Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6040/11.7TBOER.L1-6
Relator: REGINA ALMEIDA
Descritores: CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ACÇÃO INIBITÓRIA
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Mesmo que tais contratos ainda vigorem, o MºPº carece de legitimidade para a acção inibitória em relação a cláusulas inseridas em contratos concretos.
- Não existindo necessidade de proibir a inclusão nos contratos de cláusulas que a ré já não usa, falta ao MºPº interesse em agir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

         RELATÓRIO

I.1- O Ministério Público veio, a 26.05.2011, ao abrigo do disposto nos artigos 24º e seguintes da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro) e do artigo 13º, n.º 1, alínea c) da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Junho), intentar contra o Banco ..., com sede ..., acção declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo que o tribunal declare nulas as cláusulas 2ª, n.º 2, 12ª, 2ºparágrafo, 12ª, 3º parágrafo, 14ª, 1º parágrafo, e 15ª, do “Contrato de Crédito/Particulares” que junta a fls. 43 a 47, bem como a cláusula avulsa relativa à renúncia ao direito de reflexão e revogação em aditamento a esse contrato, o qual, segundo alega, o Réu, no exercício da sua actividade bancária, apresenta aos interessados que com ele pretendem contratar celebrando contratos de crédito a particulares, condenando o Réu a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito da proibição.

Mais requer a condenação do Réu a dar publicidade à decisão, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página, mais se remetendo certidão da sentença ao Gabinete de Direito Europeu, para os efeitos na Portaria n.º 1093/95, de 6 de Setembro.

Citado, o Réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Quanto àquela, invocou a falta de interesse em agir por falta de objecto da acção, sustentando que a presente acção é uma acção inibitória, prevista no artigo 25º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, sendo seus pressupostos a utilização ou perspectiva de utilização ou recomendação de cláusulas que violem o disposto nos arts.15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º daquela Lei e, no caso, o contrato de crédito objecto da acção há muito que não é utilizado pelo R., o que é do conhecimento do MºPº, pelo que a presente acção carece de fundamento.

Respondeu o A., MºPº, sustentando a improcedência da invocada excepção dilatória de falta de objecto da acção e de interesse em agir, por não operar a mera declaração do Réu de que já não utiliza, nem vai utilizar o referido clausulado, não podendo o Réu garantir que nos inúmeros estabelecimentos comerciais com os quais mantém ou manteve parcerias para o efeito, não existam e sejam ainda utilizados formulários com o clausulado agora questionados, ao que acresce a extensão dos efeitos da declaração de nulidade contida na decisão inibitória aos contratos já celebrados, ou a cláusulas substancialmente equiparadas.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir, por se entender que sendo controvertida a matéria relativa ao actual uso ou não das cláusulas questionadas pelo Ministério Público, essa matéria não se enquadra em termos de excepção dilatória, mas sendo reconduzível ao mérito da acção.

Seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, instruída a causa e realizado o julgamento.

Após resposta á matéria constante da base instrutória, proferiu-se sentença datada de 22.07.2014, a julgar a acção improcedente com a consequente absolvição do R. do pedido.

I.2- Apelou o A..

Alegando, conclui desta forma:

1ª/A circunstância de o réu ter deixando de propor a subscrição do formulário que contém as cláusulas e ao qual estava anexo o destacável para exercício da renúncia ao direito de reflexão e revogação antes da propositura da acção não configura fundamento para a improcedência da acção inibitória;

2ª/Seguindo o entendimento contrário, sufragado pelo Tribunal a quo, apenas quando se demonstre que quem predisponha/proponha/aceite proposta/recomende cláusulas contratuais gerais proibidas tem essa conduta até à instauração da acção e a mantém durante a sua pendência, poderá proceder a da acção, o que retiraria qualquer efeito útil ao instituto da acção inibitória, esvaziando-o;

3ª/ Da leitura conjugada do disposto nos artigos 12.º, 25.º e 32.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais resulta que, apesar de a acção inibitória ter um escopo de intervenção virado para o futuro, tem igualmente ínsito um efeito repressivo – o de impedir que o proponente de uma cláusula contratual geral declarada proibida se prevaleça dessa mesma cláusula no âmbito de contratos já celebrados;

