Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2145/20.1T8CSC-A.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Em sede de conferência de pais, quando os progenitores aí estejam presentes ou representados e não cheguem a acordo, o tribunal não tem que fundamentar a conveniência na fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, atento o disposto no art.º 38.º do RGPTC, norma que nesse processo especial vem impor ao juiz que decida provisoriamente sobre o pedido formulado nessas circunstâncias.
2. Nos termos do disposto no art.º 38.º do RGPTC o regime provisório deve ser fixado em conferência de pais em função dos elementos obtidos no processo, sem qualquer obrigatoriedade do juiz diligenciar pela obtenção de quaisquer outros meios de prova para além de ouvir as partes, sem prejuízo de posterior alteração da decisão em razão de outros elementos que venham entretanto a ser obtidos.
3. O facto da obrigação de alimentos ser de ambos os progenitores não quer significar que cada um deles deve contribuir com metade daquilo que é necessário para o sustento dos filhos, mas tão só que cada um tem a obrigação de assegurar esse sustento, de acordo com as suas possibilidades económicas, conforme estabelece o art.º 2004.º do C.Civil, podendo por isso determinar uma contribuição em proporção diferente para cada um, sempre que a sua diferente situação financeira o justifique.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem AAA intentar ação especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra BBB, relativamente ao filho menor de ambos CCC.
É junta a certidão de nascimento do menor nascido a 18/09/2009.
A Requerente alega, em síntese, que os progenitores da criança não vivem juntos, havendo que regular o exercício das responsabilidades parentais.
Foi designada data para a realização da conferência de pais para a qual o Requerido foi citado.
Foi realizada conferência não tendo sido possível o acordo dos progenitores, tendo sido tomadas declarações a ambos os progenitores e constando da ata o seguinte:
“(…) passou a ouvir em declarações a requerente, AAA, tendo a mesma dito que: Estão separados desde Maio de 2020. O CCC ficou a viver consigo, porque o pai saiu de casa e sempre foi muito ausente. O filho tem pouco contacto com o pai e, ultimamente, os contactos têm sido por sms. O último contacto presencial ocorreu no aniversário do CCC em que o pai foi buscá-lo e o entregou ao fim do dia. O CCC frequenta a Escola de ..., na Parede. Reside só com o filho. É cabeleireira. Aufere o ordenado mínimo. A casa onde vive é dos seus pais pelo que paga uma renda simbólica de €150,00. Pretende manter a guarda do filho, que este esteja com o pai aos fins-de-semana de forma alternada e, durante a semana, sempre que o pai tiver disponibilidade uma vez que, devido à sua profissão, nem sempre tem os fins-de-semana. E mais não disse.
Após, a Mm.ª Juiz de Direito passou a ouvir em declarações o requerido, BBB, tendo o mesmo dito que: Residia em Porto de Mós mas, há dois meses, passou a residir em Mem Martins. A sua morada é Rua ..., Mem Martins. Pretende a guarda alternada. Não vê o filho desde o dia 18 de Setembro. Tenta contactar o filho e, bem assim, a AAA, mas esta não atende. No mês de Agosto, o CCC passou quinze dias consigo. É PSP, na Esquadra de .... Aufere €1.160 euros. Paga €350,00 de renda. Não presta qualquer valor a título de pensão de alimentos porque paga as obras do telhado da casa dos pais da requerente, na quantia de €175,00 mensais. E mais não disse.
Seguidamente, a Mm.ª Juiz de Direito passou a ouvir, novamente, em declarações a requerente, AAA, tendo a mesma dito que: Desconhecia a pretensão do pai. Não é verdade que o pai tente contactar com o filho. O CCC foi operado ao dedo e o pai não contactou para saber como tinha corrido. As férias com o pai correram bem e o filho regressou satisfeito. Paga €110,00 do centro de estudos. E mais não disse.
Após, a Mm.ª Juiz de Direito passou a ouvir, novamente, em declarações o requerido, BBB, tendo o mesmo dito que: Trabalha por turnos e dá formação. Estando na esquadra, faz três turnos de seis dias com quatro de folgas e quando está nas formações faz o horário do expediente, com fins-de-semana. Os turnos são das 08:00 às 16:00 horas, das 16:00 às 00:00 horas e das 00:00 às 08:00 horas. Reside com a namorada. O filho ainda não conhece a namorada. Quando estiver de turno o filho ficará sob os cuidados da sua namorada. E mais não disse.”
Ouvidos os progenitores e tendo sido dada a palavra ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o mesmo emitiu o seguinte parecer:
“Tendo em conta os horários do pai e o facto de, efectivamente, o menor ter de ficar com uma pessoa que para ele é desconhecida, não parece que defenda o superior interesse da criança, para já, uma guarda alternada, pelo que promovo que o menor fique a residir com a mãe, que exercerá o poder paternal nas questões da vida corrente.
- As questões de particular importância serão exercidas por ambos os progenitores.
- O pai ficará com o menor durante todos os dias das suas folgas indo buscá-lo à escola, no final das actividades escolares e o entregando na casa da mãe no último dia da sua folga, ao final do dia.
- O menor passará com os pais os respectivos aniversários, o dia da mãe e o dia do pai.
