Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14240/21.5T8LSB-A.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Sendo o título executivo uma sentença, os fundamentos da oposição à execução serão apenas os constantes do art. 729 do C.P.C., não podendo a Ré que na ação declarativa não deduziu contestação discutir, na defesa por embargos, a própria matéria da sentença exequenda ou os factos que na referida ação foram alegados, ainda que, aparentemente, sob uma qualquer designação distinta ou pretexto diverso;
II- Invocando a executada, em oposição à penhora, que os três imóveis penhorados na execução têm um valor de mercado global não inferior a € 300.000,00, considerando as suas tipologias, localização e estado de conservação, e que essa penhora é desproporcionada face ao montante da quantia exequenda de € 13.000,67, tendo a executada indicado, no seu requerimento inicial, meios de prova, deve prosseguir o incidente, apesar das hipotecas que sobre os imóveis incidem (no valor de € 62.452,00), não podendo concluir-se liminarmente pela manifesta improcedência da oposição à penhora deduzida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [ Sara …. ], Ré no processo principal, veio, em 14.10.2021, deduzir oposição por embargos à execução de sentença que contra si foi instaurada, em 1.6.2021, por B [ Luís ……] , A. nos referidos autos, deduzindo ainda oposição à penhora. Na referida sentença foi a mesma condenada a pagar ao A. quantia de € 11.117,31, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alega a embargante/opoente, em síntese, que não deve a quantia exequenda, dado que o valor dos honorários acordado não foi o indicado na nota de honorários, e que a sentença dada à execução padece de um erro de cálculo, decorrente de um erro que consta da nota de honorários enviada à executada, nota de honorários que esta não aceita. Mais requer o levantamento das penhoras que incidem sobre os imóveis, face ao seu caráter excessivo e desproporcionado atento o valor da quantia exequenda. Indica uma testemunha, requer sejam prestadas declarações de parte pela executada e junta documentos.
Em 19.1.2022, foi proferida decisão que concluiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, indefiro liminarmente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e oposição à penhora deduzidas pela executada A.
(…).
Custas pela embargante (art. 527°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Fixo o valor da causa em 13.000,67 €, correspondente ao valor da execução (art. 308°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil).
(…).”
Inconformada, interpôs recurso a embargante/opoente, apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:

1- A douta sentença recorrida não se pronunciou sobre o invocado erro de cálculo na ação declarativa, erro esse que determinou que o valor da execução não corresponda à fundamentação deduzida na mencionada ação, e que viciou a ação executiva, pois que a douta sentença condenatória não exerceu qualquer valoração crítica sobre o modo como foi obtido o valor peticionado, sendo evidente, até por confessado, o erro das contas, o qual pode ser retificado a qualquer momento.
2- A penhora da conta bancária, acrescida da penhora de 3 frações autónomas, sitas em Lisboa, mostra-se excessiva face ao valor exequendo, que ronda os 16.000€. Aliás, estando as 3 frações livres de quaisquer ónus, até a penhora de uma delas seria excessiva face à desproporcionalidade do crédito.
3- Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo 202120/14.2YIPRT, de 16/03/2017, "III- É inadmissível a penhora de bens desnecessários para pagamento da dívida exequenda mais despesas previsíveis segundo valor legalmente presumido — art° 735°, n° 3, CPC.
IV) Tal desnecessidade ou desproporcionalidade afere-se balanceando o valor daquelas, prognosticado em relação ao momento da sua provável satisfação através da venda dos bens, liquidação da dívida e seu pagamento através do produto obtido (contando que não haja outros  credores concorrentes), e o valor venal ou de mercado dos mesmos (considerando que nenhuma oneração exista sobre eles), ou seja, o valor por que previsivelmente serão vendidos a qualquer interessado.
V)   Se este for desproporcionalmente maior que o exequendo (e acréscimos legais), a penhora deverá ser limitada aos suficientes e levantada quanto aos excessivos.
VI)  Interessa, pois, o seu valor venal ou de mercado, normalmente inferior ao de aquisição, como decorre das regras da normalidade perceptíveis em função da experiência comum segundo a qual um bem usado não vale o preço de custo, nem será vendido, muito menos em execução judicial, por preço sequer similar.".”
Pede que, “face à omissão de pronúncia quanto ao invocado erro de cálculo, deve douta sentença recorrida a presente ser julgada nula e substituída por outra que corrija o erro, ou que mande notificar o exequente para se pronunciar quanto ao erro e o corrija, já que é nítido o erro de cálculo”, levantando-se, ainda, a penhora, por excessiva, sobre os imóveis.
