofridos pelo cliente, tarefa sempre complexa.

Na verdade, uma vez assente que o advogado não cumpriu as suas obrigações profissionais, importa estabelecer a relação de causalidade (material) entre os danos e a conduta negligente e, seguidamente, determinar quais os danos juridicamente relevantes, ou seja, os que se encontram numa relação de causalidade adequada com o evento.

Dito isto; é inequívoco para o caso concreto dos autos a existência do contrato de mandato forense, a unir os autores (como mandantes) e o réu (como mandatário).

No geral, o mandato acha-se definido no artigo 1157º do Código Civil; o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra. A especificidade do mandato forense é a de que os actos a praticar são actos no processo (artigo 44º nº 1 do CPC). E como aquele se sustenta em procuração, o mandato é, aqui também, representativo (artigo 262º nº 1 do Código Civil).

Ainda no geral, é vínculo do mandatário, o de praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante (artigo 1161º alínea a) do Código Civil). A acentuada tecnicidade da intervenção forense exige porém, aqui, algum ajustamento; e assim ao advogado deve permitir-se uma margem de liberdade, própria da sua autonomia profissional e independência técnica. Por outro lado, é comummente sublinhado que a prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios, que não uma prestação de resultados; o que o advogado se dispõe é a atender os interesses do mandante, seu cliente, e a utilizar os meios possíveis e ajustados, mas não se obriga pelo sucesso da demanda.
Escreve, a este respeito, Paulo Correia[2]:
“Aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão.
O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados.
Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma.”

Nos termos do artigo 92º do referido EOA, “Princípios gerais
1 - A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca.
2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas“.

O artigo 93.º dispõe: “Aceitação do patrocínio e dever de competência
1 - O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro advogado, em representação do cliente, ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente.
2 - O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito”.

No artigo 95º vêm previstos outros deveres, a saber:
“1 Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a)- Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;
b)- Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
c)- Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;
d)- Não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas;
e)- Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2 Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”

Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado[3].

A preterição desses seus deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (artigo 99º do EOA). É corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado[4].

Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (artigo 798º do Código Civil); o juízo de censura presumir-se-á (artigo 799º nº 1 do Código Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (artigo 563º do Código Civil).

Importa apreciar a conduta do mandatário dos autores, o ora réu, no cumprimento do mandato que estava em causa nos autos de execução e que já deixámos definida.

Há que aplicar os princípios gerais, ou seja, o cumprimento ou incumprimento das obrigações do mandatário é apreciado segundo as normas que regulam o cumprimento ou incumprimento das obrigações em geral (artigos 762º e seguintes do Código Civil).

Assim, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelos prejuízos que causa ao credor (artigo 798º), cabendo ao devedor provar que a falta de cumprimento não precede de culpa sua, (artigo 799º) e competindo ao credor provar que houve incumprimento.

De acordo com o nº 2 do artigo 487º do Código Civil, que se aplica também à responsabilidade contratual, a culpa deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

O advogado deve provar que foi diligente na obrigação de meios[5] que assumiu, sendo a culpa apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias (artigos 487º nº 2 e 799º nº 2).

Na actuação imputada ao réu, enquanto advogado dos autores, a douta sentença decidiu com elevado acerto e fundamentação e mesmo em notável síntese.

Dizer o mesmo, mas por outras palavras, correr-se-ia o risco de, eventualmente, distorcer o sentido da bondade da decisão, pelo que aqui a reproduzimos. A argumentação traçada pela primeira instância afigura-se-nos correcta, pelo que a iremos seguir e mesmo transcrever:

Ali foi fundamentado e decidido o seguinte:
“Invocam os AA. que:
Estando presentes no tribunal de Sesimbra, para acto de venda por meio de propostas em carta fechada, foram dados como faltosos, nada tendo o R. feito
Na diligência de venda por meio de propostas em carta fechada, a realizar no tribunal de Sesimbra, o R. informou-os de que não poderia estar presente, e que também não valeria a pena a comparência dos RR porquanto o bem não iria ser vendido;
Mais lhe imputam a apresentação extemporânea de recurso.
Tais são os actos imputados ao R. e alegadamente violadores dos seus deveres enquanto mandatário forense.
Ora, relativamente à falta dos AA. e seu mandatário à diligência de venda levada a efeito no tribunal de Sesimbra, estando os mesmos presentes nas instalações, por apurar ficou, porquanto prova não foi feita a respeito, a razão de tal falta.
De todo o modo, sendo certo que o R. nada fez a respeito, a verdade é que nessa diligência não se procedeu a venda por falta de propostas e nem o bem foi adjudicado à exequente, por falta de elementos que permitissem ao tribunal (que era deprecado) decidir da mesma.
Da omissão de reacção contra tal situação não resultou, assim, qualquer dano.
Dir-se-ia que poderia ter sido diligente no sentido de apurar o que sucedeu porém, conforme se disse, de tal comportamento não resultaram, objectivamente, quaisquer consequências para os AA..
Mais alegam os AA. que o R. lhes comunicou que não poderia estar presente na diligência de venda de imóvel em Alcantarilha, e que de igual modo, não haveria necessidade de os mesmos se deslocarem ao tribunal de Silves, porquanto o imóvel não seria vendido.
Ora, a este respeito ficou provado que a decisão de não comparecer naquele acto foi tomada após debate da questão sendo certo que os AA. manifestaram a sua posição de não terem de comprar o que é seu e não terem no imediato meios financeiros para tal.
É certo que o acto de abertura de propostas para venda realizou-se e o bem foi adjudicado à exequente, pelo valor de €135.000,00, porém, a presença dos executados não impediria a adjudicação à exequente, dada a sua posição de não comprarem o que entendiam ser seu por direito, sendo certo, de igual modo, que admitiram não terem disponibilidade financeira para tal.
Anote-se, por relevante, que a penhora sobre tal imóvel foi registada em 30 de Junho de 2006, tendo a adjudicação sido efectivada a 28 de Junho de 2012. Os ora AA. foram julgados habilitados nos autos na qualidade de sucessores do falecido em 24 de Março de 2010, sendo que em nenhum momento, tanto quanto se saiba, pois que tal não foi invocado, os ora AA. diligenciaram por pagar o valor exequendo.
É certo de igual modo que o imóvel cuja venda havia sido deprecada ao tribunal de Sesimbra também veio a ser adjudicado ao exequente.
Porém, vejamos. A executada sociedade e a 1ª A. tinham interposto embargos de executado a primeira, e oposição à execução a segunda, tendo os primeiros sido indeferidos por extemporâneos e a segunda sido julgada improcedente. Anote-se que só em finais de 2011 o R. é contactado pelos AA. tendo intervindo nos autos apenas a partir de 2012. Ora, considerando apenas a data da decisão da habilitação de herdeiros –Março de 2010- nada foi feito nos autos de execução que obstasse à penhora ou prosseguimento dos autos para venda. Sequer, tanto quando se saiba foi posto em causa o valor base dos bens.
Nada foi feito por parte dos AA. no sentido de poderem eventualmente adquirir o bem/bens penhorados ou pagar a quantia exequenda.
Não se vislumbra, pois, como podia o A. obstado à adjudicação dos bens.
Aliás, verifica-se que o A., posteriormente à adjudicação, intenta por vários meios, anular os actos de adjudicação, não tendo logrado êxito. Veja-se os pontos 20 e 24 da matéria de facto.
Daqui resulta que não se encontra demonstrado que o R. não tenha praticado actos que lhe incumbissem praticar no âmbito da execução, actos esses que pudessem obstar à venda dos bens”.

SÍNTESE CONCLUSIVA[6]
I O advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequada diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.
II Nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – artigo 95º nº 1 alínea b) do EOA.
III Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado
IV Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.
V O insucesso na lide, na hipótese atrás referida, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra escolha, seria previsível o respectivo êxito.

IIIDECISÃO
Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.


Lisboa, 07-06-2018


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa


[1]Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 235.
[2]Da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo” na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (Jul-Set 2009), página 149.
[3]Manuel Januário da Costa Gomes, “Contrato de Mandato” em “Direito das Obrigações”, 3º volume, 1991 (sob a coordenação de António Menezes Cordeiro), página 345; e Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2002 na CJ V/2002-91
[4]Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2010, proc.º nº 171/2002.S1, da Relação de Guimarães de 23 de Fevereiro de 2010, proc.º nº 8/04.7TBEPS.G1, da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 2004, proc.º nº 6127/2004-7, de 15 de Maio de 2008, proc.º nº 3578/2008-6, e de 24 de Junho de 2010, proc.º nº 9195/03.0TVLSB.L1-6, e da Relação do Porto de 1 de Junho de 2006, proc.º nº 0631913, e de 14 de Julho de 2010, proc.º nº 2555/07.3TBVNG.P1, todos em www.dgsi.pt.
[5]Assim já decidimos no nosso acórdão de 18 de Junho de 2015, processo nº 403/13.0TVLSB.L1-8, citado no artigo 94º da contestação e alcançável in www.dgsi.pt/jtrl.
[6]Vide o nosso Acórdão de 18.06.2015, citado na anterior nota de rodapé.