- No dia do aniversário do menor, este tomará uma das principais refeições com cada um dos progenitores.
- O menor passará metade das férias com cada um dos progenitores.
- O menor passará os dias 24, 25 e 31 de Dezembro e o dia 01 de Janeiro alternadamente com cada um dos progenitores, em termos a acordar entre ambos.
- O pai contribuirá mensalmente, depositando na conta bancária da mãe, a quantia de €125,00 de pensão de alimentos para o menor.
- A saída do menor para o estrangeiro depende da autorização de ambos os progenitores.
- Ambos os progenitores pagarão em 50% as despesas médicas, medicamentosas e escolares do menor.”
De seguida foi proferido o seguinte Despacho que se reproduz:
“Considerando o teor das declarações prestadas pelos progenitores, ponderando o superior interesse do CCC e visto o disposto no art.º 28.º do R.G.P.T.C., estabelece-se o seguinte regime provisório:
1- A criança CCC fica à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente da criança.
2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do CCC, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3- O CCC estará com o pai nos dias da sua folga, mediante combinação entre este e a progenitora com 48 horas de antecedência.
4- O CCC passará alternadamente com cada um dos progenitores os dias 24, 25 e 31 de Dezembro e o dia 01 de Janeiro, em termos a acordar entre ambos.
5- O CCC passará alternadamente com cada um dos progenitores o domingo de Páscoa, em termos a acordar entre ambos.
6- No dia de aniversário do CCC, este tomará uma das principais refeições com cada um dos progenitores, em termos a acordar entre ambos.
7- No dia de aniversário da mãe e no dia da mãe, o CCC estará com a mãe.
8- No dia de aniversário do pai e no dia do pai, o CCC estará com o pai.
9- As deslocações do CCC para fora do território nacional dependem da autorização de ambos os progenitores.
10- O pai prestará a título de alimentos à criança a quantia mensal de €175,00 euros (cento e setenta e cinco euros) a entregar à mãe até o dia 08 de cada mês por transferência bancária.
11- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
12- As despesas médicas, medicamentosas e escolares da criança, nestas últimas se incluindo a frequência do centro de estudos, serão suportadas na proporção de 50% por cada progenitor, mediante apresentação do respectivo comprovativo.”
As partes foram remetidas pelo tribunal para a audição técnica especializada.
Por não se conformar com o regime provisório fixado pelo tribunal relativo às responsabilidades parentais do menor, veio o Requerido dele interpor recurso, invocando a nulidade da decisão e em qualquer caso pedindo a alteração da mesma apenas no que à pensão de alimentos diz respeito, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de fixação do regime provisório das responsabilidades parentais do menor CCC, constante de fls. … dos presentes autos.
2. O progenitor e ora Recorrente não consegue aceitar a decisão da fixação do regime provisório relativo às responsabilidades parentais do seu filho no que diz respeito ao pagamento da pensão de alimentos e comparticipação nas despesas escolares e de saúde.
3. Como tal, vem o Recorrente recorrer argumentando em suma o seguinte, falta de fundamentação referente à quantia a ser paga pelo recorrente a título de Alimentos e sua comparticipação nas despesas de saúde e escolares.
4. Foi intentada Acão de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do menor pela mãe deste e ex-companheira do Recorrente.
5. Marcada e realizada a conferência de pais no 26 de Outubro do corrente ano foi regulado regime provisório pelo tribunal ad quo, porquanto os progenitores não chegaram a um acordo, mas tal desacordo resulta da pretensão do pai e estabelecer uma residência alternada para a criança, agora que vivem na mesma cidade.
6. Recorrente e Recorrida prestaram declarações.
7. A Requerente referiu que: o menor passou 15 dias com o pai nas férias de verão e correu bem, o menor gostou;
8. Pelo Recorrente foi dito que: Querer a residência alternada do filho; Pretende passar mais tempo com o filho com o objetivo de a final, o menino ficar em residência alternada, uma vez que se mudou para próximo do concelho de residência do menor e também do estabelecimento de ensino que este frequenta; Até porque, de acordo com a Lei n.º 62/2020 de 4 de novembro, em que o “…tribunal pode estabelecer a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento dos progenitores.” Esta lei vem alterar o código civil, nomeadamente o seu artigo 1906º ao determinar “quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho colocando a um dos progenitores independentemente do mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos.” O pai, ora Recorrente, é PSP, trabalha em turnos de 24 horas, que são rotativos, só tendo conhecimento dos mesmos após lançamento das escalas. Dá ainda formação na respectiva esquadra, dias em que tem horário de expediente, ou seja, das 9h às 17h. Presta serviço na esquadra de ..., concelho de Oeiras Paga €350,00 (trezentos e cinquenta euros) de renda desta casa que arrendou próxima do trabalho do Requerido e da residência e escola do menor; Paga Prestação de Apartamento que possui já há alguns anos na sua terra natal no valor de €254,48 (duzentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) mensais; Paga mensalmente a prestação do seu carro, no valor de €186,23 (cento e oitenta e seis euros e vinte e três cêntimos) mensais; Paga €160 (cento e sessenta euros) de pensão de alimentos para a sua outra filha que frequenta o ensino superior e paga ainda todas as despesas à parte, nomeadamente materiais necessários à sua formação superior (que é de engenharia informática) para a qual já teve de comprar um computador e ainda tem tido despesas com dentista e roupas; Paga ainda seguros, combustível, alimentação e telecomunicações num valor nunca inferior a 300€; Para além das despesas de IMI, seguro do carro e de casa que pontualmente tem de suportar mas que todas têm de ser pagas pelo vencimento mensal deste Requerido. O recorrente tem ainda uma outra filha que se encontra a frequentar o ensino superior, com todas as despesas inerentes e não paga uma pensão de alimentos tão elevada como a que foi agora provisoriamente ordenada a este filho de apenas 10 anos de idade; Também o recorrente se encontra a estudar a acabar o seu mestrado e como tal, com despesas inerentes ao mesmo.