Não se mostram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentos de Facto:
A decisão fixou como provada a seguinte factualidade:
1) Na ação declarativa de condenação, sob a forma comum, que correu termos sob o n.º 4985/20.2T8LSB no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 2, em que é autor B (aqui exequente/embargado) e ré A (aqui executada/embargante), foi proferida sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 11.117,31 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, a contar de 29.03.2017, à taxa legal vigente em cada momento para os créditos dos não comerciantes.
2) A sentença referida em 1. foi proferida no dia 11 de abril de 2021.
3) Nos autos de execução a que coube o n.º 14240/21.5T8LSB, aos quais os presentes se encontram apensos, em que é exequente B a executada A, ora embargante, vem apresentado como título executivo, a sentença referida em 1..
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III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões acima transcritas, importa apreciar:
- da admissibilidade da oposição à execução por embargos, atento o erro de cálculo na sentença exequenda;
- da oposição à penhora (excesso face ao crédito exequendo).
A) Da admissibilidade da oposição à execução por embargos, atento o erro de cálculo na sentença exequenda:
A primeira questão a apreciar respeita à admissibilidade da oposição deduzida.
Diz a apelante que houve erro de cálculo na ação declarativa, erro esse que determinou que o valor da execução não corresponda à fundamentação deduzida na mencionada ação, e que viciou a ação executiva, pois que a sentença condenatória não exerceu qualquer valoração crítica sobre o modo como foi obtido o valor peticionado, sendo evidente, até por confessado, o erro das contas, o qual pode ser retificado a qualquer momento.
Na decisão recorrida entendeu-se neste tocante: “(…) O que agora a executada/embargante alega, teve a oportunidade de o alegar no âmbito da ação declarativa, para a qual foi chamada para se defender contra a pretensão do autor, não o tendo feito.
Sendo assim, bem se compreende que, promovida a execução da sentença condenatória, o executado esteja inibido de opor ao exequente aquilo que já opôs ou poderia ter oposto no processo de declaração, pois "aquilo que foi ou poderia ter sido matéria de defesa no processo declarativo tem de arredar-se completamente, sob pena de se comprometer e invalidar a eficácia do caso julgado'' (Cfr. José Aberto dos Reis, Processo de Execução, 2º, Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 17).
O efeito do caso julgado material consiste precisamente na insusceptibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido.
Em suma, os factos alegados pela executada/embargante respeitantes à génese da obrigação irrelevam nesta sede de oposição à execução baseada em sentença.
Ainda que assim não fosse, sempre teria a executada/embargante de fazer prova documental dos factos alegados, pois nos termos da citada alínea g) do art. 729° do Código de Processo Civil exige-se que os factos extintivos ou modificativos da obrigação sejam provados por documento, o que manifestamente não sucede no caso dos autos.
Por conseguinte, não tendo a executada/embargante alegado validamente factualidade consubstanciadora de qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva do invocado direito do exequente, nem tão pouco invocado qualquer facto que afete a própria validade do título, forçoso é concluir pela manifesta improcedência dos presentes embargos de executado, o que constitui motivo para indeferimento liminar nos termos do disposto no art. 732°, n.° 1, alínea c) do Código de Processo Civil.”
Analisando.
Na execução para pagamento de quantia certa, uma vez citado/notificado, o executado pode opôr-se à execução por meio de embargos, no prazo de 20 dias, conforme dispõe o art. 728 do C.P.C..
A oposição deduzida nestes termos, e com os fundamentos previstos nos arts. 729 a 731 do mesmo C.P.C. (de acordo com o título que é dado em execução), visa a extinção da execução, “mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva.”([1])
A oposição à execução tem, assim, a natureza de uma contra-ação que visa obstar à produção dos efeitos do título executivo.
No que concretamente respeita à execução de sentença, o executado pode deduzir oposição à execução apenas pelos motivos constantes do art. 729 do C.P.C.
Por sua vez, nos termos do art. 732, nº 1, do C.P.C., os embargos serão liminarmente indeferidos se:
“a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo;
b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º;
c) Forem manifestamente improcedentes.”
Recebidos os embargos, seguem estes a tramitação prevista nos nºs 2 e 3 do mesmo art. 732 do C.P.C..
