Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8417/17.5T8LSB-A.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
COMPENSAÇÃO
MOMENTO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Reportando-se a danos igualmente decorrentes do acidente que constitui causa de pedir na acção, nada obsta a que, independentemente das razões que motivaram a sua não inclusão no pedido inicial, seja admitida a ampliação do pedido ali formulado.

- Devendo a compensação ser exercida através de reconvenção, ou seja, em sede de contestação, não é admissível o pedido visando operá-la em momento processual ulterior.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1. P..., Lda, propôs, contra G... SA, acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa - Juízo Central, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 336.635, acrescida de juros, correspondente a danos alegadamente decorrentes de acidente de viação, sofrido por veículo segurado na R.
Posteriormente, veio a A. requerer a ampliação do pedido, a este aditando o montante de € 65.349,71, correspondente a danos que, por alegado lapso, não incluira no pedido inicial.
Contra tal requerimento, deduziu a R. oposição - pedindo, para o caso de ser aquele admitido, a compensação do valor peticionado com um seu crédito sobre a A.
Admitida a requerida ampliação e indeferida a compensação, dessa decisão veio a R. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- A recorrente não se conforma como o despacho que admitiu a ampliação do pedido apresentado pela A. e não admitiu a pretensão de compensação da R., porquanto no seu entender o mesmo viola o preceituado nos arts. 4°, 260° e 265°, nº2, do CPC.
- Tendo apresentado a petição inicial em 6.4.2017, veio a A. em 23.1.2018 requerer a ampliação do pedido porquanto "por mero lapso não foi peticionada" em sede de petição inicial a quantia de € 65.349,71, alegadamente referente à mercadoria transportada pelo veículo aquando do sinistro e que alegadamente a responsabilidade estaria a ser imputada à Autora, conforme Nota de Débito que junta como documento n.°1 - documento este que data de 10.2.2015.
- Tem sido entendimento dominante na doutrina e jurisprudência que a ampliação do pedido não se destina a suprir eventuais "falhas" cometidas na petição inicial, não sendo admissível quando constitui uma mera decorrência do esquecimento da sua formulação logo na petição inicial, altura em que o Autor já sabia da existência das circunstâncias nas quais baseia tal ampliação, conforme diversos acórdãos, entre os quais os da Relação de Coimbra de 20.12.94 e 17.11.2016, do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2000, da Relação de Lisboa de 12.3.2009, da Relação do Porto, de 26.6.2008 e da Relação de Évora. de 11.10.2012, que se chamam à colação.
- Processualmente, quer pelas garantias de defesa quer pela coerência e estabilidade da instância, é na petição inicial que o autor deve apresentar todos os factos essenciais e formular/fixar o seu pedido.
- A admissão da ampliação do pedido, que tem por fundamento apenas um alegado lapso do A., propícia não só um desequilíbrio entre as partes, como poderá inclusive permitir o recurso à mesma como expediente para minimizar o valor do encargo inicial das custas judiciais.
- Nos termos e por força do disposto no art. 265°, nº2, do CPC, permite-se uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, mas apenas quando a ampliação do pedido for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
- Tal excepção pressupõe que o pedido formulado na ampliação esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, isto é - conforme explanado por Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, vol. III, pág. 94) - que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
- Essa modificação para mais implica que ocorra no decurso da acção e posterior à sua instauração uma circunstância que conduziu a que o pedido se modifique para mais dentro da mesma causa de pedir, como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
- Ou seja, pressupõe que existiam determinados condicionalismos aquando da propositura da acção que se modificaram no decurso da mesma e legitimaram a alteração/ampliação do pedido, sendo assim o pedido ampliado uma consequência/desenvolvimento daquele pedido primitivo.