9. Foi fixado pelo douto tribunal ad quo, o seguinte regime provisório: considerando as declarações que hoje prestaram e por entender que é nesse sentido que aponta o superior interesse da criança, decido, ao abrigo do art.º 28.º n.º 1 do RGPTC fixar o seguinte regime provisório da regulação das responsabilidades parentais de CCC.
1- O menor fica a residir com a mãe;
2- As responsabilidades parentais, em questões de particular importância na vida da menor, serão exercidas por ambos os pais;
10. O Recorrente entende existir falta de fundamentação na aplicação do regime provisório fixado pelo tribunal ad quo, porquanto:
11. De acordo com o artigo 28º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir, provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.”
12. A estas ditas decisões provisórias proferidas em processo tutelar cível aplica-se o princípio geral decorrente do art. 158º, nº1, do Código de Processo Civil, ou seja, um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, acrescentando no nº2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
13. Em igual sentido o artigo 205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, refere-nos que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”
14. Entende o Recorrente que tal não ocorreu in casu.
15. Para ser cumprido o referido dever de fundamentação pelo julgador, não basta, assim, o mesmo expressar que tal é fruto da convicção a que chegou (foro íntimo e insindicável), importando verdadeiramente que este consigne a manifestação ou exteriorização dessa convicção na decisão proferida.
16. O juiz não se pode limitar a enunciar a conclusão do seu raciocínio sem indicar as premissas que a ele conduziram.
17. A decisão recorrida limitou-se a fixar um regime provisório, no pressuposto meramente implícito da necessidade/oportunidade da sua fixação.
18. Não se fixou naquela decisão, qualquer factualidade, nem se apreciou do ponto de vista jurídico a necessidade de fixação daquele regime provisório e o porquê do conteúdo do mesmo.
19. Assim entende o recorrente que o douto despacho recorrido não cumpre a exigência legal (artigo 154° do CPC) e constitucional (artigo 205º da CRP) de fundamentação das decisões judiciais.
20. A fixação da pensão de alimentos fixada foi muito aquém das possibilidades do recorrente.
21. Consequência da inobservância deste dever de fundamentação será então a nulidade do despacho recorrido, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – arts. 668º, nº 1, al. b) e 666º, nº 3 do C.P.Civil.
22. No que à pensão de alimentos diz respeito, sempre convirá referir que a obrigação de alimentos está regulada nos artigos 2003º e seguintes do CC e os critérios a que deve obedecer a sua fixação estão previstos no artigo 2004º do CC que prescreve que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los” (nº1) e que “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.
23. O menor tem dez anos de idade.
24. Ficou estabelecido no regime provisório o seguinte:
“1- A criança CCC fica à guarda e cuidados da mãe, com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente da criança.
2- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do CCC, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
3- O CCC estará com o pai nos dias da sua folga, mediante combinação entre este e a progenitora com 48 horas de antecedência.
4- O CCC passará alternadamente com cada um dos progenitores os dias 24, 25 e 31 de Dezembro e o dia 01 de Janeiro, em termos a acordar entre ambos.
5- O CCC passará alternadamente com cada um dos progenitores o domingo de Páscoa, em termos a acordar entre ambos.
6- No dia de aniversário do CCC, este tomará uma das principais refeições com cada um dos progenitores, em termos a acordar entre ambos.
7- No dia de aniversário da mãe e no dia da mãe, o CCC estará com a mãe.
8- No dia de aniversário do pai e no dia do pai, o CCC estará com o pai.
9- As deslocações do CCC para fora do território nacional dependem da autorização de ambos os progenitores.
10- (cento e setenta e cinco euros) a entregar à mãe até o dia 08 de cada mês por transferência bancária.
11- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
12- As despesas médicas, medicamentosas e escolares da criança, nestas últimas se incluindo a frequência do centro de estudos, serão suportadas na proporção de 50% por cada progenitor, mediante apresentação do respectivo comprovativo.”
25. A Meritíssima Juiz do Tribunal ad quo limitou-se a fixar um valor para a pensão de alimentos, sem justificar qual o critério ou razão para o valor definido.
26. Além das declarações dos progenitores, não foi produzida qualquer outra prova e como tal deveria a decisão proferida conter a fundamentação, quer factual, quer jurídica, fundamentadora do sentido das suas opções.