Dispõe o indicado art. 729 do C.P.C., sob a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença”, que: “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”
No caso, o título dado em execução é constituído por uma decisão judicial condenatória proferida em 11.4.2021.
Por conseguinte, os fundamentos da oposição admissíveis serão somente os indicados no art. 729 do C.P.C., que procede a um elenco taxativo de meios de defesa autorizados na oposição à execução fundada em sentença.
Ora, o aludido erro de cálculo que a embargante atribui à sentença exequenda – sentença na qual foram considerados confessados os factos alegados na petição inicial em virtude da ali Ré, regularmente citada, não ter contestado nem constituído advogado – não corresponde a nenhum dos aludidos fundamentos.
Na verdade, o que a embargante invoca na sua oposição à execução – para além de referir que não deve a quantia exequenda dado que o valor dos honorários acordado não é o que consta da nota de honorários – é que a referida sentença padece de um erro de cálculo por sua vez decorrente de um erro que consta da nota de honorários enviada à executada e que esta não aceita.
Aliás, a embargante desenvolve, concretamente, no texto da alegação: “(…) 2º - Os embargos foram deduzidos porquanto, entende a executada que não deve o valor em que foi condenada, dado existir um erro de cálculo na sentença exequenda, decorrente de um erro que consta da nota de honorários enviada à executada.
3º - Na verdade, o exequente refere que sobre os seus honorários recai uma percentagem de 2%, referente às despesas de secretariado, correio, telecomunicações, entre outros, e apresentando um valor de 1.372€, quando na verdade, 2% sobre 6.860€ não são 1.372€, mas 137,20€, sendo que se está perante um nítido erro de cálculo, tratando-se além do mais de facto confessado pelo exequente de que pretendia aplicar uma taxa de 2%, pelo que, baseando-se a douta sentença dada à execução no documento apresentado, teria que ter sido corrigido tal erro, pois que se o engano tivesse sido de um milhão de euros, obviamente que não se poderia estar perante um caso julgado se o valor não fosse devido e se tratasse de um erro de cálculo, tendo que necessariamente ser reduzido o valor da dívida.
(…).”
Do texto transcrito decorre que a embargante não se reporta, tão pouco, a uma retificação da sentença nos termos dos arts. 614 do C.P.C. e 249 do C.C., antes aludindo a um erro na própria nota de honorários que, segundo diz, terá sido refletida depois na decisão.
Como é evidente, tal não corresponde a um erro de cálculo da sentença, a um qualquer lapso material desta.
O erro material, corrigível por despacho, a que se refere o art. 614 do C.P.C., é o erro de cálculo ou de escrita ou inexatidão decorrente de lapso manifesto do julgador, revelado no contexto da decisão (art. 249 do C.C.), e que não se confunde com o erro de julgamento.
Como nos explica J. Alberto dos Reis([2]): “(…) O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real.
(…) O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento (…).” 
Na situação em análise, não se invoca, por isso, um simples erro de cálculo na sentença exequenda.
O que se questiona, afinal, é o teor da dita nota de honorários e/ou o facto correspondente que terá sido alegado na petição inicial na ação declarativa quanto ao respetivo montante.
Sucede que tal matéria, como se refere na decisão sob recurso, só poderia ter sido suscitada pela Ré na dita ação declarativa de condenação e, no âmbito da mesma, debatida e apreciada.
Não tendo a ali Ré, ora embargante, deduzido oportuna contestação na causa – pelo que, repete-se, foram julgados confessados os factos alegados pelo A. – não pode agora, na defesa por embargos, que visa a extinção da execução, discutir a própria matéria da sentença exequenda ou os factos que na referida ação foram alegados, conforme decorre do referido art. 729 do C.P.C., ainda que, aparentemente, sob uma qualquer designação distinta ou pretexto diverso.
Nem poderia, por imperativo de ordem lógica, ser de modo diferente.
Acresce que constituem título executivo as sentenças transitadas em julgado, isto é, insuscetíveis de recurso ordinário ou reclamação (art. 628 do C.P.C.), e ainda aquelas contra as quais tenha sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo (art. 704 do mesmo C.P.C.).
Em suma, é manifesto que nenhum dos fundamentos aduzidos pela embargante se enquadra no art. 729 do C.P.C., o que, de acordo com o disposto no art. 732, nº 1, al. c), do C.P.C., constitui motivo para indeferimento liminar dos embargos, conforme decidido em 1ª instância.
Improcede, neste ponto, o recurso.