4ª/ O réu não provou, conforme lhe incumbia nos termos do disposto no artigo 342.º/1, C.C., que não se encontrassem em execução quaisquer dos contratos celebrados com recurso ao formulário onde se encontravam inclusas as cláusulas contratuais gerais objecto da presente acção;

5ª/ Por conseguinte, entendemos que falece o argumento de inexistência do uso a que a acção inibitória se destina, nomeadamente em face do disposto no artigo 32.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais;

6ª/ O escopo da acção inibitória transcende a mera esfera jurídica individual, antes abrangendo o interesse da generalidade das pessoas, “(…) podendo a acção constituir uma forma de protecção da tutela dos aderentes com os quais a ré já contratou, se a ré já inseriu tais cláusulas em contratos, (…) sempre aquele tutela continua a ser necessária”;

7ª/ Nos termos do artigo 32.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, a proibição definitiva de cláusulas contratuais gerais nulas apenas se alcança com a acção inibitória;

8ª/ A própria obrigação de publicação da decisão justifica a apreciação material das cláusulas em apreço, independentemente do seu uso actual;

9ª/ Para além de permitir dar conhecimento da proibição de utilização das cláusulas nulas àqueles que celebraram negócios jurídicos com base em formulários que as contêm, permite dar conhecimento a terceiros para que, na qualidade de proponentes, se abstenham de usar cláusulas substancialmente equiparáveis ou para que, na qualidade de destinatários dessas cláusulas, arguam individualmente tal nulidade;

10ª/ Por outro lado, a alteração dos clausulados dos contratos com vista à sua adequação a posteriores alterações legislativas não determina igualmente a improcedência da acção, uma vez que essas alterações não prejudicam a possibilidade de o réu se fazer valer dessas cláusulas no que respeita aos contratos em execução, já que o regime resultante do Decreto Lei nº133/2009, de 2 de Junho não é aplicável a todos os contratos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor e que se mantenham ainda em execução;

11ª/Pelo exposto, se conclui que a sentença ora recorrida violou as normas previstas nos artigos 12.º, 25.º e 32.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, devendo ser anulada, proferindo-se outra que conheça da validade das cláusulas contratuais gerais cuja abstenção de uso foi requerida.

12ª/Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e anular-se a sentença proferida, determinando-se seja proferida nova sentença que conheça da validade das cláusulas contratuais gerais.

I.3- Contra-alegou a ré em defesa do julgado.

Por não haver razões que a tal obstem, impõem-se conhecer do objecto do recurso.

         II- FUNDAMENTAÇÃO

         II.1- São estes os factos provados:

         1. O Réu encontra-se matriculado sob o n.º503533726 e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;

2. O Réu tem por objeto social a atividade bancária incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa atividade e permitidas por lei;

3. No exercício de tal atividade, o Réu tem vindo a proceder à celebração do contrato de crédito a particulares;

4. Para tanto, o Réu apresenta aos interessados que com ele pretendiam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título de “Contrato de Crédito/Particulares”;

5. O referido clausulado contém uma página impressa com espaços em branco destinados à identificação dos consumidores, do bem ou serviço sobre o qual incide o crédito, do valor a creditar, taxa de juro aplicável (TAEG), data de início do contrato e forma de pagamento (nomeadamente número e valor das prestações e modalidades de pagamento);

6. Constam do referido clausulado, junto a fls. 43 a 46 dos autos, além de outras, as seguintes cláusulas:

2 – Encargos Iniciais e outros Encargos Contratuais

O(s) Consumidor(es) assumem (m) perante a C... a obrigação de pagamento dos encargos iniciais, em vigor no momento da celebração do Contrato, bem como de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a C... venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos emergentes do presente Contrato, podendo ser cobrado um valor até 10 % sobre os montantes em dívida;

12 – Cumprimento Antecipado

O(s) Consumidor(es) tem (têm) o direito de cumprir antecipadamente, total ou parcialmente, o presente Contrato de Crédito, conforme estabelecido no Art.9º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, devendo para o efeito notificar a C... com a antecedência mínima de 15 dias.