27. Das declarações do Recorrente verifica-se que este tem despesas mensais fixas com a pensão de alimentos da sua outra filha, que frequenta o ensino superior, e ainda despesas mensais com a renda da sua habitação (própria que paga ao banco e também com a habitação que arrendou próxima do seu local de trabalho e também da residência do filho) para além das suas despesas pessoais, o que significa que não lhe sobra quase nada para a sua sobrevivência e dignidade humana se for obrigado a pagar este prestação de €175,00 ainda acrescida das despesas extraordinárias.
28. A verdade é que o Recorrente fica limitado com as despesas fixas que tem como referidas supra e torna-se mesmo impossível prestar esta pensão de alimentados que foi arbitrada pelo tribunal a quo.
29. Ao invés, a mãe do seu filho apenas tem um único filho, e conta com a despesa da casa onde habita, tendo o recorrente assumido as despesas da casa onde ambos viveram em Porto Mós.
30. A progenitora recebe ainda o abono do menor, o que importa ter em conta para os cálculos bem como a facto de não pagar renda de casa, o que faz com que tenha menos despesas comparando com o ora Recorrente.
31. o Recorrente com as despesas que tem e com o vencimento que aufere, não consegue fazer face ao pagamento dos € 175,00 mensais a título de pensão de alimentos mais metade das despesas escolares e de saúde do filho.
32. Da leitura da decisão recorrida não resulta que se tenha efetuado qualquer apreciação jurídica da necessidade da fixação dum regime provisório, decorrente de factos que se tenham apurado, nem do conteúdo desse regime, nem sequer se limitando a estabelecer o montante mensal de alimentos em função de um confronto/”articulação” entre os rendimentos mensais do Recorrente e os rendimentos da mãe, simplesmente não foram efetuados quaisquer cálculos.
33. Desconhece-se verdadeiramente as premissas em que se baseou para fixar provisoriamente aquele montante de alimentos: nem ficou explicitado quais as despesas do menor.
34. Desconhece-se o percurso lógico feito pela Mmª Juíza a quo no sentido de fixar o concreto regime provisório que acima se transcreveu.
35. A decisão omite a factualidade em que se baseia, e a referência genérica nela constante não pode entender-se como satisfazendo o mínimo de fundamentação.
36. Consequência da inobservância deste dever de fundamentação será então a nulidade do despacho recorrido, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – cfr. arts. 668º, nº 1, al. b) e 666º, nº 3 do C.P.Civil.
37. Deverá este Venerando Tribunal “ad quem” decidir pela revogação da Douta decisão recorrida e proferir uma outra, onde seja fixado um valor de pensão de alimentos justo.
Nem a Requerente, nem o Ministério Público vieram responder ao recurso.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da decisão por falta de fundamentação;
- do valor da prestação de alimentos fixada.
III. Da nulidade da decisão
- da nulidade da decisão por falta de fundamentação
Alega o Recorrente que a decisão recorrida limita-se a fixar um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, nela não enunciando os factos nem avaliando do ponto de vista jurídico a necessidade de fixação daquele regime provisório nem o porquê do seu conteúdo.
O dever de fundamentação das decisões impõe-se ao juiz, nos termos do art.º 154.º do CPC e corresponde a uma exigência constitucional, prevendo o art.º 205.º n.º 1 da CRP que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2.A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade das partes serem esclarecidas e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da decisão, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 10 de julho de 2008, no proc. 08A2179, in www.dgsi.pt .
A elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607.º do CPC. O n.º 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Acrescenta o n.º 4 que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
As exigências do art.º 607.º n.º 3 do CPC com a imposição da indicação na sentença dos factos provados, bem como das normas jurídicas aplicadas e sua interpretação, incorporam a necessidade de fundamentação das decisões cujo princípio vem previsto não só no art.º 154.º do CPC mas também no art.º 205.º da CRP.
A fundamentação de uma decisão de mérito deve ser de facto – com indicação dos factos provados - e de direito – com a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim é que a mesma se revela percetível ou inteligível para os destinatários e melhor sindicável.
Há por isso um dever legal e constitucional de fundamentação das decisões, que se impõe ao juiz nos termos das normas mencionadas, numa exigência da indicação dos factos e do direito que suportam a decisão.
Daí que o art.º 615.º n.º 1 do CPC quando enumera as várias situações suscetíveis de determinar a nulidade da sentença, preveja que a sentença é nula quando: “b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão é cominada com a nulidade da sentença no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, norma que se aplica aos despachos, como resulta do art.º 613.º n.º 3 do CPC.
A nulidade verifica-se quando o tribunal decide uma determinada matéria, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
Na situação em presença, importa perceber que estamos perante uma decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais proferida em sede de conferência de pais, em que não houve audiência final, apenas tendo sido tomadas declarações às partes, tendo de interpretar-se o art.º 607.º n.º 3 do CPC em conformidade com a decisão que é proferida, levando-se ainda em consideração que o grau de fundamentação exigível tem de ser aferido em razão da complexidade da decisão.
O Recorrente invoca a falta de fundamentação da decisão proferida em duas vertentes que importa distinguir. Em primeiro lugar alega que o tribunal não fundamentou a necessidade/conveniência da fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais e em segundo lugar que não procedeu à indicação dos factos provados que fundamentam as várias matérias reguladas provisoriamente, em particular quanto à prestação de alimentos que fixou.