B) Da oposição à penhora (excesso face ao crédito exequendo):
Na decisão recorrida indeferiu-se ainda a oposição à penhora deduzida, por se entender não haver excesso nos bens penhorados, da forma seguinte: “(…) No caso dos autos, salvo melhor opinião, afigura-se-nos não ser possível concluir que as penhoras efetuadas na execução, designadamente dos imóveis, pese embora de valor superior ao valor da execução e demais acréscimos, são excessivas, porquanto todos os imóveis penhorados encontram-se onerados com hipotecas registadas sobre os mesmos a favor de terceiro, não sendo é possível de forma alguma assegurar que, após concurso de credores, o exequente veja ressarcido o seu crédito pelo produto da venda dos imóveis, desconhecendo-se, em absoluto, na presente data, quais os valores que poderão ser alcançados na fase da venda.
Ademais, além de não alegar que algum dos imóveis penhorados é sua habitação própria permanente, a executada também não alega ou demonstra que a penhora de outros bens permite a satisfação integral do credor no prazo de seis meses ou de trinta meses, em resultado da aplicação do disposto no n.° 3 ou no n.° 4, alínea a) do art. 751° do Código de Processo Civil.
E os demais bens penhorados, para além dos imóveis, são manifestamente insuficientes para assegurar o pagamento do crédito exequendo.
Assim, não está demonstrada qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação da penhora, sendo a penhora dos imóveis admissível, ainda que excessiva no confronto entre o valor patrimonial e o valor em dívida na execução, por não ter sido demonstrado, desde logo, que a penhora de outros bens permita a satisfação integral do credor nos prazos de seis ou de trinta meses.
Sacrifica-se aqui o princípio da proporcionalidade em benefício da necessidade da realização célere do fim da execução (Cfr. Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, p. 277).
Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.02.2018, Processo 60/10.6TBPDL-A.L1-2, de 27.02.2020, Processo 870/13.2TCLRS-B.L1-8 e do 24.03.2021, Processo 9364/18.9T8SNT-A L1-4 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.05.2018, Processo 989/15.5T8STB-B.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em suma, não estando em causa qualquer uma das situações de impenhorabilidade previstas nos arts 736° a 739° e 743° a 745°, todos do Código de Processo Civil, a pretensão da executada/opoente terá de ser liminarmente indeferida, por manifestamente improcedente, de harmonia com o disposto no art. 732°, n.° 1, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi art. 785°, n.° 2, do mesmo diploma.
(…).”
A apelante defende, na linha da oposição à penhora deduzida, que encontrando-se penhoradas contas bancárias num total de € 3.000,00 e três imóveis sitos em Lisboa, cada um deles com um valor de mercado de pelo menos € 100.000,00, é excessiva a penhora destes últimos que deve, por isso, ser levantada.
Analisando.
A oposição à penhora, diferentemente do que sucede na oposição à execução, constitui o meio adequado para o executado reagir contra a penhora ilegal.
Assim, estabelece o art. 784 do C.P.C., sob a epígrafe “Fundamentos da oposição”,  que: “1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 - Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.”
O incidente de oposição à penhora deve ser deduzido pelo executado no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato da penhora (art. 785, nº 1), seguindo o mesmo os termos dos arts. 293 a 295, e aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 732 (art. 785, nº 2).
Esta remissão final significa, designadamente, que há lugar a despacho liminar, cabendo ao juiz indeferir a oposição à penhora se o incidente tiver sido deduzido fora de prazo, se o fundamento não se ajustar ao disposto no art. 784, nº 1, ou se for manifestamente improcedente (art. 732, nº 1)([3]).
Pode ainda a oposição à penhora ser deduzida nos termos do art. 856 do C.P.C. (cumulada com os embargos de executado), seguindo a execução comum para pagamento de quantia certa a forma de processo sumário (art. 550, nº 2, do C.P.C.).
A procedência da oposição à penhora implica o levantamento da penhora e o cancelamento de eventuais registos (art. 785, nº 6).