A C... pode cobrar juros e outros encargos correspondentes à primeira quarta parte do prazo inicialmente contratado, sempre que o cumprimento antecipado ocorra antes do decurso do referido prazo.

A C... fica autorizada pelo (s) Consumidor(es) a cobrar uma comissão que será igual à que vigorar no preçário no momento do cumprimento antecipado.”

14- Penalização por Incumprimento

O não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste contrato implicará a obrigatoriedade do seu pagamento e de todas as prestações vincendas, podendo a C... aplicar, a título de cláusula penal, uma taxa de 4 % a acrescer à taxa de juros que estiver a vigorar par o contrato no momento do incumprimento, a qual incidirá sobre a parte do capital das prestações não liquidadas. Serão também aplicados os juros moratórios previstos na Lei, bem como comissões de penalização por atrasos no recebimento de prestações, de acordo com o preçário em vigor.

Fica expressamente convencionado, no caso de empréstimos sem juros a suportar pelo(s) Consumidor(es) em que se verifiquem incumprimentos no pagamento das prestações, que a cláusula penal acima referida incidirá sobre a taxa máxima legalmente permitida como indemnização.

15 – Foro

Para a resolução das questões emergentes do presente Contrato, designadamente as referentes, à validade, eficácia, interpretação, integração, incumprimento e/ou cumprimento defeituoso, serão indistintamente competentes os foros da Comarca de Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada, com expressa renúncia a qualquer outro”;

7. Na segunda página pode ler-se a declaração do consumidor “Para o contrato de Crédito (…) Aceito plenamente as condições gerais e particulares do contrato de crédito, que subscrevo (…)”;

8. Em anexo e/ou aditamento ao Contrato em apreço consta uma folha com um formulário pré-elaborado e pré-impresso, parcialmente destacável, onde consta uma declaração de renúncia ao direito de reflexão e revogação do contrato, uma declaração de entrega do bem e pedido de concretização do financiamento, uma declaração de autorização de débito em conta e uma livrança; todas a subscrever pelo aderente consumidor após a assinatura do Contrato que se juntou como documento n.º 3 e aqui se dá igualmente por inteiramente reproduzido;

9. Para além da página impressa referida em 5., as restantes páginas impressas do formulário que constitui do documento junto a fls. 43 a 47 não contêm quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que, em concreto, se apresentem, com exceção do reservado à data e às assinaturas dos consumidores e dos avalistas, dos destinados a “nome”, “morada”, “n.º” do “contrato de crédito”, data do contrato, data e assinatura na declaração de renúncia a período de reflexão, na declaração de entrega do bem o espaço destinado ao número do contrato, data e assinatura dos “consumidores” e do “fornecedor”, formulário para autorização para débito em conta e fórmula de livrança;

10. No formulário referido nos números anteriores os mutuários devem preencher os dados que respeitam à declaração de renúncia ao período de reflexão, à declaração de entrega do bem e à autorização de débito em conta;

11. Nos valores a que se referem os parágrafos 1º in fine da cláusula 14º, 2º parágrafo, in fine, cláusula 12º e cláusula 2º in fine, o Réu impõe ao contratante aderente uma cobrança de valores que não correspondem a quaisquer serviços prestados aos clientes;

12. Os valores não especificadamente detalhados nos parágrafos 1º in fine da cláusula 14º, 2º parágrafo in fine, cláusula 12º e cláusula 2º in fine, também não correspondem a qualquer contrapartida por despesas administrativas ou encargos, previstos no contrato;

13. A cláusula 11ª do “contrato de crédito” junto a fls. 114 verso a 122 verso, sob a epígrafe “mora”, tem a redacção vertida nesse documento, e a cláusula 14ª da “proposta/contrato” junta a fls. 43 a 45, sob a epígrafe “Penalização por incumprimento” tem a redacção constante deste documento, as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas;

14.O formulário actualmente em vigor prevê os valores concretos e determinados a pagar em caso de mora dos mutuários;