Quanto à primeira situação, há que salientar que o tribunal não tinha que fundamentar qualquer conveniência na determinação de uma regulação provisória das responsabilidades parentais. E não tinha que o fazer, na medida em que tal resulta de uma imposição do legislador para a situação em que os pais presentes na conferência, não cheguem a um acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais.
O art.º 28.º da Lei 141/2015 de 8 de setembro que veio aprovar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível – RGPTC – institui um princípio geral no âmbito das providências tutelares cíveis ao dispor sobre as decisões provisórias e cautelares, prevendo no seu n.º 1 que: “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir, provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
De acordo com o previsto neste artigo, com vista à prolação de uma decisão provisória que seja considerada conveniente sobre questão que deva ser resolvida a final, o juiz procede às averiguações sumárias que tenha por convenientes e ouve as partes, quando a sua audiência não puser em sério risco o fim ou a eficácia da providência, nos termos do art.º 28.º n.º 3 e 4 do RGPTC.
Porém, o Recorrente parece esquecer o disposto no art.º 38.º do RGPTC, norma que no âmbito do processo especial da regulação do exercício das responsabilidades parentais, vem impor ao juiz que decida provisoriamente sobre o pedido formulado, em sede de conferência de pais, quando os progenitores aí estejam presentes ou representados e não cheguem a acordo.
O art.º 38.º do RGPTC com a epígrafe “Falta de acordo na conferência” estabelece:
“Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses;
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.”
Tendo em conta o disposto neste artigo, o juiz deve sempre decidir provisoriamente sobre o pedido em sede de conferência de pais em que os mesmos estejam presentes ou representados e não cheguem a acordo, não se lhe impondo, enquanto norma especial, qualquer formulação de um juízo de conveniência ou necessidade de tal decisão provisória, contrariamente à regra geral contemplada no art.º 28.º.
Neste sentido, evidencia o Acórdão do TRL de 11 de dezembro de 2019 no proc. 2425/18.6T8CSC-D.L1 in www.dgsi.pt : “a prolação de decisões provisórias é, nos termos do nº 1 do art. 28º do RGPTC apresentada como uma faculdade inserida no âmbito dos poderes de atuação oficiosa do Tribunal; contudo, do disposto no art. 38º do RGPTC decorre que no contexto do procedimento tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tal decisão é obrigatória, devendo ser proferida na conferência de pais quando ambos os progenitores compareçam, e não cheguem a acordo que seja homologado../../../Pedro Morgado/Acordãos para publicação/7 SEC 27-01/2019-12-11 2425-18.6T8CSC-D.L1 - Nul 195n1 + Nul Stça 615 b) - Falta de fundamentação - Alt. Reg. Prov. RERP - Residência alternada.docx - _ftn11.”
O art.º 38.º do RGPTC representa uma norma especial aplicável à regulação das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, inserindo-se no capítulo do RGPTC dos processos especiais e na secção que regula aqueles processos. É o legislador que aqui considera desde logo e de uma forma objetiva, a conveniência de uma decisão provisória, que assim a impõe ao juiz.
Daqui resulta que não existe qualquer falta de fundamentação da decisão de fixar um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, por tal resultar diretamente do art.º 38.º do RGPTC, não havendo qualquer juízo de conveniência que se impusesse ao tribunal fazer e que tivesse ficado por fundamentar.
Quanto à segunda situação, invoca o Recorrente a falta de fundamentação da decisão provisória tomada quanto ao seu teor, alegando que o tribunal se limitou a fixar um valor para a pensão de alimentos, sem justificar qual o critério ou razão, para o valor definido, faltando a fundamentação das suas opções, quer factual, quer jurídica.
A este respeito é forçoso reconhecer razão ao Recorrente.
O tribunal a quo estabeleceu um regime provisório quanto às responsabilidades parentais, mencionando apenas que o faz “considerando o teor das declarações prestadas pelos progenitores, ponderando o superior interesse do CCC e visto o disposto no art.º 28.º do R.G.P.T.C.”
A decisão recorrida omite desde logo qualquer indicação ou descriminação dos factos que considera assentes que servem de suporte à decisão que tomou no âmbito da regulação das responsabilidades parentais.
É certo que a exigência da fundamentação e a sua medida deve adequar-se ao tipo de decisão a proferir e à sua complexidade. Mas é preciso não esquecer que a decisão de regulação provisória das responsabilidades parentais corresponde a uma decisão de mérito que pode ser sindicada pelas partes em sede recurso, o que impõe também por isso a necessidade da sua fundamentação, mesmo que sumária ou simplificada, de facto e de direito, aplicando-se o disposto no art.º 607.º do CPC, ainda que com as necessárias adaptações ao tipo de decisão em causa.
Por se tratar de uma decisão provisória proferida na sequência de declarações tomadas às partes e sem outra produção de prova, pode admitir-se que a sua fundamentação possa ser mais sumária ou simples do que aquela que se exige numa sentença final, mas a verdade é que um mínimo de fundamentação tem de existir, de modo a tornar compreensível a decisão.
Na situação em presença, constata-se, que a decisão é totalmente omissa quanto ao enunciado dos factos que o tribunal a quo teve como assentes para fundamentar a decisão proferida, ainda que refira que a decisão é sustentada nas declarações prestadas pelos progenitores em sede de conferência de pais, não tendo havido lugar a qualquer outra produção de prova, e no interesse da criança.
