Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3922/14.8T8SNT-A.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: CITAÇÃO
NULIDADE
PROCESSO PRINCIPAL
APENSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não cabe ao tribunal de recurso apreciar a questão da nulidade de falta de citação num apenso de habilitação de cessionário, sem que essa nulidade tenha sido previamente arguida no processo principal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :

I – Relatório
1)  Nos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa em que são executados A. e B., veio a sociedade H., requerer a sua habilitação para continuar a causa no lugar do exequente “Z.”.
 Alega, para tanto, que, por escritura pública de 26/9/2016, o “Z.”, cedeu-lhe o crédito que detinha sobre os executados, bem como todas as garantias e acessórios a ela inerentes.
A requerente já efectuou o registo da transmissão do crédito a seu favor, nomeadamente a hipoteca, junto da competente Conservatória do Registo Predial
2)  A executada veio aos autos referir que no processo principal arguiu a nulidade da sua falta de citação para a acção.
Refere ter sido determinada a nulidade da sua citação para a execução.
Afirma não ter voltado a ser citada.
Foi notificada para o presente incidente
No “Citius” o incidente “sub judice” surge com a informação de que “não está disponível para consulta”.
Defende que só pode ser notificada para contestar a presente habilitação após ser citada para a acção principal.
Conclui pedindo que seja ordenada nova citação com entrega de cópia do requerimento executivo e documentos que o acompanham.
3) Foi proferida decisão a julgar o incidente em apreço procedente, constando da parcela decisória da mesma :
“Em conformidade com o exposto, julgo habilitada a sociedade comercial H., para no lugar de exequente prosseguir os autos principais.
Custas pela requerente, nos mínimos.
Registe e notifique”.
4)  Desta decisão interpôs a executada recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“1) A Recorrente invocou a nulidade da sua citação nos autos principais – Requerimento apresentado a 29/03/2017, com a Refª 25325736.
2) É a segunda vez nos autos que o Sr. Agente de Execução considera a Recorrente como citada, sem respeitar as regras da citação prescritas na lei e em manifesta violação do direito de defesa da mesma, o que é inadmissível – a primeira vez, implicou a apresentação pela Recorrente a 07/05/2015 do requerimento com a Refª 19552477.
3) A mencionada reclamação obteve Douto Despacho proferido em 24/11/2015, que declara o vício de ausência de citação da Executada ora Recorrente e determinou a anulação de todo o processado, aproveitando-se apenas o requerimento inicial, a penhora e a citação do outro executado.
4) Posteriormente, o Sr. Agente de Execução volta a considerar a Recorrente citada ao arrepio do disposto nas normas processuais para a citação.
5) De referir que, sem que a Recorrente tenha recebido qualquer documentação nos autos principais, a sua mandatária recebe uma notificação para contestar a habilitação do adquirente ou cessionário, motivo pelo qual veio a mesma comunicar ao tribunal a 03/02/2017, em sede de requerimento com Refª 24794423 que deu entrada no incidente de habilitação, que a Executada apenas poderia apresentar contestação após a sua citação nos autos principais.
6) À data, a sua mandatária nem sequer conseguia consultar os autos principais no Citius, situação que se manteve pelo menos até 17/03/2017, data da referida tentativa de consulta, da qual juntou o respectivo comprovativo (Doc 1) no requerimento apresentado nos autos principais a 29/03/2017 (Refª 25325736).
7) O Sr. Agente de Execução, procedeu a uma tentativa irregular de citação da Executada:
- No dia 06/12/2016, o Sr. Agente de Execução enviou uma carta registada para citação pessoal da Executada, que veio devolvida, conforme consta dos autos;
- No mesmo dia, o Sr. Agente de Execução entrega nos autos uma tentativa de citação por contacto pessoal que não se encontra assinada pela Executada.
8) A citação por contacto pessoal tem regras, nos termos do disposto no Art. 231º nº 1 e 3 do C.P.C., é efectuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando. No acto da citação, o agente de execução entrega ao citando a nota de citação bem como o duplicado da petição inicial, recebido da secretaria e por esta carimbado e a cópia dos documentos que a acompanhem, e lavra certidão, que o citado assina.
9) A Recorrente não assinou nenhuma nota de citação e muito menos encontrou alguma notificação afixada.
10) O Sr. Agente de Execução também não procedeu a afixação de citação com hora certa:
- Apesar de também constar dos autos principais uma informação do mesmo datada de 02/02/2017, com data rasurada e com referência a duas testemunhas (que nem a Recorrente conhece nem a sua vizinha que mora há mais de 40 anos no local conhece) há que acrescentar que o Sr. Agente de Execução não identificou as testemunhas através dos seus documentos de identificação, o que impossibilita a confirmação da veracidade dos factos ou sua eventual responsabilização por terem incumprido as suas obrigações como testemunhas do acto.
- Acresce que, o Sr. Agente de Execução não esclarece onde afixou o aviso já que este nunca foi recepcionado pela Recorrente, poderá ter afixado no portão exterior de uma moradia, em pleno Inverno, em que bastaria alguma chuva e vento para o fazer desaparecer, isto se entretanto não tivesse sido arrancado por um terceiro que tivesse passado na rua.
- Também incumpriu o disposto no Art. 233º do C.P.C., o Sr. Agente de Execução tinha o prazo de dois dias úteis para advertir o citando mediante carta registada dos elementos constantes das alíneas a) a d) do mencionado normativo e não o fez, junta uma carta registada datada de 16/12/2016 com a referência do registo RA221079647PT (enviada apenas no 3º dia útil- ou seja a 19/12/2016 Cfr. Doc. nº 1 que se junta a final).
- De referir que esta última carta, foi enviada numa altura próxima do Natal, a Recorrente de nacionalidade espanhola nem sequer se encontrava em Portugal e a mesma invocou tal situação em sede do ponto X) do Requerimento com a Refª 25325736 apresentado a 29/03/2017, tendo inclusive apresentado testemunha para comprovar que se encontrava em Espanha.
11) Mas tal requerimento obteve qualquer decisão por parte do tribunal recorrido e posteriormente à sua apresentação nos autos principais, a mandatária da Recorrente é notificada da Sentença final do incidente de habilitação, resultando a violação do disposto no Art. 851º nº 2 do C.P.C.
12) Em conformidade com o disposto no Art. 188º nº 1 alínea e) do C.P.C., ocorre a falta de citação, quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe seja imputável.
13) De igual modo dispõe o Art. 191º do C.P.C. é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
14) Face aos exposto, requer-se a V.Exas. Venerandos Desembargadores que em conformidade com o disposto no nº 1 do Art. 191º do C.P.C. se dignem declarar a invalidade do acto da citação por preterição de formalidades prescritas na lei e consequentemente, ao abrigo do disposto no Art. 851º nº 2 do C.P.C. anular todo o processado subsequente ao respectivo acto de citação, nomeadamente no apenso da habilitação do adquirente ou cessionário, ordenando nova citação com entrega à Executada de cópias do requerimento executivo e todos os documentos perceptíveis e legíveis sob pena de se encontrar irremediavelmente prejudicado o direito de defesa da Executada.
15) Requer ainda, caso o pedido anterior não proceda, que considerando o disposto no Art. 188º nº 1 e) do C.P.C. e o requerimento apresentado pela Recorrente em que apresenta testemunha para provar que na altura de envio da carta datada de 16/12/2016 (enviada apenas a 19/12/2016), a mesma se encontrava em Espanha para passar o Natal com os seus familiares, seja declarada a falta de citação da Recorrente nos autos.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicável que V.Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente por provado, e em conformidade, ser anulada a Douta Sentença recorrida, sendo ordenada a citação da Recorrente e declarada a anulação de todo o processado nos autos principais e incidente de habilitação.
Assim se fazendo Justiça”.
5)  Não foram apresentadas contra-alegações.

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II – Fundamentação
a)  A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório supra e para a qual se remete.  
b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões das alegações dos recorrentes servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Ora, perante as conclusões das alegações da recorrente a única questão em recurso consiste em determinar se deve declarar-se a nulidade de falta de citação da apelante.
c)  Defende a apelante que, se estamos perante a sua falta de citação na acção principal, deverá, neste apenso, considerar-se nulo tudo o que tiver sido processado após tal omissão.
Ora, entendemos que a questão é impertinente, neste recurso.
Se a apelante considera que nos autos de execução foi cometida alguma nulidade, por acção ou omissão, devia argui-la nesses autos (cf. artº 786º nº 6 do Código de Processo Civil  - “A falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu (…)”).
A verdade é que a apelante suscitou a questão na execução.
Foi-lhe dada razão.
Segundo entende, a nova citação também se encontra ferida de nulidade.
Mas o incidente de habilitação não é, e muito menos o recurso, a sede própria para essa arguição.
Para apreciação da questão no recurso, devia o apelante previamente ter arguido a nulidade de falta de citação na 1ª instância, no processo principal. E da decisão que fosse proferida sobre a nulidade é que então caberia recurso.  
Vem aqui a propósito o aforismo: Das nulidades (de processo) reclama-se, das decisões recorre-se.
Ou seja, sendo a nulidade da citação um vício ocorrido no processo principal, era aí que o mesmo devia ser suscitado.  Caso a recorrente não se conformasse com a decisão, poderia interpor recurso.  É descabido vir em sede de um processo apenso, nomeadamente um incidente de habilitação, suscitar uma eventual nulidade ocorrida nos autos principais.
d)  Assim sendo, o recurso improcede na totalidade, o que significa que a decisão apelada não merece qualquer censura, mantendo-se a mesma na íntegra.
e)  Sumário :
Não cabe ao tribunal de recurso apreciar a questão da nulidade de falta de citação num apenso de habilitação de cessionário, sem que essa nulidade tenha sido previamente arguida no processo principal.

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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação :  Pela recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 30 de Outubro de 2018

Pedro Brighton

Teresa Sousa Henriques

Isabel Fonseca