15. O pagamento das prestações de reembolso do crédito é efectuado através do sistema de débitos directos;

16. A utilização deste sistema de pagamentos – regra na contratação bancária – torna dispensável a intervenção humana durante a execução do contrato de crédito, já que a utilização dos meios informáticos através dos quais se processa garante ao Réu o fluxo de informação necessária para aferir do regular cumprimentos dos contratos;

17. Quando os mutuários entram numa situação de mora, o Réu passa a ter que dispor (e investir) da intervenção dos seus funcionários ou, até mesmo, socorrer-se de prestadores de serviços, bem como investir em comunicações, sejam escritas, telefónicas ou presenciais, e em meios alternativos de pagamento com vista a possibilitar aos mutuários a regularização da mora;

18. As diligências referidas em 17. visam evitar resolução dos contratos por incumprimento definitivo;

19. Em caso de mora no cumprimento das prestações, o Réu disponibiliza formas alternativas de pagamento, como sejam o pagamento através de terminal Multibanco, mediante a contratação com a SIBS desta forma de pagamento, através de cheques e contactando pessoalmente os mutuários com vista à entrega de quantias em dinheiro;

20. As despesas judiciais ou extra-judiciais - também não especificadas – e que o Réu venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos emergentes do presente contrato não correspondem a comissões ou a encargos ou a contrapartidas por despesas administrativas decorrentes de serviços prestados ao aderente, configurando uma cláusula penal que prevê uma indemnização pré-fixada pelas despesas de cobrança do crédito, em caso de incumprimento;

21. Com recurso ao formulário da “proposta/contrato”, junta a fls. 43 a 45, o Réu celebrou contratos;

22. A declaração de renúncia ao direito de reflexão e revogação é estabelecida unilateralmente pela Ré proponente, sem possibilidade de negociação por parte consumidor – aderente, que se limita a subscreve-la, no seguintes termos: “Em conformidade com o disposto no nº5 do Art.8º do Decreto-Lei n.º 359/91 de 21 de Setembro, eu abaixo assinado (…) declaro que me por ter sido feita a entrega imediata do bem objecto do Contrato n.º (…) celebrado com a C... IFIC, SA em (…) venho renunciar ao direito de reflexão e revogação, aceitando definitivamente a proposta de crédito”;

23. Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº133/2009 a Ré deixou de utilizar nos seus formulários de contratos de crédito o destacável que existia para exercício dessa renúncia;

24. O art.8º do Decreto-Lei nº359/91, de 21 de Setembro, sob a epigrafe “período de reflexão” dispunha nos seus n.ºs 2 e 5 que: “ (…) 2 - A fim de facilitar o exercício do direito de revogação previsto no presente artigo, é anexado ao contrato de crédito um formulário da declaração de revogação, a subscrever, se for caso disso, pelo consumidor. (…) 5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, pode o consumidor, em caso de entrega imediata do bem, renunciar, através de declaração separada e exclusiva para o efeito, ao exercício do direito de revogação previsto no presente artigo.”;

25. Os mutuários podiam comunicar ao Réu a renúncia ao direito de reflexão por declaração diferente da constante do destacável anexo ao formulário ora atacado, remetendo-a ao Réu;

26. Nunca o Réu impôs que a entrega imediata dos bens ou disponibilização imediata de serviços por si financiados através da celebração de contratos de crédito determinasse a obrigatoriedade de renúncia ao direito de reflexão;

27. Ainda que os mutuários pretendessem utilizar o referido destacável, não bastaria que o datassem e assinassem;

28. Teriam que o completar no que respeita ao nome, morada e número do contrato;

29. Do formulário do “contrato de crédito” junto a fls. 114 verso a fls. 122 verso não consta cláusula idêntica à cláusula 2ª do formulário “proposta/contrato” junto a fls. 43 a 45;

30. A cláusula 2ª do formulário de “proposta/contrato”, junto a fls. 43 a 45, sob a epígrafe “Encargos Iniciais e Outros Encargos Contratuais” dispõe que: “O(s) Consumidor(es) assume(m) perante a C... a obrigação de pagamento dos encargos iniciais, em vigor no momento da celebração do Contrato, bem como de todas as despesas judiciais e extra-judiciais que a C... venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos emergentes do presente Contrato, podendo ser cobrado um valor até 10% sobre os montantes em dívida”;