A questão a decidir é uma questão simples que não demanda do tribunal uma fundamentação exaustiva mas tem como pressuposto a avaliação dos factos alegados e declarados pelas partes que são relevantes para a decisão. Implicitamente, dela parece decorrer que o tribunal considerou os factos alegados pelas partes como verdadeiros, conferindo credibilidade ao alegado, mas em bom rigor nada é referido a esse respeito, nem tal constitui uma certeza.
Ainda que pareça que mais do que a decisão não ser percetível para o Recorrente, que alega não entender os factos que estiveram na sua base, está em causa a sua discordância com a prestação de alimentos fixada, é forçoso reconhecer que a decisão recorrida padece de falta de fundamentação capaz de constituir violação do art.º 154.º do CPC e determinar a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Em conclusão, a decisão padece de falta de fundamentação ao não indicar os factos que teve como assentes que a determinaram e os fundamentos jurídicos que no seu entender a justificam, sendo nula por falta de fundamentação nos termos do o art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Não obstante a nulidade da decisão, tendo em conta o disposto no art.º 665.º n.º 1 do CPC compete a este tribunal conhecer o objeto da apelação, por dispor dos elementos necessários para o efeito.
Ressalva-se apenas a este propósito que, nos termos do disposto no art.º 38.º do RGPTC o regime provisório deve ser fixado em conferência de pais em função dos elementos obtidos no processo, sem qualquer obrigatoriedade do juiz diligenciar pela obtenção de quaisquer outros meios de prova para além de ouvir as partes, sem prejuízo de posterior alteração da decisão em razão de outros elementos que venham entretanto a ser obtidos – neste sentido vd. Acórdão do TRG de 7 de fevereiro de 2019, no proc. 784/18.0T8FAF-B.G1 in www.dgsi.pt que refere: “Impõe o referido preceito que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já processualmente adquiridos, não tendo que aguardar por outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados, sem prejuízo de, posteriormente, ainda antes da decisão final, logo que ouvidos esses técnicos ou produzida mais prova, poder ser alterado o inicialmente decidido, como previsto no art.º 28º nº 2, a fortiori.
IV. Fundamentos de Facto
Os factos apurados com interesse para a decisão são os que resultam do relatório elaborado, do documento junto com o requerimento inicial, do acordo das partes e das declarações das partes proferidas em sede de conferência de pais, que da ata constam:
- CCC nasceu a 18 de setembro de 2009 e é filho da Requerente e do Requerido – assento de nascimento junto com o requerimento inicial;
- os progenitores do menor encontram-se separados;
- quando da separação do casal o CCC ficou a residir com a mãe;
- o CCC passou 15 dias das férias de Verão com o pai, de que gostou;
- no espaço de cerca de um mês o pai só esteve com a criança no dia do seu aniversário a 18 de setembro;
- o CCC frequenta a Escola de ..., na Parede.
- A Requerente reside só com o filho;
- É cabeleireira e aufere o ordenado mínimo;
- A casa onde vive é dos seus pais pelo que paga uma renda simbólica de €150,00;
- O Requerido reside em Mem Martins;
- O Requerido reside com a namorada que o filho ainda não conhece;
- O Requerido é agente da PSP, na Esquadra de ... e aufere cerca de €1.160 euros mensais;
- trabalha por turnos e dá formação. Estando na esquadra, faz três turnos de seis dias com quatro de folga, sendo os turnos das 08:00 às 16:00 horas, das 16:00 às 00:00 horas e das 00:00 às 08:00 horas e quando está nas formações faz o horário do expediente, com fins-de-semana;
- Paga € 350,00 de renda de casa;
- O Requerido não tem estado a prestar qualquer valor a título de pensão de alimentos porque paga as obras do telhado da casa dos pais da Requerente, na quantia de €175,00 mensais;
- O CCC frequenta um centro de estudo que implica o pagamento de €110,00 mensais.
V. Razões de Direito
- do valor da prestação de alimentos fixada
Insurge-se o Recorrente apenas quanto ao valor da prestação de alimentos fixada provisoriamente pelo tribunal, não contestando a decisão no que respeita à fixação da residência da criança com a mãe, ainda que tenha pugnado em sede de conferência de pais pela residência alternada, nem quanto ao regime de vistas estabelecido.
No que respeita aos alimentos a prestar pelo pai o tribunal a quo decidiu:
“10- O pai prestará a título de alimentos à criança a quantia mensal de €175,00 euros (cento e setenta e cinco euros) a entregar à mãe até o dia 08 de cada mês por transferência bancária.
11- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
12- As despesas médicas, medicamentosas e escolares da criança, nestas últimas se incluindo a frequência do centro de estudos, serão suportadas na proporção de 50% por cada progenitor, mediante apresentação do respectivo comprovativo.”
Para decidir esta questão do valor dos alimentos a prestar importa ter em conta o regime legal que incide sobre os alimentos devidos a menor, na perceção de que estes constituem um direito da criança, com o correspondente dever por parte de ambos os progenitores.