- Nos presentes autos, no pedido primitivo enxertado na petição inicial, a A., ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel e das garantias ali contratadas, peticiona alegados danos sofridos pelo veículo e reboque sua propriedade, alegados custos de remoção deste veículo e reboque, alegados lucros cessantes e danos provocados por estes veículos na auto-estrada - sempre por referência ao veículo e reboque sua propriedade - sendo que em sede de ampliação o que reclama são alegados danos na alegada mercadoria transportada, alegados danos estes e mercadoria propriedade de um terceiro e que alegadamente a responsabilidade estaria a ser imputada à Autora (em 2015)
- Ora, aquando da apresentação da petição inicial a A. não invocou quaisquer danos na mercadoria transportada ou responsabilidade enquanto transportador, nem deduziu qualquer pretensão/pedido indemnizatório relativamente à alegada mercadoria.
- O que a A. agora apresenta é um pedido novo, sendo que para lhe assistir legitimidade de deduzir tal pretensão impunha-se que a sua dedução após a apresentação da petição inicial resultasse da superveniência dos factos subjacentes, tal como disposto no art. 588º do CPC - o que de resto também não sucedeu.
- Não se pode admitir a ampliação do pedido para afirmação de um novo direito, tal como pretendido pela recorrida e admitido pelo Tribunal a quo, pelo que deverá revogar-se tal decisão.
- Acresce que, na sequência da apresentação do aludido pedido de ampliação, opôs-se a recorrente, defendendo ainda e à cautela, que admitindo-se tal pedido também deveria ser admitida a compensação com o crédito que detém sobre a recorrida, referente a prémios de seguro não pagos, crédito esse já titulado por sentença transitada em julgado.
- Sucede, porém, que quanto a este pedido não foi o mesmo admitido por entender o Tribunal a quo que este apenas poderia ser deduzido e admitido em sede de contestação.
- Quando se confronta a admissão da ampliação de um pedido que podia ter sido deduzido em sede de petição inicial, apenas não o tendo sido "por mero lapso", com a não admissão da compensação, afigura-se que ambos os pedidos são apreciados por uma bitola diferente, susceptível de colocar em causa em princípio da igualdade, ínsito no art. 4° do CPC.
- Assim, pese embora se entenda que a ampliação do pedido não deveria ter sido admitida, tendo-o sido, por uma questão de igualdade substancial das partes, igualmente deveria ter sido admitida a compensação.
- Tal como escreve Manuel de Andrade, o princípio da igualdade de partes "consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, disfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida", in Noções Elementares do Processo Civil.
- Pelo que, a ser admitida a ampliação de pedido que apenas por lapso não foi deduzido na petição inicial, deveria igualmente conceder-se semelhante possibilidade de, em sede de contraditório, poder ser deduzida pretensão de compensação, sob pena de em termos substanciais, não ser salvaguardada a igualdade das partes.
- Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido, não se admitindo a ampliação do pedido, sem prejuízo de, caso assim não se entenda e tendo presente o princípio da igualdade das partes, a manter-se a decisão quanto à ampliação do pedido, deverá revogar-se a decisão na parte em que não admite a compensação.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da ampliação do pedido, requerida pela A.. ora apelada.
Dispõe o art. 265º, nº2, do C.P.Civil que o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância, desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Reportando-se, no caso, a danos igualmente decorrentes do acidente que constitui causa de pedir na acção, resulta, assim, manifesto nada obstar a que, como decidido - e independentemente das razões que motivaram a sua não inclusão no pedido inicial - fosse admitida a requerida ampliação do pedido ali formulado.
Por outro lado, e nos termos do art. 266º, nº2, daquele diploma, deve a compensação ser exercida através de reconvenção, ou seja, em sede de contestação.
Pretendendo a R., ora apelante, operá-la em momento processual ulterior, não se mostra, pois, admissível o pedido a tal respeitante – pelo que, também nesta parte, terão de improceder as alegações respectivas.

3. Pelo exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

13.9.2018
Ferreira de Almeida - relator
Alexandrina Branquinho - 1ª adjun