31. O R. O Réu não utiliza o formulário de “proposta/contrato”, junto a fls. 43 a 45 há, pelo menos, três anos (com referência à data da resposta à matéria de facto);

32. A cláusula 10ª do formulário do “contrato de crédito” junto a fls.114 verso a fls. 122 verso, sob a epigrafe “Reembolso Antecipado”, determina que: “1. O(s) Consumidor(es) podem, a todo o tempo, cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o contrato de crédito, enviando ao C... uma comunicação em papel ou noutro suporte duradouro, com, pelo menos, 30 dias de calendário de antecedência relativamente à data em que pretende realizar a antecipação. 2. O reembolso antecipado dá lugar à redução do custo total do crédito por via da redução dos juros e dos encargos do período remanescente, tendo o C... direito a uma comissão de reembolso antecipado nos termos do número seguinte. 3.A comissão de reembolso antecipado é de 0,5% ou de 0,25% do montante do capital reembolsado antecipadamente, consoante o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do contrato de crédito seja superior ou inferior/igual a um ano. 4. O C... não poder exigir aos consumidores qualquer comissão de reembolso antecipado do contrato de crédito se o reembolso ocorrer num período em que a taxa nominal não seja fixa.”

33. A cláusula 12ª do formulário de “proposta/contrato”, junto a fls. 43 a 46, sob a epigrafe “Cumprimento antecipado” dispõe que: “O(s) Consumidor(es) tem (têm) o direito de cumprir antecipadamente, total ou parcialmente, o presente Contrato de Crédito, conforme estabelecido no Art. 9º do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, devendo para o efeito notificar a C... com a antecedência mínima de 15 dias. A C... pode cobrar os juros e outros encargos correspondentes à primeira quarta parte do prazo inicialmente contratado, sempre que o cumprimento antecipado ocorra antes do decurso do referido período. A C... fica autorizada pelo(s) Consumidor(es) a cobrar uma comissão que será igual à que vigorar no preçário no momento do cumprimento antecipado.”;

34. O Réu entrega aos consumidores/proponentes, previamente à celebração do contrato de crédito, a chamada Ficha de Informação Normalizada (adiante, designada apenas por FIN), formatada pela Instrução n.º8/2009 do Banco de Portugal;

35. E de onde consta toda a informação pré-contratual exigida pelo Decreto-Lei nº133/2009 de 2 de Junho;

36. Na FIN estão previstas as compensações, comissões, encargos e despesas, que correm por conta do consumidor/proponente/mutuário na data de celebração do contrato;

37. Constam, também os custos que devem os mutuários suportar na sequência da falta de pagamento;

38. Os mutuários têm ao seu dispor o preçário do Réu, actualizado e disponibilizado aos mutuários de acordo com o previsto no Aviso n.º8/2009 do Banco de Portugal, no qual se elencam os custos das comissões e despesas que poderão ser cobradas aos mutuários, decorrentes de solicitações suas ou dos serviços prestados pelo Réu aos mutuários tendentes à regularização de situações de mora;

39. O preçário, além de ser entregue ao proponente com a FIN, pode ser solicitado a todo o tempo pelos mutuários, está disponível no sítio de internet do Réu, nas suas instalações e no sítio de Internet do Banco de Portugal “clientebancario.bportugal.pt”;

40. Pelo menos desde as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º14/2006, de 26 de Abril, que o Réu não aplica a cláusula relativa ao “Foro” prevista no formulário de “proposta/contrato”, junto a fls. 43 a 45;

41. A cláusula 20ª do formulário do “contrato de crédito” junto a fls. 114 verso a fls. 122 verso, sob a epigrafe “Litígios e Jurisdição” determina que: “Para quaisquer questões ou litígios relacionados com a interpretação, execução, aplicação, validade ou incumprimento do presente contrato será aplicada a lei portuguesa, serão exclusivamente competente os Tribunais Portugueses, não existindo meios extrajudiciais institucionalizados de resolução de conflitos”;

42. O Réu não integra a lista de instituições bancárias que aderiram a serviços mínimos bancários;

43. O Réu voluntariamente alterou o formulário de contrato de crédito de modo a cumprir as disposições do Decreto-Lei nº133/2009, de 2 de Junho;

44. Os prejuízos causados pela mora, no âmbito da actividade desenvolvida pelo Réu, não se restringem à indisponibilização do capital.

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         II.2- Direito

         A questão objecto do recurso consiste em saber, se, tal como foi decidido, carece de fundamentação a presente acção inibitória, por inexistir o uso a que a mesma se destina. 

         A razão, em síntese, é esta: o R. não utiliza o formulário de “proposta-contrato” junto a fls.43 a 45 - aquele onde constam as cláusulas objecto da acção, há, pelo menos três anos (com referência á data da resposta á matéria de facto – 28.05.13 -, portanto desde 2010) e, por outro lado, desde a entrada em vigor do DL 133/09 que o R. deixou de utilizar nos seus formulários de contratos de crédito o destacável que existia para exercício da renúncia ao direito de reflexão e revogação.

Concorda-se com a argumentação, mas já não quanto aos efeitos retirados – absolvição do R. do pedido.

  Evidencia a matéria factual que a “proposta/contrato de crédito particulares” a fls.43 a 47, formulada pela ré «C...», invocada como causa de pedir, e as questionadas cláusulas contratuais cuja declaração de nulidade vem pedida pelo MºPº, faz parte de um contrato de adesão a que se aplica o regime jurídico das «cláusulas contratuais gerais» (doravante C.C.G.) – DL 446/85, de 25.10 (alterado pelos DL 220/95, de 31.8 e 249/99, de 17.7.), e de que serão os artigos a citar sem indicação de fonte.

 Os contratos de adesão restringem de forma severa a liberdade de negociação e de estipulação, por corresponderem a necessidades de contratação massificada, estando, em regra, de um lado empresas de grande envergadura económica – bancos, seguradoras, transportadoras, etc. -, e de outro o cidadão consumidor de bens e serviços.[1]

 Em termos sintéticos, as cláusulas contratuais gerais surgem como “estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares. Pé-formulação, generalidade e imodificabilidade aparecem, assim, como as características essenciais do conceito”.[2]

O plano do controlo do conteúdo dos contratos celebrados por recurso a CCG desenvolve-se em dois níveis: num princípio geral de controlo, que toma como ponto de referência a boa fé (arts.15º e 16º), e num extenso catálogo de cláusulas proibidas (arts. 18º e segs.).

O art.24º determina que as nulidades previstas neste diploma são invocáveis nos termos gerais. Por seu lado, o art.25º (acção inibitória) dispõe que: “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”.

Para tal, refere o art.27º que aquela acção pode ser intentada:

a) Contra quem, predispondo cláusulas contratuais gerais, proponha contratos que as incluam ou aceite propostas feitas nos seus termos;

b) Contra quem, independentemente da sua predisposição e utilização em concreto, as recomende a terceiros.

Também o art.32º/1 impõe que as c.c.g. objecto de proibição definitiva por decisão transitada julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.

Os preceitos citados contêm, no essencial, as formas de assegurar a tutela dos interessados contra cláusulas contratuais absolutamente proibidas ou relativamente proibidas, isto é, as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé: por um lado a declaração da nulidade e por outro a acção inibitória.

Acerca do “controle incidental e controle abstracto”, escreve Almeno de Sá, a págs.77 e 78 da obra citada: "a fiscalização das condições gerais processa-se, em primeiro lugar, na forma de controlo incidental, isto é, no âmbito de um litígio referente a cláusulas de um contrato concluído entre determinado utilizador e o seu parceiro negocial. Estão em jogo uma ou várias estipulações referentes a um concreto contrato celebrado entre dois individualizados sujeitos, que se opõem num diferendo onde se questiona a vigência ou validade de tal ou tais estipulações.