É a própria Constituição da República Portuguesa que no seu art.º 36.º n.º 5 estabelece que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Conforme decorre do disposto no art.º 1878.º do C.Civil, compete aos pais prover ao sustento dos filhos, expressão que tem de ser entendida num sentido amplo, abrangendo as despesas relativas à sua educação, saúde, segurança e bem estar.
A fixação de uma prestação de alimentos a favor dos filhos, decorre da obrigação que têm ambos os progenitores de assegurar o seu sustento, devendo ser considerado num sentido que vai para além do que é meramente necessário à sua alimentação, o que resulta, desde logo, do disposto no art.º 2003.º do C.Civil que nos dá a noção de alimentos da seguinte forma:
“1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor.”
De acordo com esta norma, já se vê que a satisfação das necessidades do alimentando contempla não só as suas necessidades básicas, que andam associadas à sua alimentação ou sobrevivência, como também tudo o que o mesmo necessita para ter uma vida conforme à sua condição social, às suas aptidões, ao seu estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral- neste sentido vd. Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, pág. 176 e 177.
Como se referiu são ambos os progenitores que estão obrigados a contribuir para o sustento dos filhos, cada um em função das suas possibilidades, atento o que dispõe o art.º 2004.º do C.Civil a propósito da medida dos alimentos. O facto da obrigação de alimentos ser de ambos os progenitores não quer significar que cada um deles deve contribuir com metade daquilo que é necessário para o sustento dos filhos, mas tão só que cada um tem a obrigação de assegurar esse sustento, de acordo com as suas possibilidades económicas, podendo por isso determinar uma contribuição em proporção diferente para cada um, sempre que a sua diferente situação financeira o justifique.
Visto isto temos no essencial três fatores de ponderação que devem interferir a título principal na determinação do valor da prestação de alimentos: as necessidades da criança e os rendimentos e as despesas de cada um dos progenitores.
Regista-se que os factos que importa levar em consideração na revisão da decisão recorrida são aqueles que resultaram apurados em sede de conferência de pais e na sequência das declarações das partes que da ata constam e não aqueles que o Recorrente vem agora invocar em sede de recurso, pretendendo ampliar aqueles com a alegação de novos factos, designadamente quanto à existência de outras despesas a que tem de fazer face.
Vejamos então o que nos dizem os factos apurados a este respeito que, na verdade, não são muitos.
Começando pelas necessidades da criança, verifica-se que, em concreto, apenas ficou apurada uma despesa relativa à sua educação, no sentido de que o CCC frequenta um centro de estudo que implica o pagamento da quantia de € 110,00 mensais.
É evidente e facto notório que o CCC incorrerá nas despesas inerentes às necessidades de uma qualquer criança de 10 anos, com alimentação, higiene, vestuário e calçado, bem como com educação e habitação designadamente no que se refere aos consumos domésticos em que participa.
Não obstante nada tenha ficado apurado de concreto quanto a estas despesas, o tribunal terá sempre que levar em conta as despesas essenciais de qualquer pessoa, necessárias a uma subsistência com um mínimo de dignidade, recorrendo a critérios de bom senso e de experiência comum, afigurando-se que, na total ausência de elementos concretos, pode ter-se como ponto de partida o indexante fixado para os apoios sociais.
A Lei n.º 53-B/2006 de 29 de dezembro veio criar o indexante dos apoios sociais e novas regras de atualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de segurança social, com o âmbito previsto no art.º 2.º que no seu n.º 1 dispõe: “O IAS constitui o referencial determinante da fixação, cálculo e atualização dos apoios e outras despesas e das receitas da administração central do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, qualquer que seja a sua natureza, previstos em atos legislativos ou regulamentares.”
O valor do IAS é apontado como sendo o mínimo necessário para que uma pessoa adulta possa viver com um mínimo de dignidade, sendo que no caso de um agregado familiar e considerando uma economia de escala, o legislador aponta uma ponderação para o apuramento da capitação de cada elemento do agregado familiar, consagrando para esse efeito o art.º 5.º do DL 70/2021 de 16 de junho o critério de cálculo da capitação dos rendimentos a considerar, ponderando cada elemento do agregado familiar de acordo com uma escala de equivalência que é de 1 para o requerente, 0,7 por cada maior e 0,5 por cada menor.
O IAS é atualizado anualmente, conforme estabelece o art.º 4.º do diploma mencionado, tendo o art.º 2.º da Portaria n.º 27/2020 de 31 de janeiro procedido à atualização anual do valor do indexante dos apoios sociais para o ano de 2020, que fixou em € 438,81 pelo que se considerarmos a equivalência que para um menor é de 0,5 chegamos a um valor de € 219,50 como o necessário para assegurar as despesas mínimas da criança.
Como já se referiu e de acordo com o disposto no art.º 2003.º n.º 2 do C.Civil os alimentos compreendem ainda a instrução e educação do alimentando, pelo que a prestação de alimentos a fixar deve integrar as despesas necessárias para a instrução e educação do menor.