No caso, conforme consta da decisão recorrida e do Auto de Penhora de 21.6.2021, encontram-se penhorados nos autos os seguintes bens pertencentes à executada:
a) depósito bancário em conta a prazo junto da Caixa Económica Montepio Geral (3 titulares), no valor de € 716,15;
b) depósito bancário em conta à ordem junto da Caixa Económica Montepio Geral (3 titulares), no valor de € 477,44;
c) fração autónoma designada pela letra "F", correspondente ao 2º andar esquerdo, sito na … Lisboa, afeta a habitação, com 3 divisões assoalhadas, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° … da freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do Beato, concelho de Lisboa, com o valor patrimonial atual de € 28.937,65, determinado no ano de 2018;
d) fração autónoma designada pela letra "H", correspondente ao 3° andar esquerdo, sito na … Lisboa, afeta a habitação, com 3 divisões assoalhadas, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° … da freguesia de Penha de França, concelho de Lisboa e Inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do Beato, concelho de Lisboa, com o valor patrimonial atual de € 28.937,65, determinado no ano de 2018;
e) fração autónoma designada pela letra "A", correspondente à Loja 57, afeta a comércio, com uma divisão assoalhada, sito na Rua … Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° … da freguesia de Santa Engrácia e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de São Vicente, concelho de Lisboa, com a valor patrimonial atual de € 42.719,23, determinado no ano de 2019.
Por sua vez, sobre as referidas frações autónomas incidem hipotecas voluntárias a favor da Caixa Económica Montepio Geral no valor de € 62.452,00.
O valor global indicado dos referidos bens penhorados é de € 101.788,12 e o valor da quantia exequenda de € 13.000,67, tendo o agente de execução liquidado provisoriamente a responsabilidade da executada em € 15.040,78.
Estabelece o nº 3 do art. 735 do C.P.C.: “A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.”
Dispõe ainda o art. 751 do C.P.C. que: “1 - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
2 - O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior.
3 - Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.
(…).”
Admite-se, por isso, a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens não se mostre suficiente à satisfação integral do credor no prazo de seis meses.
A executada não invoca que qualquer dos imóveis penhorados constitua a sua habitação ou estabelecimento comercial, sendo certo que os restantes bens penhorados – saldos bancários – não permitem minimamente a satisfação integral do crédito exequendo.
Porém, o que a mesma executada/opoente defende é que os três imóveis têm um valor de mercado global não inferior a € 300.000,00, considerando as suas tipologias, localização e estado de conservação, pelo que é excessiva aquela penhora tendo em conta o montante da quantia exequenda.
Nesta fase liminar apenas é conhecido, como vimos, o valor patrimonial dos prédios, os três sitos em Lisboa, bem como a respetiva tipologia, e que os mesmos se encontram onerados com hipotecas voluntárias no montante de € 62.452,00, próximo desse valor patrimonial global (€ 28.937,65 + € 28.937,65 + € 42.719,23).
No entanto, não pode descartar-se, à partida, que o respetivo valor de mercado individual seja, como defende a executada, claramente superior e, por isso, que a sua penhora seja desproporcionada, por excesso, ao valor do crédito exequendo e das despesas previsíveis da execução, em violação do disposto nos arts. 735 e 751 do C.P.C..
Com efeito, pode vir a concluir-se, no âmbito deste incidente, que o valor de um dos imóveis ou de dois deles, apesar das hipotecas que sobre os mesmos incidem, será suficiente para o efeito, impondo-se, nesse caso, a delimitação da penhora aos seus justos limites.
Acresce que a executada indicou, no seu requerimento inicial, meios de prova – arrola uma testemunha, requer sejam prestadas declarações de parte pela executada e junta documentos – e que o incidente de oposição à penhora segue os termos dos arts. 293 a 295 do C.P.C..
Assim sendo, não podendo entender-se, desde já, com segurança, que a penhora dos três imóveis não ofende o princípio da proporcionalidade nem é desadequada, não pode concluir-se que o incidente correspondente é manifestamente improcedente, justificando-se o seu indeferimento liminar, nos termos do art. 732, nº 1, al. c), do C.P.C., ex vi do art. 785, nº 2, do mesmo Código.
Por conseguinte, cumpre revogar o decidido neste tocante, prosseguindo o incidente de oposição à penhora, conforme previsto no art. 785 do C.P.C..
Procede, nesta vertente, o recurso.
*
IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
- julgar parcialmente improcedente a apelação e manter a decisão recorrida na parte em que indeferiu liminarmente a oposição à execução mediante embargos;
- julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a decisão recorrida na parte em que indeferiu liminarmente a oposição à penhora, determinando o prosseguimento do  incidente respetivo, conforme previsto no art. 785 do C.P.C..
Custas pela apelante, na proporção de metade.
Notifique.
*
Lisboa, 31.5.2022
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes
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[1] José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva – à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª ed., pág. 195.
[2] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, 1984, pág. 130.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 321 e 322.