Ao lado deste tipo de fiscalização, funciona um processo abstracto de controlo, destinado a erradicar do tráfico jurídico condições gerais iníquas, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares. Consagrou-se, com esta finalidade preventiva, o sistema da acção inibitória: visa-se que os utilizadores de condições gerais desrazoáveis ou injustas sejam condenados a abster-se do seu uso ou que as organizações de interesses que recomendem tais condições aos seus membros ou associados sejam condenadas a abandonar essa recomendação. Estão, portanto, sujeitos a esta particular acção declarativa não apenas o utilizador, mas também o simples "recomendante", como é o caso, frequentemente, de organizações de interesses económicos ou câmaras de comércio, que elaboram condições gerais para serem utilizadas em todo um sector da actividade empresarial.

Pode optar-se entre requerer ao tribunal uma proibição provisório ou uma proibição definitiva, legitimando-se a primeira sempre que exista fundado receio de virem a ser incluídas em contratos singulares condições gerais incompatíveis com a lei. Seguem-se então os termos próprios dos procedimentos cautelares não especificados. No que concerne à proibição definitiva, o seu efeito directo traduz-se em o utilizador não poder incluir em futuros contratos singulares as cláusulas objecto da decisão transitada julgado. O mesmo se aplica, aliás, em relação a cláusulas substancialmente equiparáveis, assim se tentando evitar que as empresas demandadas recorram a formas indirectas de contornar as proibições decretadas pelo tribunal.

Trata-se, em última análise, de tentar que futuros parceiros contratuais do utilizador não cheguem sequer a ser confrontados com cláusulas aparentemente válidas. Há aqui, por conseguinte, uma tutela institucional de tipo abstracto, autorizando a fiscalização judicial de cláusulas sem que se torne necessária a sua utilização concreta em qualquer negócio jurídico, o que, todavia, se vai reflectir, ainda que indirectamente, nas relações contratuais singulares.”.

No domínio da acção inibitória impõe-se, pois, a existência de cláusulas contratuais gerais "elaboradas para utilização futura".

É este o caso dos autos, pois o objecto da presente acção inibitória consistia na proibição de utilização futura de cláusulas proibidas.

Sucede que a ré, ainda antes da propositura da acção (esta em 26.05.11), alterou a formulação das cláusulas.

Na verdade, vem provado que “Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº133/2009 a Ré deixou de utilizar nos seus formulários de contratos de crédito o destacável que existia para exercício dessa renúncia” (23); que “O Réu não utiliza o formulário de “proposta/contrato” junto a fls. 43 a 45 há, pelo menos, três anos (com referência à data da resposta à matéria de facto – 28.5.13) (31).

Mais se demonstrou que: “O Réu entrega aos consumidores/proponentes, previamente à celebração do contrato de crédito, a chamada Ficha de Informação Normalizada (adiante, designada apenas por FIN), formatada pela Instrução n.º8/2009 do Banco de Portugal” (34), “E de onde consta toda a informação pré-contratual exigida pelo Decreto-Lei nº133/2009 de 2 de Junho” (35); “Na FIN estão previstas as compensações, comissões, encargos e despesas, que correm por conta do consumidor/proponente/mutuário na data de celebração do contrato” (36),  “Constam, também os custos que devem os mutuários suportar na sequência da falta de pagamento” (37); “Os mutuários têm ao seu dispor o preçário do Réu, actualizado e disponibilizado aos mutuários de acordo com o previsto no Aviso n.º8/2009 do Banco de Portugal, no qual se elencam os custos das comissões e despesas que poderão ser cobradas aos mutuários, decorrentes de solicitações suas ou dos serviços prestados pelo Réu aos mutuários tendentes à regularização de situações de mora “ (38); “O preçário, além de ser entregue ao proponente com a FIN, pode ser solicitado a todo o tempo pelos mutuários, está disponível no sítio de internet do Réu, nas suas instalações e no sítio de Internet do Banco de Portugal “clientebancario.bportugal.pt” (39); “Pelo menos desde as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º14/2006, de 26 de Abril, que o Réu não aplica a cláusula relativa ao “Foro” prevista no formulário de “proposta/contrato”, junto a fls. 43 a 45” (40); “A cláusula 20ª do formulário do “contrato de crédito” junto a fls. 114 verso a fls. 122 verso, sob a epigrafe “Litígios e Jurisdição” determina que: “Para quaisquer questões ou litígios relacionados com a interpretação, execução, aplicação, validade ou incumprimento do presente contrato será aplicada a lei portuguesa, serão exclusivamente competente os Tribunais Portugueses, não existindo meios extrajudiciais institucionalizados de resolução de conflitos” (41).

Daqui se conclui que a ré retirou do formulário do contrato de crédito referido, as cláusulas aí incluídas cuja declaração de nulidade o MºPº peticionava.

Ou seja, antecipadamente, cumpriu aquilo a que a acção se destinava.

O objecto da acção desapareceu, quer no sentido material (existência das questionadas cláusulas), quer no sentido intencional (predisposição do uso).

Afirma o recorrente que a alteração do clausulado não determina a improcedência da acção, visto que ela não prejudica a possibilidade de a ré se fazer valer dessas cláusulas no que respeita aos contratos já em execução.

Não tem razão.

Mesmo que ainda vigorem contratos de crédito propostos pela ré onde tais cláusulas estejam inseridas, o MºPº carece de legitimidade para a acção inibitória em relação a contratos concretos. Tal fim só será atingido através de acção apropriada, como antes se referiu. Como claramente decorre das disposições conjugadas dos arts.25º e 32º/2, o escopo da referida acção é conseguir a proibição para futuro do uso de c.c.g. violadoras da boa fé, e não eliminar dos contratos já celebrados e em vigor tal tipo de cláusulas, que, como se salientou, a ré já não utiliza desde, pelo menos, 2010.[3]

A própria designação de “acção inibitória” aponta para a exclusão dos contratos findos. Pode ser preventiva ou repressiva, consoante se pretende a imposição da continuação da violação dum interesse ou a abstenção de futuras violações, mas trata-se sempre duma acção “voltada para o futuro”.[4]

Ora, não se verificando, no caso concreto, qualquer necessidade de proibir a ré de incluir nos seus contratos as cláusulas em análise, que já não usa desde aquela data, segue-se que ao MºPº falta interesse em agir.

 O interesse processual ou interesse em agir, consiste numa necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção.[5]

A falta de interesse processual constitui uma excepção dilatória atítica.

Faltando esse pressuposto processual da acção, de conhecimento oficioso, o tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa, e daí que a sanção consista na absolvição do R. da instância (arts.278º/1-e) e 576º/1 e 2, e 578ºdo NCPC).[6] Vedado ao tribunal conhecer do mérito da causa, a consequência será, pois, essa e não a absolvição do R. do pedido, como considerou a instância recorrida. A solução alcançada na decisão não pode, pois, ser mantida, embora a fundamentação coincida com a nossa.

Nessa medida se alterará a sentença.

Pelas razões enunciadas, o recurso improcede.

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DECISÃO       

Face a todo o exposto, julga-se improcedente a apelação, e, embora pelo mesmo fundamento da sentença, porém, absolve-se o R. da instância.

Sem custas (arts.4º/1-a) do RCJ, e 29º/1 LCCG).

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Lisboa, 29/1/2015

Regina Almeida

Manuela Gomes

Fátima Galante

[1]  Cfr. Ac.STJ 08A1287 de 13.05.08
[2]Cfr. Almeno de Sá, «Cláusulas contratuais gerais e diretiva sobre cláusulas abusivas», 2ª ed., pág.212
[3]Cfr., Acs.STJ de 12.5.11 (proc. 1593/08.0TJLSB), 05.02.2013 (proc.684/10.1YXLSB), 11.04.13 (proc.403/09.5TJLSB)
[4]                        Cfr. Ac.STJ de 21.02.13 (proc.2839/08.0YXLSD)
[5]  Cfr. A. Varela, e outros, «Manual de Processo Civil», 2ª ed., pás.179 a 181
[6]Cfr. Ac.R.L. de 12.03.92, CJII/92-130