De forma a minimizar os conflitos entre os progenitores, que muitas vezes surgem associados à participação de cada um nas despesas dos filhos, considera-se que todas as despesas regulares devem ser ponderadas no cálculo da prestação de alimentos fixada que as deve englobar, não havendo por essa razão motivo para serem autonomizadas no sentido de configurarem um acrescento à prestação fixada, não obstante a decisão recorrida não tenha observado este critério, ao autonomizar não só as despesas de saúde e de educação extraordinárias, mas também a despesa com a frequência do centro de estudo pela criança que é uma despesa regular.
Na falta de acordo dos progenitores, considera-se que apenas devem ter autonomia relativamente à prestação de alimentos mensal fixada as despesas extraordinárias e imprevisíveis como acontece em regra, nas pessoas sem patologias, com as despesas de saúde. Neste sentido vd. também Acórdão do TRL de 10/10/2019 no proc. 3396/16.9T8CSC que subscrevemos como adjunta.
No caso, porém, nenhum dos progenitores vem insurgir-se contra a decisão proferida no ponto relativo à contribuição de cada um em 50% das despesas escolares e de saúde, incluindo o centro de estudo que o CCC frequenta, referindo o Recorrente que não pode suportar o valor de € 175,00 mensais, além destas despesas, sendo que aquela despesa específica será então de € 55,00 mensais para cada progenitor.
Importa então saber se o valor de € 175,00 mensais que foi fixado além daquele para o pai prestar a título de alimentos ao filho é o adequado para fazer face às suas restantes despesas que, de acordo com os critérios referidos se computam em cerca de € 220,00 mensais.
No que se refere à Requerente, temos quanto aos seus rendimentos que a mesma é cabeleireira e aufere o ordenado mínimo nacional que em 2020 tinha o valor de € 635,00 mensais, valor que tem vindo a ser atualizado todos os anos, cifrando-se agora em € 665,00; quanto às suas despesas deve levar-se em conta o valor de € 150,00 que a mesma paga a título de renda simbólica aos seus pais proprietários da casa, onde vive apenas com o filho.
Quanto ao Requerido o mesmo é agente da PSP e aufere cerca de €1.160,00 mensais de salário, tendo ficado apurado que tem uma despesa concreta com a renda da casa, no valor de € 350,00, onde vive com a sua companheira. O Requerido tem estado a pagar as obras do telhado da casa dos pais da Requerente, na quantia de €175,00 mensais, registando-se, porém, quanto a esta questão que na sua alegação de recurso o Recorrente refere que estava a suportar sozinho esta despesa, o que parece querer significar que já não estará a fazê-lo.
Parece o Recorrente entender que pelo facto de estar a suportar esta dívida fica desobrigado de prestar alimentos a favor do seu filho, sendo uma coisa compensada com a outra, mas não tem razão.
A compensação não é admitida como forma de extinção da obrigação de alimentos, o que é determinado pela natureza e finalidade específica desta obrigação e é expressamente afastado no art.º 2008.º n.º 2 do C.Civil, pelo que já se vê que não tem qualquer cabimento esta questão, sendo inútil avaliar da verificação dos requisitos da compensação como forma de extinção das obrigações, prevista no art.º 847.º do C.Civil.
Embora não tenha ficado apurada qualquer outra despesa específica de cada um dos progenitores, tal como se fez relativamente à criança, temos de levar em consideração que naturalmente tanto um como o outro têm de fazer face às despesas necessárias com a sua alimentação, vestuário, higiene e habitação no que se refere aos consumos domésticos, ainda que sejam despesas que não estão contabilizadas especificadamente. No âmbito das despesas de habitação, importa também ter em conta que a Requerente vive sozinha, enquanto o Requerido partilha a casa com a sua atual companheira.
 Neste quadro, considera-se que a situação económica e financeira do Requerido é, ainda assim, bastante mais favorável que a da Requerente, pelo que o mesmo deverá comparticipar numa maior proporção no sustento do seu filho, conforme o disposto no art.º 2004.º do C.Civil que determina que cada um dos progenitores contribua para esse sustento em razão das suas possibilidades, afigurando-se adequado, em função dos elementos referidos que o Requerido contribua em cerca de 2/3 das despesas do seu filho e a Requerente em cerca de1/3.
Assim sendo, levando em conta o valor de € 220,00 mensais necessários para o sustento do CCC, afigura-se como mais adequado que o pai contribua a título de pensão de alimentos com € 150,00 mensais a favor da criança, a que acresce o valor de € 55,00 relativo à participação pela frequência do centro de estudo.
Resta apenas referir que, naturalmente, esta decisão provisória poderá vir a sofrer alterações na sequência de elementos mais concretos que venham a resultar apurados no decurso do processo, fundamentados em prova mais consistente do que as declarações das partes, designadamente prova documental, quer quanto aos rendimentos e despesas dos progenitores, quer relativamente ao menor, nomeadamente quanto a possível valor que seja recebido a título de abono, que o pai invoca em sede de recurso, mas que não resultou apurado nos autos existir.
Em conclusão, altera-se o valor de € 175,00 de prestação de alimentos a prestar pelo pai contemplado no ponto 10 da decisão para o valor de € 150,00 mantendo-se os demais pontos da decisão provisória.
VI. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pelo Requerido parcialmente procedente, alterando-se o ponto 10 da decisão provisória relativo à prestação de alimentos nos termos referidos.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
*
Lisboa, 11 de fevereiro de 2021
Inês Moura
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues